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Da prescrição do poder de polícia no âmbito da Administração Pública federal brasileira

Da prescrição do poder de polícia no âmbito da Administração Pública federal brasileira

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Este trabalho tem por objetivo final a análise de alguns aspectos da Lei nº 9.873/99, a lei que estabelece o prazo de prescrição para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal direta e indireta.

OBJETIVO

O presente trabalho tem por objetivo final a análise de alguns aspectos da Lei nº 9.873/99, a lei que estabelece o prazo de prescrição para o exercício da ação punitiva pela Administração Pública Federal direta e indireta. Mas, para isso, gizaremos fundamentos de interpretação normativa, e sua evolução com o correr do tempo, daremos alguns conceitos do Direito Penal, imprescindíveis ao entendimento do texto em seu totum, e analisaremos, detidamente, os conceitos e consectários do poder de polícia administrativa, para, finalmente, chegarmos à detença de pontos que elegemos mais importantes da referida Lei, com o presente de trazermos a exposição de motivos da Presidência da República à MP 1.708, de 30 de junho de 1998, a qual veio a redundar na Lei 9.873/99. Ainda, transpassaremos o atual Código Civil Brasileiro, com suas causas de interrupção da prescrição. Após, discorreremos sobre o quê significa o abuso de autoridade, e acerca dos meios que os Administrados têm para se defender quando da ocorrência ou da iminência de algum ato abusivo. Por fim, antes da apresentação do material bibliográfico matriz do Autor, exporemos a estrutura organizacional da Fiscalização do Banco Central do Brasil, e as conclusões finais do trabalho.


DA INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS

Na Ciência Jurídica, assim como em todas as outras Ciências, temos de optar por uma matriz teórica.

No Direito, destacam-se 2 matrizes, ou seja, dois modos de o operador do sistema engendrar a aplicação das normas.

Uma das matrizes é a analítica. Seus principais doutrinadores são Hans Kelsen e Norberto Bobbio. Os analíticos defendem, sobremaneira, o ideal iluminista da Revolução Francesa, qual seja, o de o Estado garantir a liberdade, e isso ele faria muito bem se, simplesmente, deixasse a sociedade resolver seus cismas.

Como corolário dessa matriz, temos a força absoluta dada às leis. Aí, destaca-se o sistema jurídico francês, que, diga-se de passagem, apenas no início do século XX conheceu o controle de constitucionalidade. A idéia da lei, associada à influência de Lassale (este dizia que a Constituição nada mais era do que uma "folha de papel"), levaram ao império da lei, elaborada pelo Parlamento. Era impensável que uma lei pudesse cair frente à Constituição (esta era uma "simples folha de papel").

Até hoje, na sociedade francesa, o controle da constitucionalidade é feito do modo concentrado. Os juízes singulares, de 1ª Instância, não têm o poder de decretar uma lei inconstitucional.

Ainda, na França, há uma jurisdição para as causas de Direito Administrativo, onde os juízes administrativos são servidores da Administração Pública, não vinculados ao Judiciário. Em França, podemos falar da coisa julgada administrativa.

O dogmatismo, o poder dos Códigos, a idéia da segurança jurídica (no sentido de que o cidadão tem na lei, sempre perfeita, toda a sua proteção) dão a matiz a essa primeira matriz. A propósito, Napoleão Bonaparte ficou extremamente decepcionado quando lhe foi apontada uma situação que o seu Código Civil não previa. O Código tinha de regular tudo, para não dar nenhum espaço a dúvidas. O Juiz, nesse sistema, é tão-somente, "la bouche de la loi".

Como exemplo da aplicação dessa matriz, na sua forma mais ortodoxa (veja-se que essa matriz também ajudou a Ciência Jurídica, no momento em que tornou mais claro o seu objeto, autonomizando-a de outras Ciências Humanas, como a Sociologia e a Filosofia), temos um exemplo citado pelo Dr. Lênio Streck, Promotor de Justiça no Rio Grande do Sul e Coordenador do Centro de Mestrado e Doutorado da UNISINOS-RS, qual seja: "A dogmática jurídica não convive pacificamente com os princípios constitucionais como o da proporcionalidade, razoabilidade, subsidiariedade, etc, a tal ponto de uma doutrina penal admitir, p. ex., que a pena de um furto qualificado por concurso de pessoas seja o dobro da pena do crime de sonegação de tributos ou de corrupção ou lavagem de dinheiro. É o desde-já sempre e como-sempre-o-Direito-tem-sido, que proporciona a rotinização do agir dos operadores jurídicos, propiciando-lhes, em linguagem heideggeriana, uma "tranqüilidade tentadora".

Outra matriz, a hermenêutica, é a defendida por Heidegger e Gadamer. Essa matriz, em evolução à anterior, defende ideais como o valor supremo da Constituição, a responsabilidade de os Juízes ao aplicar a lei, não devendo esses "limpar as mãos", no sentido de que a eles cabe somente aplicá-la, não importando-lhes que a lei seja totalmente dissociada dos princípios fundantes da Carta Magna e, mesmo, dos aplicáveis à sociedade que os circunda.

Para essa matriz, a experiência, a vivência e a existência, aliada à idéia da Constituição como norma maior ordenadora do sistema jurídico, deve guiar o Juiz no momento de prolatar sua sentença (afinal, sentença, não significa sentir ?)

Essa matriz defende que o Magistrado (não somente "la bouche de la loi") deve ponderar os valores constitucionais e sociais para fundamentar a sua sentença.

Idéias no Direito Civil, que nunca seriam admitidas pela matriz analítica, como a relativação da coisa julgada, já são correntes no Superior Tribunal de Justiça, como se vê do Resp nº 330172, publicado no DJU de 22/04/2002, senão vejamos:

"Esta Turma, em caso que também teve seu pedido julgado improcedente por falta de provas (Resp n. 226.436-PR, DJ 04/02/2002), mas diante das suas peculiaridades (ação de estado - investigação de paternidade etc.), entendeu pela relativação da coisa julgada".

Como síntese desse tópico, fique-se com a noção de que interpretar uma norma jurídica não é somente "aplicar a lei". Isso porque, antes sequer de lê-la, temos de ter condições de lê-la, isto é, temos de ter presentes os princípios constitucionais (e isso é o ponto de partida), o contexto em que tal norma se insere e o entendimento de seus antecedentes e conseqüências. Não temos, por óbvio, como discutir seriamente Direito Constitucional sem dominarmos termos como "nulidade parcial sem redução de texto" e "interpretação conforme". É por isso que, antes de analisarmos o objeto propriamente dito de nossa exposição, qual seja, a prescrição no âmbito do poder de polícia da Administração, somos forçados a noticiar alguns elementos indispensáveis para que o leitor possa, na sua inteireza, interpretar a norma, e não somente lê-la.


ALGUNS CONCEITOS DO DIREITO PENAL

Na medida em que o Direito Administrativo e o Direito Penal têm como escopo a limitação da liberdade individual em prol do interesse coletivo, através da atuação do Estado, esses 2 ramos do Direito Público muito têm em comum. Veja-se que na Res. 1.065/85, do Conselho Monetário Nacional, que regula o processo administrativo no âmbito do Banco Central do Brasil, as penalidades são denominadas de "penas".

No arcabouço conceitual da tipologia criminal, existem conceitos que são emprestados semanticamente a outras áreas da Ciência Jurídica, notadamente à Lei 9.873/99, que trata da prescrição dos atos de polícia do Estado, senão vejamos.

O crime continuado é aquele que é praticado pelo agente mediante mais de 1 ação ou omissão da mesma espécie, em razão de determinadas circunstâncias, como o lugar e o tempo Conforme Aníbal Bruno, em seu "Das penas", "cada uma das ações que se sucedem se apresenta isoladamente como um crime completo, independente, embora seja apenas um episódio de um crime único como resulta da conexão que as circunstâncias de tempo, lugar e outras semelhantes em que as várias ações se realizam estabelecem entre elas. O agente pode furtar um saco inteiro de açúcar subtraindo cada dia uma pequena porção. Assim também quando o criado subtrai cada dia pequena importância da gaveta do patrão, ou quando o indivíduo pratica repetidas vezes adultério com a mesma mulher". Para efeito de sua punição no Direito Penal, toma-se a pena do crime, e acrescenta-se de 1/6 a 2/3, ainda que tenham sido mais de 30 ações ou omissões.

O crime permanente, conforme Luiz Regis Prado, em seu "Curso de Direito Penal brasileiro, é aquele cuja "conduta se protrai no tempo pela vontade do agente e o tempo do crime é o de sua duração (v. g. art. 148 do CP-seqüestro e cárcere privado)";

Também é do Pós-Doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de Zaragoza (Espanha), Luiz Regis Prado, que trazemos a brilhante e conclusiva definição de prescrição, qual seja, "o não-exercício do jus puniendi estatal conduz à perda do mesmo em face do lapso temporal transcorrido. A prescrição corresponde, portanto, à perda do direito de punir pela inércia do Estado, que não exercitou dentro do lapso temporal previamente fixado".

E, aqui, entendemos que é o momento de discorrermos sobre o parágrafo 2º do art. 1º da referida Lei, senão vejamos:

"Quando o fato objeto da ação punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal"

Veja-se, a respeito excertos do Resp º 16.265, julgado em 05 de agosto do corrente:

"...Com efeito, em que pese a infração administrativa cometida pela recorrente também constituir crime, em nenhum momento foi oferecida denúncia por qualquer crime cometido e tampouco foi instaurado inquérito(penal) para a sua eventual apuração... Assim, o prazo prescricional a ser aplicado é o administrativo e não o penal" (grifo nosso)

Também, da ROMS nº 10699, publicada no DJU de 04/02/2.002, assim temos:

"Não havendo crime, seja porque não denunciado um dos recorrentes, sendo o outro impronunciado por falta de provas, ausente o parâmetro da lei penal a regular o prazo extintivo da ação estatal, sendo, pois, a sanção de caráter administrativo. Regula, então, a prescrição, neste caso, a legislação relativa ao processo administrativo disciplinar"

Isso posto, temos que, em sede de uma inspeção externa, ao nos depararmos com fato que possa ser tanto infração administrativa quanto ilícito penal, ainda que prescrito o direito de punir quanto à infração administrativa, devemos, imediatamente, proceder à comunicação dos indícios ao Ministério Público, e, também, prosseguir com o inquérito (inspeção externa), e, por fim, instaurarmos o devido processo administrativo. Contudo, entendemos que os atos decisórios do processo administrativo ficam sobrestados até a sentença penal condenatória transitada em julgado, única com autoridade de definir se um fato foi crime ou não (até então, a inocência é presumida, conforme exposto em nossa Carta Maior). Dessa sentença, em sendo condenatória, o processo administrativo pode seguir, ficando com toda a questão de prazos (e, aqui, entendemos, causas de prescrição) regida pela lei penal. No entanto, se a sentença penal for absolutória, o prazo prescricional terá de ser, obrigatoriamente, o administrativo, qual seja, 5 anos da ocorrência do fato (Lei 9.873/99), com, no máximo, mais 2 anos e meio, se interrompida a prescrição antes de completar o qüinqüênio, por fato que importe apuração de fato específico (inspeção externa aberta com designação específica).


DA EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA LEI 9.873/99

A Lei 9.873/99 foi a conversão da MP de nº 1.708, esta de 30/06/1998.

Uma excelente ferramenta ao aplicador da Lei é a leitura da sua exposição de motivos.

Abaixo, colaremos excertos da exposição de motivos da MP susa referida:

"A previsão de prescrição no âmbito administrativo tem por objetivo dar fim aos embaraços a que são submetidos os administrados quando, em razão da ausência de norma legal que preveja a extinção do direito de punir do Estado, são indiciados em inquéritos e processos administrativos iniciados muitos anos após a prática de atos reputados ilícitos".

"A presente proposta se coaduna com o texto constitucional de 1988, que traz como regra a prescritibilidade consignando as exceções. Assim é que a Constituição prevê em seu art. 5º, inc. XLVII, "a", que não haverá penas de caráter perpétuo. Também prevê, nos incisos XLII e XLIV do citado artigo, que são imprescritíveis os crimes consistentes na prática do racismo e na ação de grupos armados civis ou militares contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Se somente esses crimes são imprescritíveis, há que se admitir a prescrição para o ilícito administrativo. Não admitir a prescrição, no caso, é tornar a Administração senhora da tranqüilidade do administrado, pois ficará ao arbítrio dela dispor a respeito de quando irá puni-lo. Isto implica tornar perpétua a ação de punir, causando, assim, notória instabilidade".

"Por derradeiro, deve-se atentar para o fato de que a presente proposta uniformiza a questão da prescrição no âmbito da Administração Pública Federal"

Primeiramente, vê-se, claramente, que a referida Lei, ao tratar sobre o poder de polícia administrativa do Estado, considera 2 maneiras de operacionalizá-lo, quais sejam, "inquéritos e processos administrativos ". Isso é muito importante guardarmos, pois a susa Lei tratará sobre a interrupção e a suspensão da prescrição do direito de punir do Estado, mas, sempre quando o fizer, estará se referindo aos procedimentos realizados no âmbito ou de um inquérito administrativo ou de um processo administrativo.

E, aqui, tecemos uma de nossas primeiras conclusões, senão vejamos.

Tendo-se como arcabouço conceitual que o processo administrativo, no âmbito do Banco Central do Brasil, tem início quando da "intimação" (a despeito de, tecnicamente, o correto seria denominarmos citação, conforme o próprio inc. I do art. 2º da lei ora em comento), podemos visualizar o inquérito administrativo - sinônimo de sindicância (meio através do qual o BACEN colherá materialidade e indício de autoria para instruir, posteriormente, o processo administrativo) como aquele realizado com o início por ocasião da emissão do documento chamado de designação para que um Servidor proceda às investigações em uma Instituição financeira ou uma Administradora de Consórcio. E, aqui, o Resp nº 16.265, julgado em 05 de agosto do corrente deixa expresso:

". . . Aos 19 de abril de 1993 foi instaurada sindicância pela Delegada de Ensino - fl. 18- sendo certo que nesta oportunidade houve interrupção do prazo prescricional" (ora, é a designação para apuração de fato específico o instrumento análogo no âmbito do exercício do poder de Polícia do Banco Central do Brasil que instaura o inquérito administrativo).

Logo, entendemos que a requisição de documentos, por si só, não tem o condão de interromper o prazo prescricional, melhor não seja pelo contido no Acórdão acima (a instauração de sindicância - a designação para uma inspeção externa- é que interrompe o prazo prescricional), pelo fato de que, da análise desses documentos, é que se poderá ter um motivo para iniciar um inquérito (inspeção externa). Veja-se, poderá, da análise desses documentos requisitados, haver a possibilidade de não se abrir um inquérito, pois há a chance de se restar comprovado, da simples análise desses documentos, que não existe qualquer materialidade sobre o fato. Resumindo, uma requisição de documentos é procedimento prévio à abertura de um inquérito, este, conjuntamente com o processo administrativo, as 2 únicas hipóteses ensejadoras da interrupção do lapso prescricional, conforme a interpretação autêntica (colhida da exposição de motivos) da referida Lei. E a Lei 9.873/99 menciona inquérito e processo administrativos. Ora, podemos dar como sinônimo de um inquérito uma simples requisição de documentos ? Entendemos que não, inquérito é um conjunto de procedimentos com o fim de colher a materialidade de um fato (sindicância, inspeção externa). A requisição de documentos pode acontecer previamente a essa inspeção (como ensejadora de motivos para se abrir uma inspeção desse tipo), ou durante o curso de uma inspeção. Mas, certamente, é a designação para apurar fato específico que enseja a interrupção do prazo prescricional (conjuntamente com a "intimação" que dá início ao processo administrativo), não um simples ato de requisição de documentos.

Daí a importância de se delimitar um tempo, na própria designação, quando de uma Inspeção externa, um lapso temporal para a permanência da ação fiscalizatória sobre o Administrado, para que este não fique arbitrariamente sob constrição, ainda, como veremos abaixo, que o limite para o exercício da atividade administrativa, considerada a interrupção da prescrição, seja de 7 anos e meio.

Registre-se um caso por nós conhecido de uma investigação criminal conduzida pelo Ministério Público que já durava mais de 3 anos. Nesse caso, o indiciado impetrou um hábeas corpus para trancar a ação penal, sob o fundamento de que não podia ficar, indefinidamente, sob investigação, ou seja, ou o Ministério Público solicitaria o arquivamento do inquérito, ou deveria promover, incontinenti, a ação penal. O MP, por seu turno, sustentava que a prescrição do crime era de 20 anos. O Juiz Criminal concedeu um prazo em dias para que o MP apresentasse a denúncia, ou solicitasse o arquivamento do inquérito, sob pena de o Magistrado conceder ex officio um hábeas corpus para o trancamento da ação penal. Caso surgissem fatos novos, seria perfeitamente permitido, dentro dos 20 anos, reabrir a investigação, mas não manter, constantemente, o cidadão sob investigação. Não devemos nos esquecer de que, por princípio, a liberdade é a regra, o contrário, é exceção, como nos ensina José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional positivo.


DO PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA

Maria Sylvia Zanella di Pietro, em seu "Direito Administrativo", e Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu "Curso de Direito Adminisrativo" servir-nos-ão de ancoradouro conceitual.

Sem maiores delongas, temos que o conceito de poder de polícia faz parte do que chamamos de regime jurídico-adminisrativo. Esse, podemos definir como o sistema próprio em que a Administração Pública está inserida. Nele, os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público fundamentam porque o Estado é legitimado para tomar algumas atitudes que, desde que seguidos os princípios constitucionais como os da ampla defesa e o do contraditório, podem limitar a liberdade dos indivíduos, tudo isso em nome do interesse coletivo.

Como postulado, temos o princípio da proporcionalidade, tão defendido, desde os gregos, e relativamente olvidado pelos modernos revolucionários franceses. Tal diretriz nos dá o modo como devemos interpretar as normas. O "rebuc sic standibus" parece, felizmente, estar voltando à "moda", caindo em desuso o rígido "pacta sunt servanta". Vejam-se a positivação da desconsideração da pessoa jurídica, iniciada pelo Código de Defesa do Consumidor, e a função social dos contratos, esta inaugurada pelo art. 421 do Novo Código Civil Brasileiro.

Themístocles Brandão Cavalcanti, em seu Tratado de Direito Administrativo, anota que "a limitação à liberdade individual tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direitos essenciais ao homem".

Nessa esteira, entenda-se que, de fato, com o poder de polícia, está-se limitando a liberdade individual sim, mas em benefício do interesse público.

Como um dos meios de atuação do poder de polícia, temos a fiscalização, a qual, de maneira preventiva, visa à adequação do comportamento individual à lei, podendo, inclusive, redundar em notificações, na medida em que tenha havido um distanciamento do agente em relação ao interesse público.

O poder de polícia tem as prerrogativas da discricionariedade, da auto-executoriedade e da coercibilidade.

Quanto à discricionariedade, frise-se que isso não significa que o Agente do Estado encarregado da fiscalização não tenha de respeitar as normas, o que seria um desrespeito à Carta Maior. A discricionariedade significa, sim, que o poder de fiscalização será exercido em momento julgado conveniente e oportuno, a ser julgado pela Administração Pública. Em respeito ao requisito da finalidade do ato administrativo, a Administração deve, previamente, declinar o mote de sua ação fiscalizatória, ou seja, como nos ensina Di Pietro, "finalidade é o resultado que a Administração quer alcançar com a prática do ato".

A auto-executoriedade significa que o Agente Público do Poder Executivo pode agir (e aqui, retificamos, pode-deve agir, na medida em que ao executor são dadas prerrogativas para serem usadas, e não poderem ser usadas) sem ter de pedir autorização aos Poderes Judiciário e Legislativo. O controle do ato administrativo que já foi, no ordenamento constitucional anterior, prévio, hoje prevalece o caráter posterior, exceção à faculdade dada pelo Texto de 1988 aos Tribunais de Contas de "sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal" (inc. X do art. 71 da Constituição Federal de 1988), que caracteriza o controle concomitante do ato administrativo.

No entanto, dado que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (inc.XXXV do art. 5º do Texto Maior vigente), ainda que em sede de controle a posteriori, os atos administrativos ainda que auto-executáveis, devem ser pautados pelos requisitos da competência, e da motivação. Isso redunda em que o Agente deve possuir autorização legal para agir. E o que é o exercício do poder de polícia senão um conjunto de atos administrativos ? Essa competência é conferida a Órgãos, Entidades ou Servidores. Por exemplo, o Banco Central do Brasil está autorizado pelo inc.IX do art.10 da Lei 4.595, a lei que regulamenta o Sistema Financeiro Nacional, a, privativamente, "exercer a fiscalização das instituições financeiras e aplicar as penalidades previstas". Já, a motivação, envolve que a Administração decline dos fundamentos fáticos e de Direito que embasam sua atividade fiscalizatória. Ou seja, deve o Fiscal, ao se apresentar ao fiscalizado, deixar consignados os acontecimentos fáticos que deram início à sua atividade fiscalizadora. Também, devem ser expostos, antes do início do procedimento fiscalizatório, os dispositivos legais embasadores da legalidade do ato fiscalizador. A respeito, tenha-se em mente o art. 50 da Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal brasileira:

"Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos,"

Quanto à coercibilidade, significa essa prerrogativa em que a Administração pode-deve exigir que o fiscalizado se adeqúe à normatização prevista na defesa do interesse público. Um exemplo seria a exigência de que uma Instituição financeira provisione certas despesas de créditos insolváveis para que possa fazer frente às contingências que podem surgir, e, assim, não vir a sofrer de crises de liquidez, o que redundaria em um enorme prejuízo a toda a sociedade.

No entanto, para efeito de podermos caracterizar a interrupção da prescrição por qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato, como veremos abaixo, a delimitação do objeto a ser fiscalizado deve ser, obrigatoriamente, feita pelo Fiscal, antes de iniciar o seu procedimento, ou seja, deve delimitar o Agente o seu campo de atuação, isso para que possa, legitimamente, bem exercer a defesa dos interesses da coletividade, mas sem desrespeitar os interesses do fiscalizado. Gizamos esse ponto porque, aqui, visualizamos 2 tipos de designação possíveis no âmbito do poder de polícia da Fiscalização do Banco Central do Brasil, uma de caráter genérico (ex. para o início de uma IGC); outra, de caráter específico (ex. uma Inspeção para apurar uma irregularidade específica, oriunda de uma reclamação externa ou mesmo decorrente de um trabalho de IGC). Naquela, não vemos como interromper o lapso prescricional (o fato que se está apurando não é específico); neste, perfeitamente se aplica a interrupção prescritiva, passando a conceder ao Estado, além dos 5 anos do fato para aplicar a punição, mais 2 anos e meio, pelo que veremos abaixo.

Repetimos, podemos definir objeto como a coisa sobre a qual vai recair o conteúdo do ato. Como exemplo, citemos o caso de uma irregularidade constatada com indícios numa análise econômico-financeira, realizada intramuros da Autarquia supervisora do Sistema Financeiro Nacional. Esse indício gerará uma designação para apurar um fato específico, ensejador, portanto, do beneplácito da interrupção da prescrição. Tal hipótese não ocorreria, por exemplo, quando da designação para uma IGC, a qual visa à finalidade ampla. Exploraremos mais, abaixo, o tema.

Ainda, quanto à forma, os incisos VIII e IX do art. 2º da Lei 9.784/99 estabelecem "a observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados" e "adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados". Di Pietro assim explana: "Trata-se de aplicar o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade em relação às formas" (grifos nossos).

Também, o art. 225 do novel Código Civil Brasileiro dá força probatória aos documentos transitados em meio eletrônico, senão vejamos:

"As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão. "

Por oportuno, o inciso II do art. 145 da Carta Política brasileira assim estabelece sobre a possibilidade de instituição de taxas remuneratórias aplicáveis ao poder de polícia:

"A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

taxas, em razão do exercício do poder de polícia "

Por fim, à guisa de contribuição para a futura instituição de uma taxa para financiar as atividades do Banco Central do Brasil, trazemos o escólio do Professor Ricardo Lobo Torres, em seu "Curso de Direito Financeiro e Tributário", onde ensina-nos que a não-vinculação das receitas públicas é um dos princípios do Direito financeiro, justamente para não engessar totalmente o Administrador, este o detentor de maiores condições para julgar a conveniência e a oportunidade do destino das receitas estatais. Contudo, o mesmo Autor, professa que tal princípio se aplica tão-somente aos impostos, não se aplicando, dentre outras espécies tributárias, às taxas. Logo, a lei que criar uma taxa pode vincular o produto de sua arrecadação a um Órgão ou entidade específico (por que o Banco Central do Brasil não possui uma taxa de fiscalização, assim como a Comissão de Valores Mobiliários possui ?). Veja-se que o originário inc. III do art. 16 da Lei 4.595/64 previa uma taxa de fiscalização como receita do Banco Central do Brasil. Contudo, a partir do advento do Decreto-Lei nº 1.638, de 06/10/78, essa prerrogativa foi revogada do universo jurídico. Hoje, haveria necessidade de lei ordinária para sua instituição, pois se trata de espécie tributária, com o respeito ao princípio da anualidade e outros.

A respeito, veja-se a recentíssima Súmula deste ano, 665, 24/09/03, do Egrégio STF sobre a taxa de fiscalização da CVM:

"É constitucional a Taxa de Fiscalização dos Mercados de Títulos e Valores Mobiliários instituída pela Lei 7.940/89"


DA PRESCRIÇÃO PARA O EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL DIRETA E INDIRETA

A Lei 9.873/99 estabelece, no seu art. 1º, o prazo de 5 anos para a perda do direito de punir pela inércia do Estado no tocante ao poder de polícia, senão vejamos:

" Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado "

Veja-se, acima, os conceitos de infração permanente e continuada.

Ainda, o termo inicial, via de regra, é o da data da prática do ato pelo administrado (e não a data em que a Autoridade administrativa dela teve conhecimento). Veja-se, a título de comparação com outros sistemas disciplinares, por exemplo, o parágrafo 1º do art. 142 da Lei 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais), que prevê que "O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido". Logo, a demora na apuração do fato por este Banco Central do Brasil faz com que o prazo prescricional flua no que toca ao processo punitivo de suas Instituições supervisionadas.

Mais, e aqui temos um ponto fulcral em nossa análise, a Lei acima estabelece que "qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato" é uma das causas da interrupção da prescrição acima descrita, ou seja, não é qualquer ato inequívoco, MAS AQUELE QUE IMPORTE APURAÇÃO DO FATO, por exemplo, o início do procedimento de inspeção direta em uma Instituição financeira, com o dies a quo a constante na designação, e, sobretudo, com objeto pré-delimitado. Repita-se, uma IGC, na qual as finalidades são genéricas, não tem o condão de interromper tal lapso prescricional. Lembramos de um caso que vivenciamos no qual, em sede de numa análise econômico-financeira, intramuros, detectamos uma operação vedada. Logo, uma inspeção externa, devidamente credenciada por uma designação em que o indício seja mencionado e a finalidade de apurar tal fato seja de conhecimento prévio ao trabalho ao administrado, entendemos, se adequa perfeitamente a esse permissivo legal (inc. II do art. 2º da Lei 9.873/99), sem a necessidade da "intimação", marcante do início do processo administrativo, pois, esta última possibilidade, é outra, a prevista no inc I do art. 2º da mesma Lei.

Para nos iluminar o raciocínio a ser desenvolvido abaixo, tenha-se em mente o caput do art. 5º do Texto Maior:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes"

Pois bem, os arts. 8º e 9º do Decreto 20.910/32, que tratam da prescrição em favor da Administração Pública dos 3 entes, no tocante às suas dividas, assim o estabelecem:

"A Prescrição Somente Poderá Ser Interrompida Uma Vez"

"A Prescrição Interrompida Recomeça A Correr, Pela Metade Do Prazo, Da Data Do Ato Que A Interrompeu Ou Do Ultimo Ato Ou Termo Do Respectivo Processo."

Sobre a matéria, a Súmula 383, do Supremo Tribunal Federal assim expressa cristalinamente :

" A PRESCRIÇÃO EM FAVOR DA FAZENDA PÚBLICA RECOMEÇA A CORRER, POR DOIS ANOS E MEIO, A PARTIR DO ATO INTERRUPTIVO, MAS NÃO FICA REDUZIDA AQUÉM DE CINCO ANOS, EMBORA O TITULAR DO DIREITO A INTERROMPA DURANTE A PRIMEIRA METADE DO PRAZO".

Recentemente, com publicação no DJU de 21/08/98, o Egrégio STF aplicou a susa Súmula, como se vê da Ementa da Ação Cível Originária nº 493, a qual pedimos vênia para transcrevê-la:

"PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO: INTERRUPÇÃO. Decreto nº 20.910, de 1932, artigos 1º e 4º. D.L. 4.597, de 1942, art. 3º. Súmula 383-STF. I. - Prescrição qüinqüenal em favor da Fazenda Pública. Decreto nº 20.910, de 1932, artigos 1º e 4º. A prescrição somente pode ser interrompida uma vez, recomeçando a correr pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu. D.L. nº 4.597, de 1942, artigo 3º. A prescrição em favor da Fazenda Pública recomeça a correr, por dois anos e meio, a partir do ato interruptivo, mas não fica reduzida aquém de cinco anos, embora o titular do direito a interrompa durante a primeira metade do prazo. Súmula 383-STF. II. - Prescrição reconhecida. Extinção do processo".

O processo fiscal federal (Decreto 70.235/72) também prevê hipótese análoga para a interrupção da prescrição, senão vejamos o parágrafo único de seu art. 174:

"A prescrição se interrompe:

III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor".

Abaixo, colamos excertos de definições de ato inequívoco, dadas pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça:

Resp nº 258821, publicado no DJU de 18/12/2000:

"A retirada dos autos de cartório, pelo advogado da parte, constitui ato inequívoco de conhecimento da decisão, fluindo a partir daí o prazo para interposição de recurso"

Resp nº 125142, publicado no DJU de 01/03/1999:

"Nos termos de precedente da Turma, "a propositura de ação consignatória constitui ato inequívoco do devedor sobre a existência do direito do credor, servindo como marco interruptivo da prescrição"

Resp nº 26861, publicado no DJU de 16/10/1995:

"DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA, PRESCRIÇÃO VINTENÁRIA, INTERRUPÇÃO, DECLARAÇÃO, ÁREA, UTILIDADE PÚBLICA, ATO INEQUÍVOCO, RECONHECIMENTO, DOMÍNIO PRIVADO, PAGAMENTO, INDENIZAÇÃO"

RO. nº 8904170699, publicada no DJU de 17/04/1999, TRF 4ª Região:

"RECONHECIMENTO DO DIREITO PELO EMPREGADOR. ATO EXTRAJUDICIAL INEQUÍVOCO. APLICAÇÃO DO ARTIGO-172, INCISO-5, DO CÓDIGO CIVIL. CFE. PARECER DO SERVIÇO JURÍDICO DE FILIAL. CONSTITUI ATO EXTRAJUDICIAL, COM FORÇA DE INTERROMPER A PRESCRIÇÃO, O PARECER FAVORÁVEL DO SERVIÇO JURíDICO DE FILIAL DA CEF, EM PROCESSO ADMINISTRATIVO, NO QUAL O EMPREGADO POSTULA O RECONHECIMENTO DE DIREITO TRABALHISTA"

Ap. nº 200001000242836, publicada no DJU de 16/10/2000, TRF 1ª Região:

"Abertura do procedimento administrativo, para apurar diferença de pensão devida a autora, constitui ato inequívoco de reconhecimento do direito pela União, interruptivo, portanto, da prescrição, nos termos do artigo 172, inciso V do Código Civil".

Ap. nº 444258, publicada no DJU de 09/10/2002, TRF 4ª Região:

"A Portaria Ministerial nº 2.826/94, ao reconhecer a auto-aplicabilidade do mencionado dispositivo constitucional, antes negado pela Administração, importou ato de inequívoco reconhecimento do direito dos pensionistas, caracterizando-se como ato interruptivo da prescrição, nos termos do art. 172, V do Código Civil".

Já quanto à suspensão da prescrição, a Lei 9.783/99 elenca apenas 2 possibilidades, no seu art. 3º, quais sejam, os compromissos de cessação ou de desempenho (atinentes exclusivamente para apuração de fatos no âmbito do CADE) e os termos de compromisso, estes no âmbito tão-só da CVM. Logo, não há de se cogitar de suspensão de prescrição no atinente ao poder de polícia exercido pelo Banco Central do Brasil. Talvez isso tenha sido um lapso da Lei.


DA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO NO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO

O art. 202 do NCC assim dispõe sobre as causas interruptivas da prescrição:

". A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:

I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;

II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;

III - por protesto cambial;

IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;

V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor " (grifo nosso, o sublinhado é para realçar a novidade trazida em relação ao Código Civil anterior)


DO ABUSO DE PODER E DOS MEIOS À DISPOSIÇÃO DOS ADMINISTRADOS PARA COIBI-LO

A Lei nº 4.898/65, lei que regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade, na alínea "h" do seu art. 4º arrola, dentre outros comportamentos, o seguinte como abuso de autoridade:

"lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal "

E a mesma Lei, no seu art. 5º, conceitua Autoridade:

"Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração."

Sobre as sanções, assim dispõe o seu art. 6º:

"O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal.

§ 1º A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em:

a) advertência;

b) repreensão;

c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens;

d) destituição de função;

e) demissão;

f) demissão, a bem do serviço público.

§ 2º A sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros.

§ 3º A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do Código Penal e consistirá em:

a) multa de cem a cinco mil cruzeiros;

b) detenção por dez dias a seis meses;

c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três anos.

§ 4º As penas previstas no parágrafo anterior poderão ser aplicadas autônoma ou cumulativamente "

Quando do abuso de poder, quer na sua modalidade de excesso (por exemplo, a abertura de um inquérito administrativo - inspeção externa- quando o fato não se constituindo também ilícito penal, e não sendo infração permanente ou continuada, já transcorreu mais de 5 anos da ocorrência do mesmo), quer na sua modalidade de desvio de finalidade, o Administrado tem à sua disposição vários meios para se defender, são eles:

a) hábeas corpus: Com sua origem na Magna Carta Inglesa de 1215, nas suas modalidades preventiva e repressiva, tem como pressuposto a ilegalidade ou abuso de poder, com ameaça à liberdade de locomoção. Para a sua interposição, segundo a Lei 8.906/94, Estatuto da OAB, não há necessidade de Advogado;

b) hábeas data: Disciplinado pela Lei 9.507/97, visa ao conhecimento e/ou a retificação dos dados pessoais junto a banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público. Tem como pressuposto o exaurimento da via administrativa (Súmula nº 2 do Superior Tribunal de Justiça);

c) mandado de injunção: remédio constitucional criado para que as normas do Estatuto maior não se tornem uma simples declaração de propósito. No entanto, parte da doutrina, e a jurisprudência dominante confundem os seus efeitos com a ação declaratória de constitucionalidade, quando são institutos distintos: aquele deveria ter efeitos inter partes, com a expedição da norma faltante; esta, produz eficácia erga omnes, em sede de controle abstrato de constitucionalidade;

d) mandado de segurança: nas suas modalidades, quanto à legitimidade, individual e coletivo, e, quanto ao momento de sua interposição, preventivo ou repressivo, visa à garantir direito líquido e certo do Administrado. Outro pressuposto desse mandamus é a ilegalidade ou o abuso de poder. Pode-se, evidenciados o fumus boni iuris e o periculum in mora, conceder medida liminar;

e) ação popular: regulada pela Lei nº 4.717/65, visa à anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (inc LVVIII do art. 5º da Carta Maior);

f) ação civil pública: seu balizamento normativo está na Lei nº 7.347/85. Visa à reparar o dano ou a ameaça de dano a interesse difuso ou coletivo.


DA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DA FISCALIZAÇÃO DO BANCO CENTRAL DO BRASIL

Na página do Banco Central do Brasil na internet, www.bacen.gov.br, está à disposição para consulta o Manual de Supervisão da Autarquia.

Tenha-se presente que a Diretoria de Fiscalização do BACEN é composta pelos Departamentos de Supervisão Direta (DESUP), Acompanhamento Indireto (DESIN), Combate a Ilícitos Cambiais e Financeiros (DECIF) e Gestão de Informações do Sistema Financeiro (DEFIN).

O DESUP, antes de iniciar uma atividade externa, municia-se de informações prévias, na sua maioria vindas do DEFIN, com o refinamento dado pelo DESIN (isso é indispensável para se caracterizar o motivo fático de uma Inspeção direta a ser feita, passível de interromper a prescrição, pois essa pré-análise é um dos exemplos que dará indícios da inadequação do comportamento da IF à aplicação das normas, outro seriam as denúncias (não confundir com o termo denúncia do Direito Processual Penal).

Com o início dos trabalhos externos tendo como marco a Designação conferida pelo Sr. Gerente-Técnico do DESUP a determinados Inspetores, os papéis de trabalho contábeis, gerenciais e os subsidiários, servem para colher evidências do trabalho de Inspeção realizado na Instituição financeira, quais sejam:

INTRO - Considerações Preliminares ou Introdução: abriga o panorama geral dos trabalhos e exames realizados;

PROG - Planejamento e Escopo dos Trabalhos: apresenta o planejamento desenvolvido para determinada inspeção/verificação;

CONCLU - Conclusão: relata a conclusão da inspeção e suas implicações.

INFOR - Informações Gerenciais, Operacionais e de Mercado: coleta informações relacionadas à instituição, obtidas tanto interna quanto externamente;

COINT - Avaliação dos Controles Internos: descreve e apresenta conclusões sobre os controles internos adotados pela instituição sob exame;

IRRE - Irregularidades: registra as irregularidades encontradas ao longo do desenvolvimento de um trabalho.

AGER - Assuntos Gerais: registra ocorrências de caráter geral e os assuntos segregados para verificação em trabalho à parte;

AJUSTES - Resumo de Ajustes: apresenta o resumo dos ajustes apurados na inspeção.

Tal procedimento fiscalizatório pode redundar em processo administrativo, conforme a Res. 1.065/85, do Conselho Monetário Nacional, afora as comunicações previstas pela Lei Complementar 105/01.

"O processo administrativo é instaurado por descumprimento a disposição legal ou regulamentar" - Res. 1.065/85

" Quando, no exercício de suas atribuições, o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários verificarem a ocorrência de crime definido em lei como de ação pública, ou indícios da prática de tais crimes, informarão ao Ministério Público, juntando à comunicação os documentos necessários à apuração ou comprovação dos fatos" LC 105/01.

A comunicação de que trata este artigo será efetuada pelos Presidentes do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários, admitida delegação de competência, no prazo máximo de quinze dias, a contar do recebimento do processo, com manifestação dos respectivos serviços jurídicos" LC 105/01

" Independentemente do disposto no caput deste artigo, o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários comunicarão aos órgãos públicos competentes as irregularidades e os ilícitos administrativos de que tenham conhecimento, ou indícios de sua prática, anexando os documentos pertinentes " LC 105/01


CONCLUSÕES

Com o presente trabalho, esperamos, sem nenhuma pretensão de esgotar a matéria ou de expressar a posição oficial do Governo Brasileiro, dar algumas sugestões para o entendimento sistêmico da atuação do poder de polícia exercido pelo Banco Central do Brasil, suas prerrogativas e limites, notadamente a questão da sua prescrição e da sua interrupção, sobremaneira quando da existência de ato inequívoco que importe a apuração do fato. Isso tudo tendo como marco inicial para a interpretação a Constituição Federal, guia para toda leitura jurídica.

Para o perfeito atendimento dos requisitos dos atos administrativos, a Inspeção direta (aliás, por que Inspeção ?, se, segundo a Resolução nº 820 do Conselho Federal de Contabilidade, inspeção é tão-somente uma das técnicas aplicáveis aos testes de observância e substantivos. O mais correto tecnicamente seria, ao invés de inspeção direta, usarmos Auditoria, esta sim o ramo da Ciência Contábil com o fim de aferir a conformidade da aplicação das normas), meio hábil para a coleta de provas materiais hábeis para o início do processo administrativo contra uma Instituição financeira, deve, enquanto conjunto de atos administrativos, partir de Agente competente (formalmente designado para a realização do trabalho de campo), deve conter os motivos de fato e de direito que levaram a Fiscalização do BACEN a dar início a procedimento em determinada IF ou Administradora de Consórcio (um fundamento de fato seria a existência, numa determinada Instituição, de provisão para créditos em percentual inferior ao seu setor - esse dado deve ser obtido previamente ao início dos trabalhos externos, aqui tendo muita importância as informações captadas pelo DEFIN - documentos COSIF e Central de Risco- e trabalhadas estatisticamente pelo DESIN; já, o fundamento de direito, é a Lei 4.595/64, que dá a competência ao BACEN para a fiscalização do SFN, no inc. IX do seu art.10).

Veja-se que a competência é dada ao BACEN, ou seja, à entidade, daí a necessidade de o Analista encarregado de fazer a inspeção direta ter uma designação. Já, na Receita Federal, por exemplo, a competência para lançar os tributos é do Auditor-Fiscal da Receita Federal, sendo despicienda a figura da designação, tendo, no entanto, o Auditor de lavrar o termo de início de fiscalização, quando da inauguração da ação fiscal (art. 47 da Lei 9.430/96 e alínea "a" do inciso I do art. 6º da Lei 10.593/02).

Também, o ato de designação apto a produzir o efeito de interromper a prescrição deve conter a finalidade, por exemplo, analisar, em bases amostrais o nível de provisionamento de créditos na IF fiscalizada, ou "verificação dos procedimentos adotados pelas instituições, a fim de fazer cumprir as normas e regulamentos baixados pelo Conselho Monetário Nacional e pelo próprio Banco Central e a legislação vigente" (Res. 1.065/85, CMN).

Quanto ao objeto, deve ele ser limitado, no sentido de descrever as áreas nas quais o DESUP realizará o trabalho, por exemplo, a carteira de crédito da Instituição, além de constar o tempo que os trabalhos se estenderão (afinal, o Administrado não pode ser alvo de um procedimento de fiscalização indefinido, o que lhe fere as garantias constitucionais, nem pode ser alvo, para poder se usar da faculdade de interrupção da prescrição, de Inspeção que não seja para apuração "do fato", e, aqui, a expressão do é muito importante, pois delimita a preposição "de" mais o artigo definido "o," isto é, não é de um fato - qualquer -, mas sim, do fato - o fato previamente definido). Isso leva a que uma designação para uma IGC não tenha o condão de interromper a prescrição. Somente teria uma designação para apurar uma operação (ou um conjunto) específica irregular (baseada numa denúncia, num indício colhido numa análise econômico-financeira intramuros, este, por exemplo, o nível de provisionamento abaixo da média, esta obtida pela planilha Riscred utilizada pela Fiscalização do Banco Central do Brasil, ou numa evidência colhida no transcorrer de um trabalho que tenha se originado de uma designação geral, ou seja, uma operação irregular que tenha surgido por ocasião de uma IGC). No caso de no trâmite de uma IGC ser encontrada alguma operação irregular, abrir-se-ia uma designação própria, específica, para apurar tal fato. Este fato (ou conjunto de fatos) específico estaria com sua prescrição interrompida quando da emissão dessa designação específica.

Por fim, quanto à forma, o ato de designação não tem uma pré-definição. Aconselhamos, todavia, que seja um formulário padrão, até para facilitar quando de consultas. Podemos, até, ter um modelo próprio para designações gerais, e outro para designações específicas (repita-se, somente estas com o poder de interromper o prazo prescricional).

Com essas características cumpridas, entendemos que o procedimento de Inspeção externa é hábil para interromper a prescrição, consistindo, assim, num verdadeiro "ato inequívoco que importe apuração do fato". Isso levaria ao limite de podermos ter 7 anos e meio para a prescrição da aplicação de uma punição administrativa (veja-se que 7 anos e meio seria o máximo já incluindo eventual recurso apreciado pelo CRSFN, pois este também faz parte da Administração Pública Federal direta e indireta), desde que, dentro de 5 anos da prática do ato pelo administrado (exceto, como visto, no caso de infrações permanentes ou continuadas, desta feita, o prazo de 5 anos começará do dia em que tiver cessado a infração -Lei 9.873/99), seja iniciado um ato que importe apuração do fato (ou conjunto de fatos) específico, no qual, dadas as características necessárias acima (competência, finalidade, forma, motivo pré-determinado e objeto também pré-determinado especificamente), entendemos o documento denominado designação específica ser apto a produzir 2 anos e meio a mais para a aplicação da penalidade administrativa.

Para isso, e desde já tendo em conta escólio de José Afonso da Silva no sentido de que a liberdade é a regra, sua limitação é exceção, devemos ler a Súmula 383 do Egrégio Superior Tribunal Federal, quando dispõe que "A PRESCRIÇÃO EM FAVOR DA FAZENDA PÚBLICA RECOMEÇA A CORRER, POR DOIS ANOS E MEIO", interpretando o Dec. 20.910/32, ao tratar de situações onde o Estado está na posição devedora de uma relação jurídica (onde ele é beneficiado), é aplicável, também, por decorrência de interpretação do tipo conforme do caput do art. 5º do Texto Maior (Texto que deve pautar qualquer interpretação dentro do universo jurídico), aos casos em que o Estado fica na posição credora de uma relação jurídica (nas quais o cidadão é beneficiado). Veja-se que a própria exposição de motivos da Lei 9.873/99 assevera que "A presente proposta se coaduna com o texto constitucional de 1.988... Não admitir a prescrição (e aqui dizemos nós, admitir que a prescrição ocorra por indefinidas vezes) é tornar a Administração senhora da tranqüilidade do administrado, pois ficará ao arbítrio dela dispor a respeito de quando irá puni-lo. Isto implica tornar perpétua a ação de punir, causando, assim, notória instabilidade".

Também, sobre a interrupção poder ocorrer somente 1 vez, aliado à argumentação acima, temos, agora, o art. 202 do Novo Código Civil brasileiro.

Aqui, é magistral a colocação feita pelo Pro. Doutor em Direito e Promotor de Justiça no Estado do Rio Grande do Sul, Lênio Luiz Streck, para fundamentar que devemos interpretar o ordenamento jurídico sob os auspícios da Constituição, isto é, toda leitura normativa (lei, Súmulas, etc) deve partir dos princípios constitucionais, condição sem a qual não teremos qualquer hierarquia entre as normas vigentes:

"A partir disso, é possível afirmar que, no campo jurídico brasileiro, esses pré-juízos, calcados em uma história que tem relegado o direito constitucional a um plano secundário, hermeneuticamente estabelecem o limite do sentido e o sentido do limite de o jurista dizer o Direito, impedindo, conseqüentemente, a manifestação do ser (do Direito). Afinal, como bem alerta Hesse, não é possível interpretar sem uma prévia teoria da Constituição, isto porque não somente para compreender a norma é preciso uma teoria constitucional: a mesma resulta igualmente necessária para compreender a realidade que em cada caso deve aplicar-se o texto da Constituição. Por tudo isso, é preciso denunciar que a dogmática jurídica, entendida a partir do sentido comum teórico, é metafísica, porque provoca o esquecimento do ser do Direito... É preciso, pois, dizer o óbvio: a Constituição constitui; a Constituição vincula; a Constituição estabelece as condições do agir político-estatal"

Por fim, como a Res. 1.065/85, do Conselho Monetário Nacional, regula o processo administrativo no âmbito do Banco Central do Brasil, propomos que a designação para Inspeção externa, feita de maneira específica para a apuração de um fato (ou conjunto de fatos) específico passe a interromper a prescrição, desde que com todas as especificidades por nós apontadas acima. Com isso, pensamos que estaremos dando a possibilidade legítima para que a Administração apure e puna as irregularidades dentro do prazo máximo de 7 anos e meio, visando ao interesse público, sem desrespeitar quaisquer direitos que o Administrado-cidadão tenha para sua defesa, a qual dar-se-á no transcorrer do processo administrativo, com toda a ampla defesa e o contraditório (no âmbito do DECIF), que correrá tão logo apurada a materialidade pelo DESUP, em suas inspeções externas, seu inquérito administrativo, sua sindicância.


BIBLIOGRAFIA

Constituição Federal da República Federativa do Brasil;

Lei Complementar 105/01;

Lei 9.784/99;

Lei 9.873/99;

Decreto 20.910/32;

Decreto 70.235/72;

Res. 1.065/85, do Conselho Monetário Nacional;

"Curso de Direito Penal Brasileiro", de Luiz Regis Prado, 3ª edição, 2002, Editora Revista dos Tribunais;

"Curso de Direito Financeiro e Tributário", de Ricardo Lobo Torres, 2003, Editora Renovar;

"Direito Administrativo", de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, 13ª edição, 2001, Editoras Atlas;

"Curso de Direito Administrativo", de Celso Antônio Bandeira de Mello, 2001. Ed. Malheiros;

"A hermenêutica e o acontecer (ereignen) da Constituição: a tarefa de uma nova crítica do Direito, de Lênio Streck, Doutor em Direito, Promotor de Justiça do RS Coordenador do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da UNISINOS-RS.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PISCITELLI, Rui Magalhães. Da prescrição do poder de polícia no âmbito da Administração Pública federal brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 279, 12 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5081. Acesso em: 19 maio 2024.