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Inconstitucionalidades da Medida Provisória nº 164, de 29/01/2004

Inconstitucionalidades da Medida Provisória nº 164, de 29/01/2004

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este artigo tem por escopo demonstrar de maneira clara e objetiva que a Medida Provisória nº 164 de 29/01/04, que dispõe sobre a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, incidentes sobre a importação de bens e serviços, apresenta clamorosos vícios de inconstitucionalidade, revelando-se incompatível com os ditames estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 tanto do ponto de vista formal, relativo à elaboração da norma, quanto nos seus aspectos materiais ou de conteúdo, como veremos a seguir:


ASPECTO FORMAL

Do ponto de vista formal, vemos que, ao dispor sobre os elementos necessários à instituição de tributos, como, v.g., fato gerador, base de cálculo e contribuintes, matéria reservada à Lei Complementar pela Constituição Federal, a Medida Provisória 164/04 contraria frontalmente o art. 62, § 1º, III combinado com o art. 146, III, "a" do texto constitucional, como observamos a seguir:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

...............

III – reservada a lei complementar;

...............

Art. 146. Cabe à lei complementar:

...............

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

Ressalte-se que o disposto no art. 146, III, "a" da Constituição Federal tem seu alcance estendido às contribuições sociais, sob a égide do art. 149 abaixo transcrito:

...............

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. (grifamos)


ASPECTO MATERIAL

Com relação ao aspecto material, verificamos que antes da promulgação da Emenda Constitucional nº 42, de 19/12/2003, que deu nova redação ao inciso II do Art. 149 da Carta Magna, quando se atribuiu competência à União para instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços, já ficava consignado que, no caso de importação, a base de cálculo dessas contribuições seria o valor aduaneiro, nos termos do art. 149, § 2º, III, "a", como segue:

..............

Art. 149.. ...........

................

§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:

................

III - poderão ter alíquotas:

a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; (destacamos)

Para buscarmos a composição do valor aduaneiro, invocamos o Decreto nº 4.543 de 26/12/02, que regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior (Regulamento Aduaneiro), cujo art. 77 apresentamos a seguir:

..............

Art. 77. Integram o valor aduaneiro, independentemente do método de valoração utilizado (Acordo de Valoração Aduaneira, Artigo 8, parágrafo 2, aprovado pelo Decreto Legislativo no 30, de 15 de dezembro de 1994, e promulgado pelo Decreto no 1.355, de 30 de dezembro de 1994):

I - o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou o aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro;

II - os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada aos locais referidos no inciso I; e

III - o custo do seguro da mercadoria durante as operações referidas nos incisos I e II.

Como podemos facilmente observar, a base de cálculo das contribuições incidentes sobre as operações de importação não pode ser outra que não o valor aduaneiro, ou seja, o preço da mercadoria importada acrescida dos custos de transporte, dos gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio e os custos do seguro da mercadoria ou bem, conforme mandamento constitucional, diferente do que preconiza o art. 7º, I da MP 164/04, cujo texto destacamos abaixo, onde o valor da operação sujeito às contribuições é descabidamente alargado, com a inclusão de impostos e até das próprias contribuições, desbordando a determinação do art. 149, III, "a" da Constituição Federal.

................

Art. 7º A base de cálculo será:

I - o valor aduaneiro que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do montante desse imposto, do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS devido e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso I do caput do art. 3o; ou

Além da inconstitucionalidade explícita a que nos referimos, o dispositivo legal transcrito acima apresenta uma outra situação, agora de ordem matemática, que podemos chamar de, no mínimo, confusa, como tentaremos explicar na seqüência.

Já tivemos oportunidade de verificar que, além do imposto de importação, o art. 7º, I da MP 164/04 estabelece a inclusão do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, na base de cálculo do PIS e da COFINS incidentes sobre a importação de mercadorias e bens.

Pois bem, ocorre que a Lei Complementar nº 87 de 13/09/96, que dispõe sobre o ICMS, assevera, através do seu art. 13, V, "e", com nova redação dada pela Lei Complementar nº 114 de 16/12/02, que devem ser incluídas na base de cálculo do ICMS, quaisquer contribuições incidentes no desembaraço de mercadorias ou bens importados do exterior, como segue:

...............

Art. 13. A base de cálculo do imposto é:

................

V - na hipótese do inciso IX do art. 12, a soma das seguintes parcelas:

...............

e) quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras. (destacamos)

Ora, se incluirmos o ICMS na base de cálculo das contribuições sociais e estas contribuições na base de cálculo do ICMS, estaríamos diante de um cálculo circular absolutamente sem solução, visto que, para identificarmos o ICMS incidente sobre a operação teríamos, obrigatoriamente, que conhecer previamente o valor das contribuições, que, por sua vez, só poderiam ser dimensionadas após a determinação do imposto estadual. Algum matemático de plantão se habilita a solucionar esta equação ?


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através das ligeiras análises aqui aventadas, somos levados a inferir que os nossos ilustres legisladores, sob o engodo de promover um tratamento isonômico entre os produtos nacionais e importados, trouxeram ao ordenamento jurídico, através da apressada edição da Medida Provisória 164/04, mais um ato legislativo inconstitucional na sua forma e conteúdo, desrespeitando a nossa tão combalida Constituição Federal, em benefício de saciar a voracidade arrecadatória da União.

Nesse cenário, nos resta apenas esperar as ações diretas de inconstitucionalidade que certamente serão ajuizadas junto a Supremo Tribunal Federal e torcer para que os Ministros da Corte Suprema exerçam de fato o seu papel precípuo, que é a guarda da Constituição.


REFERÊNCIAS

:

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/> Acesso em 22 mar. 2004.

BRASIL, Decreto nº 4.543, de 26 de dezembro de 2002. Regulamenta a administração das atividades aduaneiras e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior (Regulamento Aduaneiro). Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/> Acesso em 22 mar. 2004

BRASIL, Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. Dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/> Acesso em 22 mar. 2004

BRASIL, Medida Provisória nº 164, de 29 de janeiro de 2004. Dispõe sobre a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social incidentes sobre a importação de bens e serviços, e dá outras providências. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/> Acesso em 22 mar. 2004


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Matheus Simões Gonçalves da. Inconstitucionalidades da Medida Provisória nº 164, de 29/01/2004. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 302, 5 maio 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5152. Acesso em: 23 abr. 2024.