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Alguns aspectos polêmicos da responsabilidade civil objetiva no novo Código Civil

Alguns aspectos polêmicos da responsabilidade civil objetiva no novo Código Civil

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SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Breve histórico da responsabilidade civil. 3. Conceito de responsabilidade civil. 4. Responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva. 5. Pressupostos da responsabilidade civil. 5.1. Conduta humana. 5.2. Dano. 5.2.1. Dano patrimonial. 5.2.2. Dano moral. 5.3. Nexo de causalidade. 6. Atividade de risco. 7. Questões processuais da responsabilidade objetiva. 8. Critérios valorativos da indenização. 9. Conclusão. 10. Bibliografia.


1. INTRODUÇÃO.

A antiga tendência, hoje já consagrada, de não se permitir que a vítima de atos ilícitos deixe de ser ressarcida dos prejuízos que lhes são causados, evoluiu, sobremaneira, com o advento do atual Código Civil brasileiro.

Amenizou-se, com o novo diploma, a falta de sistematização com que o Código Civil de 1916 tratou do instituto da responsabilidade civil, que a ele dedicou reduzido número de dispositivos, talvez porque, à época da sua elaboração, esse direito obrigacional ainda não era muito difundido.

Com efeito, o antigo código, no seu art. 159, limitou-se a estabelecer que: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1518 a 1.532 e 1.537 a 1.553".

O atual Código Civil brasileiro, diversamente, dedicou maior número de dispositivos à matéria. Na Parte Geral, nos arts. 186, 187 e 188, estabeleceu a regra geral da responsabilidade aquiliana [1] e algumas excludentes. A Parte Especial, no art. 389, tratou da responsabilidade contratual, dedicando-lhe, ainda, dois capítulos, um à "obrigação de indenizar" e outro à "indenização", sob o título "Da Responsabilidade Civil". [2]

Em verdade, a nova codificação trouxe significativos avanços à civilística nacional, notadamente quando evidenciou a sua marcante tendência à objetivação da responsabilidade, chegando ao ápice no parágrafo único do art. 927, que estabeleceu a responsabilidade objetiva por danos derivados de atividade de risco.

Chegou com atraso, todavia, a norma expressa no art. 186 do Código Civil de 2002, que inseriu a garantia de reparação do dano "ainda que exclusivamente moral", no atual estágio da jurisprudência brasileira, onde há muito não se contesta a reparabilidade do dano moral.

Aliás, diante da rápida e extensa expansão que vem experimentando o dano moral, nos últimos anos, pode-se verificar, com efeito, que o dano patrimonial era normalmente mais freqüente em demandas judiciais do que o dano extrapatrimonial, realidade que, hoje, sem qualquer incerteza, foi invertida.

Por isso mesmo, ao que nos parece, deixou o legislador se esvair a oportunidade de prever, por exemplo, alguns parâmetros para disciplinar a extensão e os contornos do dano moral, bem como a sua liquidação, o que se constitui numa flagrante omissão, sobretudo porque o debate sobre o dano moral centra-se, hoje, menos na sua reparabilidade e mais na sua quantificação.

Atribui-se, ainda, ao magistrado uma discricionariedade que antes pertencia exclusivamente ao legislador. Os tribunais e a doutrina precisarão desenvolver critérios para elucidar conceitos abertos que foram introduzidos no nosso código, a exemplo do de atividade de risco (art. 927, parágrafo único) e do fato de se considerar a gravidade da culpa (art. 944, parágrafo único) para efeito de aferição do valor da indenização, num sistema que, paradoxalmente, colocou em destaque a responsabilidade civil objetiva.

Assim, persuadido de que o nosso Código Civil, novamente, relegou a tarefa de dissipar essas e outras omissões, e conceitos, à doutrina e à jurisprudência, é que cuidamos de analisar a matéria, com a esperança de fornecer alguma contribuição, ainda que singela, para o estudo da responsabilidade civil à luz da nova codificação, mormente no que concerne a "alguns aspectos problemáticos da responsabilidade civil objetiva", tema central deste artigo.

Feito esse intróito, convém, para bem entendermos o tema em estudo, tecer algumas breves considerações sobre as noções gerais da responsabilidade civil.


2. BREVE HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL.

No Direito romano não houve construção de uma teoria da responsabilidade civil. Não se pode desprezar, todavia, a contribuição dos romanistas para a evolução histórica desse instituto, que foi, à época, desenvolvido no desenrolar de casos de espécie, decisões de juízes e pretores, respostas de jurisconsultos e constituições imperiais, de onde foram extraídos princípios e sistematizados conceitos.

Entre os romanos, não havia distinção entre responsabilidade civil e responsabilidade penal, constituindo-se, ambas, numa pena imposta ao causador do dano.

Como observam os brilhantes professores PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO, "De fato, nas primeiras formas organizadas de sociedade, bem como nas civilizações pré-romanas, a origem do instituto está calcada na concepção da vingança privada, forma por certo rudimentar, mas compreensível do ponto de vista humano como lídima reação pessoal contra o mal sofrido". [3]

É na Pena do Talião, com a visão do delito do Direito Romano, pois, que se encontra o berço da responsabilidade civil, a qual evoluiu sensivelmente com o advento da Lei das XII Tábuas, que fixou o valor da pena a ser paga pelo ofensor ao ofendido.

A idéia de responsabilidade, portanto, segundo lembrou HERON JOSÉ SANTANA, "ingressa na órbita jurídica após ultrapassada, entre os povos primitivos, a fase da reação imediata, inicialmente grupal, depois individual, passando pela sua institucionalização, com a pena do talião, fundada na idéia de devolução da injúria e na reparação do mal com mal igual, já que qualquer dano causado a outra pessoa era considerado contrário ao direito natural". [4] A partir daí, com o desenvolvimento tecnológico e a conseqüente divisão social do trabalho, a pena deixou de ser pessoal para ser patrimonial.

Maior evolução do instituto ocorreu, porém, com a Lex Aquilia, que deu origem à denominação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual, ou seja, a chamada responsabilidade civil aquiliana, já referida.

A concepção de pena foi, então, aos poucos, sendo substituída pela idéia de reparação do dano sofrido, finalmente incorporada ao Código Civil de Napoleão, que exerceu grande influência no Código Civil brasileiro de 1916.

Nos idos de 1955, o Livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais, WILSON MELO DA SILVA, escreveu a memorável e pioneira obra "O Dano Moral e sua Reparação", onde historiou, detalhadamente, toda trajetória da evolução da responsabilidade civil, a partir dos Códigos de MANU e de HAMMURABI, passando pelas codificações da Alemanha, Itália, França, Espanha, Suíça, Áustria, Japão, China, Portugal, Uruguai e Argentina, até o Direito brasileiro. [5]

Por outro lado, em 1966, o Supremo Tribunal Federal admitiu, pela primeira vez, a reparação do dano moral [6], embora a jurisprudência tenha continuado hesitante até 1988, quando, por força de texto constitucional expresso, a reparabilidade do dano moral tornou-se incontestável (CF, art. 5°, V e X).

Já agora, o nosso ordenamento jurídico reconhece, expressamente, tanto a responsabilidade subjetiva (estribada na culpa), quanto a responsabilidade objetiva (independente de culpa).

A Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, estabeleceu, por exemplo, no seu art. 37, § 6°, que: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

No mesmo diapasão, o art. 12 da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), previu a responsabilidade objetiva, estabelecendo que: "o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos".

Por derradeiro, o Código Civil brasileiro de 2002, conquanto repetindo, em grande parte, ipsis litteris, alguns dispositivos do código de 1916, e corrigindo a redação de outros, consagrou a responsabilidade civil objetiva no parágrafo único do art. 927 e previu, no art. 186, a reparação do dano exclusivamente moral.


3. CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL.

Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade. A palavra "responsabilidade" origina-se do latim, "re-spondere", que consiste na idéia de segurança ou garantia da restituição ou compensação. Diz-se, assim, que responsabilidade e todos os seus vocábulos cognatos exprimem idéia de equivalência de contra-prestação, de correspondência.

Sintetizando a conceituação desse instituto, MARIA HELENA DINIZ asseverou que: "poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva)". [7]

Essa sinótica definição parece abranger, com elevado rigor doutrinário, as diversas hipóteses de obrigação de indenizar decorrentes da responsabilidade civil, seja ela subjetiva ou objetiva.


4. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E RESPONSABILIDADE OBJETIVA.

O Direito Civil moderno consagra o princípio da culpa como basilar da responsabilidade extracontratual, abrindo, entretanto, exceções para a responsabilidade por risco, criando-se, assim, um sistema misto de responsabilidade.

A responsabilidade civil, conforme o seu fundamento, pode ser subjetiva ou objetiva.

Diz-se subjetiva a responsabilidade quando se baseia na culpa do agente, que deve ser comprovada para gerar a obrigação indenizatória. A responsabilidade do causador do dano, pois, somente se configura se ele agiu com dolo ou culpa. Trata-se da teoria clássica, também chamada teoria da culpa ou subjetiva, segundo a qual a prova da culpa lato sensu (abrangendo o dolo) ou stricto sensu se constitui num pressuposto do dano indenizável.

A lei impõe, entretanto, em determinadas situações, a obrigação de reparar o dano independentemente de culpa. É a teoria dita objetiva ou do risco, que prescinde de comprovação da culpa para a ocorrência do dano indenizável. Basta haver o dano e o nexo de causalidade para justificar a responsabilidade civil do agente. Em alguns casos presume-se a culpa (responsabilidade objetiva imprópria), noutros a prova da culpa é totalmente prescindível (responsabilidade civil objetiva propriamente dita).

Tratando da distinção entre a responsabilidade subjetiva e objetiva, o insuperável JOSÉ DE AGUIAR DIAS, com absoluta precisão, escreveu: "no sistema da culpa, sem ela, real ou artificialmente criada, não há responsabilidade; no sistema objetivo, responde-se sem culpa, ou, melhor, esta indagação não tem lugar". [8]

Conclui-se, assim, que a variação dos sistemas da obrigação indenizatória civil se prende, precipuamente, à questão da prova da culpa, ao problema da distribuição do ônus probatório, sendo este o centro em que tem gravitado a distinção entre a responsabilidade civil subjetiva e a responsabilidade civil objetiva.


5. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL.

Assentado o princípio, universalmente aceito, de que todo aquele que causar dano a outrem é obrigado a repará-lo, cabe-nos agora analisar, em linhas gerais, os pressupostos ou elementos básicos da responsabilidade civil.

O art. 186 do Código Civil de 2002 (art. 159 do CC-1916) estabelece que:

"Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

Da hermenêutica do supratranscrito dispositivo, que foi mais abrangente que o seu correspondente da lei anterior, porquanto introduziu na norma a previsão do dano moral, extraem-se os seguintes pressupostos da responsabilidade civil, a saber: conduta humana (ação ou omissão); culpa ou dolo do agente; relação de causalidade; e o dano experimentado pela vítima.

Entretanto, persuadido de que o nosso direito positivo não só admitiu, como priorizou muito mais, a idéia de responsabilidade civil sem culpa, ou seja, a responsabilidade civil objetiva, não podemos aceitar a culpa ou dolo do agente como pressuposto ou elemento essencial da responsabilidade civil.

Hoje, com a evolução do nosso Direito Civil, já não se admite a ultrapassada concepção de que a responsabilidade civil está sempre interligada à culpa. Ao contrário, ao menos em termos quantitativos, o que se verifica é a predominância de demandas judiciais indenizatórias fundadas em responsabilidade sem culpa. Caiu por terra, portanto, a idéia de que a responsabilidade subjetiva é a regra e a responsabilidade objetiva a exceção.

Com a clareza que lhes é peculiar, os já referidos professores PABLO STOLZE GAGLIANO e RODOLFO PAMPLONA FILHO, assim sentenciaram:

"A culpa, portanto, não é um elemento essencial, mas sim acidental, pelo que reiteramos nosso entendimento de que os elementos básicos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são apenas três: a conduta humana (positiva ou negativa), o dano ou prejuízo, e o nexo de causalidade...". [9]

Não se pode desprezar, contudo, a relevância do estudo da culpa na responsabilidade civil, tanto mais porque, conforme adverte CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA: "A abolição total do conceito da culpa vai dar num resultado anti-social e amoral, dispensando a distinção entre o lícito e o ilícito, ou desatendendo à qualificação da boa ou má conduta, uma vez que o dever de reparar tanto corre para aquele que procede na conformidade da lei, quanto para aquele outro que age ao seu arrepio". [10]

Desta forma, conforme bem observou a culta professora JEOVANNA VIANA ALVES, em sua excelente tese de doutoramento, "a responsabilidade civil não pode assentar exclusivamente na culpa ou no risco, pois sempre existirão casos em que um destes critérios se revelará manifestamente insuficiente. A teoria do risco não vem substituir a teoria subjectiva, mas sim completá-la, pois, apesar dos progressos da responsabilidade objetiva, que vem ampliando seu campo de aplicação, seja através de novas disposições legais, seja em razão das decisões dos nossos tribunais, por mais numerosas que sejam, continuam a ser exceções abertas ao postulado tradicional da responsabilidade subjectiva". [11]

Também, segundo a preleção do mestre SÍLVIO VENOSA, ao comentar o parágrafo único do 927, o novo código civil não "... fará desaparecer a responsabilidade com culpa em nosso sistema. A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa, somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que autorize. Portanto, na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito será subjetiva, pois esta é a regra geral no direito brasileiro. Em casos excepcionais, levando em conta os aspectos da nova lei, o juiz poderá concluir pela responsabilidade objetiva no caso que examina. No entanto, advirta-se, o dispositivo questionado explica que somente pode ser definida como objetiva a responsabilidade do causador do dano quando este decorrer de ‘atividade normalmente desenvolvida'' por ele." [12]

Ainda assim, por questões didáticas, nos permitiremos evitar uma análise mais aprofundada da responsabilidade civil subjetiva, porquanto o âmago deste trabalho está na responsabilidade objetiva, qual seja, aquela que é imposta por lei independentemente de culpa e sem a necessidade de sua presunção.

Fixado esse entendimento, têm-se como pressupostos ou elementos básicos da responsabilidade civil: a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade.

5.1. Conduta humana.

A conduta humana, como pressuposto da responsabilidade civil, "vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado". [13]

À luz dessa definição, constata-se que a responsabilidade decorrente de ato ilícito baseia-se na idéia de culpa, enquanto que a responsabilidade sem culpa (objetiva) funda-se no risco.

Por outro lado, essa conduta, positiva ou negativa, passível de responsabilidade civil pode ser praticada: a) pelo próprio agente causador do dano; b) por terceiros, nos casos de danos causados pelos filhos, tutelados, curatelados (art. 932, I e II), empregados (art. 932, III), hóspedes e educandos (art. 932, IV); e, ainda, c) por fato causado por animais e coisas que estejam sob a guarda do agente (art. 936).

5.2. Dano.

Para que a conduta humana acarrete a responsabilidade civil do agente, é imprescindível a comprovação do dano dela decorrente. Sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado. O dano, ou prejuízo, é, pois, um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, porquanto, sem a sua ocorrência inexiste a indenização.

Com precisão, SÉRGIO CAVALIERI FILHO, citado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, salientou que:

"O dano é, sem dúvida, o grande vilão da responsabilidade civil. Não haveria que se falar em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode responsabilidade sem dano. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc. -, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa". [14]

O dano é doutrinariamente classificado em: patrimonial (material) ou extrapatrimonial (moral).

5.2.1. Dano patrimonial.

O dano patrimonial, ou material, consiste na lesão concreta ao patrimônio da vítima, que acarreta na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de quantificação pecuniária e de indenização pelo responsável. O dano patrimonial abrange o dano emergente (o que efetivamente se perdeu) e o lucro cessante (o que se deixou de ganhar em razão do evento danoso).

5.2.2. Dano moral.

O dano moral é a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica. A Constituição Federal de 1988 fortaleceu, de maneira decisiva, a posição da pessoa humana, e de sua dignidade, no ordenamento jurídico, logrando a determinação do dever de reparar todos os prejuízos injustamente causados à pessoa humana.

Assim, os tribunais têm reconhecido a existência de dano moral não apenas nas ofensas à personalidade, mas também sob forma de dor, sofrimento e angústia. Há "situações em que a frustração, o incômodo ou o mero aborrecimento é invocado como causa suficiente para o dever de indenizar". [15]

5.3. Nexo de Causalidade.

A relação de causalidade entre a conduta humana (ação ou omissão do agente) e o dano verificado é evidenciada pelo verbo "causar", contido no art. 186 do Código Civil. Sem o nexo causal, não existe a obrigação de indenizar. A despeito da existência do dano, se sua causa não estiver relacionada com o comportamento do agente, não haverá que se falar em relação de causalidade e, via de conseqüência, em obrigação de indenizar. Nexo de causalidade é, pois, o liame entre a conduta e o dano.


6. ATIVIDADE DE RISCO.

A necessidade de adequação do direito civil ao cunho social dos princípios fundamentais da nossa Carta Magna [16] fez nascer a marcante tendência do novo código à objetivação da responsabilidade civil, que está explícita no dispositivo a seguir transcrito:

"Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". (grifos nossos)

Nenhuma novidade significativa se verifica no caput do dispositivo supratranscrito. Trata-se da responsabilidade civil extracontratual, anteriormente prevista no art. 159 do Código Civil de 1916, cuja imputabilidade do agente representa o elemento subjetivo da culpa e se constitui na reação provocada pela infração a um dever preexistente.

No parágrafo único, diversamente, se, por um lado, laborou com acerto o legislador, ao consagrar a responsabilidade civil objetiva, independentemente de culpa, noutro, não andou bem, quando introduziu na codificação o conceito aberto de atividade de risco, transferindo para os magistrados e doutrinadores a tarefa de definir o que efetivamente vem a ser atividade de risco, apta a justificar a obrigação de reparar o dano.

Parece ter passado despercebido pelo legislador que a falta de delimitação do conceito de atividade de risco, por certo, ao menos até que a jurisprudência se pacifique – o que, sem dúvida, demorará anos ou até décadas - dará ensejo a inúmeras decisões díspares, causando, também, aumento significativo de demandas judiciais indenizatórios, a serem apreciadas nos diversos juízos e tribunais, já tão avolumados de trabalho.

Com efeito, vaticinando esse problema, CARLOS ROBERTO GONÇALVES, assim previu: "...a admissão da responsabilidade sem culpa pelo exercício de atividade que, por sua natureza, representa risco para os direitos de outrem, da forma genérica como está no texto, possibilitará ao Judiciário uma ampliação dos casos de dano indenizável". [17]

É bem verdade, como disse ANDERSON SCHREIBER, que a "história das codificações mostra que um código consiste menos nas suas palavras, e mais no que sobre elas se constrói. De fato, o conteúdo de um código é sempre dinâmico, no sentido de que suas normas não são nunca dadas, mas construídas e reconstruídas dia-a-dia pelos seus intérpretes". [18]

Na hipótese em discussão, porém, o Código Civil, não delimitando o conceito de atividade de risco, relegou ao magistrado uma discricionariedade que antes pertencia exclusivamente ao legislador. Terá o juiz a difícil missão de, por exemplo, decifrar, para reconhecer a responsabilidade civil, a que categoria de pessoas estaria o legislador se referindo como executora de atividade de risco. A pessoa comum que utiliza o seu veículo para se locomover, ao fazê-lo, estaria exercendo atividade de risco? Havendo um acidente de veículo, com danos, ficaria o motorista obrigado a repará-los mesmo sem a comprovação da sua culpa? Essas são apenas algumas indagações que serão suscitadas acerca da atividade de risco.

Feitos esses registros, cabe-nos, agora, a árdua tarefa de tentar compreender o sentido da norma em análise, talvez o dispositivo mais polêmico do novo Código Civil.

Duas situações são verificadas: na primeira, a responsabilidade civil poderá ser reconhecida, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei; e na segunda, por sua vez, a responsabilidade civil poderá ser reconhecida, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

A primeira situação é muito clara e dispensa maiores questionamentos. A hipótese prevê a reparação do dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, a exemplo da norma inserta no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece: "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".

A outra, entretanto, é muito mais complexa. É onde nos deparamos com o conceito demasiadamente aberto, ou melhor, a falta de conceituação da atividade de risco a que se refere a norma.

No que diz respeito à responsabilidade objetiva, várias concepções em torno da idéia central do risco são identificadas, dentre as quais, conforme a contundente e precisa preleção do Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e Professor, SÉRGIO CAVALIERI FILHO, podem ser destacadas as teorias do risco-proveito, do risco profissional, do risco excepcional, do risco criado e do risco integral. [19]

Cuidaremos a seguir, em aligeiradas linhas e com o objetivo meramente ilustrativo, dessas modalidades de risco:

a) Na teoria do risco-proveito a responsabilidade incorre sobre aquele que adquire algum proveito da atividade danosa. De acordo com essa teoria, a vítima do fato lesivo teria de provar a obtenção do proveito, ou seja, do lucro ou vantagem pelo autor do dano.

b) A teoria do risco profissional sustenta que o dever de indenizar sempre decorre de um fato prejudicial à atividade ou profissão do lesado, tal como ocorre nos danos causados por acidente de trabalho.

c) O risco excepcional é aquele que escapa à atividade comum da vítima, ainda que estranho ao trabalho que normalmente exerça, a exemplo dos casos de acidentes de rede elétrica, exploração de energia nuclear, radioatividade etc.

d) Na teoria do risco criado, segundo o insigne mestre CAIO MARIO, citado por SERGIO CAVALIERI FILHO, "aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo se houver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo" (Responsabilidade civil, 3ª ed., Forense, 1992, p. 24) [20]. Diferem as teorias do risco-proveito e a do risco criado ao passo em que, nesta última, não se correlaciona o dano a um proveito ou vantagem do agente.

e) Por fim, a teoria do risco integral é uma modalidade extremada da doutrina do risco, porquanto nela se dispensa até mesmo o nexo causal para justificar o dever de indenizar, que se faz presente somente em razão do dano, ainda que nos casos de culpa exclusiva da vítima.

Em sintonia com essas teorias, AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, em seu renomado dicionário da língua portuguesa, definiu a expressão "atividade", como sendo: "qualquer ação ou trabalho específico; meio de vida; ocupação; profissão; exercício efetivo de função ou emprego"; etc. E assim conceituou o "risco": "perigo ou possibilidade de perigo; situação em que há probabilidades mais ou menos previsíveis de perda ou ganho". [21]

À luz dessa conceituação, poder-se-á entender por atividade de risco, apta a justificar a obrigação indenizatória, aquela empreendida habitualmente pelo agente causador do dano com fins lucrativos, como meio de vida ou como profissão. A freqüência da prática da atividade e a sua finalidade lucrativa induzem à previsibilidade, ou probabilidade, do risco para direitos de outrem.

Com o liame entre a atividade normalmente desenvolvida pelo agente com fins lucrativos - conduta humana, e o dano, além do nexo de causalidade, é que se justificaria o dever de indenizar, ainda que inexistente a ilicitude ou a culpa.

É essa, ao que nos parece, a melhor hermenêutica da norma inserta na segunda parte do polêmico parágrafo único do art. 927, do novo Código Civil. Todavia, por certo, a amplitude desse dispositivo somente será delimitada pela jurisprudência, após o aprofundado exame dos casos concretos que serão submetidos à apreciação dos julgadores, o que, como já dito, demandará muito tempo.

Nessa esteira de raciocínio, exclui-se, de logo, a possibilidade de se responsabilizar civilmente, sem a comprovação de culpa, aquele motorista que se envolveu em acidente de trânsito, com danos, quando utilizava o veículo apenas para sua locomoção, sem fins lucrativos.

Dir-se-ia, então, ao contrário senso, que todo ato danoso praticado no exercício de atividade profissional, com fins lucrativos - portanto, seria indenizável.

A questão não é tão simples assim.

O que dizer, por exemplo, da atividade médica? Sem sombra de dúvida, o médico, assim como o dentista, o enfermeiro, o farmacêutico etc., exerce atividade de risco. O dano decorrente do exercício de sua profissão seria indenizável, independentemente de comprovação de culpa?

O nosso novo Código Civil estabelece que:

"Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho".

Essa disposição legal, correspondente a do art. 1.545 do CC-1916, evidenciou a exclusão da responsabilidade objetiva dos profissionais da medicina, a exemplo do que já ocorria com os profissionais liberais em geral, cuja responsabilidade, a teor do que estabelece o art. 14, § 4º, do Código do Consumidor, é apurada mediante a verificação da culpa.


7. QUESTÕES PROCESSUAIS DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA.

Também no âmbito do Direito Processual Civil, com a obrigação de se reparar o dano independentemente de comprovação de culpa, alguns aspectos controvertíveis hão de surgir, em demandas judiciais, acerca da responsabilidade civil objetiva.

Poderá o juiz, por exemplo, numa ação judicial escorada na responsabilidade civil subjetiva, onde a culpa não resultou comprovada, condenar o agente causador do dano a indenizar a vítima, fundamentando a sua decisão na ocorrência da responsabilidade civil objetiva?

Pense-se na hipótese de uma demanda judicial em que se pede a condenação do réu a indenizar danos causados por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, ou, ainda, por ato ilícito (arts. 186 e 927, caput, do CC). Durante a instrução do processo o autor não satisfez o seu ônus de comprovar a culpa, ou o ato ilícito, do agente causador do dano. Mas, o evento danoso foi praticado no exercício de atividade de risco por ele normalmente desenvolvida, com fins lucrativos, o que resultou sobejamente provado nos autos.

Poderá o julgador, nesse caso, julgar procedente o pedido de reparação de danos, com fulcro na segunda parte do parágrafo único do art. 927, do Código Civil, ou seja, com base na responsabilidade civil objetiva?

Ora, conforme determina o art. 282, inciso III, do Código de Processo Civil, insta ao autor expor na petição inicial os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido, sendo que na fundamentação está a causa de pedir.

Na hipotética exemplificação, a ação foi fundamentada na responsabilidade civil subjetiva, cuja causa de pedir vem a ser: a) a conduta humana; b) nexo causal; c) o dano; e d) a culpa. Na responsabilidade objetiva, por sua vez, a causa petendi é: a) a conduta humana; b) o nexo causal; c) o dano; e d) o risco. A culpa e o risco são, portanto, elementos que distinguem as causas de pedir desses dois sistemas de responsabilidade.

A solução da questão sob exame, ao que parece, está na análise das causas de pedir da responsabilidade subjetiva e da responsabilidade objetiva. Inexistindo identidade entre as causas petendi dos dois sistemas de responsabilização, por óbvio, não poderá o juiz inovar no processo, alterando a causa de pedir da demanda.

Com efeito, dispõe o art. 264 do Código de Processo Civil:

"Feita a citação, é defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir, sem o consentimento do réu, mantendo-se as mesmas partes, salvo as substituições permitidas por lei.

Parágrafo único: A alteração do pedido ou da causa de pedir em nenhuma hipótese será permitida após o saneamento do processo." (grifo nosso)

Nesse diapasão, o art. 460, do mesmo estatuto processual, estabelece que:

"É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado".

Da inteligência das disposições processuais transcritas, extrai-se que, ainda que durante a instrução do processo resulte comprovado o nexo de causa e efeito entre a conduta, o risco e o evento danoso, se a pretensão do autor não se fundamentou no risco, mas sim na culpa, não há que se falar em responsabilidade objetiva do agente causador do dano.

Por conseguinte, no nosso entender, não poderá o juiz, numa ação judicial fundamentada exclusivamente na responsabilidade civil subjetiva, condenar o agente causador do dano a indenizar a vítima com base na ocorrência da responsabilidade civil objetiva, sob pena de nulidade da sentença.


8. CRITÉRIOS VALORATIVOS DA INDENIZAÇÃO.

Da conduta humana, do dano e do nexo de causalidade, e inexistindo quaisquer das excludentes da responsabilidade civil, advém a obrigação indenizatória. Mas, como quantificar tal indenização?

Sabe-se que a finalidade jurídica da indenização, conforme de depreende do disposto no art. 402 do Código Civil, é a recomposição integral do patrimônio daquele que sofreu o dano, devendo abranger não só o que se perdeu (dano emergente), mas também o que deixou de ganhar com o evento danoso (lucro cessante).

A responsabilidade civil tem, pois, essencialmente, a função reparadora ou indenizatória, embora possa vir a assumir, acessoriamente, caráter punitivo.

Essa indenização, no que diz respeito ao conteúdo da reparação obrigacional, pode ser: a) específica ou in natura, que consiste em fazer com que as coisas voltem ao estado em que se encontravam antes de ocorrido o evento danoso; e b) por equivalência, que se traduz pelo pagamento por equivalente em dinheiro. Nesta, o juiz deve estabelecer o conteúdo do dano, considerando o dano emergente, o lucro cessante e, às vezes, o dano moral.

O Código de Defesa do Consumidor e o novo Código Civil, em alguns casos, estabeleceram critérios para tarifação da indenização, a saber:

a) danos causados por demanda de dívida inexigível (arts. 939 a 941 do CC-02 e art. 42 do CDC);

b) danos à vida e à integridade física da pessoa (arts. 948 a 951 CC-02);

c) danos decorrentes de usurpação e esbulho (arts. 952 CC-02);

d) por injúria, difamação ou calúnia (art. 953 CC-02);

e) por ofensa à liberdade pessoal (art. 954 CC-02)

No entanto, a regra básica de Direito Civil para a mensuração do quantum debeatur está expressa no art. 944, do novo código, que dispõe:

"Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único: Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização."

O caput do artigo transcrito é muito claro. A indenização deve ser medida de acordo com a extensão do dano. Se o prejuízo é de "X", compreendendo o dano emergente e o lucro cessante, a indenização terá de ser também de "X".

O problema está no parágrafo único desse artigo. Como poderá o juiz considerar a gravidade da culpa para fixar o valor indenizatório na hipótese de responsabilidade civil objetiva, que independe de culpa?

Comentando esse dispositivo legal, RUI STOCO, citado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, assim expressou a sua preocupação: "Também o parágrafo único desse artigo, segundo nos parece, rompe com a teoria da restitutio integrum ao facultar ao juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização se houver ‘excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano’. Ao adotar e fazer retornar os critérios de graus da culpa obrou mal, pois o dano material não pode sofrer influência dessa gradação se comprovado que o agente agiu culposamente ou que há nexo de causa e efeito entre a conduta e o resultado danoso, nos casos de responsabilidade objetiva ou sem culpa. Aliás, como conciliar a contradição entre indenizar por inteiro quando se tratar de responsabilidade objetiva e impor indenização reduzida ou parcial porque o agente atuou com culpa leve, se na primeira hipótese sequer se exige culpa? [22]

Em verdade, não nos parece coerente admitir a influência da gradação da culpa, se comprovado o nexo de causa e efeito entre a conduta e o resultado danoso, nos casos de responsabilidade civil objetiva, onde sequer se analisa a culpa para impor a indenização.

Assim, a primeira vista, deduz-se que o parágrafo único do art. 944, do Código Civil, somente será aplicado nos casos de responsabilidade subjetiva, onde a comprovação da culpa é imprescindível para gerar o dever de indenizar. Se inexistir culpa na conduta do agente causador do dano, por óbvio, não poderá haver a sua gradação no momento da fixação do valor indenizatório.

Por outro lado, no artigo em comento, deixou o legislador se esvair a oportunidade de prever parâmetros para disciplinar a extensão e os contornos do dano moral, tanto mais porque, superadas as divergências acerca da sua reparabilidade, o foco principal de debates reside, hoje, na sua quantificação.

Buscando suprir essa lacuna, e defendendo o caráter punitivo da indenização por danos morais, ao adotar a teoria do "valor do desestímulo", o Projeto de Lei n. 6.960/2002, que altera dispositivos do novo Código Civil, acrescenta um segundo parágrafo ao artigo 944, in verbis: "§ 2° A reparação do dano moral deve constituir-se em compensação ao lesado e adequado desestímulo ao lesante". O quantum indenizatório, portanto, compreenderia, também um valor capaz de dissuadir a prática e a reiteração do ato ou fato que gerou o dano.

Tratando dos critérios valorativos do dano moral, MARIA CELINA BODIM DE MORAES, lembrou que o "STJ, de modo especial nos votos do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, tem sustentado sistematicamente que, na fixação do quantum reparatório, devem ser considerados os seguintes critérios objetivos: a moderação, a proporcionalidade, o grau de culpa, o nível socioeconômico da vítima e o porte econômico do agente ofensor. No espaço de maior subjetividade, estabelece, ainda, que o juiz deve calcar-se na lógica do razoável, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso." [23]

Para fixar o valor da indenização decorrente de dano moral, portanto, deve o juiz observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, de modo que ela se constitua em compensação ao lesado e sirva de desestímulo ao agente causador do dano.


9. CONCLUSÃO.

De tudo quanto foi exposto, extrai-se que, não obstante os anacronismos e as incongruências que foram tratadas neste trabalho, sobretudo, as que se verificam nas normas insertas nos arts. 927 e 944 do Código Civil, a responsabilidade objetiva mereceu lugar de destaque na nova codificação, trazendo, sem sombra de dúvida, extraordinário avanço no campo do Direito Civil.

Como dito, essas são apenas algumas indagações que serão suscitadas acerca da atividade de risco de que trata o parágrafo único do art. 927, do novo Código Civil. Outras controvérsias pertinentes à responsabilidade objetiva, por certo, irão surgir ao longo do tempo.

Talvez a intenção do nosso legislador, ao relegar à jurisprudência a definição de alguns importantes conceitos sobre esse tema, tenha sido mesmo a de fazer com que a nossa codificação civil vigore por muito mais tempo, desenvolvendo-se à luz da inteligência jurisprudencial e em harmonia com a evolução do próprio direito.

Com efeito, relembrando as últimas inovações do direito brasileiro, observam-se diferentes tendências dos nossos juristas: na década de sessenta, com a reforma da parte geral do Código Penal, os estudiosos do direito tiveram maior atração pelo Direito Penal; na década de setenta, quando ocorreu a modificação do Código de Processo Civil, entraram em evidência os processualistas; com a promulgação da Constituição Federal de 1988, destacaram-se os constitucionalistas; na década de noventa, com o advento do Código de Defesa do Consumidor, o destaque passou a ser o direito consumeirista; já agora, com vigência do novo Código Civil, chegou a vez dos civilistas.

Qualquer comentário que se faça, hoje, acerca da nossa nova codificação será puramente doutrinário e sem o balizamento jurisprudencial.

Caberá à doutrina e aos tribunais, portanto, interpretar o novo Código Civil e dele extrair preceitos que auxiliem na superação das questões polêmicas de suas inovações.


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Notas

1 A expressão "responsabilidade aquiliana" tomou da Lei Aquília (Lex Aquilia) o seu nome característico, pois nela é que se esboça o princípio geral regulador da reparação do dano.

2 Gonçalves, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 2.

3 Gagliano, Pablo Stolze e Pamplona Filho, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo:Saraiva, 2003, v. 3, p. 10

4 Santana, Heron José. Responsabilidade Civil por Dano Moral ao Consumidor. Minas Gerais: Edições Ciência Jurídica, 1997, p. 4.

5 Silva, Wilson Melo da. O Dano Moral e sua Reparação. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1955.

6 RTJ – 39/38-44.

7 Diniz, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, v. 7, p.34.

8 Dias, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944. v. 1. pp. 94-95.

9 Gagliano, Pablo Stolze e Pamplona Filho, Rodolfo, ob. cit., p. 29.

10 Pereira, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1997, v. 5, 11ed., p. 391.

11 Alves, Jeovanna Viana. Responsabilidade Civil dos Pais Pelos Actos dos Filhos Menores. Editora Renovar, biblioteca de teses, 2003.

12 Venosa, Sílvio de Salvo, A Responsabilidade Objetiva no Novo Código Civil. Artigo disponível no site www. Societario.com.br, doutrina.

13 Diniz, Maria Helena, ob. cit., p.37.

14 Gagliano, Pablo Stolze e Pamplona Filho, Rodolfo, ob. cit., p. 40.

15 Schreiber, Anderson. Arbitramento do Dano Moral no novo Código Civil. RTDC. Rio de Janeiro: Padma, 2002, v. 12., p. 4-5.

16 "O direito civil atual, repita-se, já não se limita a regular de forma neutra as relações jurídicas entre particulares, tendo adquirido um cunho eminentemente social, fulcrado na nova ordem constitucional, a qual se erige em fonte maior da matéria. As normas constitucionais, principalmente os artigos que estabelecem os valores e princípios fundamentais da Constituição de 1988, não se constituem em princípios gerais do direito, cujo papel de integração do ordenamento depende da inexistência de lei ou costume; antes, são direito positivo, no vértice do ordenamento e se aplicam diretamente a todas as relações havidas no seio da coletividade". (Carlos Edison do Rego Monteiro Filho. Problemas de responsabilidade civil do Estado. RTDC. Rio de Janeiro: Padma, 2002, v. 11., p. 37).

17 Gonçalves, Carlos Roberto, ob. cit., p. 25.

18 Schreiber, Anderson. ob. cit., p. 3.

19 Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2003, pp. 146/147.

20 Pereira, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 3. ed. Forense, 1992, p.24. Apud Cavalieri Filho, Sérgio, ob. cit., p.148.

21 Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio do Século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

22 Rui Stoco, Tratado de Responsabilidade civil – Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, 5. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 13. Apud Gagliano, Pablo Stolze e Pamplona Filho, Rodolfo, ob. cit., p. 161.

23 Moraes, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana – Uma Leitura Civil-Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro-São Paulo: Renovar, 2003, p. 290.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITTO, Marcelo Silva. Alguns aspectos polêmicos da responsabilidade civil objetiva no novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 314, 17 maio 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5159. Acesso em: 24 abr. 2024.