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O dever de fidelidade no casamento e na união estável e suas possíveis conseqüências

O dever de fidelidade no casamento e na união estável e suas possíveis conseqüências

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O Código Civil Brasileiro, no que concerne ao casamento, dispõe em seu artigo 1566, inciso I que, são deveres de ambos os cônjuges, entre outros, a fidelidade recíproca.

Dispõe ainda em seu artigo 1724, no que tange à união estável que: "As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos".

No âmbito da união estável poder-se-ia mencionar que a ausência do termo "fidelidade" proporcionaria uma maior liberalização neste sentido.

Entretanto, a Constituição Federal em seu artigo 226, § 3º, regulamentado pela Lei 9278 de 1996, artigo 1º, bem como toda a doutrina dominante, equipara a união estável e o casamento em vários aspectos, entre eles ao dever de fidelidade ali expresso, no vocábulo "lealdade".

Cumpre então questionar até que ponto referido dever de fidelidade e lealdade, tão enfatizados em nosso diploma legal, poderia acarretar maiores conseqüências jurídicas aos cônjuges e companheiros em face, principalmente, a uma eventual ação de separação.

Têm-se como sinônimos de fidelidade os termos lealdade, honradez, honestidade, integridade, pontualidade, constância, firmeza, perseverança, entre outros.

É possível, assim, conceituar o dever de fidelidade como a lealdade entre os parceiros, especialmente no que tange às relações cujo principal objetivo seja o prazer físico e a satisfação sexual.

O desrespeito a tal dever configura-se, a princípio pela prática de relação sexual com pessoa estranha ao casamento ou à união estável. Entretanto, segundo REGINA BEATRIZ TAVARES DA SILVA [1] "seu descumprimento dá-se pela prática de ato sexual com terceira pessoa e também de outros atos que, embora não cheguem à conjunção carnal, demonstram o propósito de satisfação do instinto sexual fora da sociedade conjugal".

Ao se falar em infidelidade, surge inegavelmente a figura do Adultério. Este não é, por si só, forma exclusiva de quebra do dever de fidelidade, sendo considerado, tão somente, uma das suas espécies. É para tal espécie de descumprimento dos deveres do casamento que voltaremos nosso foco.

Entre nós, é possível definir o adultério como a relação sexual havida fora do âmbito conjugal.

É consistente a relevância histórica da figura do adultério desde os primórdios, principalmente no que tange à imagem da esposa. Tanto é que, na antiga Babilônia, as estas eram privadas de um dos olhos, para que só pudessem ver o seu amo e senhor; os Hebreus, tinham o direito de matar suas esposas, caso essas não sangrassem na primeira relação.

Entretanto, nem sempre o cometimento do adultério foi algo tão repudiado. Os casais de Esparta praticavam o adultério de forma legalizada para combater o ciúme exagerado.

Durante a Idade Média, mesmo com a Igreja Católica castrando qualquer traço de conduta desviante, as francesas da Savóia, uma vez por ano, reuniam-se, e juntas, iam às tabernas para se encontrar com outros homens. Todas, frise-se bem, apoiadas pelo consentimento dos maridos.

MARIA DEL ROSÁRIO DIEGO DIAZ-SANTOS [2], aduz que a Lei Mosaica já tratava o adultério como um delito muito grave, castigado com a morte dos culpados, enquanto no Egito, a mulher adúltera sofria a mutilação de seu nariz, a morte era reservada para o seu amante. Na Índia, o adultério implicava em dupla ofensa aos deuses e à indesejada mistura de raças, devendo a mulher ser devorada por cachorros em praça pública.

Entrelaçando o dever de fidelidade com o adultério, o terapeuta FRANK PITTMAN [3], citado por ROLF MADALENO [4] define o adultério como o ato sexual fora do casamento, ao passo que a infidelidade seria uma desonestidade sexual dentro do casamento. Para ele o adultério é contra a lei, ou contra a vontade de Deus, mas a infidelidade é contra o casamento, exatamente porque rompe com os acordos conjugais que variam de casal para casal, de cultura para cultura e da própria condição social dos conviventes, mas que representam, sempre, alianças formadas com o objetivo de dar paulatina estabilidade ao casamento.

Em se verificando o descumprimento do dever de fidelidade recíproca por parte de qualquer dos cônjuges ou companheiros emerge o exposto no artigo 1572 do Código Civil, segundo o qual "Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum". Ainda, o artigo 1573, segundo o qual, dão causa à impossibilidade da vida em comum o adultério e a conduta desonrosa.

Assim, se existem ao menos elementos circunstanciais que certificam acerca da existência da figura de grave violação dos deveres do casamento, tal fato resulta na insuportabilidade da mantença da sociedade conjugal, justificando-se, assim, a decretação da separação do casal.

Quanto às conseqüências, no que tange aos alimentos, o Código Civil de 2002 concede, mesmo ao culpado pela separação, o tão fadado direito a alimentos. Entretanto, ao cônjuge ou companheiro que descumpriu o dever de fidelidade, o valor dos alimentos é restrito a garantir sua sobrevivência.

Deste modo, este se contentará única e exclusivamente com os alimentos indispensáveis à sua sobrevivência, não havendo que se falar, assim, na mantença do padrão social de vida, com seus luxos e aparatos.

Segundo a Desembargadora MARIA BERENICE DIAS, "a diferenciação introduzida no Código Civil, no entanto, tem distinto pressuposto, pois serve exclusivamente para limitar os alimentos em favor do culpado pelo surgimento do estado de necessidade, sem questionar quem são os destinatários do benefício. Assim, persiste a intenção do legislador de punir o responsável pelo surgimento do encargo alimentar. Ainda que sem o rigorismo anterior, continua sendo penalizado quem ousa se afastar do casamento adotando atitudes inadequadas à vida em comum. Somente perceberá o quanto baste para sobreviver."

Este comportamento por parte de uma das partes é, plausível, inclusive de indenização por danos morais. Neste sentido Yousef Said Cahali, segundo o qual "já se pronunciam em nossa jurisprudência, algumas manifestações favoráveis à indenização pelos danos sofridos pelo cônjuge inocente, em razão da causa que provocou a dissolução da sociedade conjugal (...)".

O pedido de indenização por dano moral pode ser promovido quando restar configurado o descumprimento do dever de fidelidade, oportunidade em que, a conduta do cônjuge ou companheiro deve ser tipificada como crime, visto que ofende de forma expressiva a honra do ofendido.

Cumpre por fim, esclarecer que, a verificação do que se conceitua como dever, e a configuração de seu descumprimento, há ser feita através da análise do caso concreto, conhecendo-se substancialmente a relação existente entre o casal.

Em sendo o Estado/Juiz colocado a serviço desta insólita e, porque não, importuna tarefa de demarcar um culpado pelo desfazimento de uma relação conjugal, que possivelmente, há tempos se desvaira, há de se destacar a função intrínseca do Judiciário de, tão somente resolver o conflito, buscando compreender sim, mas principalmente, superar as emoções decorrentes da ruptura de uma relação entre casais.


Notas

1 SILVA, Regina Beatriz Tavarez, In Novo Código Civil Comentado – Coordenação Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 1365.

2 DIAZ-SANTOS, Maria Del Rosário Diego, In Los delitos contra la família, p.180.

3PITTMAN, Frank, In Mentiras Privadas, p. 6.

4 MADALENO, Rolf, In A infidelidade e o mito causal da separação.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Carolina Ribeiro. O dever de fidelidade no casamento e na união estável e suas possíveis conseqüências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 322, 25 maio 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5222. Acesso em: 19 abr. 2024.