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A teoria de Oracy Nogueira

ruptura às teorias tradicionais e fonte para o embasamento das políticas de ação afirmativas e seus mecanismos

A teoria de Oracy Nogueira: ruptura às teorias tradicionais e fonte para o embasamento das políticas de ação afirmativas e seus mecanismos

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Sumário: I. Introdução; II. Discriminação racial destituída do conceito de classe como elemento indispensável; III. Preconceito racial e desigualdades; IV. Brasil: o país da miscigenação; V. Como estão representadas as desigualdades entre negros e brancos à luz dos indicadores sociais; VI.Remédios anti-racistas: Ações Afirmativas e seus Mecanismos para negros; VII. Conclusão


I Introdução

A análise das relações raciais no Brasil vem tomando projeção nos últimos anos, sobretudo após as pressões feitas pelo movimento negro e por setores progressistas da sociedade civil, que ocasionaram o reconhecimento pelo Estado da existência de racismo e de desigualdades raciais, bem como a propositura e implementação de políticas públicas específicas objetivando a superação deste quadro.

Diante destes fatos, a academia tem se debruçado sobre o tema, re-atualizando a produção de importantes personalidades. Entre elas, estão as obras de Gilberto Freyre e Donald Pierson. Estes autores demonstraram que a sociedade brasileira não possuía elementos que permitissem inferir como existente no seio social de conflitos entre negros [1] e brancos. A conclusão de ambos, por meios diferentes, atestou a inexistência de racismo no Brasil, fortalecendo a idéia de democracia racial até hoje propalada por muitos.

Para romper com esta perspectiva, Oracy Nogueira identifica que a sociedade brasileira edificou condutas que legitimaram formas excludentes contra os negros. A conduta que Nogueira define na sua obra como "preconceito de marca" permitiu a integração de brancos imigrados de outros países e retardou a ascensão dos negros, fazendo com que ele identificasse a existência do racismo no seio social.

A justificativa para o não tratamento diferenciado das demandas produzidas pela população negra reside na aceitação do mito da democracia racial que prega a convivência harmônica entre brancos e negros. A contribuição de Nogueira está justamente em identificar que estas relações não se construíram desta forma, ao contrário, é feita por uma imposição de elementos culturais de uma elite branca em detrimento dos negros.

A partir destas duas posições, de certo modo, polarizadas, se sustentam os defensores da não necessidade de políticas particularizadas e do outro lado dos que acreditam da intervenção do Estado em medidas que possam reparar o quadro discriminatório no qual o negro está submetido.

A defesa para a proposição das ações afirmativas tem abrigo justamente na refutação ao mito da democracia racial. As desigualdades entre negros e brancos, neste país, residem justamente em condutas tão bem introjetadas no inconsciente coletivo, muitas vezes imperceptíveis. É em torno dessa percepção que o trabalho se desenvolve, objetivando subsidiar o debate que aumenta a cada dia.


II. Discriminação racial destituída do conceito de classe como elemento indispensável

Dentre os autores nacionais que pensaram as relações raciais no Brasil no campo das ciências sociais, Gilberto Freyre destaca-se dos demais até o momento em que se iniciaram os estudos desenvolvidos com o patrocínio da Unesco na década de 1950. Nas suas obras "Sobrados e Mucambos" e "Casa Grande e Senzala", Freyre registrou o valor do mestiço, refutando a existência de uma sociedade racista.

Esse sociólogo pernambucano conseguiu desenvolver uma análise por uma matriz mais sociológica inovando no pensamento de sua época sobre este tema que era pautada em uma base biológica, a exemplo de Nina Rodrigues e Oliveira Viana [2]. Freyre ofereceu uma nova versão ideológica e um sentimento positivo do ethos brasileiro. Ele desenvolveu o seu trabalho na predominância de elementos socioculturais em detrimento da raça (sentido biológico), como fator explicativo da formação do povo brasileiro, além da valorização da miscigenação, como prova de capacidade de adaptação do colonizador (BACELAR, 2001).

Durante muito tempo, a produção intelectual sobre as relações raciais no Brasil defendeu a inexistência do racismo. Uma das razões para isso residia na forma como se estudava a segregação e a discriminação raciais, cujo parâmetro acadêmico tinha por princípio um Estado que possuísse estrutura claramente sectária e planificadas por castas como a dos EUA, caracterizada pela institucionalização da segregação racial. Esta modalidade de estrutura social delimita o espaço dos cidadãos levando em conta a sua origem (hipodescendência). No Brasil, diferentemente dos Estados Unidos da América (notadamente nos estados do Sul), a segregação racial jamais foi institucionalizada pelo Estado. Esse quadro permaneceu inalterado mesmo durante o período de vigência da ditadura (GUIMARÃES, 1997).

As ciências sociais trabalhavam, no caso brasileiro, com um conceito por demais generalizante de classe social definido por critérios clássicos [3] e também por não haver no Estado demonstrações contundentes de atos de segregação, como havia nos Estados Unidos e África do Sul. Esta generalidade epistemológica aliada a um Estado não objetivamente segregacionista fez com que se analisasse sem a atenção mais fina para peculiaridades brasileiras e acabou por esconder as desigualdades que resultavam na interação e desenvolvimento de outras modalidades classificatórias e segregacionistas relacionadas à raça.

A obra de Gilberto Freyre, que contribuiu para a formação desse pensamento, influenciou diretamente outro sociólogo que no mesmo período do pensador pernambucano desenvolveu sua obra sobre o mesmo tema: Donald Pierson. Na obra deste pensador norte-americano, que estudou as relações raciais na Bahia na década de 1930, ver-se-á a constatação de que o problema do negro estava na referência de inferioridade quanto ao seu status social em razão da sua cor aludir a escravidão. Há uma ênfase do sociólogo em demonstrar que negros e brancos conseguiam conviver pacificamente e que o tratamento diferenciado estava relacionado à classe social das pessoas:

Fato que torna interessante a "situação racial" brasileira, é que tendo uma população de cor proporcionalmente maior que a dos Estados Unidos, o Brasil não tem "problema racial". Pelo menos é o que se pode inferir das informações casuais e aparentemente desinteressadas de visitantes desse país que indagaram sobre o assunto (PIERSON, 1971: 83).

O que havia pela ótica de Pierson é que a convivência de brancos e negros tenderia cada vez mais se harmonizar, tendo em vista que a discriminação por raça era inexistente e que o processo natural de ascensão do negro faria com que ele fosse acolhido pelos grupos mais privilegiados.

Para sustentar este argumento, Pierson analisa as relações matrimoniais da sociedade baiana e constata a existência de casamentos inter-raciais de pessoas da mesma classe econômica. E conclui que o impedimento para o casamento inter-racial estaria mais condicionado ao nível social dos cônjuges do que pela cor deles.

Pierson entendia de que haveria uma natural acomodação entre brancos e negros num processo uniformizador da sociedade brasileira, que consistiria num gradativo processo de miscigenação. Influenciado pela teoria durkheimiana observa a sociedade baiana na perspectiva de que o grupo de negros seria gradativamente absorvido pelo grupo de brancos. Não havia, pois, conflito o que fez concluir a ausência de racismo.

Até então, a problemática do racismo era mitigada pelo argumento da miscigenação e pela idéia de identidade nacional a partir da formação de um povo eminentemente mestiço. Entretanto, a análise tanto de Pierson quanto de Freyre retratava um Brasil pré-moderno sob efeito do término da escravidão e ainda presente uma estrutura a agrária rudimentar baseada na atividade monocultura e pré-industrial.

Com o processo de urbanização e industrialização e com a formação de uma estrutura social mais complexa, com vários grupos e não somente de pobres e donos de terras, como era no período anterior, que se viu que a mobilidade de negros era menor do que a dos brancos. O processo de menor mobilidade social daqueles continua persistindo o que fez perceber a necessidade de repensar as relações raciais no país.

A partir da reestruturação da análise do objeto de estudo, reconhecendo a existência de desigualdades que transcendiam o conceito de classe, que o desenvolvimento de um pensamento crítico começou a se construir. Guimarães (1997:20) vê para o surgimento de tal problemática a partir da construção de conceitos que pensassem a estrutura social brasileira como fundada em grupos mais fechados e de menor mobilidade de prestígio que as de classes. O conceito advém de Florestan Fernandes que empregou a definição de grupos de prestígio para se referir aos grupos de cor. Tentou-se construir um quadro que correspondesse a uma re-atualização das distâncias entre brancos e negros, quer dizer, como elite e povo, respectivamente.

O passo seguinte na construção dessa nova problemática foi na percepção de estruturas estanques e hierárquicas. Daí por que, os traços hierarquizantes da sociedade brasileira foram sempre vistos como vestígios ou "persistências do passado", que desapareceriam com o avanço da industrialização, para uns, ou a tomada de consciência da classe trabalhadora, para outros.

O avanço da industrialização levaria cada vez mais a produção de bens de capital para a indústria. Por sua vez aumentaria a oferta de bens de consumo que teriam de ser consumidos, obrigando a criação de posto de trabalho e, por conseguinte, criando renda para pessoas num processo constante que permitiria a redução das desigualdades.

A tomada de consciência do estado de exploração a qual era submetida a classe operária redundaria na sua organização e mobilização no propósito de cobrar melhores condições de vida e mais a frente a tomada do poder. Tal hipótese de forte influencia marxista tendeu a convencer que a tomada de consciência promoveria a ruptura necessária para que negros pudessem reduzir as desigualdades, mas do ponto de vista prático pouco alterou o panorama da população de cor no país.

As teorias que buscavam entender as relações raciais no Brasil se deparavam com fenômenos peculiares como a miscigenação e uma dinâmica sem condutas discriminatórias institucionalizadas, o que tornava difícil a observação do conflito entre grupos brancos e negros. As conclusões para a redução da desigualdade, por isso, poderiam residir no desenvolvimento das cidades, o que levaria a melhora das condições de vida das pessoas ou a tomada de consciência de classe, tendo, por conseqüência, a reivindicação por uma vida mais digna.

Entretanto, mesmo com o desenvolvimento urbano e industrial e a formação de uma classe operária, foram mantidas as formas de segregação, o que constata que as desigualdades residiam na identificação das condutas morais que legitimavam a sua conservação.

Oracy Nogueira (1955) conseguiu ver a existência de uma construção social eminentemente polarizada entre "não brancos" e brancos como assim definiu [4], introduzindo, a participação dos mestiços que da mesma forma eram submetidos à segregação. Seus trabalhos sobre relações raciais parecem ser o ponto inicial numa análise mais objetiva sobre o tema.


III.Preconceito racial e desigualdades

A forma desigual de tratamento entre negros e brancos, radiando para as relações sociais, inter-raciais e de trabalho é algo presente, sendo objeto de estudos os quais indicam, cada vez mais, que os protestos dos negros não é um exagero. A definição para esta conduta, por Nogueira, parece ser muito apropriada: "preconceito racial uma disposição (ou atitude) desfavorável, culturalmente condicionada, em relação aos membros de uma população, aos quais se têm como estigmatizados, seja devido à aparência, seja devido a toda ou parte da ascendência que se lhes atribui ou reconhece" (1955: 78-79).

Oracy Nogueira (1955:70) contribuiu para a análise das desigualdades entre os grupos branco e negro. Ele reconhece que a estrutura advinda do Brasil colonial implicou uma hierarquização social polarizada, que relaciona o branco europeu ao senhor de terras e do estabelecimento no topo da pirâmide, e na base, praticamente sem elos intermediários, os negros e nativos, na condição de escravos ou de administrados.

Sobre esta estrutura que se deram os passos iniciais para estratificação social no Brasil: uma sociedade em que o negro escravo era visto como coisa, e o homem branco, senhor de terras, com poderes imensuráveis no uso, fruição e exploração do seu patrimônio. Este quadro, mesmo depois da abolição muito pouco mudou no sentido de ascender o negro como sujeito inserido no contexto social como homem livre, pois ele continuou preso ao passado escravista sem qualquer perspectiva. Nestes pontos, vê-se na obra de Nogueira uma influência da obra de Pierson, pois há uma alusão de que a cor escura representava um nível social menor, relacionada à escravidão.

Entretanto, Nogueira conseguiu ir além do seu mestre, percebendo que a figura do negro como inferior foi edificada num processo reiterado e que confirmou a legitimação de condutas discriminatórias. Partindo da análise comparativa da sociedade americana com a brasileira, ele demonstrou o erro da leitura de que não havia racismo no Brasil.

Nogueira categorizou formas de discriminação diferentes, sendo que uma relacionada a hipodescendência adotada pelos Estados Unidos, e a outra relacionada a elementos fenotípicos do indivíduo, como acontece na América Latina.

A primeira forma, na definição de Lynn Huntley (1999:17), seria a de que:

Nos Estados Unidos, embora as idéias de classificação racial tenham mudado um pouco com o decorrer do tempo, a idéia-chave que governa a identidade racial é o princípio da "hipodescendência" ou a "regra de uma gota", um padrão de linhagem sangüínea. De acordo com esse critério, qualquer pessoa que tenha um grau pequeno ou mensurável de herança africana é por lei (e no entendimento comum) considerada afro-americana ou "negra", independente da sua aparência de fato.

Isto significa genericamente que na sociedade americana o indivíduo possuindo um ancestral negro vai ser considerado negro, sem levar em conta as suas características físicas.

A segunda forma de discriminação pautou-se no conceito de raça baseado nas características fenotípicas e socioeconômicas do indivíduo, em vez da definição genética implícita da regra de hipodescendência norte americana (SILVA, 1999).

Nogueira discrimina as modalidades de preconceito da seguinte forma:

Quando o preconceito de raça se exerce em relação à aparência, isto é, quando toma por pretexto para suas manifestações, os traços físicos do indivíduo a fisionomia, os gestos, o sotaque, diz-se que é de marca; quando basta suposição de que o indivíduo descende de certo grupo étnico para que sofra as conseqüências do preconceito diz-se que é de origem (1955:79).

O preconceito "de marca" determina uma preterição; o "de origem", uma exclusão incondicional dos membros do grupo em relação à situação ou recursos pelos quais venham a competir com os membros do grupo discriminador (NOGUEIRA, 1955).

Assim, uma sociedade que procede com o preconceito de marca, como observa ser no Brasil, a preterição é rompida com os desenvolvimentos intelectuais, econômicos e, portanto, ascensão social que se exemplifica pela aceitação pelo grupo hegemônico de um negro por estas características relevantes (NOGUEIRA, 1955). Nos EUA, esta possibilidade já está, desde cedo, negada e é definida como "(...) as restrições impostas ao grupo negro, em geral, se mantêm, independentemente de condições pessoais como instrução, ocupação etc" (NOGUEIRA, 1955: 79). O desenvolvimento intelectual econômico não contribui para que os negros possam ter os mesmos acessos, a circularem, residirem onde querem. Esta exclusão está tipicamente ligada à origem, pois basta a suposição de pertencer a um grupo para ser discriminado.

O branqueamento pela miscigenação por mais completo que seja não implica em incorporação do mestiço ao grupo branco. Mesmo a aparência mais caucasóide que seja sem característica alguma que se possa considerar como negróide [5] e, mesmo, lhe sendo impossível, biologicamente, produzir uma descendência negróide, para todos os efeitos sociais, o mestiço continuará sendo um negro. É assim que, naquele país, o negro é definido, oficialmente, sem qualquer referência a traços físicos (NOGUEIRA, 1955). Diferente, como se pode observar, do modo brasileiro.

Nogueira sintetiza as formas de discriminação pela conduta tomada de grupo segregacionista para grupo excluído da seguinte maneira:

Quanto à carga efetiva: onde o preconceito é de marca, ele tende a ser mais intelectivo e estético; onde é de origem, tende a ser mais emocional e mais integral, no que toca à atribuição de inferioridade ou de traços indesejáveis aos membros do grupo discriminado (1955: 82).

A opinião de Nogueira já demonstra uma construção teórica clara quando fala que a carga de segregação é intelectiva e estética, pois constituem estas características de embasamento cultural e, por isso, possível de ser imposta por um grupo sobre outro.

O grupo hegemônico usando dos seus modelos vê-se confortavelmente na posição de escolha, quanto aos membros do grupo que tentam ascender dentro deste modelo de sociedade. Isso dá ao grupo de brancos a possibilidade de desenvolverem "direitos" a certos a privilégios em relação ao Estado e a outros grupos sociais. Tais privilégios de oposição são resguardados no plano das relações entre sujeitos, por distâncias e etiquetas, que têm na aparência e na cor, em seu sentido lato, antropológico, suas principais marcas no espaço social.

O direito que se arrogam as autoridades e certas pessoas a tratar diferencialmente outras pessoas de alguns grupos sociais, étnicos e raciais espraia-se ao nível da vida cotidiana, principalmente em relação aos seus direitos civis. Este é o principal veículo de expressão de sentimento racista de que as pessoas de cor podem, a princípio, ser tratadas como inferiores (GUIMARÃES, 1997: 23).

Este modelo social caracterizado por uma só forma de inclusão parece ser a tônica não respeitando, destarte, as diferenças existentes entre os grupos que compõem a sociedade. Impor modelos e estruturas segregacionistas e excludentes parece ser a forma mais fácil para se criar rotas de colisão de um grupo sobre outro.

Assim, é importante enxergar estes pontos de conflito que são demonstrados pela supressão das diferenças pela justificativa de uma igualdade majoritária. O grupo branco explicitamente introduz sua cultura, suas ideologias e busca suprimir as demais. Muitas vezes o processo de exclusão também é desenvolvido de modo tão subliminar que cria um consenso até dos próprios excluídos, que vêem na ascensão social, econômica uma forma de serem aceitos no grupo dominante, anuindo com a necessidade de se moldarem ao paradigma imposto para serem considerados participantes da sociedade sem levarem em conta que a escalada é tortuosa, haja vista ser a população negra a base da pirâmide social. A maioria da população pobre é negra, destituída de instrumentos que possibilitem uma melhor condição de vida, como boa educação, boas infra-estruturas de moradia e de trabalho.

Está claro que a obra de Nogueira consegue ir além da análise de autores celebrados como Pierson e Freyre ao introduzir como elemento contingente às relações raciais no Brasil as condutas que legitimam práticas racistas. Práticas estas estabelecidas independentemente de classe, demonstrando que somente com a identificação dessas condutas se poderá dirimir as desigualdades havidas entre brancos e negros.


IV.Brasil: o país da miscigenação

O modo como se desenvolvem as relações raciais no Brasil, à luz do anteriormente exposto, sugere que a intensidade da discriminação varia na proporção direta dos traços negróides e tal discriminação não é incompatível com os mais fortes laços de amizade ou com manifestações incontestáveis de solidariedade e simpatia.

Para as pessoas com características mais negróides em comparação aos seus amigos com traços caucasóides causa pesar, do mesmo modo por que causaria um "defeito" físico. "Desde cedo se incute, no espírito da criança branca, a noção de que características negróides enfeiam e tornam o seu portador indesejável para o casamento" (NOGUEIRA, 1955: 82).

A cultura brasileira constituída parece que viu no embranquecimento uma forma de conceder ao indivíduo o status de gente. Esta idéia é provada quando se vê em Freyre anotações que, em 1773, um alvará do Rei de Portugal falava de pessoas sem sentimentos que guardavam nas suas casas escravos brancos como se fossem pretos (FREYRE, 1936: 594), como se os escravos pretos também não merecessem compaixão.

A visão de que o negro significava inferioridade foi edificada de modo consistente e eficaz, haja vista que no imaginário coletivo não vê como forma de discriminação ações tipicamente racistas. Ações estas que são encontradas nas práticas diárias das pessoas e que acabam de certo modo alcançando todos os níveis da sociedade seja a família, seja escola, sejam instituições públicas e privadas.

O mito do embraquecimento, segundo Nogueira, pode assim ser justificado:

há uma expectativa geral de que o negro e o índio desapareçam, como tipos raciais, pelo sucessivo cruzamento com o branco; e a noção geral é de que o processo de branqueamento constituirá a melhor solução possível para heterogeneidade étnica do povo. Diante de um casamento entre uma pessoa branca e uma de cor, a impressão geral é a de que esta última foi de "sorte" enquanto que aquela ou foi "de mau gosto" ou se rebaixou, deixando-se influenciar por motivos menos confessáveis. Quando o filho do casal misto nasce branco, também se diz que o casal "teve sorte"; quando nasce escuro, a impressão é de pesar (1955:84).

Oracy Nogueira afirma que este fenômeno tem como escopo a formação de uma "cultura nacional" – língua, religião, costumes. As expectativas "assimilacionistas" de Pierson e "miscigenacionistas" de Freyre se manifestam ambas, tanto em relação aos elementos de procedência africana e indígena como em relação aos imigrantes estrangeiros e sua descendência (1955). Entretanto, vê-se que neste processo se mantém uma valoração entre brancos e negros em que estes últimos são considerados inferiores, menores, menos bonitos etc. O que fica claro de que o fenômeno da miscigenação tem como paradigma para plena aceitação o branco europeu.

Nogueira (1955:85) trabalha com a acepção de que o preconceito de marca há uma hierarquização cultural de um grupo dominante branco sobre os demais grupos não brancos. A ascensão do indivíduo negro ao grupo dominante pressupõe a aquisição de elementos que o faça parte deste grupo a partir de absorção de determinados caracteres brancos como religião, hábitos e finalmente, como ratificação da sua ascensão, à união a uma pessoa branca e, por conseguinte, a formação de família mestiça cada vez mais portadora de características caucasóides.

Esta imposição ideológica vem tendo na prática um efeito extremamente segregacionista contra os negros na medida que esses apresentam características negróides, negando aos mesmos o exercício da cidadania plena. Não adianta somente leis que os protejam, pois a dinâmica social lhes impõe limitações concretas, quanto à conquista de um emprego, do ir vir, pois são classificadas como sendo feias, miseráveis, criminosas etc. Esta forma é tão perversa quanto a americana definida como preconceito "de origem", haja vista que a forma como se dá no Brasil passa por uma anulação de uma cultura, uma destruição de uma identidade. Relega-se toda contribuição dada por outras culturas em prol de uma apenas.


V.Como estão representadas as desigualdades entre negros e brancos à luz dos indicadores sociais

Com efeito, a exclusão dos negros brasileiros tem sido confirmada em estudos provenientes de diversas áreas do conhecimento, ratificando apenas o que já era sabido. Indicadores socioeconômicos elaborados por instituições de pesquisa, tais como, o Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas – IPEA, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas - IBGE, Organização das Nações Unidas - ONU etc., descrevem a clara inferioridade dos negros na educação e no mercado de trabalho.

As estatísticas sobre a desigualdade racial do país são preocupantes. Ricardo Henriques, analisando alguns dos números apurados, denuncia que as diferenças existentes entre brancos e negros persistem há pelo menos três gerações, e se mantém como linhas paralelas:

No Brasil, o processo de modernização excludente atravessa a história e arquiteta instituições que produzem mais de 55 milhões de pobres, dos quais 24 milhões em condição de pobreza extrema. Além da vergonha que esses valores representam, será que a pobreza está "democraticamente" distribuída em termos raciais, preservando um perfil socioeconômico sem viés racial? Não. Os negros representam 45% da população brasileira, mas correspondem a cerca de 65% da população pobre e 70% da população em extrema pobreza. Os brancos, por sua vez, são 54% da população total, mas somente 35% dos pobres e 30% dos extremamente pobres. Os diversos indicadores de renda e riqueza confirmam que nascer negro no Brasil implica maior probabilidade de crescer pobre. (...).

(...). Apesar da melhoria nos níveis médios de escolaridade da população brasileira ao longo do século XX, o padrão de discriminação racial, expresso pelo diferencial na escolaridade entre brancos e negros, mantém-se perversamente estável entre as gerações. De fato, a escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. O diferencial é de 2,3 anos. Apesar da escolaridade de brancos e negros crescer de forma contínua no século XX, 2,3 anos de estudo é a diferença observada na escolaridade média dos pais desses jovens. E, de forma assustadoramente natural, encontra-se a mesma diferença entre os avós desses jovens. Assim, brancos e negros olham um para o outro durante um século e, do ponto de vista relativo, situam-se estritamente na mesma posição. Como paralelas mergulhadas na inércia da eternidade brancos e negros não se encontram (HENRIQUES, 2003:14-15).

As diferenças havidas entre brancos e negros se mantêm em diversos campos: o negro no Brasil entra mais precocemente no mercado de trabalho urbano, e permanece um período ainda maior nas áreas rurais.

A escolaridade do brasileiro, para 63,8%, é de em média 6 anos, de 4 a 7 para 31,2%, e pouco mais de 16% tenham completado o primeiro grau, tais taxas são mais aviltantes quando se referem a população negra. Apenas a título de comparação, enquanto aproximadamente 24,6% dos negros têm menos de um ano de escolaridade, a mesma situação envolve 9,3% dos brancos. Em 1995, na cidade de São Paulo, a maior metrópole brasileira, 48,2% dos desempregados eram mulheres. Em 2000, esta taxa subiu para 52,4% trazendo consigo uma assimetria junto à população economicamente ativa negra na ordem de 14,3% em relação à população total, em um quadro numérico de desempregados na grande São Paulo na ordem 20,3%.

Os dados indicam que os negros ocupam os postos informais de trabalho. Neste ramo de trabalho completamente desprovido de benefícios para os trabalhadores, como, por exemplo, um sistema de seguridade social. Aproximadamente 67,4% dos negros na grande São Paulo não contribuem para a seguridade social; 13,95% dos negros passam, pelo menos, um período do ano sem renda, dependendo do sustento de algum membro da família. Para rigorosamente a mesma situação, entre os brancos o universo é de 7,4%. [6].

Estudos do IPEA demonstram um crescimento da concentração de renda no Brasil, aumentando o fosso entre ricos e pobres. Enquanto a elite econômica é composta basicamente por brancos, a excessiva pobreza atinge majoritariamente os negros; no campo da saúde no Brasil a alta incidência de mortalidade infantil é mais expressiva entre as populações indígenas e negras, indo de encontro à implementação procedimental dos direitos humanos e sociais.

No Brasil a defasagem qualitativa de residências é da ordem de 5 milhões, enquanto quantitativamente se aproxima de 9 milhões. Entre os fatores explicativos para o déficit de moradias, principalmente em grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, estão os crescimentos desenfreados das favelas no primeiro caso, e das periferias no segundo. Ainda que o período compreendido entre 1992 e 1999, cujos dados são expressivamente atuais, ofereceu um crescimento do número de domicílios de 36 para 43 milhões, e que 90% da população urbana no Brasil tenha água potável, o quadro das desigualdades, principalmente entre brancos e negros, está longe de desaparecer. O crescimento de uma infra-estrutura de serviços urbanos não é acompanhado por uma melhora homóloga nas áreas rurais. Quando comparadas, as condições de moradias entre brancos e negros são bem distintas: mais da metade dos brancos vivem em condições adequadas, contra menos de 30% dos negros. Apenas um em cada quatro negros vive em moradias consideradas dignas.

O trabalho infantil constitui outra importante variável para demonstrar as diferenças entre as populações branca e negra no Brasil. No período de 1992 a 1999, criança negras entre 3 e 9 anos representam 3,035% da força de trabalho infantil, enquanto entre crianças brancas o percentual é de 1,84%. Vinte por cento das crianças negras entre 10 e 14 anos estão nos postos de trabalho, para 13% das crianças brancas.

De acordo com todos estes dados, algumas conclusões sobre as condições socioeconômicas e culturais da população negra podem ser tiradas. A população negra brasileira ocupa a base da pirâmide social em todas as variáveis do Índice de Desenvolvimento Humano - IDH, bem como de indicadores tais como saúde, educação, trabalho, gênero, moradia, bem – estar individual, proteção à criança e ao adolescente..

A amostragem bem feita sobre as condições de vida da população brasileira, sugere que as políticas públicas feitas hoje em dia no Brasil não incorporam em termos quantitativos e qualitativos a população negra brasileira.

Nas raízes de nossa colonização até os dias de hoje, as problemáticas que compõem o pensamento social brasileiro revelaram que o país se desenvolveu, entretanto as desigualdades se conservaram, sobretudo quando se compara a realidade de negros e brancos. Os negros não tiveram, ao longo da história de desenvolvimento nacional, qualquer medida política que contribuísse diretamente para melhora da sua qualidade de vida.

Nosso modelo de sociedade não consagrou os valores meritocráticos. A discriminação sofrida pelos negros continua incorporada na conduta social e nas políticas estatais que fazem acreditar que o desenvolvimento sem atenção para especificidades é o caminho para a redução de desigualdades sociais. Ademais, essas políticas universalistas não atingem as diversidades contidas nos vários segmentos da comunidade, requerendo a adoção de políticas públicas particularistas. Aliado a isso, políticas de cunho redistributivo se fazem necessárias para reparar a injustiça sócio econômica que se perpetua.


VI. Remédios anti-racistas: Ações Afirmativas e seus Mecanismos para negros

A exposição dos fatos até aqui relatados indica que a luta anti-racista numa sociedade orientada por perspectivas democráticas liberais deve perseguir remédios político-econômicos (medidas redistributivas) que minem as desigualdades raciais, enquanto também deve também procurar remédios cultural-valorativos que valorizem a especificidade de uma coletividade menosprezada (medidas de reconhecimento), sem que isso signifique a renúncia de outros meios mais fecundos de transformação social.

As políticas de ação afirmativa são, antes de tudo, políticas sociais compensatórias. Quando se designa políticas sociais se quer dizer "intervenções do Estado que garantem, ou que ‘dão substância’, aos direitos sociais" (SISS, 2003: 110). Já políticas compensatórias, por sua vez, abrangem "programas sociais que remedeiam problemas gerados em larga medida por ineficientes políticas preventivas anteriores ou por políticas contemporâneas que são prima facie socialmente não dependentes" (SANTOS, W. G. dos, apud SISS, 2003: 110). Mas não podemos olvidar que a sociedade civil também vem encampando a idéia de ação afirmativa, especialmente, as empresas que perceberam a diversidade como fator de desenvolvimento de negócios na era da globalização, notadamente, em países pluriétnicos e multiculturais.

Portanto, as políticas de ação afirmativa, apresentam-se como importante mecanismo ético-pedagógico dos diferentes grupos sociais para o respeito às diversidades, sejam raciais, étnicas, culturais, de classe, de gênero ou de orientação sexual etc. Essa percepção do direito à diferença, leva em conta que a realidade das políticas denominadas universalistas – ou no caso das políticas raciais "cegas em relação à cor" - não atendem às especificidades dos grupos ou indivíduos vulneráveis, permitindo a perpetuação da desigualdade de direitos e de oportunidades. Disso emerge a idéia de adoção de políticas compensatórias focalistas (ou particularistas) que, atendendo ao direito à diferença, percebem os grupos ou indivíduos como sujeitos concretos, historicamente situados, que possuem cor, raça, etnia, deficiências, transtornos emocionais, orientação sexual, origem e religião diversas etc.

O objetivo da "ação afirmativa" é superar contingências relatadas e promover a igualdade entre os diferentes grupos que compõem uma sociedade. Como resultado, espera-se o aperfeiçoamento da cidadania dos negros, e que estes tenham a possibilidade de pleitearem, por exemplo, o acesso às carreiras, às promoções, à ascensão funcional, revigorando, assim, o incentivo à formação e à capacitação profissional permanentes.

No plano político, os programas de ação afirmativa resultam da compreensão cada vez maior de que a busca de uma igualdade concreta não deve ser mais realizada apenas com a aplicação geral das mesmas regras de direito para todos. Tal igualdade precisa materializar-se também através de medidas específicas que considerem as situações particulares de minorias e de membros pertencentes a grupos em desvantagem. Considera-se que a referência a um indivíduo abstrato, percebido como universal e reconhecido como cidadão, digno de igual respeito e consideração, deve ter a preeminência na formulação de políticas públicas. Observe-se, ao mesmo tempo, que tal referência torna-se insuficiente para combater o preconceito, racismo, sexismo etc. permanentes na sociedade impedindo o total reconhecimento da dignidade da pessoa (d´ADESKY, 2003: 1).

No plano moral, tal perspectiva conduz à busca de uma dimensão mais exigente da igualdade e implica assumir racionalmente, no terreno de políticas públicas, o caráter dialógico da pessoa humana.

Oracy Nogueira reconheceu que o racismo se sustentava por práticas sociais legitimadas, bem como com o processo de embranquecimento, rompendo com a visão tradicional de que o Brasil formava um povo miscigenado sem presença de conflitos étnicos ou raciais. A conscientização de que a sociedade conservou uma postura segregacionista foi o primeiro passo para a intervenção do Estado para que sejam promovidas ações que têm como escopo a redução das desigualdades sociais no que se refere a negros e brancos.

As políticas afirmativas servem, justamente, para que seja rompida a impressão contida no inconsciente coletivo de que negros são pobres, mal educados. Impressão edificada por uma política estatal, até pouco tempo, totalmente indiferente às necessidades de qualificação dos negros descendentes em sua grande maioria de escravos e que sustentava a perspectiva de que os negros aos poucos iriam conseguir se qualificar e reduzir as diferenças com os brancos; o que até hoje não se concretizou.

A inferioridade material de negros reside, portanto, na desigualdade da oferta de instrumentos qualificantes, sobretudo educacionais. O pesquisador Carlos Alberto Medeiros formula elucidativa metáfora que muito bem traduz o conceito, os objetivos e o alcance das ações afirmativas:

Imaginem dois corredores, um amarrado e o outro solto. É claro que o corredor solto ganha sempre. Mas um dia a platéia dessa competição imaginária chega à conclusão de que essa situação é injusta. À custa de muita pressão, consegue-se convencer os organizadores a cortar as cordas que prendiam um dos corredores. Só que ele continua perdendo. Motivo: seus músculos estão atrofiados pela falta de treinamento. Se tudo continuar como está, a tendência é de que ele perca sempre. Que fazer para promover a igualdade de condições entre os dois corredores? Alguns sugerem que se dê um treinamento especial ao corredor que estava amarrado. Pelo menos durante algum tempo. Outros defendem uma medida mais radical: por que não lhe dar uma vantagem de dez metros em cada corrida? Logo se ouvem vozes denunciando que isso seria discriminação. Mas há quem defenda: discriminação, sim, mas positiva porque visa promover a igualdade, pois tratar igualmente os desiguais é perpetuar a desigualdade. Essa história ilustra muito bem o conceito de ‘ação afirmativa’ e o debate que o tema desperta na sociedade. Podemos dizer que os negros, as mulheres e outros grupos discriminados são como o corredor amarrado: por muito tempo estiveram presos pelas cordas do racismo e da discriminação, por vezes traduzidos até mesmo em leis. Não podem ganhar a corrida. Mesmo depois de ‘soltos’, continuam perdendo. Isso porque a discriminação, mesmo que ilegal, prossegue funcionando de forma disfarçada. No caso dos negros, há também a desvantagem histórica. Seus pais e avós sofreram a discriminação aberta e por causa disso não puderam acumular e transmitir riqueza. O objetivo da ‘ação afirmativa’ é superar essas desvantagens e promover a igualdade entre os diferentes grupos que compõem uma sociedade. (BORGES; d´ADESKY; MEDEIROS, 2002:21).

As ações afirmativas configuram-se como um dos elementos fundamentais na tentativa de assegurar-se maior igualdade de direitos entre os diferentes grupos de cor que compõem o perfil populacional brasileiro. Elas podem vir a ser instrumento capaz promover a superação das desigualdades históricas que acompanham o Brasil desde seu o descobrimento.


VII.Conclusão

O processo de desenvolvimento no Brasil fez acreditar que com ele as desigualdades entre negros e brancos iriam ser reduzidas paulatinamente. Não havia, por esta visão, necessidade de ações específicas que permitissem que negros, descendentes de escravos em sua maioria, pudessem se instrumentalizar para conseguir ultrapassar as barreiras estabelecidas no período da escravidão.

Ao mesmo tempo a inexistência de conflitos entre os grupos, como era observado nas sociedades norte-americana e sul africana, em que o Estado através de seus poderes legislativos instituíram normas, como as leis Jim Crow e do Apartheid, para separar negros e brancos, fazia entender de que não havia racismo no Brasil, o que embasava a política de leis universalistas, sem qualquer proposição direcionada aos grupos negros.

Tal perspectiva só tem sido rompida com o reconhecimento de práticas reiteradas de exclusão que têm relegado aos negros a margem do exercício de garantias constitucionalmente estabelecidas, como educação, saúde, boa moradia, acesso à justiça e renda para sustento digno. Somente com o reconhecimento do grande prejuízo que tem sido vítima a comunidade negra que se fará justiça social, sem se suscitar, em hipótese alguma, a instituição de privilégio quando políticas são promovidas com o propósito de dar garantias ao negro ao acesso à educação, saúde etc.

Este é o passo mais importante: o reconhecimento de que a sociedade brasileira construiu condutas segregacionistas, visando excluir o negro, reparando esta postura com a mudança destas condutas e incentivando o Estado na proposição de ações que visem estabelecer um quadro de igualdade entre negros e brancos.


Bibliografia:

BACELAR, Jéferson. A hierarquia das raças: negros e brancos em Salvador. Rio de Janeiro; Pallas. 2001.

BORGES, Edson, d´ADESKY, Jacques, MEDEIROS, Carlos Alberto. Racismo, preconceito e intolerância. São Paulo: Atual, 2002.

d’ADESKY, Jacques. Pluralismo étnico e multiculturalismo: racismos e anti-racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.

_________. Ação Afirmativa e igualdade de oportunidades. Rio de Janeiro, 2003, mimeo.

FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. Rio de Janeiro: Record. 1990.

GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Classes, raças e democracia. São Paulo: Editora 34. 2001.

__________________________Preconceito e discriminação: queixas de ofensas e tratamento desigual dos negros. Salvador: Novos Toques. 1997.

HASENBALG, Carlos Alfredo, SILVA, Nelson do Vale. Relações raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora. 1991.

HASENBALG, Carlos Alfredo, SILVA, Nelson do Vale e LIMA, Márcia. Cor e estratificação social. Rio de Janeiro: Contra Capa. 1999.

HENRIQUES, Ricardo. Silêncio – o canto da desigualdade racial. In: Organização Ashoka empreendimentos sociais e Takano Cidadania. Racismos contemporâneos. Rio de Janeiro: Takano Ed., 2003.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Síntese dos Indicadores Sociais 1999. Rio de Janeiro: IBGE, 2000.

NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e de preconceito racial de origem: sugestões de um quadro de referência para interpretação do material sobre relações sociais no Brasil. São Paulo: T A QUEIROZ. 1955

PIERSON, Donald. Pretos e brancos na Bahia.Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional. 1971.

SISS, Ahyas. Afro-brasileiros, cotas e ação afirmativa. Rio de Janeiro: Quartet; Niterói: PENESB, 2003.


Notas

1 Neste texto o termo negro é assumido como sendo uma categoria sociopolítica que corresponde ao conjunto de pretos e pardos, compartilhando a opinião do economista e pesquisador Ricardo Henriques, segundo a qual são negros os brasileiros que se declaram de cor preta ou parda nas pesquisas domiciliares do IBGE. A abordagem histórica e institucional da análise da questão racial enquanto uma construção social justifica, de forma plena, a agregação desses dois universos na medida em que, no Brasil, o perfil socioeconômico das populações preta e parda é estritamente equivalente (HENRIQUES, 2003: 13-14).

2 A história do estudo da questão racial no Brasil vem se desenhando desde o início do século passado. Oliveira Viana e Nina Rodrigues são nomes importantes neste breve relato histórico para ilustrar que desde cedo a academia se debruçava sobre este tema. O primeiro acreditava que os mestiços, como os negros seriam inferiores aos brancos (BACELAR, 2001) e Rodrigues desenvolveu um trabalho que defendeu a inimputabilidade dos negros. Até então, a análise desenvolvida tinha cunho eminentemente biológico e tentava demonstrar a superioridade dos brancos sobre os demais.

3 Guimarães sintetiza estes critérios sendo a escola de Chicago, que definiria como grupos de acomodação de conflitos numa sociedade aberta; pela linha weberiana como diferentes posições de modo de produção; ou pelo pensamento de influência marxista, como grupos que ocupam diferentes posições num modo de produção (GUIMARÃES, 1997: 20).

4 Para Nogueira, "não brancos" compreenderiam as pessoas pretas e pardas (estas denominadas "mestiças"), e os brancos seriam as pessoas de origem européia.

5 Os termos negróide e caucasóide são usados por Oracy Nogueira (1955:80), a fim de construir características fenotípicas que mais se aproximassem do negro africano e do branco europeu. Evidentemente, o conceito usado é limitado tendo finalidade eminentemente de diferenciar um grupo do outro sem qualquer profundidade de natureza biológica – antropológica.

6 Dados do IBGE do censo de 2000.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luiz Fernando Martins da; COSTA, Cleber Lázaro Julião. A teoria de Oracy Nogueira: ruptura às teorias tradicionais e fonte para o embasamento das políticas de ação afirmativas e seus mecanismos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 342, 14 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5304. Acesso em: 19 abr. 2024.