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Prolegômenos do Novo Código de Processo Civil e sua aplicabilidade nos juizados especiais cíveis e da fazenda pública

Prolegômenos do Novo Código de Processo Civil e sua aplicabilidade nos juizados especiais cíveis e da fazenda pública

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As mudanças ao rito sumaríssimo, explícitas ou implícitas, são alvo de grandes dissensos. Entre elas, a mais discutida, a contagem de prazos processuais em dias úteis ou em dias corridos.

1. Relação do Código de Processo Civil com as leis dos juizados especiais 1.1. Regras expressas 1.2. Normas peculiares dos juizados 1.3. Subsidiariedade do NCPC 2. Problemáticas 2.1. Contagem de Prazos 2.1.1. Regulamentação 2.2. Competência para realizar admissibilidade de recursos 2.3. Cabimento da tutela provisória 2.4. Alterações com relação à audiência de conciliação e inclusão da mediação 2.5. Distribuição dinâmica do ônus da prova

Resumo:As alterações trazidas pelo Novo Código de Processo Civil geraram mudanças expressas e implícitas aos procedimentos adotados nos juizados especiais. Apesar das regras das leis próprias como a 9.099/95 e a 12.153/09, outras do Código de Processo Civil se aplicam. Este trabalho mostra as mudanças expressas trazidas ao rito sumaríssimo, e debruça-se sobre as mudanças implícitas que são alvo de grandes dissensos. Entre elas, a mais discutida, a contagem de prazos processuais em dias úteis ou em dias corridos.

Abstract:The changes introduced by the new Civil Procedure Code generated express and implied changes to the procedures adopted in special courts. Although the rules of the laws themselves as the 9,099/95 and 12,153/09, other of the Civil Procedure Code apply. This work shows the expressed changes brought to the rite accelerated, and focuses on the implied changes that are subject to major disagreements. Among them, the most discussed, the count of procedural deadlines in working or calendar days days. 1 Introdução


Desde a aprovação do Novo Código De Processo Civil (NCPC) através da lei 13.105/15, ou melhor, antes mesmo de sua aprovação, dezenas de discussões foram travadas. O bem maior, um processo célere e justo para a sociedade, foi a bandeira da nova legislação. E o juizado especial, que é o braço do judiciário mais próximo da celeridade e da sociedade, sofre reflexos das alterações do NCPC.

Todavia, que reflexos são esses? Não há consenso. No Brasil e em especial em Rondônia, desde que o NCPC entrou em vigor, cada juizado tem seguido uma rotina procedimental. Mesmo na vigência do Código de 1973, já existiam problemas práticos. Muitos juizados em todo o país tornaram-se pequenas varas, mitigando a celeridade esperada pela adoção de procedimentos indevidos. Com as mudanças de 2015 renovam-se as discussões, as burocracias e as teorias sobre a função esperada pelos juizados. Os maiores problemas e divergências enfrentadas nos juizados especiais cíveis e da fazenda em Porto Velho/Rondônia, e que são comuns à maioria no país, são trazidos com análise teórica e prática. 1. Relação do Código de Processo Civil com as leis dos juizados especiais Não há possibilidade de determinarmos o que e como se aplica do NCPC aos juizados sem analisar anteriormente a relação entre eles. A maioria dos juristas fala em aplicação subsidiária. Outros afirmam que a lei dos juizados não é especial em relação à norma geral de processo civil pois decorre diretamente do mandamento constitucional:

“Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I- juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”.

Para a ministra Nancy Andrighi (1996, pg. 24), referência em estudos sobre os juizados especiais, a lei 9.099/95 “não determina expressamente a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, podendo-se inferir, salvo situações especiais, que buscou-se manter afastada sua incidência, considerando a especialidade de que é revestida essa justiça”. No mesmo sentido, Ricardo Cunha Chimenti (1999, pg. 7): “Na fase de conhecimento dos processos cíveis disciplinados pela Lei n. 9.099/95, o CPC sequer é expressamente apontado como norma supletiva de interpretação (excetuadas indicações contidas na parte final do art. 30 e no caput do art. 51 da Lei n. 9.099/95), circunstância que não impede sua aplicação por analogia (art. 4º da LICC), mas que recomenda a superação das omissões do legislador com base nos princípios próprios do novo sistema”.

1.1. Regras expressas

a) Código de Processo Civil/2015 O NCPC cita os juizados especiais na possibilidade de aplicação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (art. 985) e do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (art. 1.062).

Também dispõe que mesmo com a extinção do procedimento sumário os juizados especiais cíveis continuam competentes para o processamento e julgamento das causas previstas no art. 275, inciso II, do Código de 73. (art. 1.063)

Algumas alterações foram feitas quanto ao cabimento dos embargos de declaração, vinculando-os aos casos previstos no NCPC. (arts. 1.064 a 1.066)

Além dessas considerações, não há regra quanto a aplicação subsidiária do NCPC aos juizados especiais, bem como nenhuma outra influência expressa sobre o procedimento sumaríssimo.

b) Lei 9.099/95

A lei sofreu alterações pelo NCPC. Desta forma, está expresso a competência para as causas do extinto procedimento sumário (art. 3º) e as mudanças relativas aos embargos de declaração (arts. 48 e 49) já citadas anteriormente.

A lei 9.099 remete a outro caso de aplicação subsidiária do CPC, a execução. Devem ser, consoante literalidade dos arts. 52 e 53, aplicadas as disposições do CPC com algumas regras específicas dos juizados.

Afora estes casos específicos, não há uma disposição geral dizendo que o NCPC ou antigo, que seja, tem aplicação subsidiária.

c) Lei 12.153/09

A lei dos juizados da fazenda pública traz no seu art. 6o a regra de que às citações e intimações aplicam-se as disposições contidas no CPC/73. Ainda, o art. 27 da lei 12.153/09 determina a aplicação subsidiária do CPC/73, bem como das leis 9.099/95 e 10.259/01. Por óbvio que se o CPC foi revogado, estes artigos restam prejudicados. Entretanto, é necessário realizar uma interpretação lógica. Contra legem facit, qui id facit quod lex prohibet: in fraudem vero, qui, salvis verbis legis, sententiam ejus circumvenit – esta é a antiga conclusão romana que afirma que age em fraude de lei quem, ressalvadas as palavras da mesma, desatende ao seu espírito (MAXIMILIANO, 2011, pg. 101). O objetivo evidente do legislador na lei dos juizados da fazenda pública foi de fazer do Código de Processo Civil lei subsidiária. Logo, se não houve disposição contrária no NCPC, ele deve ser aplicado em substituição ao CPC/73.

1.2. Normas peculiares dos juizados 

Existem muitas regras procedimentais específicas nas leis dos juizados, que não é o objeto deste trabalho. As normas que analisamos aqui são aquelas que dão suporte ao rito sumaríssimo, o chamado de sistema dos juizados especiais. Na literalidade (lei 9.099/95):

“Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

(...)

Art. 5º O Juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica.

Art. 6º O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum”.

Estas são as regras procedimentais gerais dos juizados que devem ser adotadas cumulativamente às demais, ou na ausência de regra específica.

O art. 2º nos remete aos princípios orientadores. Muitos doutrinadores entendem que a palavra critério foi empregada equivocadamente pois são princípios. Não resta dúvidas sobre a principiologia, entretanto não deixam de ser critérios que devem ser aplicados no procedimento sumaríssimo.

Toda a lei 9.099/95 foi produzida com a finalidade de aproximar a justiça da população, bem como resolver as pequenas lides rapidamente gerando estabilização social.

Poderia ter sido produzida uma lei que alterasse o CPC/73, como tantas outras, criando o rito sumaríssimo. Mas não foi essa a intenção do legislador nem dos estudiosos sobre os juizados das pequenas causas que participaram desse processo legislativo. Nas palavras da ministra Nancy Andrighi (1996, pg. 20):

“Para o sucesso desse importante instrumento processual é preciso desregrar, desformalizar, simplificar, desburocratizar, modernizando conceitos e institutos, que devem ser adaptados à exigência de celeridade imposta pelos fatos sociais da vida moderna.

Os aplicadores desta nova Lei devem afastar o excesso de tecnicismo e o rigorismo das formas, para que prevaleça o princípio da instrumentalidade no processo de conhecimento e faça do processo de execução um “processo de resultados”, cujo trabalho tem, como grande maestro, o Juiz.

O sucesso da Justiça Especial somente advirá se for assimilada a concepção de que “o dinamismo do magistrado é a própria alma do juizado” segundo ensinamento do Prof. Kazuo Watanabe, na medida em que não poderá relegar ou protelar decisões que reclamam imediatidade e presteza”.

Nota-se que a lei não trouxe apenas um novo rito, mas um novo sistema interpretativo. Vinte anos depois podemos perceber que as advertências feitas à época não foram ouvidas. Advogados conversam entre si pra saber onde a audiência está sendo marcada antes, na vara comum ou no juizado. Não são poucos juizados que demoram mais com um processo do que as varas. Burocracias mil. Alguns juízes assumem juizados com a mentalidade da vara de onde vieram e tornam todo o processo inútil. Inútil pois não atinge o objetivo da lei - uma prestação célere e simples. Parece que os juizados tornaram-se apenas uma forma de divisão da organização judiciária. Alguns juízes entendem o espírito da lei e tentam aplicá-la na forma devida mas encontram uma série de dificuldades. Muitas decisões de turmais recursais comprovam isso anulando sentenças e oficiando sobre sua forma burocratizada de entendimento. Mas saindo do aspecto crítico e retornando à letra da lei, passo a relembrar os princípios norteadores dos juizados especiais:

a) Oralidade

Se aplicada na prática é fantástica. Facilita a solução rápida do litígio, traz celeridade, aplica a simplicidade e a informalidade, gera aproximação entre o magistrado e o jurisdicionado, facilita a conciliação, enfim, uma série de benefícios diretos e indiretos.

O princípio não se esgota na possibilidade de manifestação oral em substituição à escrita. Ele torna o julgamento muito mais interessante, produzindo um entendimento diferente daquele que se teria com a análise de papéis. Resultaria em maior convencimento aos sujeitos processuais.

Logicamente alguns atos serão escritos, em especial os realizados pelos cartórios. Se em 1995 já se falava em oralidade, hoje não há menor justificativa para sua não aplicação. Temos todos os recursos tecnológicos disponíveis. Porque a contestação não é mais realizada de forma oral e logo após a frustração da tentativa de conciliação? Sentenças saiam na hora. O que mudou nos juízes para burocratizar tanto? É cerceamento de defesa realizar um ato de forma oral?

b) Simplicidade

Por muitos caracterizada pelo fato de que o advogado não é imprescindível nas causas de até 20 salários mínimos. Mas vai além, a simplicidade é condição sine qua non do rito sumaríssimo. Os procedimentos devem ser mais simples, e não reprodução do Código de Processo Civil.

c) Informalidade

A informalidade dá ao magistrado uma margem de liberdade na condução do processo, podendo inclusive dispensar a realização de medidas que não trariam nenhum resultado útil. Há limites para a informalidade pois nenhum princípio é absoluto, e eles estão na Constituição Federal: garantia do devido processo legal, contraditório, ampla defesa e fundamentação dos atos judiciais.

d) Celeridade

Maior efetividade, eis o objetivo da lei. Todavia a celeridade é consequência e não causa. Se aplicadas a simplicidade, informalidade, oralidade, economicidade e busca pela conciliação, o resultado será a celeridade. E com a celeridade vem a efetiva prestação jurisdicional. Efetiva enquanto eficiente mesmo. O “ganha mais não leva” sempre foi reproduzido no meio acadêmico. Os casos de pessoas que quando ganhavam a ação já tinham morrido também. O juizado veio com uma postura nova pra evitar o perecimento de tais direitos, que por mais que sejam de pequena monta, para os envolvidos pode significar a vida.

e) Economia processual

O princípio da economia processual implica na desburocratização do processo, evitando-se atos desnecessários à luz dos princípios norteadores do juizado. Este é, junto à oralidade, um dos critérios mais esquecidos na prática. A burocratização está enraizada nos juizados de todo o país como um câncer.

f) Busca da conciliação e transação

A conciliação e a transação não são mais vistas apenas como uma solução altruísta do litígio, mas como a maneira mais eficaz de solução do conflito. Resolver o processo é simples, mas resolver o conflito que muitas vezes nem é aquele apresentado ao judiciário, é tarefa árdua. A conciliação, já que o presente trabalho dispõe sobre os juizados cíveis, é a forma que gera mais satisfação entre os jurisdicionados. A decisão, seja qual for, imposta pelo juiz sempre deixa uma ou as duas partes insatisfeitas.

Ainda sobre a conciliação, ela é o mecanismo adequado para determinados tipos de conflitos que chegam ao judiciário como em casos de responsabilidade civil com culpa concorrente, brigas entre vizinhos, dentre outras questões. Também é o meio mais satisfatório para leigos que procuram o judiciário como último recurso e esperando que aquele processo acabe o mais rápido possível. Muitos não tem paz enquanto a situação perdura, sentem-se incomodados de estar naquela situação, adquirindo até problemas de insônia e depressão. São coisas que notamos diariamente, em especial entre idosos e doentes.

Os princípios que regem os juizados, assim como os demais do ordenamento jurídico brasileiro, não são absolutos. Porém, não pode o julgador deixar de aplicá-los porque entende que deveria aplicadas as regras do NCPC nos juizados. Eles são de observância obrigatória, restringidos apenas por normas constitucionais.

Os artigos 5º e 6º da lei 9.099/95 adicionam regras para a condução, pelo juiz, do processo nos juizados. Ele terá liberdade para determinar as provas a serem produzidas, bem como para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica. Ainda, pode, ou deve, adotar “a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum”.

Somadas aos princípios, formam o sistema interpretativo dos juizados especiais, de onde podemos retirar procedimentos não expressos. Ao invés da lei dizer que o NCPC seria de aplicação subsidiária para os casos em que a lei fosse omissa, ela se autorregulou.

1.3. Subsidiariedade do NCPC

Em suma, analisamos que o NCPC é norma subsidiária à lei 12.153/09 da fazenda pública mas em concorrência com a lei 9.099/95. Também comprovamos que há casos expressos em que o NCPC deve ser utilizado nos juizados. Para os demais, em especial para os juizados especiais cíveis, ele não tem aplicação subsidiária em regra, devendo os procedimentos serem interpretados conforme os princípios e regras dos arts. 2º, 5º e 6º da lei 9.099/95. Ainda, de acordo com o FONAJE no enunciado 161 - “Considerado o princípio da especialidade, o CPC/2015 somente terá aplicação ao Sistema dos Juizados Especiais nos casos de expressa e específica remissão ou na hipótese de compatibilidade com os critérios previstos no art. 2º da Lei 9.099/95” (XXXVIII Encontro – Belo Horizonte-MG).


2. Problemáticas

2.1. Contagem de Prazos 

A contagem de prazo em dias úteis trazida pelo NCPC é sem dúvida a maior polêmica com reflexos nos juizados especiais.

Os que defendem o uso de prazos úteis o fazem sob dois argumentos: Primeiramente, alegando que a lei 9.099/95 e a 12.153/13 não possuem uma forma própria de contagem de prazos. Logo, o NCPC deve ser aplicado subsidiariamente. Esse discurso não tem fundamento pois já concluímos que não há subsidiariedade geral do NCPC à lei 9.099/95.

Além disso, utilizam o art. 219 do NCPC que diz que “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”. Daí se conclui logicamente que os prazos em horas ou meses não são contados em dias úteis. A questão é saber se quando o artigo fala “estabelecido por lei” poderia estar se referindo à lei dos juizados para aplicação dos dias úteis.

Qualquer lei agora deverá contar os prazos em dias úteis? Façamos a interpretação do absurdo para deixar claro. A lei penal ou a processual penal seguiria o prazo em dias úteis? E a de improbidade que traz responsabilidades multidisciplinares? Por óbvio que este artigo não quer dizer que qualquer lei que exista no país vai ter contagem em dias úteis. O art. 219, quando fala de prazo fixado em lei ou pelo juiz, refere-se aos prazos no NCPC e todas as leis que o aplicam subsidiariamente como a lei 8.069/90 por exemplo.

Apesar de ser de aplicação subsidiária para a lei 12.153/09, a lei 9.099/95 também o é. Logo, a contagem de prazos em dias úteis não seria cabível aos juizados cíveis e da fazenda.

Além do equívoco interpretativo exposto, devemos levar em consideração o sistema dos juizados especiais. Um dos critérios/princípios norteadores é a celeridade. Se a norma fere o sistema da lei e não tem previsão expressa de aplicação, é impossível qualquer forma de contagem de prazos nos juizados que não em dias corridos.

Passando à prática, o PJE não previu o tema e conta todos os prazos em dias úteis. Até mesmo os prazos não processuais como o prazo para cumprimento de RPV por ente público tem sido contado em dias úteis. Mas apesar do erro, neste exemplo, o magistrado já se manifesta pelo sequestro de valores do ente antes mesmo do prazo vencer no PJE, pois o que importa de fato é a contagem correta. Em estados que contam em dias corridos o PJE foi adaptado.

2.1.1. Regulamentação

O FONAJE (Fórum Nacional de Juízes Estaduais) já disciplinou o assunto no enunciado 165 - “Nos Juizados Especiais Cíveis, todos os prazos serão contados de forma contínua” (XXXIX Encontro – Maceió-AL) e ENUNCIADO 13 - “A contagem dos prazos processuais nos Juizados da Fazenda Pública será feita de forma contínua, observando-se, inclusive, a regra especial de que não há prazo diferenciado para a Fazenda Pública - art. 7º da Lei 12.153/09” (XXXIX Encontro – Maceió-AL).

Os enunciados do FONAJE não tem caráter vinculante, mas possuem grande importância para a interpretação, bem como para a integração dos dispostos na lei 9099/95. Servem como guias, orientações para todos os operadores que atuam na área dos juizados especiais.

Ainda assim, os Juizados no país estão divididos. Alguns estados já definiram o método de contagem que estão adotando conforme a planilha a seguir:

Seguem dias corridos

Seguem dias úteis

AL

AM

MA

AP

MS

CE

MT

DF

PE

MG

PR

PB

SC

RJ

SE

RN

SP

RR

-

TO

Outros estados ainda não tem uma definição. Na Bahia, o assunto ainda não foi uniformizado. A questão será discutida na próxima reunião de magistrados, ainda sem data definida. O mesmo ocorre no Espírito Santo – o tribunal aguarda reunião entre os juízes dos JE para definir a questão. Em Goiás, a assessoria do Tribunal informou que há divergência sobre o tema. Sendo assim, por ora cada juizado tem autonomia para aplicar a contagem de prazos da forma como entender. O Rio Grande do Sul se pronunciou no sentido de que a questão é jurisdicional, e, por isso, não fará orientação acerca do tema, “entendendo que o ideal seria que o STJ, assim como fez em relação a data de entrada em vigor do NCPC, definisse essa questão em sessão administrativa. No âmbito das Turmas Recursais Cíveis, não houve ainda uma uniformização no entendimento a respeito desse tema" (Site Migalhas, 2016).

Aqui em Rondônia ainda não há posição oficial sobre o assunto. A corregedoria alegou que os juízes têm autonomia na aplicação dos prazos. A Turma Recursal se manifestou sobre a matéria, tomando a posição do TJ/DF, ou seja, pela aplicação do novo CPC (dias úteis). Todavia, o próprio coordenador dos Juizados Especiais, Desembargador Dr. Raduan Miguel Filho, e os juízes dos Juizados Especiais da capital, Dr. José Torres Ferreira, Dr João Luiz Rolim Sampaio e Dr. Guilherme Baldan defendem que deve ser aplicada a regra dos Juizados Especiais - o prazo corrido.

Na esfera legislativa há proposições para regulamentar o tema. Desta forma, não restaria dúvidas quanto à forma de contagem a seguir. Mas o que parece solução vira outro dilema. Existem dois projetos em tramitação. Um no Senado e outro na Câmara dos Deputados. Um determinando dias corridos e outro dias úteis.

O projeto de lei do senado nº 238, de 2016 de autoria do Senador Lasier Martins acrescenta parágrafo único ao art. 2º da Lei 9.099/95 para prescrever que, nos processos perante os juizados especiais cíveis, os prazos serão computados de forma contínua, não se suspendendo nos sábados, domingos e feriados.

Já o projeto de lei n.º 5.038, de 2016 de autoria do Deputado Augusto Carvalho altera a redação do art. 219 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015; inclui o art. 28 na Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, e o art. 98 na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, visando aplicar a contagem de prazos em dias úteis aos Juizados Especiais.

Muitos entendem como provável uma decisão do STJ a respeito do assunto, que penso inócua se houver mudança legislativa expressa.

2.2. Competência para realizar admissibilidade de recursos

O NCPC trouxe a mudança de competência para realizar a admissibilidade dos recursos, passando ao juízo ad quem. Pouco tempo depois já foi aprovada lei que alterou o NCPC tirando essa competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no caso de Recurso Extraordinário e Recurso Especial. Através da lei 13.256/2016, assim ficou disposto: “Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá: V – realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que: (...)”. Também no recurso de apelação:

“Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:

(...)

§ 3o Após as formalidades previstas nos §§ 1º e 2º, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade”.

No entanto, na lei 9.099/95 não houve alterações com relação ao recurso inominado, mas alguns magistrados nos juizados argumentaram que a admissibilidade agora seria da turma recursal. Aí a turma recursal diz que não é competência dela e acaba ninguém fazendo a admissibilidade em alguns casos.

Aqui em Porto Velho houve ofício da turma recursal que orientou os juízes a fazerem a admissibilidade para poder conceder eventual efeito suspensivo. No 1º e 2º juizado estavam sendo concedidos ou não a suspensão e encaminhados os processos à turma sem admissibilidade. O juizado da fazenda também não fazia admissibilidade. Em 22 de setembro de 2016, a nova composição da turma recursal oficiou aos juizados informando que deveriam fazer a admissibilidade de acordo com o entendimento do NCPC e lei 9.009/95.

O FONAJE regulamentou a matéria no enunciado 166 - Nos Juizados Especiais Cíveis, o juízo prévio de admissibilidade do recurso será feito em primeiro grau (XXXIX Encontro – Maceió-AL). O que também fale para o juizado da fazenda já que o enunciado 01 diz que aplicam-se aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, no que couber, os Enunciados dos Juizados Especiais Cíveis (XXIX Encontro – Bonito/MS). Na lei 9.099/95 não houve mudança na parte relativa aos recursos. A matéria está regulamentada nos artigos 42 e seguintes:

“Art. 42. O recurso será interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente.

§ 1º O preparo será feito, independentemente de intimação, nas quarenta e oito horas seguintes à interposição, sob pena de deserção.

§ 2º Após o preparo, a Secretaria intimará o recorrido para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias.

Art. 43. O recurso terá somente efeito devolutivo, podendo o Juiz dar-lhe efeito suspensivo, para evitar dano irreparável para a parte”.

Depois da juntada do recurso inominado, o preparo deverá ser feito em 48 horas, e somente após o preparo, o cartório intimará a parte recorrida para oferecer contrarrazões podendo o juiz, se achar cabível, conceder o efeito suspensivo. Logo o juízo de admissibilidade continua no primeiro grau.

2.3. Cabimento da tutela provisória

Muitas controvérsias a respeito. Para alguns juízes a tutela provisória só deve ser admitida naquilo que for compatível com o rito sumaríssimo, não necessitando seguir os padrões do NCPC que fala em tutela provisória, antecedente e incidental, antecipada ou cautelar, e a tutela de evidência.

Para outros cabe a tutela de urgência mais não a de evidência pois tem que ser trazido o mínimo do NCPC para o juizado.

Em uma visão mais extremada, há o entendimento de que não existe nenhuma das duas no juizado. Não existe no sumaríssimo. Concede-se uma tutela antecipada com base no art 6º da lei 9.099/95 pois o juizado é um regime próprio, de base constitucional.

De acordo com o FONAJE no enunciado 163 - “Os procedimentos de tutela de urgência requeridos em caráter antecedente, na forma prevista nos arts. 303 a 310 do CPC/2015, são incompatíveis com o Sistema dos Juizados Especiais” (XXXVIII Encontro – Belo Horizonte-MG). Daí decorre a interpretação lógica de que se for incidental é cabível.

O juizado não foi de fato pensado em consonância com qualquer forma de antecipação de tutela. Isso porque se previa a celeridade, sendo estas antecipações desnecessárias. Entretanto, com o ritmo no andamento dos processos atualmente, deve o juiz se utilizar do artigo 6º para decidir da forma que entender mais justa atendendo aos fins do sistema dos juizados especiais.

2.4. Alterações com relação à audiência de conciliação e inclusão da mediação

A mediação não foi prevista para os juizados especiais. Quanto às regras sobre audiência de conciliação, inclusive prazo entre a primeira e outras tentativas são restritas ao NCPC. Por não haver subsidiariedade, não podem ser trazidas as modificações para os juizados.

2.5. Distribuição dinâmica do ônus da prova

Há aqueles que defendem que continua tendo o ônus da prova o autor e a possibilidade de inversão do ônus em alguns casos de direito do consumidor. É verdade que o sistema do juizado já possui um tratamento próprio para apreciação e produção de provas. Mas quanto a distribuição do ônus poderiam haver alterações. Não por aplicação subsidiária do NCPC, claro. Mas se no procedimento ordinário o juiz pode hoje determinar quem vai produzir que prova com base na distribuição dinâmica, quanto mais o juiz do juizado que tem a seu favor o art. 6º que lhe dá poderes para tornar o procedimento mais justo e equânime.


Conclusão

O NCPC deve ser subsidiário à lei dos juizados especiais apenas nos casos em que essa referência é feita, e não de forma indiscriminada. A matéria está longe de ser pacificada, mas o certo é que com as mudanças processuais e a aprovação ou não dos projetos em tramitação sobre o assunto, os juizados mudarão. Ou irão atingir o ápice da burocratização e emperrarão, ou se tornarão aquilo que deveria ser desde 1995 gerando um processo célere, simples e eficiente. Commodissimum est, id accipi, quo res de qua agitur, magis valeat quam pereat – Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés de que os reduza à inutilidade” (MAXIMILIANO, 2011, pg. 203)


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DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol.1. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

MORAES, Silvana Campos. Juizado Especial Cível. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

Juizados Especiais de dividem entre aplicar ou não contagem de prazos. Migalhas, informativo n. 3.960. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/ 17,MI237194,101048-Juizados+Especiais+se+dividem+entre+aplicar+ou+nao+contagem+de+prazos>. Acesso em: 15 de agosto de 2016.


Autor

  • Hanna Thó

    Graduada em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes (UCAM/RJ) Especialização para a Carreira da Magistratura da Escola da Magistratura do Estado de Rondônia - EMERON (em curso) Mestrado interrompido em Direito Urbanístico na Universidade Federal do Pará (UFPA) Servidora do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO)

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