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A importância das provas colhidas durante o inquérito policial e a instrução processual penal

A importância das provas colhidas durante o inquérito policial e a instrução processual penal

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O inquérito policial é procedimento meramente informativo, que não se submete ao crivo do contraditório e no qual não se garante ao indiciado o exercício da ampla defesa, afigurando-se, portanto, nulo o decreto condenatório que não produz, ao longo da instrução criminal, qualquer outra prova hábil para fundamentá-lo.

RESUMO:O Direito Processual Penal é o conjunto de princípios e normas que disciplinam a composição das lides penais, por meio da aplicação do Direito Penal objetivo, bem como as atividades persecutórias da Polícia Judiciária, e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares. O processo, instrumento de atuação da função jurisdicional, pode ser encarado sob dois prismas distintos, mas intimamente conexos entre si: a) dos atos que representam sua forma extrínseca (objetivo), qual seja, o procedimento, entendido como cadeia de atos e fatos coordenados; b) das relações que vinculam os sujeitos processuais (subjetivo), que é a relação jurídica processual. O procedimento, objeto deste trabalho, é o Inquérito Policial, conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e de sua autoria, trata-se de procedimento administrativo que dá subsídios para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo (CPP, art. 4º). Ocorre que muitas vezes, as provas colhidas na fase de investigativa, não são ratificadas em juízo, o que impossibilita que o acusado seja condenado, sendo, por conseguinte absolvido, prevalecendo à injustiça.

Palavras-chave: Inquérito Policial. Provas. Valor.


INTRODUÇÃO

A finalidade do inquérito policial é a apuração do fato que configure infração penal e a respectiva autoria para servir de base à ação penal ou às providências cautelares. Após o Inquérito ser concluído, é remetido ao judiciário, onde, tendo elementos suficientes da autoria e materialidade do crime, é oferecida Denúncia, dando-se início ao processo, no entanto, os mesmos elementos que nortearam o detentor da ação penal para o oferecimento da Denúncia, se não forem ratificadas em juízo, com exceção das provas cautelares não repetíveis e antecipadas, o acusado, ao término da instrução processual penal, não pode ser condenado com fundamento exclusivo nos elementos informativos colhidos na investigação, o que acarreta prejuízo ao processo, devendo o mesmo ser absolvido por falta de provas a luz do que prevê o Código de Processo Penal Brasileiro.

Desta forma, a pesquisa foi organizada conforme os itens a seguir. O tema da pesquisa Inquérito Policial foi delimitado em: O valor das provas colhidas durante o inquérito policial e durante a instrução processual penal para aplicação da lei penal brasileira. O problema foi estabelecido em: As provas colhidas durante o inquérito policial e não ratificadas em juízo, são suficientes para garantir a aplicação da lei penal brasileira? A hipótese: a) É possível condenar o acusado exclusivamente com base nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Os objetivos foram fixados em geral e específicos. O objetivo geral é dissertar sobre as provas colhidas no inquérito policial e as provas colhidas em juízo. O objetivo específico: a) Conceito e Objetivo do Inquérito Policial; b) Não prevalência de forma plena dos princípios constitucionais do Contraditório e Ampla Defesa assegurados na Constituição Federal de 1988; c) Dispensabilidade do Inquérito Policial no ordenamento brasileiro; d) A impossibilidade da aplicação de pena prevista em lei, com fundamento exclusivo nas provas colhidas no Inquérito Policial; e) À necessidade de mudança no Código de Processo Penal Brasileiro, para assegurar de forma ampla os princípios do Contraditório e Ampla Defesa durante o Inquérito Policial, para aplicação da lei penal de forma célere. Para o desenvolvimento do mesmo foi realizada uma abordagem metodológica a pesquisa bibliográfica, e a pesquisa documental orientaram a sistematização metodológica deste artigo. Por pesquisa bibliográfica ou secundária entende-se o levantamento de dados em livros, dissertações e manuais. A pesquisa documental também denominada de primária é representada neste artigo pelo Código de Processo Penal (CPP) - Decreto Lei nº 3.689 de 03 de Outubro de 1941, com base na qual se sustentou toda a produção deste artigo. Além do tipo informacional internet.

A pesquisa segue a abordagem qualitativa e método indutivo. É uma abordagem qualitativa porque aproveita dados de estudiosos do tema em questão, organiza didaticamente o texto induzida pelas leituras feitas nos documentos escritos e eletrônicos.


2. CONCEITO E OBJETIVO DO INQUÉRITO POLICIAL

A prática de um fato definido em lei como crime ou contravenção faz surgir, para o Estado, o jus puniendi, que somente pode ser concretizado por meio do processo. A pretensão punitiva do Estado somente pode ser deduzida em juízo, mediante a ação penal, ao término da qual, sendo o caso, será aplicada a sanção penal adequada.

Para que se proponha a ação penal, entretanto, é necessário que o Estado disponha de um mínimo de elementos probatórios que indiquem a ocorrência de uma infração penal e sua autoria. O meio mais comum, embora não exclusivo, para a colheita desses elementos é o Inquérito Policial.

Inquérito Policial é o procedimento adotado pela Polícia Judiciária com vistas à instrução do Processo Criminal. É o instrumento formal de investigação. Relaciona-se com o verbo inquirir, que significa perguntar, indagar, procurar, averiguar os fatos, como ocorreram e quem é o seu autor.

O Inquérito Policial é um conjunto de diligências, um trabalho muitas vezes difícil, sendo varias as investigações feitas, como a ouvida de testemunhas e do próprio ofendido. Procedem-se perícias, realizam-se buscas e apreensões, avaliações, reconhecimento e ouve-se também o pretenso responsável. Procedendo mediante a inquirição, indagação e averiguação do fato delituoso, sua autoria e suas circunstâncias. É inquisitório, pois não existe no mesmo a figura do contraditório, ou seja, é dirigido exclusivamente pela autoridade policial, podendo esta inquirir quantas pessoas forem necessárias à elucidação do fato. 

Para Mirabete (1997, p.50) 

Tem-se por inquérito policial todo procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária, como auto de flagrante, exames periciais, etc. 

Sob a égide da constituição federal, Lopes Jr. (2008, p.241) define: "Inquérito é o ato ou efeito de inquirir, isto é, procurar informações sobre algo, colher informações acerca de um fato, perquirir".

O objetivo primordial do Inquérito Policial é reunir provas da materialidade e da autoria de determinado crime, que servirão de fundamento para o oferecimento da Denúncia, sendo o mesmo, uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime, ou antes, para que seja possível uma exata visão do conjunto dos fatos, nas suas circunstâncias objetivas e subjetivas.

O inquérito é necessário para a colheita de elementos indispensáveis à propositura da ação penal, no entanto, não é obrigatório, pois quaisquer outras peças de informação podem servir de base para a formação da “opinio delicti” do “dominus litis” e, conseqüentemente, a propositura da ação penal. 


3. NÃO PREVALÊNCIA DE FORMA PLENA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA ASSEGURADOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

No que diz respeito à possibilidade de aplicação dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, durante o indiciamento em inquérito policial, é de fácil percepção que a doutrina pátria não tem criado discussões controvertidas, contudo, a realidade prática de se reconhecer tal direito ao indiciado em procedimento investigativo, dando acesso aos advogados às peças já documentadas, como direito de consulta dos autos e atendimento de pedidos de produção de provas, ainda é de pouca expressividade.

Segundo Freitas, (2009, p.20): 

O problema reside mais, na realidade, na própria admissão do direito ao contraditório pelos profissionais que laboram na área investigativa. E nesta discussão, existem aqueles contra e a favor da aplicação do contraditório ainda na fase de investigação policial.

Pode-se conceituar o contraditório como a garantia de bilateralidade nos atos e termos do processo, com a possibilidade de contrariedade, ou seja, permitindo a implementação de esforço das partes na formação do livre convencimento do julgador.

De acordo com Tourinho Filho (2009, p. 22): 

A defesa não pode sofrer restrições, mesmo porque o princípio supõe completa igualdade entre acusação e defesa. Uma e outra estão situadas no mesmo plano, em igualdade de condições, e, acima delas, o Órgão Jurisdicional, como órgão superpartes, para, afinal, depois de ouvir as alegações das partes, depois de apreciar as provas, dar a cada um o que é seu.

Enquanto a garantia do contraditório é direcionado à regulação da relação processual, o direito à ampla defesa é princípio constitucional voltado ao indivíduo. O princípio da ampla defesa significa dizer que ao acusado é reconhecido o direito de se valer de amplos e extensos métodos para se defender da imputação feita pela acusação.

Tal princípio encontra-se fundamentado no artigo 5º, inciso LV, da CF/88, no intuito de proteger o acusado em processo judicial ou administrativo contra a persecução arbitrária do Estado, que na relação processual sempre se apresenta com mais força e estrutura. Estas garantias conferidas pela Constituição ao indivíduo visam justamente compensar sua hipossuficiência na relação processual com o Estado acusador, buscando o equilíbrio.

Nessa linha de pensamento, pode-se afirmar que o direito ao Contraditório e Ampla Defesa, ainda na fase inquisitorial, não conspira contra o êxito das investigações, ao contrário, assegura maior legitimidade aos resultados do inquérito, e é exemplo de efetivação dos direitos fundamentais.

Assim, a adoção dos princípios constitucionais em comento, mesmo que de forma mitigada, vez que se trata de um procedimento de características de origem inquisitiva e diversa do próprio processo judicial, em que o contraditório e ampla defesa alcançam maior plenitude, confere ao inquérito policial, natureza não de peça meramente informativa, como costumam pregar os operadores do direito, mas procedimento probatório de grande valor para instrução processual e construção dos juízos de culpabilidade e punibilidade do julgador, o qual na judicialização das provas já produzidas em inquérito, tenta se aproximar o máximo possível das verdades acerca dos fatos sob julgamento.

De outro lado, não se pode olvidar da importância que assume a Autoridade Policial no encargo de presidir a fase investigativa busque preservar, no âmbito de suas atribuições, a garantia do devido processo legal, e dos princípios do Contraditório e Ampla Defesa, potencializando o uso da disposição garantida contida no Art. 14, do Código de Processo Penal: “o ofendido, ou seu responsável legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade”.

Conforme Távora (2009, p.25): “O que fará com que nos autos do inquérito policial seja possível a colação de elementos de prova de interesse da defesa do indivíduo sujeito à investigação criminal.”

Em contraposição ao art. 16, do Código de Processo Penal, o qual prescreve: “o Ministério Público não poderá requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, senão para novas diligências, imprescindíveis ao oferecimento da denúncia”, que confere ao membro do parquet o poder de requisitar, como sinônimo de ordem, reconhecido pela doutrina majoritária, é necessário o fortalecimento do art. 14, com fim de equilibrar a relação processual entre a acusação e a defesa.

A autoridade policial possui, portanto, no desenvolvimento de suas funções de Polícia Judiciária, o inequívoco compromisso democrático e ético de que em toda atividade investigativa que realize, com indiciamento de pessoas definidas e já intimadas da existência e andamento do inquérito, garanta, por respeito às garantias dos direitos fundamentais asseguradas na Constituição Federal, a faculdade do indiciado participar na construção das provas pré-processuais. Pois, o procedimento de inquérito tem um fim maior que é subsidiar a instrução de um processo e uma persecução penal justas.

Enfim, vale lembrar que o inquérito policial, além de ser meio preparatório para a propositura da ação penal, também é instrumento hábil a concluir sobre a existência ou não de crime ou de apurar os indícios de autoria que justificam o início do processo penal, podendo através dele o Ministério Público competente ou a própria Defesa provocarem judicialmente a absolvição sumária do acusado.

É necessário ter em conta que a investigação realizada na fase pré-processual tem o fim útil de evitar a instauração de uma ação penal injusta, com violação dos critérios da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estricto) e da razoabilidade.

Nessa linha de pensamento, os requerimentos de produção de provas por parte da defesa, nos termos do art. 14, do Código de Processo Penal, uma vez legítimos, em nada prejudica o inquérito policial, sendo que a sua aceitação ou rejeição devem ser feitas de forma motivada nos autos, a teor do quanto exigido pelo art. 93, inciso IX, da CF/88, principalmente, por se tratar de restrição de direitos do acusado. 


4. DISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O art. 12 do Código de Processo Penal dispõe que a denúncia ou a queixa deverão ser acompanhadas pelo inquérito policial “sempre que servir de base a uma ou outra”. Da interpretação gramatical ou literal desse dispositivo, é possível depreender que nem sempre o inquérito policial servirá de fundamento para a denúncia ou a queixa, portanto, o inquérito policial não é, a rigor, indispensável para a propositura da ação penal.

Nesse sentido, Capez (2007, p.50) ensina que: 

Inquérito policial não é fase obrigatória da persecução penal, podendo ser dispensado caso o Ministério Público ou o ofendido já disponha de suficientes elementos para a propositura da ação penal”. O próprio Código de Processo Penal, em vários dispositivos, atesta a dispensabilidade do inquérito policial. 

Nas hipóteses de crime de ação penal pública, o art. 27, do Código de Processo Penal, dispõe, in verbis: 

 Art. 27. Qualquer pessoa do povo poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, nos casos em que caiba ação penal pública, fornecendo-lhe por escrito, informações sobre o fato e a autoria e indicando o tempo, o lugar e os elementos de convicção. 

Nos casos de crime de ação penal pública condicionada, dispõe o art. 39, § 5º, do Código de Processo Penal, in verbis: “§ 5º O órgão do Ministério Público dispensará o inquérito, se com a representação forem oferecidos elementos que o habilitem a promover a ação penal, e, neste caso, oferecerá a denúncia no prazo de 15 ( quinze ) dias.”

 Outrossim, o art 40, do Código de Processo Penal, dispõe, in verbis: “Art. 40. Quando, em autos ou papéis de quem conhecerem, os juízes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.”

Igualmente, há julgados que reconhecem a dispensabilidade do inquérito policial, in verbis:  

O inquérito policial, procedimento administrativo de natureza puramente informativa, não é peça indispensável à promoção da ação penal, exigindo-se tão somente que a denúncia seja embasada em elementos demonstrativos da existência do fato criminoso e de indícios de sua autoria’ (6º T., RHC 5.094-RS, rel. Min. Vicente Leal, DJU, 20 maio 1996, p. 16472).  

Observe-se que, embora existam julgados que entendam ser dispensável o inquérito policial, é reputada imprescindível a existência de elementos de informação justificadores da proposta da ação penal.

Há de se ressaltar, outrossim, a possibilidade do Ministério Público agir de oficio, requisitando documentos e informações, com fundamento no art. 47 do Código de Processo Penal. Essa possibilidade poderá ocasionar a dispensa do inquérito policial, se o Ministério Público conseguir obter os elementos de informação só oferecimento da denúncia.

Além das hipóteses arroladas no Código de Processo Penal, há vários outros casos de dispensas do inquérito policial, contidos na legislação especial. Como exemplos tem-se a Lei nº 1.0789, de 10.04.1950, que define os crimes de responsabilidade do Presidente da República e outra autoridades; a Lei nº 4.898, de 09.12.65, que define os crimes de responsabilidade administrativa, civil e penal de funcionários públicos; o Decreto-lei nº 7.661, de 21.04.1945, Lei de Falência; a Lei nº 7.106, de 28.06.1983, que define os crimes de responsabilidade do Governador do Distrito Federal, dos governadores dos territórios e dos respectivos secretários; e a Lei nº 5.250, de 09.02.1967, Lei de Imprensa.

Embora não haja disposição legal expressa no Estatuto processual penal, para os crimes de ação penal privada, Capez (2007, p.40) coloca: “se o ofendido ou seu representante legal tiver em mãos os elementos necessários à propositura da ação, poderá iniciá-la, sem necessidade de recorrer à Policial para a feitura de inquérito.”

Segundo Capez (2007, p.70), nos casos de crime de tóxico, previstos na Lei nº 6.368/76, a denúncia pode ser oferecida com a apresentação tão somente do auto de prisão em flagrante e do laudo de constatação, dispensando, então, o inquérito policial.

De acordo com a Lei nº 9.099/95, que dispõe acerca dos Juizados Especiais Civis e Criminais, nas hipóteses de infrações penais de menor potencial ofensivo, não haverá instauração de inquérito policial, mas simplesmente será lavrado Termo Circunstanciado de Ocorrência. Esse termo será encaminhado ao Juizado Criminal, onde a instrução e o julgamento seguirão rito diferenciado, previsto na própria Lei nº 9.099/95.

No que tange a obter e fornecer as informações necessárias a fundamentar a propositura de uma ação penal, não é o inquérito policial o único cominho, havendo, então, outras alternativas legalmente previstas. 

As críticas dirigidas ao inquérito policial normalmente se referem à lentidão de que consta tal procedimento; à parcialidade do material investigativo, ao fato de não constituir prova fidedigna, entre outros, diante do quadro de meios alternativos apresentados há que se perguntar acerca da validade e eficácia de tais meios a fim de perceber se não incorrem nos mesmos erros, ou mais amplamente, se o vício não estaria no funcionamento, independentemente do procedimento empregado. 

Nos crimes em que caiba a ação penal privada, o Código de Processo Penal não contempla a possibilidade de dispensabilidade do inquérito policial, mas a doutrina e a jurisprudência concebem tal caminho, pois o particular, assessorado por seu advogado, pode reunir elementos necessários. A despeito disso, muitas vezes o inquérito se mostra importante, especialmente quando a materialidade tenha sido demonstrada de modo precário.

Tendo por pressuposto tais considerações, entende-se que ao inquérito policial, enquanto prova, não deve ser conferido valor exacerbado e nem reduzido, deve-se optar pelo bom senso no contexto do caso concreto nessas situações; observando que só integrarão o quadro probatório os elementos que forem confirmados durante a instrução em juízo, alguns deles precisarão ser renovados para compor o processo, outros não, o que depende, em parte, das provas serem reais ou pessoais, essas últimas são suscetíveis à renovação. 

Nem sempre o inquérito policial fundamenta a denúncia ou queixa, isto é, não constitui instrumento indispensável à propositura da ação penal, pois não configura fase obrigatória da persecução penal e é inexigível quando o Ministério Público ou o particular já disponham de elementos suficientes para embasar a queixa ou a denúncia.


5. A IMPOSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DE PENA PREVISTA EM LEI, COM FUNDAMENTO EXCLUSIVO NAS PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO POLICIAL

O artigo 155 do Código de Processo Penal menciona que:

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na fase de investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.

Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, as provas, contra o acusado, colhidas na fase do Inquérito Policial precisam ser rediscutidas e avaliadas pelo juiz competente, sendo assim, condenação baseada somente em provas produzidas na fase do inquérito policial sem a observância dos mencionados princípios carecem de anulação.

Todavia, no que tange aos indícios, há entendimentos que defendem a condenação quando formadora de uma cadeia concordante de indícios, sérios e graves, unidos por um nexo de causa e efeito, excludente de qualquer hipótese favorável ao acusado. Assim, alguns estudiosos alegam que ela tem o mesmo valor que as demais provas, em face do livre convencimento do juiz, segundo o artigo 239 do Código de Processo Penal.

 Há doutrinadores como: Ary Lopes Jr. (2008, p.80) e outros que defendem a teoria da processualização, qual seja, na defesa da aplicação do princípio do devido processo legal aos procedimentos investigativos. Isto significa aplicar os princípios do contraditório e da ampla defesa aos procedimentos preliminares.

A questão não é uníssona porque há provas que somente são produzidas na fase inquisitiva e não repetidas em juízo, como por exemplo, a prova pericial, pela qual o juiz não fica adstrito ao laudo pericial, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo em parte, conforme mencionado no artigo 182 do Código de Processo Penal.

As demais diligências importantes realizadas no inquérito policial são a oitiva da vítima, das testemunhas, do acusado, as acareações, etc. Todavia, como estas provas são realizadas sem o crivo do contraditório e da ampla defesa elas não têm o valor probatório das provas produzidas em juízo, podendo até o acusado se retratar do seu depoimento, conforme preceitua o artigo 200 do Código de Processo Penal ao tratar da retratação no caso do depoimento do réu na fase inquisitiva e no seu interrogatório em juízo.

Diante das indagações o que se discute é a possibilidade da aplicação dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa passarem a vigorar na fase do inquérito policial propiciando ao acusado de exercer o seu direito constitucional de defesa, dando ênfase também ao princípio da dignidade da pessoa humana.


6. À NECESSIDADE DE MUDANÇA NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO, PARA ASSEGURAR DE FORMA AMPLA OS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA DURANTE O INQUÉRITO POLICIAL, PARA APLICAÇÃO DA LEI PENAL DE FORMA CÉLERE 

No dia 11 de Agosto de 2008, entrou em vigor a Lei nº 11.690/08 que promoveu a alteração de alguns dispositivos do Código de Processo Penal relacionados à prova, além de outros, como se passa a expor a seguir.

A alteração não modificou o sistema do livre convencimento motivado, já que o novel artigo 155 preceitua que: 

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. 

Infelizmente, houve o acréscimo do advérbio exclusivamente, que não constava no texto do anteprojeto enviado ao Ministério da Justiça pela Comissão presidida por Ada Pelegrini Grinover e que originou ao PL. 4.205/01.

Se por um lado a expressão “prova produzida em contraditório judicial” fortaleceu a exigência constitucional da observância do devido processo legal, consagrado em seu artigo 5º, incisos LIV e LV, o certo é que ao adicionar o advérbio de exclusão em comento foi-se contra o que pretendiam os autores do anteprojeto.

Ao estabelecer que o juiz não possa fundamentar a sua decisão exclusivamente nos atos investigatórios, a contrario sensu, possibilita-se ao magistrado utilizar de alguns elementos informativos obtidos na investigação (ainda que não todos), para fundamentar a sua sentença, o que configura clara afronta à Constituição Federal. Na verdade, a lei deveria proibir categoricamente a utilização de quaisquer elementos informativos adquiridos na primeira fase da persecução penal, salvo, por óbvio, as provas que forem irrepetíveis, antecipadas e produzidas cautelarmente.

Cumpre salientar que a fase investigatória é inquisitiva e, portanto, não se permite o exercício pleno do contraditório e muito menos o da ampla defesa, o que macula qualquer decisão tomada com base em elementos colhidos nesta fase preliminar. Conclui-se então que ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas, situação de fácil compreensão, todos os atos investigatórios produzidos na fase do inquérito policial devem ser repetidos em contraditório judicial para que sirvam como meios de prova idôneos para o magistrado.

As provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas precisam ser submetidas, sempre que possível, ao contraditório prévio e ser produzidas na presença de um juiz de direito do Ministério Público e de um defensor, seja ele dativo ou particular, salvo a impossibilidade absoluta como na hipótese de urgência de exame de corpo de delito e, neste último caso, o que ocorre na verdade é o diferimento do contraditório para a fase judicial.

Neste sentido, a prova irreparável é aquela que não pode mais ser produzida em Juízo, em razão, por exemplo, de terem desaparecido os vestígios do crime, o que torna impossível a realização de um novo exame de corpo de delito. Neste caso há a ressalva da possibilidade de contestação do laudo realizado, até mesmo porque, nos termos do art. 182 do CPP, não se trata de um meio de prova revestido de idoneidade absoluta. Um outro exemplo de prova irrepetível é o depoimento da vítima colhido durante o inquérito policial, quando esta já tiver falecido quando da instrução criminal.

O art. 225 do CPP nos traz um exemplo de prova antecipada ao estabelecer que “se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento”. Observa-se que neste caso, a oitiva de uma testemunha de defesa antes mesmo de uma de acusação, não gerará nulidade, desde que tal fato tenha sido indispensável.

Já como prova de natureza cautelar, cita-se a busca e apreensão regulamentada nos arts. 240 e seguintes do CPP. Por óbvio, como toda medida cautelar, é imprescindível observar os seus pressupostos (periculum in mora e fumus commissi delicti), sem os quais ela não será possível e, consequentemente, não servirá para fundamentar uma sentença, tais provas devem ser aquelas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade na medida.

Sendo assim, uma mudança ao Código de Processo Penal, no que tange ao Inquérito Policial, seria de grande valia, haja vista que todas as provas colhidas durante a investigação passariam pelo crivo do Contraditório e Ampla Defesa na presença de um defensor constituído, o qual poderia se utilizar de todas os meios legítimos para defender seu constituinte, usando ainda de forma plena de suas prerrogativas funcionais, sendo tais provas idôneas e suficientes para o Magistrado formar seu convencimento e aplicar a lei penal de forma rápida e eficiente, sem a necessidade de tais provas serem novamente ratificadas em juízo, onde devido o abarrotamento de processos no judiciário, a ação penal não surtiria efeito, pois acabaria ficando prejudicadas devido a demora, ocasionando a absolvição do acusado pela falta de provas, por vários motivos, tais como, a vítima não ser encontrada, não encontrarem as testemunhas arroladas pelo Ministério Público, impossibilidade de refazer ou fazer exames periciais e etc. pois o Código de Processo Penal, é taxativo em mencionar as circunstâncias em que o acusado será absolvido, dentre as quais, não existir prova suficiente para a condenação, Art. 386 do CPP. 


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa na formulação do problema perguntou: As provas colhidas durante o inquérito policial e não ratificadas em juízo, são suficientes para garantir a aplicação da lei penal brasileira?

Quanto ao sistema de valoração das provas, o legislador brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado (persuasão racional), segundo o qual o Magistrado julga a causa de acordo com a sua convicção a respeito das provas produzidas legalmente no processo, em decisão devidamente fundamentada.  Sendo assim, ofende a garantia constitucional do Contraditório fundar-se a condenação exclusivamente em elementos informativos colhidos no Inquérito Policial e não ratificados em juízo (informativo do STF nº 366). O Inquérito Policial é procedimento meramente informativo, que não se submete ao crivo do Contraditório e no qual não se garante ao indiciado o exercício da Ampla Defesa, afigurando-se, portanto, nulo o decreto condenatório que não produz, ao longo da instrução criminal, qualquer outra prova hábil para fundamentá-lo.

A atual redação do artigo 155 do Código de Processo Penal dispõe que "o juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação". Assim, as declarações colhidas no curso do inquérito policial, que não forem ratificadas em juízo e que não encontram apoio no conjunto probatório colhido no Contraditório, não servem, por si só, para fundamentar decisão condenatória, sendo assim, não é possível o decreto condenatório baseado exclusivamente em provas produzidas no Inquérito Policial, e não ratificadas em Juízo.

A pesquisa sobre o valor das provas colhidas durante o inquérito policial e durante a instrução processual penal para aplicação da lei penal brasileira, permitiu que o autor deste artigo se aprofundasse na modalidade em questão, tendo como base a doutrina, a própria legislação vigente e o conhecimento adquirido durante os trabalhos realizados perante o judiciário.

O procedimento em fase apuratória poderia ser modificado objetivando dar celeridade na conclusão das investigações e imediatamente já proporcionar ao julgador, subsídios suficientes para seu convencimento e aplicação da lei penal, prevalecendo os princípios basilares previstos na Constituição Federal, quais sejam, princípio do Contraditório e Ampla Defesa, o que seria fundamental para uma mudança no processo penal em fase de Inquérito Policial, durante a coleta de provas. 

REFERÊNCIAS

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LIMA, José Eduardo Lopes Lima. A importância das provas colhidas durante o inquérito policial e a instrução processual penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4893, 23 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53822. Acesso em: 4 maio 2024.