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Regulamentação da identificação humana por DNA

Regulamentação da identificação humana por DNA

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O célere aperfeiçoamento de uma das ferramentas que se utiliza a moderna biotecnologia conhecida por Engenharia Genética, está permitindo a sociedade perceber os primeiros impactos resultantes das pesquisas básicas no campo da biologia molecular ocorrida nos últimos 20 anos.

Só no Brasil a indústria de identificação de paternidade por DNA faturou no ano passado mais de 5 milhões de reais. Um outro campo de aplicação em emergência é a área criminal, pois a técnica permite elucidar crimes, condenando reais criminosos e absolvendo inocentes. Mas uma pergunta precisa ser feita, quem valida e certifica esses testes ?

A velocidade na incorporação de conhecimento tecnológico em linguagem acessível é de fundamental importância para legisladores e juristas e em especial para sociedade. Por exemplo, a técnica de PCR (Polymerase Chain Reaction), apesar de recente, já está sendo substituída pela RCA (Rolling Circle Amplification), que utiliza vírus para fazer a cópia do DNA, com uma velocidade muito superior e em baixas temperaturas.

Pretendo nesse artigo analisar as questões de regulamentação dos testes de DNA do ponto de vista da técnica e dos aspectos éticos envolvidos.


A confiabilidade e a segurança dos testes de identificação por DNA, quando da utilização da Engenharia Genética, podem ser equacionados pela Lei de Biossegurança (N° 8.974/95):

"Art. 1º - Esta lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso das técnicas de engenharia genética na construção, cultivo, manipulação, circulação, comercialização, consumo, liberação e descarte de Organismo Geneticamente Modificado (OGM), visando proteger a vida e a saúde do Homem, dos animais e das plantas, bem como o meio ambiente."

e pelo seu decreto de regulamentação (N° 1.752/95), que normatiza as atividades da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio:

"Regulamenta a Lei nº 8.974, de 05 de janeiro de 1995, dispõe sobre a vinculação, competência e composição da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, e dá outras providências."

Aspecto relevante desta legislação é que a mesma protege a saúde dos Homens, animais, vegetais e do meio ambiente sem hierarquizar a proteção, como afirma o jurista Paulo Affonso Leme Machado. Em suma, a Lei de Biossegurança regulamenta todos os procedimentos laboratoriais que envolvam qualquer tipo de DNA, seja humano, animal, vegetal, transgênico e até mesmo quimeroplástico.

Qualquer instituição domiciliada no País e que utilize técnicas de Engenharia Genética deve possuir o Certificado de Qualidade em Biossegurança - CQB por força da lei N° 8.974/95:

"Art. 2º § 3º -  As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos neste artigo, deverão certificar-se da idoneidade técnico-científica e da plena adesão dos entes financiados, patrocinados, conveniados ou contratados às normas e mecanismos de salvaguarda previstos nesta Lei, para o que deverão exigir a apresentação do Certificado de Qualidade em Biossegurança de que trata o art.6º, inciso XIX, sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos advindos de seu descumprimento."

O decreto de regulamentação N° 1.752/95 também dá competência à CTNBio para estabelecer o Código de Ética de Manipulação Genética:

"Art. 2º Compete à CTNBio:

....................................................................

IV - propor o Código de Ética de Manipulações Genéticas;"

Não bastasse o referido decreto, a sociedade ainda dispõe da Resolução N° 196/96, do Conselho Nacional de Saúde, ligado ao Ministério da Saúde, que estabelece os procedimentos éticos das pesquisas envolvendo seres humanos, e o faz de maneira participativa, pois prevê a criação de Comissões de Ética em Pesquisa, com participação de leigos e de membros não pertencentes à instituição proponente da pesquisa.

"VII - Comitê de Ética em Pesquisa - CEP

Toda pesquisa envolvendo seres humanos deverá ser submetida à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa.

VII.1 - As instituições nas quais se realizem pesquisas envolvendo seres humanos deverão constituir um ou mais Comitê de Ética em Pesquisa - CEP, conforme suas necessidades.

VII.2 - Na impossibilidade de se constituir CEP, a instituição ou o pesquisador responsável deverá submeter o seu projeto à apreciação do CEP de outra instituição, preferencialmente dentre os indicados pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP/MS)."

Certamente, essas normas não atendem às necessidade do direito penal, mas poderão ser muito úteis. Sua aplicação poderá fornecer subsídios para uma futura jurisprudência ou até mesmo uma legislação sobre o tema.

Devido ao enorme potencial das biotecnologias, e da sua possível e previsível associação com as ciências da computação no desenvolvimento de biochips, existirá a necessidade constante da sociedade cobrar pelos diversos mecanismos existentes, em especial no campo legislativo e jurídico, uma aplicação que seja técnica e economicamente sustentável, mas principalmente, socialmente adequada.

Com relação às questões éticas, temos que ficar atentos e refletir quando um país como os Estados Unidos (o maior investidor em biotecnologia do mundo) aplicam de 1 a 5% do orçamento da biotecnologia em estudos de segurança da Engenharia Genética, e em contrapatida os investimentos em bioética chegam a um total de 10%.

A ponta desse iceberg pode ser visualizado quando encontramos estudiosos da bioética mais liberais com relação ao uso da Engenharia Genética do que muitos cientistas, que, em diversos momentos, consideram a necessidade de uma melhor avaliação dos impactos tecnológicos. Certamente com investimentos em bioética é possível condicionar a sociedade e familiarizá-la com a tecnologia, em contra partida em biossegurança além dos elevados custos das pesquisas, corre-se o risco de evidenciar as falhas da tecnologia.

No ordenamento jurídico da identificação por DNA existe a necessidade de uma participação transdisicplinar e multicientífica (temos que evitar uma análise reducionista, afinal o DNA é comum à todas espécies de seres vivos), até porque num futuro próximo com a introdução na prática médica da terapia genética, poderemos encontrar marcadores genéticos de outras espécies no genoma humano e vice-versa.

Apesar de todas as inciativas já tomadas para controlar os efeitos negativos da biotecnicociência a sociedade necessita ficar atenta. Tenho observado que os avanços da Engenharia Genética têm sido acompanhados por uma emergente sociologia eugênica, a população não pode ficar refém de uma ditadura genética, comandada pelos grandes conglomerados da biotecnologia. Portanto existe a necessidade de investimentos em nossas universidades e centros de pesquisa para estabelecer uma competência nacional em biotecnologia.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALLE, Silvio. Regulamentação da identificação humana por DNA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/539. Acesso em: 23 abr. 2024.