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Responsabilidade civil do Estado

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A responsabilidade civil do Estado sofreu várias espécies de mutação ao longo do tempo no Brasil, passando pela responsabilidade subjetiva, até a implementação da responsabilidade objetiva, que não necessita da comprovação de dolo ou culpa.

RESUMO:A responsabilidade civil do Estado sofreu várias espécies de mutação ao longo do tempo no Brasil, passando pela responsabilidade subjetiva, até a implementação da responsabilidade objetiva, que não necessita da comprovação de dolo ou culpa. Dessa forma, os elementos que fazem parte da responsabilidade estatal foram se modificando, sendo compostos, no Direito Administrativo vigente, por conduta estatal, dano indenizável e nexo de causalidade entre ambos. Atualmente, doutrina e jurisprudência desconsideram a teoria objetiva em alguns casos, como no ato omissivo estatal. A análise dessa composição e o modo que afeta a sociedade serão aqui discriminados.

Palavras-chave: Responsabilidade civil. Teoria objetiva. Teoria subjetiva. Estado. Sociedade.


INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar economicamente os danos, patrimonial ou moral, causados à esfera juridicamente protegida de terceiros. Nesse contexto, o presente trabalho objetiva analisar a evolução normativa da responsabilidade do Estado no Brasil.

Para isso, abordam-se como as teorias da responsabilidade do Estado ajudam a explicá-la, bem como os elementos que a caracterizam. Discutem-se, ainda, quais modalidades de responsabilidade existentes no Brasil e como o Estado se comporta diante dos atos lesivos comissivos, omissivos e aqueles praticados pelo poder legislativo, consubstanciados em atos ilícitos, decorrentes de leis infraconstitucionais, de leis de efeitos concretos e omissões inconstitucionais quando ao dever de legislar, e aqueles praticados pelo poder judiciário, dolosos ou culposos, causados pelo magistrado, quando no exercício de suas funções.

Nesta direção, o presente trabalho obteve as considerações bibliográficas de Alexandrino e Paulo (2010), Bandeira de Mello (2009), Di Pietro (2007), Donizetti e Quintella (2014), Marinella (2014) e Mello (2014). Além da análise doutrinal, conta ainda com disposições constitucionais e jurisprudenciais quanto ao tema abordado.


1. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

Conceito

A responsabilidade civil tem sua origem no Direito Civil e consiste na obrigação de reparar os danos causados a terceiros, sejam eles de ordem patrimonial ou moral. Pode ser denominada, também, de responsabilidade extracontratual e requer a existência de alguns elementos para ser caracterizada, quais sejam: uma atuação lesiva culposa ou dolosa do agente; a ocorrência de um dano patrimonial ou moral e o nexo de causalidade entre o dano havido e a conduta do agente, haja vista que o dano deve ter decorrido, de maneira efetiva, da ação do agente.

Com relação à responsabilidade civil do Estado pode-se dizer que, nos ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

Quando se fala em responsabilidade do Estado, está-se cogitando dos três tipos de funções pelas quais se reparte o poder estatal: a administrativa, a jurisdicional e a legislativa. Fala-se, no entanto, com mais frequência, de responsabilidade resultante de comportamentos da Administração Pública, já que, com relação aos Poderes Legislativo e Judiciário, essa responsabilidade incide em casos excepcionais (DI PIETRO, 2007).

Desse modo, quando o Estado, com a sua conduta, descumpre o que foi determinado por lei, a penalidade é aplicada nas esferas administrativa, jurisdicional e legislativa do Poder Estatal. Tal responsabilidade é sempre civil, de ordem pecuniária e proveniente de atos praticados pelos agentes públicos, no exercício da função administrativa, que, ao gerarem danos aos administrados, originam a obrigação para o Estado de indenizar os particulares lesionados. 

Importante ressaltar que, no ordenamento jurídico brasileiro, a responsabilidade civil é orientada pelo princípio da causalidade adequada ou princípio do dano direto e imediato, ou seja, para existir responsabilidade civil, é necessária a existência do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano, além da respectiva prova dessa relação de causalidade.

Ademais, com relação ao tema, preleciona Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:

No âmbito do Direito Público, temos que a responsabilidade civil da Administração Pública evidencia-se na obrigação que tem o Estado de indenizar os danos patrimoniais ou morais que seus agentes, atuando em seu nome, ou seja, na qualidade de agentes públicos, causem à esfera juridicamente tutelada dos particulares. Traduz-se, pois, na obrigação de reparar economicamente danos patrimoniais, e com tal reparação se exaure. Não se confunde a responsabilidade civil com as responsabilidades administrativa e penal, sendo essas três esferas de responsabilização, em regra, independentes entre si, podendo as sanções correspondentes ser aplicadas separada ou cumulativamente conforme as circunstâncias de cada caso. A responsabilidade penal resulta da prática de crimes ou contravenções tipificados em lei prévia ao ato ou conduta. Já a responsabilidade administrativa decorre de infração, pelos agentes da Administração Pública – ou por particulares que com ela possuam vinculação jurídica específica, sujeitos, portanto, ao poder disciplinar –, das leis e regulamentos administrativos que regem seus atos e condutas (ALEXANDRINO, PAULO, 2010, p. 722).

De um modo geral, a responsabilidade civil do Estado pode ser conceituada como a responsabilização estatal pelos danos que seus agentes possam vir a causar a terceiros, conhecida como responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro.


2. EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: TEORIAS

Algumas teorias foram elaboradas para explicar a responsabilidade inerente ao Estado, podendo ser observada uma evolução entre elas.

Irresponsabilidade do Estado

A teoria da irresponsabilidade é um reflexo dos Estados Absolutistas, tendo raízes na ideia de soberania do administrador máximo. Em suma, esta teoria consiste no fato de que não era possível o Estado, personificado na figura do monarca, lesar seus súditos, tendo em vista a impossibilidade de o rei cometer erros (“the king can do no wrong”, de acordo com os ingleses).

 Logo, os agentes públicos, que representavam o próprio rei, não poderiam ser responsabilizados por seus atos no exercício de funções inerentes ao rei, já que os mesmos não poderiam ser considerados lesivos aos súditos. Nas palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007), “qualquer responsabilidade atribuída ao Estado significaria colocá-lo no mesmo nível que o súdito, em desrespeito a sua soberania”.

Tal teoria já não é mais adotada, encontrando-se completamente superada, sendo os Estados Unidos e a Inglaterra os últimos países a abandoná-la.

2.2 Teoria da Responsabilidade com Culpa

Essa teoria foi influenciada pelo individualismo característico do liberalismo, visando à equiparação do Estado ao indivíduo, gerando, portanto, a obrigação de indenizar os danos causados aos particulares nas mesmas hipóteses em que existe tal obrigação para os indivíduos.

Pode ser denominada como teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, que foi adotada pelo Código Civil brasileiro de 1916 e, de um modo geral, trata-se da possibilidade do Estado ser responsabilizado por seus atos danosos, desde que a culpa fosse comprovada. Logo, havia uma semelhança entre a responsabilidade estatal e a responsabilidade de direito privado, tendo em vista que o Estado assumiria os atos e fatos provenientes de seus agentes, cabendo ao particular prejudicado o ônus de demonstrar a existência dos elementos subjetivos, quais sejam, a culpa ou o dolo.

2.3 Teoria da Culpa Administrativa

Nas lições de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, segundo a teoria da culpa administrativa:

O dever de o Estado indenizar o dano sofrido pelo particular somente existe caso seja comprovada a existência de falta de serviço. Não se trata de perquirir da culpa subjetiva do agente, mas da ocorrência de falta na prestação do serviço, falta essa objetivamente considerada. [...] A culpa administrativa pode decorrer de uma das três formas possíveis de falta do serviço: inexistência do serviço, mau funcionamento do serviço ou retardamento do serviço. Cabe sempre ao particular prejudicado pela falta comprovar sua ocorrência para fazer jus à indenização. (ALEXANDRINO, PAULO, 2010, p. 723)

A teoria da culpa administrativa consiste na primeira fase do processo de transição entre a teoria subjetiva da culpa civil e a responsabilidade objetiva adotada pelo ordenamento pátrio.

Teoria do Risco Administrativo

Segundo a teoria do risco administrativo, a obrigação econômica de reparar o dano sofrido injustamente pelo particular se origina independentemente da existência de falta do serviço ou mesmo de culpa do agente público. É necessário, apenas, que exista o dano, sem que para ele tenha concorrido o administrado.

Teoria do Risco Integral

A teoria do risco integral consiste em uma visão exagerada da responsabilidade civil do Estado, tendo em vista que, para essa teoria, é suficiente a existência do evento danoso e do nexo causal para que apareça a obrigação de reparar o dano por parte da Administração, ainda que o dano seja oriundo de culpa exclusiva do particular. Segundo parte da doutrina, a teoria do risco integral nunca foi adotada no ordenamento jurídico brasileiro.


3. Elementos da Responsabilidade civil do Estado e suas diferenças com a Responsabilidade civil extracontratual no Direito Privado

A necessidade da imposição do Estado sobre a sociedade é inerente à complexidade das relações sociais, consoante a esse fato, o Estado toma para si diversas obrigações, como o fornecimento de serviços públicos essenciais à manutenção do interesse público.

Essas obrigações e deveres geram para o ente estatal uma responsabilidade perante a população, que é a maior interessada e afetada pela a ação do mesmo. No entanto, não somente a ação gera responsabilidade, mas também a omissão, in casu, a omissão pode ser considerada uma falta mais grave, visto que o Estado tem dever de agir.

Como os indivíduos são obrigados a aceitar a presença estatal, caracterizada pelo seu amplo poder, a proteção diferenciada concedida ao público é providencial, pois este se encontra em uma relação de hipossuficiência perante o Estado.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 983), a responsabilidade do Estado é considerada extracontratual, e por esse motivo “a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem, que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos”.

Diferentemente do que ocorre com a responsabilidade civil por culpa ou subjetiva, que aponta como elemento essencial a existência de culpa ou dolo do agente, bem como a ocorrência de um ato ilícito, a responsabilidade objetiva do Estado, não leva em consideração o componente subjetivo, qual seja, o dolo ou a culpa, nem mesmo necessita que o ato seja ilícito, muitas vezes o fato gerador do dano é lícito.

A responsabilidade civil do Estado está inserida na teoria da responsabilidade civil objetiva, e possui por elementos: a conduta estatal, o dano, e o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, não há necessidade de comprovação de dolo ou culpa. O fundamento da responsabilidade civil do Estado está no princípio da legalidade, que faz parte do regime jurídico administrativo, prelecionando: o Estado deve agir de acordo com a lei, só age positivamente ou negativamente se a lei permitir. Por outro lado, as relações permeadas pelo Direito Privado se baseiam na premissa de que “tudo que não for proibido por lei é permitido”. De acordo com os ensinamentos de Elpídio donizetti e Felipe Quintella (2014, p.398), a responsabilidade civil no Direito privado é assim discriminada:

A configuração da responsabilidade civil subjetiva- e a consequente obrigação de indenizar-depende, pois, de que o sujeito pratique um ato contrário a direito, com dolo ou com culpa; que esse ato cause um dano a uma terceira pessoa, seja ele material ou moral. Deve, ainda, haver uma relação de causalidade, ou seja, o ato contrário ao direito deve necessariamente ser a causa do dano. A essa relação a doutrina denomina de nexo de causalidade. Eis, portanto, os três requisitos configuradores da responsabilidade civil por culpa (subjetiva); o ato contrário a direito- o dano- o nexo de causalidade.

Como já foi analisado, na responsabilidade objetiva do Estado, o ato lícito pode gerar dano ao cidadão, como o caso em que a construção de uma escola pública deteriore a propriedade de certo indivíduo. No caso em tela, em virtude do princípio da isonomia, apesar da obra ser essencial para atingir o interesse público, o bem de todos, o direito material ou moral de alguém foi sacrificado para isso, desse modo, é obrigação do Estado a indenização, para se manter o equilíbrio de direitos entre os indivíduos.

Os elementos definidores da responsabilidade civil estatal são tratados por Celso Antônio Bandeira de Mello como questões capitais, são eles: os sujeitos, os caracteres da conduta, o dano indenizável e as excludentes.

Os sujeitos são as pessoas jurídicas de direito público ou privado, desde que estas estejam a serviço do poder público, assim como seus agentes, que nessa qualidade causaram prejuízos a terceiros (art. 37, §6º). Diante desse dispositivo, pode-se extrair que as empresas permissionárias e concessionárias estão incluídas, da mesma forma que as sociedades de economia mista e as empresas públicas, desde que não explorem atividade exclusivamente econômica, como estes são casos de descentralização do serviço público a responsabilidade do Estado é subsidiária, primeiramente o cumprimento da obrigação de indenizar é da pessoa jurídica que presta os serviços, posteriormente, se esta não puder arcar com a indenização o Estado é chamado à responsabilidade.

Com relação à Administração Direta, em que se encontram os entes políticos, Estados, Municípios e União, a responsabilidade é considerada primária, é o caso de autarquias e fundações de direito público.

A conduta estatal lesiva pode ser comissiva ou omissiva, quanto a conduta omissiva não resta dúvida na aplicação da teoria objetiva, contudo, às condutas omissivas, segundo doutrina e jurisprudência majoritária, é aplicável a teoria subjetiva, conforme jurisprudência:

“(...) 2. A jurisprudência dominante tanto no STF como deste Tribunal, nos casos de ato omissivo estatal, é no sentido de que se aplica a teoria da responsabilidade objetiva” (REsp 1069996/RS, STJ- Segunda Turma, Rel.ª Min.ª Eliana Calmon, julgamento: 18.06.09, Dje:01.07.09)

Dano deve ser indenizável, por esse motivo, a vítima tem a obrigação de demonstrar de forma clarividente o dano sofrido, para que não se caracterize enriquecimento ilícito, nem pagamento sem causa pelo Estado. Ensina Fernanda Marinela (2014, p.1006): “[...para se reconhecer a responsabilidade civil do Estado, não basta demonstrar a existência de dano econômico; para ser indenizável, esse dano deve ser também jurídico, certo, essencial e anormal, portanto não basta a existência de prejuízos financeiros.”

Entretanto, assim como ocorre com a responsabilidade civil no Direito Privado, a responsabilidade civil do Estado possui as mesmas excludentes de responsabilidade: o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior.

Assim, depreende-se que a responsabilidade civil objetiva do Estado sofre de exceções, como no caso da Administração Indireta, com relação às sociedades de economia mista e às empresas públicas que exploram atividade exclusivamente econômica, bem como nos casos de condutas omissivas estatais, assemelhando-se à responsabilidade civil do Direito Privado.


4. Responsabilidade por Ação do Estado

O estado com fim de satisfazer um interessa público, pode causar um dano, lesando um bem jurídico de terceiro. Essa conduta lesiva, através de um ato comissivo, enseja a responsabilidade objetiva do Estado, a qual consiste na reparação do dano que atingiu direito tutelado pelo ordenamento jurídico.

A responsabilidade objetiva encontra sustentação no Princípio da Igualdade. Esse preceito indica que o cidadão lesado não deve suportar sozinho o dano causado pelo estado em prol da coletividade. Nesse caso, não é necessário demonstrar o elemento subjetivo, isto é, aferir culpa ou dolo, pois tais hipóteses fogem da noção de responsabilidade objetiva, refletindo na responsabilidade subjetiva que exige sempre um comportamento ilícito.

Nesse sentido:

É verdade que em muitos casos a conduta estatal geradora do dano não haverá sido legítima, mas, pelo contrário, ilegítima. Sem embargo, não haverá razão, ainda aqui, para variar as condições de engajamento da responsabilidade estatal. Deveras, se a conduta legítima produtora de dano enseja responsabilidade objetiva, a fortiori deverá ensejá-la a conduta ilegítima causadora de lesão jurídica. É que tanto numa como noutra hipótese o administrado não tem como evadir à ação estatal. Fica à sua mercê, sujeito a um poder que investe sobre uma situação juridicamente protegida e a agrava. Saber-se, pois, se o Estado agiu ou não culposamente (ou dolosamente) é questão irrelevante. Relevante é a perda da situação jurídica protegida. Este só fato já é bastante para postular a reparação patrimonial (MELLO, 2014, p. 1030).

Assim, observa-se que, tratando-se de conduta comissiva, é necessário analisar a questão pelo polo passivo da relação, neste caso, em face do sujeito lesado em sua esfera juridicamente protegida.

Quando o Estado realiza obras de nivelamento de rua, naturalmente, algumas residências podem ficar em níveis mais elevados ou rebaixados em relação à via, o que gera uma desvalorização de imóveis. Essa desvalorização consiste em um dano gerado através de uma ação positiva do Estado. Do mesmo modo, quando procedimentos de apreensão de mercadorias são realizados fora das hipóteses legais, há lesão a terceiros ensejadora de reparação.

Ainda consistem em exemplos de condutas lesivas por ação do Estado que reclamam a responsabilidade objetiva a bala perdida de um policial, a transmissão do vírus HIV através de transfusão de sangue em hospital público e um acidente envolvendo carro oficial dirigido de modo imprudente. Tais ações encontram amparo legal no art. 37, §6º da Constituição Federa onde estabelece que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Também se aplica o princípio da responsabilidade objetiva aos danos causados por situações propiciadas pelo Estado. Nesse caso, o Estado não é o agente causador do dano, no entanto, este só ocorreu devido a uma situação criada por ele. Assim, assemelham-se àqueles produzidos pelo próprio Estado.

Bandeiro de Mello (2014, p. 1036) explica que:

O caso mais comum, embora não único [...], é o que deriva da guarda, pelo Estado, de pessoas ou coisas perigosas, em face do quê o Poder Público expõe terceiros a risco. Servem de exemplos o assassinato de um presidiário por outro presidiário; os danos nas vizinhanças oriundos de explosão em depósito militar em decorrência de um raio; lesões radioativas oriundas de vazamento em central nuclear cujo equipamento protetor derrocou por avalancha ou qualquer outro fenômeno da natureza etc.

[...] os danos eventualmente surgidos em decorrência desta situação de risco e por força da proximidade de tais locais ensejarão responsabilidade objetiva do Estado. Com efeito, esta é a maneira de a comunidade social absorver os prejuízos que incidiram apenas sobre alguns, os lesados, mas que foram propiciados por organizações constituídas em prol de todos (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 1037).

Nesses casos, é irrelevante se a ação estatal é comissiva ou omissiva, isto é, se reclama conduta culposa ou dolosa para que o Estado responda civilmente. Consistem em atividade de risco, logo há obrigação de indenizar de acordo com o disposto no Código Civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de repara o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por natureza, risco para os direitos de outrem (grifo nosso).


5. Responsabilidade por Omissão do Estado

Ao contrário da responsabilidade objetiva, quando o Estado não é o autor do dano, mas este acontece em virtude de sua omissão, isto é, quando obrigado a evitá-lo, se ausentou, é necessária a demonstração de culpa ou dolo para motivar a responsabilidade.

Tal demonstração ocorre nas hipóteses em que o Estado, embora tenha o dever legal de agir, atua com negligência, imprudência ou imperícia, ou viola uma norma intencionalmente. Trata-se, portanto, de responsabilidade subjetiva.

Nesse caso, a omissão ou deficiência da atuação é causa do dano. Na primeira hipótese, admiti-se uma presunção de culpa do Poder Público, ocorrendo a inversão do ônus da prova, em que compete a ele provar que não houve omissão culposa ou dolosa. A doutrina de Bandeira de Melo (2014, p. 1034) ensina que:

Com efeito, nos casos de “falta de serviço” é de admitir-se uma presunção de culpa do Poder Público, sem o quê o administrado ficaria em posição extremante frágil ou até mesmo desprotegida ante a dificuldade ou até mesmo impossibilidade de demonstrar que o serviço não se desempenhou como deveria. O administrado não pode conhecer toda a intimidade do aparelho estatal, seus recursos, suas ordens internas de serviço, os meios financeiros e técnicos de que dispõe ou necessita dispor para estar ajustado às possibilidades econômico-administrativas do Estado. Ora, quem quer os fins não pode negar os necessários meios. Se a ordem jurídica quer a responsabilização do Estado – o que, na verdade, só ocorrerá eficientemente com o reconhecimento de uma presunção juris tantum de culpa do Poder Público, pois, como regra, seria notavelmente difícil para o lesado dispor dos meios que permitiriam colocá-lo em jogo. Razoável, portanto, que nestas hipóteses ocorra inversão do ônus da prova.

Há responsabilidade subjetiva quando chuvas provocam enchentes, alagando e destruindo casas em razão da ausência de limpeza de bueiros e galerias; quando uma vítima de assalto, apesar de avisar aos policiais a tempo de evitá-lo, estes não adotam nenhuma medida cautelar. Em tais situações, o dano não é obra do Estado, todavia, este não agiu para impedi-lo, apesar de juridicamente obrigado a fazê-lo, ou, se tendo agido, atuou de forma insuficiente.

Outras hipóteses de responsabilidade civil do Estado por omissão ocorrem quando um detento mata outro detento; em acidentes causados pelo não recapeamento de ruas, por animais soltos na estrada ou por falhas no semáforo. Nesse contexto, observa-se que a responsabilidade objetiva baseia-se na culpa administrativa, ocorrendo em três modalidades: quando o serviço público não funciona; quando funcionou atrasado; e, quando funciona de modo insuficiente.

Assim, observa-se que, tratando-se de conduta omissiva, é necessário analisar a questão pelo polo ativo da relação, neste caso, em face dos “caracteres da omissão estatal que indicarão se há ou não responsabilidade" (MELLO, 2014, p. 1034).


6. Responsabilidade Civil do Estado por Ato do Poder Legislativo

A Constituição Federal de 1988, no art. 1º § único, estabelece que todo o poder emana do povo, podendo exercer através de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição. Sabe-se, porém, que o modo mais comum é tal poder seja exercido por meio dos representantes eleitos, ou seja, os legisladores.

Diante disso, em via de regra o Estado não responde por danos decorrentes da atividade legislativa, visto que a vontade emanada do parlamento representa a vontade do povo, ademais, a lei é geral não causando, geralmente, um dano específico a terceiro.

Contudo, a doutrina tem admitido três hipóteses de como causa de responsabilidade civil por ato legislativo, são eles: aprovação de lei inconstitucional; dano causado por lei de efeito concreto; omissão legislativa.

Responsabilidade Civil por Leis Inconstitucionais

A edição de uma lei inconstitucional representa a edição de ato ilícito. Nesse sentido, o STF admite a responsabilização civil do Estado, contudo é necessário que primeiramente a lei seja declarada inconstitucional, uma vez que as mesmas quando publicadas possuem presunção de constitucionalidade. Cabe ressaltar ainda, que não basta a mera declaração de inconstitucionalidade para obrigar a responsabilização estatal, mas é indispensável a ocorrência de dano a terceiro como resultado da criação de tal ato legislativo.

Nesse sentido:                                                                         

ADMINISTRATIVO. CRUZADOS NOVOS BLOQUEADOS. MP N. 168/90. LEI N. 8.024/90. CORREÇÃO MONETÁRIA. BTNF. DANO MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI. NÃO-CABIMENTO.1. Consolidado está, no âmbito do STJ, o entendimento de que a correção dos saldos bloqueados transferidos ao Bacen deve ser feita com base no BTNF. Precedentes.2. Apenas se admite a responsabilidade civil por ato legislativo na hipótese de haver sido declarada a inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado.3. Recurso especial provido. (STJ, REsp nº 571.645, Relator Min. João Otávio de Noronha, julgado em 21/09/06).

Além disso, conforme o atual entendimento do STJ, o Estado responde civilmente por leis inconstitucionais somente caso a inconstitucionalidade seja declarada pelo STF em sede de controle concentrado.

 Esse entendimento do STJ surgiu em virtude da grande demanda de ações de indenização ajuizadas no período do Plano Collor (que acarretou o confisco da poupança de inúmeros brasileiros), quando o STF em sede de recurso extraordinário reconheceu a inconstitucionalidade da lei 8.024/90 e declarou que os que tiverem sido prejudicados poderiam buscar o Judiciário para pleitear uma indenização. Desse modo, o STJ visando evitar a indenização por parte do Estado a todos prejudicados com essa lei, fixou entendimento que a responsabilidade civil do Estado decorrente de uma lei inconstitucional só caberá se a lei for declarada inconstitucional pelo STF em sede de controle concentrado.

Responsabilidade Civil do Estado por Leis de Efeito Concreto

Na modalidade de responsabilidade civil do estado por lei de efeito concreto, verifica-se que tal ato se apresenta apenas formalmente como lei, pois na realidade prática trata-se de um ato administrativo que estabelece algum tipo de encargo para determinada pessoa, caso esse encargo cause dano específico, o estado responderá objetivamente por ele. Nesse sentido, o STF entendeu que as leis que introduziram planos econômicos, apesar de serem gerais, afetaram mais intensamente a Varig, por isso, responsabilizou a União. 

Outro exemplo comum ocorre com a criação de uma fundação por lei, prevendo a transferência de bens de uma pessoa jurídica (União) para outra (fundação) ou no caso de uma lei que cria reserva florestal, interferindo em propriedade privada.

Responsabilidade civil do Estado por Omissões Inconstitucionais Quanto ao Dever de Legislar

A responsabilidade civil do Estado por omissão acontece na hipótese em que o Estado devendo legislar omite-se de seu dever, gerando dano ao particular. Tal situação ocorre com certa frequência, um exemplo claro está na ação que tramita no STF em que os servidores públicos pedem que seja suprida a omissão sobre revisão de salários prevista no artigo 37, X, da Constituição Federal.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)  (Regulamento). 

Cabe ressaltar que a omissão do Estado decorrente de ato legislativo deve ser apurada conforme os critérios de responsabilidade subjetiva. Nesse sentido dispõe o STF:

(...) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença liquida de condenação a reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem (STF, MI 283/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 14.11.1991).


7.  Responsabilidade Civil do Estado por Ato do Poder Judiciário

Conforme o art. 133 do Código de Processo Civil, o juiz responderá pelas perdas e danos causados, na hipótese em que estando no exercício de suas funções, age dolosamente, inclusive com fraude, assim como quando recusa, omite ou retarda, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte. Desse modo, a responsabilidade é individual do juiz.

Contudo, se o dano for resultado de um ato culposo, o juiz será responsabilizado caso o dano uma decisão judicial proferida em processo penal (art. 5°, LXXV, da CF "o Estado indenizará o condenado por erros judiciários, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença"), já sendo no caso de decisão judicial no âmbito do processo civil, a regra é a irresponsabilidade.

Cabe ressaltar ainda, alguns casos específicos de entendimento dos tribunais superiores, como no caso em que o STF entendeu que a Decretação de prisão cautelar, que se reconheceu indevida, contra pessoa que não participou de forma alguma nem teve envolvimento com o fato criminoso, e que devido a tal prisão perdeu seu emprego, apresenta-se nitidamente como comportamento inadmissível do Estado. Portanto, neste caso, estariam presentes todos os elementos identificadores do dever estatal de reparar o dano.

O STJ, por sua vez, modificou o seu antigo entendimento, passando a adotar o posicionamento do STF no sentido de que não deve haver indenização por danos materiais ao candidato aprovado em concurso público cuja nomeação tardia tenha decorrido de decisão judicial.


8. Prescrição

Há alguns anos não havia qualquer dúvida a respeito do prazo prescricional da ação de indenização em face do Estado, tanto a doutrina quanto a jurisprudência  afirmavam que tal prazo era de 5 (cinco) anos, conforme o art. 1º do Decreto nº 20.910/32. Entretanto, o atual Código Civil, estabeleceu no seu at. 206 § 3º,V que o prazo prescricional é de 3 (três) anos. A partir de então iniciou-se uma grande controvérsia discutindo-se se o prazo permanece o de 5 (cinco) anos ou se deve se adotar o prazo de 3 (três) anos como disposto no Código Civil.

Nesse sentido, a 2ª Turma do STJ decidiu pelo prazo de 3 (três) anos, sob fundamento de que o Código Civil é posterior e que, portanto, deveria ser adotado. A 1ª Turma do STJ, por sua vez, declarou que o prazo prescricional permanece sendo de 5 (cinco) anos, visto que, norma geral (Código Civil) não revoga lei especial (Lei nº 9494/97). Foi então, que em 2012 a Seção Unificadora do STJ definiu o prazo prescricional de 5 (cinco) anos. 

Em suma,

(...) a prescrição contra a Fazenda Pública, mesmo em ações indenizatórias, rege-se pelo Decreto 20.910/1932, que disciplina que o direito à reparação econômica prescreve em cinco anos da data da lesão ao patrimônio material ou imaterial." (STJ, AgRg no REsp 1106715/PR, julgado em 3.5.2011, Dje 10.5.2011).

Cabe ressaltar que existem três casos de imprescritibilidade da ação de reparação civil do Estado, são elas: ressarcimento do erário; ressarcimento de dano ambiental e ressarcimento de danos por perseguição política, prisão e tortura no período da ditadura militar.

Ademais, o prazo começa a contar a partir da data do fato ou do ato lesivo. Contudo, caso o dano tenha sido causado por conduta tipificada no âmbito penal, o prazo será contado somente a partir do trânsito em julgado da ação penal.


CONCLUSÃO

Observa-se que, no Brasil, predomina a tese da responsabilidade do Estado por atos lesivos. Tal responsabilidade, como regra, é objetiva, fundada no risco administrativo. A doutrina e jurisprudência, no entanto, admitem, em alguns casos, a responsabilidade subjetiva, baseada na culpa administrativa.

O presente trabalho possibilitou entender como a responsabilidade civil evoluiu ao longo do tempo, especialmente, a partir das teorias adotadas pelo país. Embora, inicialmente, o Código Civil de 1916 tenha adotado a tese da culpa civil, em que o Estado respondia caso o dano fosse causado por dolo ou culpa de um funcionário público, o Estado passou a responder pelos danos cuja origem estivessem ligados a um serviço defeituoso, isto é, responsabilidade subjetiva, e por aqueles praticados por conduta comissiva ou por atividade de risco, ensejando a responsabilidade objetiva.

Percebe-se, também, que a responsabilidade por atos judiciais e jurisdicionais, no Brasil, se trata de uma exceção. Em regra, o Estado não responde pela edição de leis e pela expedição de decisões que prejudiquem alguém. Isto não significa, entretanto, ausência total de responsabilidade patrimonial. O estudo em referência propiciou a análise dessas hipóteses excepcionais, bem como em que situações a responsabilidade civil é excluída.


REFERÊNCIAS

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Bruna Sousa Mendes; SOARES, Juliana de Sousa et al. Responsabilidade civil do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4921, 21 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54662. Acesso em: 18 abr. 2024.