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Gravação da audiência cível sob a sistemática do CPC/2015: questões controversas

Gravação da audiência cível sob a sistemática do CPC/2015: questões controversas

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O artigo aborda questões polêmicas originadas a partir da interpretação do art. 367 do CPC/2015, dispositivo legal que possibilita às partes gravarem a audiência cível, independentemente de autorização judicial.

Sumário: 1 – Introdução; 2 – Supremacia constitucional e publicidade dos atos processuais; 3 – Gravação de audiência quando decretado o sigilo processual e responsabilidade pela divulgação indevida; 4 – Comunicação prévia sobre intenção de gravar a audiência e a anuência dos membros da relação processual; 5 – Considerações conclusivas; 6 – Referências bibliográficas.


1 - INTRODUÇÃO

Não é recente a discussão jurídica em torno da juridicidade da gravação de audiência por qualquer das partes (ou seus patronos) e sua possível submissão ao consentimento do magistrado. O sistema atual de redução a termo por ditado é lento e a imprecisão no registro de informações frequente, podendo conduzir a toda ordem de celeumas. Somente em 2015 a matéria foi objeto de regulamentação específica (e mais elucidativa), através do novo Código de Processo Civil. Assim prescreve a Lei Federal nº 13.105/2015:

Art. 367.  O servidor lavrará, sob ditado do juiz, termo que conterá, em resumo, o ocorrido na audiência, bem como, por extenso, os despachos, as decisões e a sentença, se proferida no ato.

(...)

§ 5o A audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio, em meio digital ou analógico, desde que assegure o rápido acesso das partes e dos órgãos julgadores, observada a legislação específica.

§ 6o A gravação a que se refere o § 5o também pode ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial.

Para Cassio Scarpinella Bueno[1], a disposição legislativa contida nos parágrafos 5º e 6º do art. 367 do CPC/2015 constitui “novidade relevantíssima” que soluciona “acesa discussão doutrinária e jurisprudencial”, admitindo-se, expressamente, a possibilidade de as próprias partes, independentemente de autorização judicial, gravarem, pelos meios referidos no § 5º, a audiência.

Não obstante a clareza da redação do §6º do art. 367, no que concerne à dispensabilidade da chancela do juiz para gravação do ato processual, o dispositivo ainda deixa em aberto questões de relevância, sendo elas:

1) sua compatibilidade com a regra de proteção da intimidade[2], em casos de decretação do sigilo processual;

2) necessidade de comunicação prévia ao juízo e aos demais integrantes da relação processual sobre a intenção de gravar a audiência;

3) fazendo-se necessária a comunicação prévia referida no item anterior, como e quando ela seria levada a cabo pela parte interessada;

4) necessidade de anuência da(s) outra(s) parte(s) envolvida(s) na relação processual e;

5) responsabilidade daquele que registra o ato em imagem e/ou em áudio quanto ao material produzido, havendo decretação de sigilo.

Observamos, de antemão, que as controvérsias em torno do registro unilateral de audiências somente se justificam porque a legislação processual civil brasileira não impôs ao Poder Público a gravação dos atos presididos pelo magistrado. Inexistindo compulsoriedade (já que a norma fixa que “a audiência poderá ser integralmente gravada em imagem e em áudio”), falta estímulo para se investir no aparelhamento tecnológico da atividade judiciária.

Em Portugal, convém pontuar, a celeuma carece de objeto. Sob o sistema lusitano constitui ônus do Judiciário proceder, invariavelmente, à gravação da audiência final (ato processual em que são colhidos depoimentos e apresentadas alegações orais pelas partes perante o juiz). Vejamos o que prescreve o CPC português sobre a matéria:

Artigo 155.º

Gravação da audiência final e documentação dos demais atos presididos pelo juiz

1 - A audiência final de ações, incidentes e procedimentos cautelares é sempre gravada, devendo apenas ser assinalados na ata o início e o termo de cada depoimento, informação, esclarecimento, requerimento e respetiva resposta, despacho, decisão e alegações orais.

2 - A gravação é efetuada em sistema sonoro, sem prejuízo de outros meios audiovisuais ou de outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor.

3 - A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato.

4 - A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.

Como bem salientou o Desembargador do TJRS Nereu José Giacomolli[3], “A modernização do Poder Judiciário passa pelo aumento da tecnologia nos procedimentos. Dentre eles, há a adoção da gravação das audiências, armazenando-se a ‘mídia’ em CDs/DVDs”.

Luís Marques dos Santos[4], já na década de 1990, ao formular um estudo comparativo entre os métodos de estenotipia e fonografia para registro de audiências, chamou atenção para as vantagens do registro fonográfico, sobretudo no que concerne aos custos para sua implementação:

O sistema de registro fonográfico não tem as desvantagens do método taquigráfico. O equipamento necessário (gravador, dois ou três microfones, fitas cassete, fios e cabos, pedestal) é infinitamente mais barato que o custo de um taquígrafo. O equipamento é investimento de capital: paga-se uma vez só (e não todo mês), por um equipamento de durabilidade muito longa. O equipamento não tira férias, nem se aposenta, sua instalação não depende de concurso. O equipamento, justamente por ser barato, pode ser conseguido junto às Prefeituras, campanhas junto à comunidade, em comodato, etc. Alguns juízes de bom grado o custeariam com seus próprios recursos (ou usariam um gravador particular), tamanhas as vantagens que resultariam da desobstrução da pauta, com o conseqüente ganho de tempo, produção e qualidade. As fitas cassete são baratas (fitas para 60 minutos são compradas a partir de R$ 0,80 cada, a preço de varejo), e podem ser custeadas pelos litigantes. Pelo alto custo e demanda de mão-de-obra especializada, a implantação da taquigrafia dependeria de um grande programa a nível de Judiciário estadual, com alto investimento e complexidade (licitação para compra das máquinas de estenotipia, lei criando cargos de estenotipistas, concurso para contratá-los, curso de treinamento, etc.). A gravação, pela sua simplicidade e economia, pode ser de imediato implantada, em qualquer Foro do país, com investimento mínimo, sem necessidade de contratações, concurso, licitação, etc.; basta a boa vontade da comunidade judiciária local (juiz, promotor, advogados, serventuários), e alguém que se disponha a fornecer um equipamento de som. (...) Há muito que algumas mentes mais esclarecidas perceberam que o sistema usualmente empregado para registro das audiências é fator de emperramento do trabalho judicial, e que poderia, com vantagens incontáveis, ser substituído pela fonografia.

Neste tema estamos, salvo iniciativas isoladas do Judiciário[5], a reboque da história. De todo modo nos parece que o art. 367 do CPC/2015 representa um avanço e se adequa ao espírito da nova lei brasileira, voltada para conceder às partes litigantes meios de fiscalização do cumprimento, por agentes públicos, das normas fundamentais do processo, de índole constitucional (v.g.: contraditório “dinâmico”, duração razoável do processo, publicidade, fundamentação idônea dos provimentos jurisdicionais, dentre outras).[6]


2 – SUPREMACIA CONSTITUCIONAL E PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS

O CPC/2015 encampou expressamente o princípio da supremacia constitucional em seu art. 1º (“O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”). Não se cogita em um Estado Democrático de Direito sem Constituição[7], documento solene que assegura os direitos e garantias fundamentais, cujas disposições são preeminentes em relação às demais normas jurídicas internas.

As normas constitucionais são dotadas de valor hierárquico absoluto, pois “encontram-se no topo do ordenamento jurídico e são incontrastáveis. Sua superioridade em relação às leis ordinárias implica o princípio da conformidade de todos os atos do Poder Público à Constituição.[8] Diante do atual estágio de desenvolvimento do constitucionalismo, não se pode mais ignorar que “O modelo constitucional do processo civil assenta-se no entendimento de que as normas e princípios constitucionais resguardam o exercício da função jurisdicional.” [9]

Conforme sustenta André Cordeiro Leal[10], “o processo constitucionalizado passa a conferir normatividade a seus princípios institutivos de maneira a vincular o julgador quando da prolatação das decisões. A atividade jurisdicional, face do poder político estatal, é, sob esse raciocínio, definida pela lei e simultaneamente limitada pelos direitos e garantias fundamentais, também frutos de normas jurídicas.

A Constituição, qualificada por Simone Goyard-Fabre como “escritura necessária do poder[11], é o documento cujas normas materializam o Estado e autorizam o exercício do poder político. Nas palavras de Paulo Bonavides, “O futuro da Constituição e da democracia reside em concretizar princípios, em reconhecer-lhes a força imperativa, em formar a convicção incontrastável e sólida de que eles legitimam os Poderes constitucionais.[12]

Ao tratar da fundamentação das decisões jurisdicionais e da publicidade que lhe serve de suporte, José Carlos Barbosa Moreira pontua o seguinte:

“No Estado de Direito, todos os poderes sujeitam-se à lei. Qualquer intromissão na esfera jurídica das pessoas deve, por isso mesmo, justificar-se, o que caracteriza o Estado de Direito como ‘rechtsfertigender Staat’, como ‘Estado que se justifica’.”[13]

Atento, justamente, à necessária justificação dos atos processuais perante o povo, determinou o Constituinte brasileiro, no art. 93, IX, da CR/88:

Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; 

O dispositivo constitucional define a publicidade como regra e a excepcional restrição de divulgação dos atos às partes e a seus advogados, ou somente aos advogados, sendo a hipótese restritiva voltada para coibir o chamado streptus judicii, ou escândalo derivado do processo. Nos casos em que a intimidade das partes ou de terceiros esteja ameaçada (CPC/2015, art. 189) cabe ao juiz afastar a ampla publicidade do feito, mediante decisão fundamentada. Sobre a relevância do princípio constitucional da publicidade pondera a melhor doutrina que

“A preocupação com a publicidade dos atos processuais é, nessa primeira dimensão, uma ferramenta de garantia contra o arbítrio no exercício do poder do Estado. Não por acaso a doutrina lembra que a publicidade no processo civil pode ser considerada uma das grandes conquistas da revolução francesa, retomando a preocupação com uma exigência que se fazia presente já nos tempos primitivos do direito romano, que sofreu relativização no período pós-clássico e que acabou sendo descartada no direito canônico. Tem-se, pois, que a exigência de publicidade dos atos processuais é uma conquista com sabor histórico, e que, por tal natureza, impõe atenção para a exigência de proibição de retrocesso. Da mesma forma, vê-se na exigência de publicidade dos atos processuais a preocupação em admoestar à coletividade a respeito da necessidade de respeito à lei, a quem se garante a possibilidade de fiscalização em relação à distribuição de justiça. (...) Destaque deve ser dado, de outra banda, à função educativa associada à imposição de publicidade dos atos processuais, permitindo “a divulgação de ideias, incentivo ao interesse pela justiça e à elevação da confiança das pessoas no Poder Judiciário.” [14]

A partir da lição histórica e doutrinária exsurgem cinco funções básicas da publicidade dos atos processuais (da qual decorre a possibilidade de gravação de audiências):

  1.  Coibir o arbítrio estatal (ou alguma espécie de justiça secreta); [15]
  2.  Contribuir para a duração razoável do processo;[16]
  3. Reforçar a legitimidade e a confiança sobre a atividade judicante;
  4. Incentivar a obediência à legalidade;
  5. Exercer função pedagógica sobre a atividade judicante e seus desdobramentos;[17]

Encerrando este tópico, vale destacar que a publicidade processual é também elemento viabilizador de proteção do próprio magistrado contra possíveis alegações de inidoneidade acerca das suas atividades (outro motivo pelo qual a lei brasileira deveria impor ao Judiciário a gravação de todas as audiências presididas por juiz, nos moldes do CPC Português, anteriormente citado). Esta faceta da garantia fundamental é bem lembrada por Luis Alberto Reichelt. Segundo o professor gaúcho[18]O respeito à publicidade dos atos processuais serve, ainda, como medida capaz de assegurar ao magistrado condições para que possa restar livre de maledicências ou suspeitas em relação ao seu agir.


3 – GRAVAÇÃO DE AUDIÊNCIA QUANDO DECRETADO O SIGILO PROCESSUAL E RESPONSABILIDADE PELA DIVULGAÇÃO INDEVIDA

Parece não existir dúvida, ante os argumentos até aqui apresentados, de que as regras previstas no art. 367, parágrafos 5º e 6º, do CPC/2015, constituem desdobramento lógico do disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal. Neste ponto é salutar relembrar a lição de Pontes de Miranda[19], para quem

“a publicidade das audiências prende-se à necessidade de serem fiscalizadas pelo público, como que autenticadas pelo fato de qualquer pessoa poder assistir a elas. À medida que a civilização dá garantias espontâneas da lisura dos juízes, perde de importância, de modo que constitui falta do juiz, punível conforme a lei e não causa de nulidade do ato, exceto regra legal que o exija na espécie”.

Entendemos que a redação atual do CPC não trouxe verdadeira novidade para o direito positivo nacional. Se partirmos do pressuposto que a norma contida no art. 367, §6º, do CPC/2015, é consectário do art. 93, IX, da Constituição Federal, a atitude do legislador foi meramente regulamentadora de um desdobramento (processual) do direito fundamental à publicidade. E mais: sustenta-se que o art. 417 do CPC/73 (“O depoimento, datilografado ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores, facultando-se às partes a sua gravação.”) já trazia autorização implícita para a gravação.[20]

A própria redação do citado art. 93, IX, responde à primeira dúvida suscitada na introdução deste texto: em hipótese alguma o sigilo decretado em um processo pode alcançar a pessoa do advogado ou do defensor público. E o disposto no art. 189, §1º, do CPC/2015, reforça nosso argumento (“O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores.”).

No âmbito do Direito Processual Penal, esclarece Maurício Zanoide de Moraes, citado em estudo elaborado pela Associação dos Advogados do Estado de São Paulo[21], que a publicidade pode ser dividida em duas categorias, quais sejam a interna e a externa. A primeira atinge os protagonistas da persecução penal. A segunda importa trazer terceiros estranhos à demanda para a possibilidade de tomar conhecimento sobre o processado. É somente a publicidade externa que deve ser restringida por motivo de proteção à intimidade das pessoas envolvidas, ou para assegurar a eficiência da atividade estatal, nas duas fases da persecução penal (investigativa e processual).[22]

Idêntico o raciocínio a ser feito na esfera processual civil. O comando constitucional referido (art. 93, IX) vincula todos aqueles que de qualquer forma participaram do processo, os quais devem, então, havendo ameaça à intimidade de alguma das partes, manter segredo sobre as informações obtidas no feito. O desrespeito ao ônus de preservação do sigilo caracteriza crime, nos termos do que dispõe o art. 10 da Lei Federal nº 9.296/1996, in verbis:

Constitui crime realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.

Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

A responsabilidade da pessoa que divulga segredo processual não se restringe ao âmbito criminal. O Código Civil Brasileiro é claro ao prescrever que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” (Art. 927).

Na esfera administrativa, a Resolução nº 02/2015 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que regula o Código de Ética e Disciplina da OAB, assim dispõe sobre o sigilo profissional do advogado:

Art. 35. O advogado tem o dever de guardar sigilo dos fatos de que tome conhecimento no exercício da profissão.

Parágrafo único. O sigilo profissional abrange os fatos de que o advogado tenha tido conhecimento em virtude de funções desempenhadas na Ordem dos Advogados do Brasil.

Art. 36. O sigilo profissional é de ordem pública, independendo de solicitação de reserva que lhe seja feita pelo cliente.

§ 1º Presumem-se confidenciais as comunicações de qualquer natureza entre advogado e cliente.

§ 2º O advogado, quando no exercício das funções de mediador, conciliador e árbitro, se submete às regras de sigilo profissional.

A Lei Complementar Estadual nº 65/2003, que cuida da organização da Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, ao tratar da responsabilidade administrativa do membro da instituição, traz o seguinte comando:

Art. 95 – A pena de demissão será aplicada ao membro da Defensoria Pública quando houver reincidência em falta punida com suspensão ou remoção compulsória e nas seguintes hipóteses, entre outras previstas em lei:

(...)

VI – revelação de assunto de caráter sigiloso que conheça em razão do cargo;

A obediência ao sigilo profissional foi também objeto de regulamentação pelo Código de Ética da Magistratura Nacional, a saber:

Art. 27. O magistrado tem o dever de guardar absoluta reserva, na vida pública e privada, sobre dados ou fatos pessoais de que haja tomado conhecimento no exercício de sua atividade.

As considerações tecidas até aqui elucidam as indagações de número um e cinco formuladas na parte introdutória deste artigo, inerentes à gravação de audiência em feitos declarados sigilosos e à responsabilidade criminal, civil e administrativa, decorrente da divulgação ilícita dos fatos resguardados pelo sigilo.


4 – COMUNICAÇÃO PRÉVIA SOBRE INTENÇÃO DE GRAVAR A AUDIÊNCIA E A ANUÊNCIA DOS MEMBROS DA RELAÇÃO PROCESSUAL

Passemos à segunda questão levantada na introdução deste ensaio, referente à necessidade de comunicação prévia ao juízo e aos demais integrantes da relação processual sobre a intenção de gravar unilateralmente a audiência. Sobre o ponto, vejamos a lição de Fredie Didier Júnior, et al[23]:

“Essa gravação também poderá ser realizada diretamente por qualquer das partes, independentemente de autorização judicial. Nesse caso, ainda que não haja necessidade de autorização judicial, a parte deve informar a todos os participantes da audiência que procederá à gravação: essa é uma exigência ética que decorre do princípio da boa-fé e do princípio da cooperação (arts. 5º e 6º do CPC).”

Traduzindo esforço legislativo para concretização da efetividade processual, o novo CPC encampou expressamente a boa-fé processual (“Art. 5o. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”) e o princípio da cooperação (“Art. 6o. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”), este último um postulado há muito introduzido no Código de Processo Civil português (art. 7º), cujas diretrizes são destinadas aos juízes e às partes com a finalidade de se obter, “com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.

Em princípio parece louvável, do ponto de vista da lealdade e da transparência, que todas as pessoas que participam da audiência tenham pleno conhecimento de que o ato processual está sendo gravado em imagem e/ou em áudio. Assentindo com tal posicionamento doutrinário, cabe indagar: como e quando a parte interessada realizaria a comunicação?

Teríamos a via do simples peticionamento pela parte interessada, em momento procedimental anterior à audiência, ou durante a abertura do próprio ato, in loco.

Dois complicadores poderiam advir da comunicação prévia, em ambas as hipóteses. De um lado, a impugnação pela parte contrária. E aqui não importa conjecturar sobre a idoneidade do fundamento invocado para tanto. Sendo impugnada a pretensão, caberá ao juiz a última palavra sobre o ato de gravação unilateral.

Ou, sob outro prisma, o magistrado, supondo (erroneamente) tratar-se a prerrogativa de simples faculdade (sujeita, nesses termos, ao seu arbítrio), poderia indeferir oficiosamente a gravação.

A decisão de indeferimento da gravação não seria impugnável por meio de agravo de instrumento, já que ela não se enquadra no rol exaustivo do art. 1.015 do CPC/2015 (lembrando que o agravo retido foi extinto). Restaria ao interessado, havendo risco premente de dano, impetração de mandado de segurança ou ajuizamento de correição parcial, com todas as conhecidas dificuldades inerentes a tais instrumentos (Súmula 267 do STF e requisitos específicos para manejo da correição parcial, segundo regimentos dos Tribunais estaduais e federais, por exemplo).

Percebe-se, a partir de formulações hipotéticas singelas, que o zelo pela boa-fé e pela cooperação processual – na esteira da citada lição doutrinária – teria o condão de desencadear uma multiplicidade de fatos processuais passíveis de discussão (em graus distintos de jurisdição, inclusive), contribuindo, ao fim e ao cabo, para retardar consideravelmente a prestação jurisdicional. Inegável o contrassenso, na medida em que os citados princípios processuais (boa-fé e cooperação) existem para viabilizar a efetividade do processo, calcada justamente na sua duração razoável (cabe notar que o postulado previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal é apontado por Humberto Theodoro Júnior como subprincípio do devido processo legal).[24]

Sem prejuízo dos inconvenientes práticos salientados, a comunicação prévia poderia ainda comprometer a finalidade precípua da gravação unilateral da audiência, qual seja, o afastamento do arbítrio estatal. Explicamos: o tradicional e “pré-histórico” sistema da redução a termo por ditado não apenas contribui para atrasar a coleta da prova, mas, permite que se faça registrar versão fática dissonante da apresentada pela testemunha, dificultando sobremaneira a sustentação da matéria em grau recursal, pela parte prejudicada.

Se, porventura, a gravação for destinada a coibir tal comportamento, o elemento surpresa parece-nos indispensável. É pouco plausível que o magistrado, uma vez comunicado sobre a intenção de gravar o ato, mantenha o proceder arbitrário. Tal constatação nos remete à dúvida sobre a necessidade de anuência da(s) outra(s) parte(s) envolvida(s) na relação processual para registro da audiência pelo interessado. A resposta, aqui, só pode ser negativa.[25]

Em primeiro lugar, o dispositivo que franqueia a gravação (art. 367, 6º, do CPC/2015) constitui, segundo sublinhado, consectário de uma garantia processual de índole constitucional. Lidamos com um direito público subjetivo, portanto.

Em segundo lugar, ao juiz compete dirigir o processo e exercer poder de polícia, “requisitando, quando necessário, força policial, além da segurança interna dos fóruns e tribunais”. (art. 139, VII, CPC/2015).

Ora, se, por força da lei, a gravação da audiência independe da anuência do magistrado (esteja ou não o processo acobertado pelo manto do sigilo, conforme analisado anteriormente), seria incongruente solicitar permissão à parte contrária – que não controla a regularidade processual (via poder de polícia) – para exercer um direito subjetivo.

Registramos, ao cabo, que a gravação unilateral da audiência pode beneficiar não somente quem executa a medida, mas a(s) parte(s) contrária(s) e o próprio juiz.


5 – CONSIDERAÇÕES CONCLUSIVAS

A partir do raciocínio exposto neste ensaio, ressaltam, como principais, as seguintes conclusões:

1) O novo CPC é regido expressamente pelas normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil (art. 1º). A publicidade processual (CR/88, art. 93, IX) impôs ao Estado o dever de se justificar e, nesse sentido, a disposição contida nos parágrafos 5º e 6º do art. 367 do CPC/2015 traduz a consequência, no plano legal, de um postulado hierarquicamente superior;

2) A interpretação literal do art. 93, IX, da Constituição Federal, elimina qualquer possibilidade de extensão do sigilo processual (porventura decretado pelo juiz) às partes e/ou aos seus procuradores. Nesses termos, a gravação unilateral da audiência pelo defensor público ou pelo advogado constitui exercício de um direito público subjetivo e meio eficaz de coibir o registro inexato de informações obtidas na instrução processual;

3) Se, de um lado, os procuradores possuem amplo acesso às informações extraídas do processo, não apenas eles, mas todos os demais integrantes do Sistema de Justiça (juízes, membros do Ministério Público e servidores) possuem o dever de não divulgar dados sigilosos, sob pena de caracterização de ilícito civil, criminal e administrativo;

4) Sob o ponto de vista da lealdade e da transparência (boa-fé e cooperação processual), é pertinente que o patrono da parte informe aos demais integrantes da relação processual sobre a intenção de gravar a audiência. Contudo, se a gravação unilateral tiver como escopo afastar conduta antijurídica praticada pelo juiz ou por outrem, a comunicação prévia poderá tornar inócua a medida;

5) De acordo com a lei, a gravação realizada diretamente por qualquer das partes independe de autorização judicial. Sendo o magistrado responsável pelo exercício do poder de polícia em audiência, afigurar-se-ia contraditório submeter o pleito de gravação do ato ao crivo da(s) parte(s) contrária(s);

6) A substituição do atual sistema de colheita de informações em audiência (redução a termo por ditado) pelo sistema de gravação audiovisual (ou outro método semelhante) não implicaria dispêndio público elevado e teria impacto direto na celeridade processual, na medida em que tornaria fluido, ininterrupto e espontâneo o recolhimento de prova oral pelo juízo;

7) O novo Código de Processo Civil não traz imposição legal, dirigida ao Judiciário, de gravação dos atos presididos pelo magistrado. A adoção de um modelo semelhante ao previsto no art. 155 do CPC português impulsionaria, a nosso ver, o investimento na modernização logística do procedimento e eliminaria as principais dúvidas que pairam em torno da aplicação do §6º do art. 367 do CPC/2015.


6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

[1] BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 270.

[2] A regra que excepciona a publicidade processual está prevista no art. 189 do CPC/2015, in verbis: Os atos processuais são públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos: I - em que o exija o interesse público ou social; II - que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; III - em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; IV - que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo. § 1o O direito de consultar os autos de processo que tramite em segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às partes e aos seus procuradores.

[3] TJRS, habeas corpus nº 70059391953, Terceira Câmara Criminal, j. 8.5.2014.

[4] SANTOS, Alberto Luís Marques dos. O registro fonográfico das audiências e o novo texto do art. 170 do CPC. Revista dos Tribunais. São Paulo, vol. 715/1995, p. 19.

[5] No ano de 1995 Luís Marques dos Santos informou que “No Rio Grande do Sul, Estado pioneiro em tantas iniciativas de modernização do Judiciário, o registro fonográfico das audiências criminais é cotidianamente empregado, há mais de quatro anos, nas duas Varas do Júri de Porto Alegre. Os depoimentos são gravados, e a transcrição é feita depois, em Cartório, e apresentada em 48 horas aos interessados. A testemunha assina apenas o termo de audiência; o termo de transcrição é assinado apenas pelo escrivão, e encerrado por certidão de fidelidade da tradução. A experiência relatada pelos profissionais daquelas Varas dá conta do incontestável sucesso desse sistema. Como o CPP (LGL\1941\8), em sua redação atual, não dá permissão expressa para a utilização da gravação magnética, o registro é precedido de consulta às partes sobre sua anuência. Em mais de quatro anos de adoção do método, nenhuma impugnação ou objeção ao emprego da gravação foi registrada, nunca um Promotor ou advogado negou sua anuência ao emprego da gravação, e nenhuma transcrição datilográfica foi, até hoje, impugnada. Demonstração de que o MP e os advogados, desde o primeiro contato, percebem as inumeráveis vantagens do sistema fonográfico sobre o tradicional e "pré-histórico" sistema da redução a termo por ditado.” (SANTOS, Alberto Luís Marques dos. O registro fonográfico das audiências e o novo texto do art. 170 do CPC. Revista dos Tribunais. São Paulo, vol. 715/1995, p. 20)

[6]A possibilidade de gravação de audiências em meio digital, por exemplo, faz com que seja derrubado um dos maiores obstáculos tradicionalmente associados à possibilidade de reexame em relação à valoração da prova em âmbito recursal, qual seja o argumento de que a inexistência de imediatidade do órgão recursal em relação à prova oral tornaria pouco recomendável fosse afastada a conclusão trazida pelo julgador de primeira instância. Ora, sob o pálio dos novos recursos tecnológicos, o julgador responsável pela análise de um agravo de instrumento ou de uma apelação (ou, ainda, de um recurso especial!) acaba tendo ao seu dispor toda a informação necessária para poder enfrentar o questionamento trazido pela parte em relação à correção ou não da valoração da prova estabelecida pelo juízo a quo. Por mais que a função dos tribunais superiores acabe sofrendo transformação em função do papel que se queira a elas atribuir ao longo do tempo, o fato é que nem mesmo perante tais órgãos haveria razão a justificar a proibição ao enfrentamento mais detido em sede de valoração da prova.” (REICHELT, Luis Alberto. Sistemática recursal, direito ao processo justo e o novo Código de Processo Civil: os desafios deixados pelo legislador ao intérprete. Revista de Processo. São Paulo, vol. 244/2015, p. 20).

[7] “O Estado contemporâneo se organiza e se rege por uma Constituição, dentro de uma estruturação jurídica que lhe permite a criação de órgãos para o desempenho de suas funções essenciais, que não são soberanos, pois é o Estado que detém a soberania em nome do povo, sem a qual lhe faltaria o poder de criação e de aplicação das normas que edita para composição do seu ordenamento jurídico, o qual lhe serve de diretriz obrigatória no desempenho de quaisquer de suas funções.(CARVALHO DIAS, Ronaldo Brêtas de. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, p. 216).

[8] VARGAS, José Cirilo de. Direitos e garantias individuais no processo penal, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 52.

[9] BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo constitucional. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 93, n. 337, jan./mar. 1997, p. 107.

[10] LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das decisões. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 40. Trata-se da ‘função normativa própria’ ou ‘normogenética’ exercida pelos princípios, função esta “compreendida como informadora ou de fundamentação do ordenamento jurídico em toda sua extensão. (...) A partir dessa concepção teórica, tem-se o reconhecimento doutrinário da sua natureza normativa própria com força vinculante e não apenas simples enunciado programático.” (CARVALHO DIAS, Ronaldo Brêtas de. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional, p. 122).

[11] GOYARD-FABRE, Simone. Les principes philosophiques du droit politique moderne, p. 78, apud CARVALHO DIAS, Ronaldo Brêtas de. Responsabilidade do Estado pela função jurisdicional, p. 99.

[12] BONAVIDES, Paulo. Senado Federal e STF: queda e ascensão. Folha de S. Paulo. 26 out. 2007. Caderno 1, p. 3.

[13] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A motivação das decisões judiciais como garantia inerente ao estado de direito. In: Temas de direito processual: segunda série, 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 89.

[14] REICHELT, Luis Alberto. A exigência de publicidade dos atos processuais na perspectiva do direito ao processo justo. Revista de Processo. São Paulo, vol. 234/2014, p. 80.

[15] Para o Professor Luis Alberto Reichelt “é possível identificar a opção da Constituição Federal por uma via semelhante à percorrida pela Corte Europeia de Direitos Humanos ao estabelecer que a publicidade dos debates em juízo se constitui em um princípio fundamental que protege os jurisdicionados contra uma justiça secreta, atuando fora das possibilidades de controle pelo público. Essa configuração da atuação do Poder Judiciário é vista como meio hábil a contribuir para a preservação da confiança nas cortes e tribunais, permitindo a construção de um modelo de processo justo. Essa diretriz pode ser vista, ainda, em outros documentos internacionais fundamentais, como o Pacto Internacional relativo aos Direitos Civis e Políticos, de 19 de dezembro de 1966 (art. 14, § 1), a Convenção Europeia de Direitos Humanos (art. 6.º § 1), a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (arts. 8.º e 10) e o Pacto de San José da Costa Rica (art. 8.º, § 1.º)”. (A exigência de publicidade dos atos processuais na perspectiva do direito ao processo justo. Revista de Processo. São Paulo, vol. 234/2014, p. 79).

[16] Afirma o juiz português Artur Cordeiro que “Em todo o caso, a gravação revela-se, quase sempre, a melhor forma de documentação, especialmente no que toca aos actos de instrução do processo (ao nível da recolha da prova), propiciando a sempre desejada celeridade (o processo de recolha é fluido, sem interrupções e sem quebra de espontaneidade) e, primordialmente, a necessária fidedignidade (permitindo a total percepção do que é dito, do modo como é dito e das circunstâncias em que é dito, obstando ainda à invocação de desconformidades entre o que é dito e o que fica escrito).” (PORTUGAL, Centro de Estudos Judiciários. Caderno 1 – O novo Processo Civil: contributos da doutrina para a compreensão do novo código de processo civil. Lisboa, dezembro/2013, 2ª ed, p. 302.

[17] A função pedagógica da publicização dos atos processuais parece ser a tônica motivadora da atividade desempenhada pela TV Justiça, canal de televisão do Judiciário Brasileiro e administrado pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo estudo promovido pela Associação dos Advogados do Estado de São Paulo (AASP), “alastra-se a prática de gravações oficiais de sessões de julgamento, inclusive com transmissão para o grande público, seja pela televisão, seja   pela Internet, como no caso das sessões de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), veiculadas pela TV Justiça, ou as gravações, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de todos os seus julgamentos. Medidas semelhantes estão sendo adotadas sponte propria por diversos Tribunais, em todo o país, no sentido de se aparelharem para proceder à gravação de audiências, visando a garantir não apenas a celeridade do processo, mas também a fidelidade do registro dos atos processuais e a inegável economia de recursos materiais e humanos que pode resultar da dispensa da transcrição em papel e seu consequente armazenamento”. (Associação dos Advogados do Estado de São Paulo. Gravação de audiência e o art. 417 do código de processo civil. São Paulo, Nov./2010, p. 8, disponível em: http://www.aasp.org.br, acesso em 9.9.2016).

[18] REICHELT, Luis Alberto. A exigência de publicidade dos atos processuais na perspectiva do direito ao processo justo. Revista de Processo. São Paulo, vol. 234/2014, p. 80.

[19] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. 4. ed. rev. e aum., com atualização legislativa de Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 1997. t. III, p. 51.

[20] Colacionamos, para ilustrar o argumento, duas ementas de julgamentos realizados pelo Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, anteriores à vigência da Lei Federal nº 13.105/2015, in verbis: “GRAVAÇÃO DE AUDIÊNCIAS PELO ADVOGADO POSSIBILIDADE LEGAL E ÉTICA. Não há infração ética por parte do advogado que grava audiência, independentemente de autorização ou prévia comunicação, mesmo nos processos que tramitam sob segredo de justiça. É lícita a gravação de audiência feita por advogado devidamente constituído nos autos a qual poderá ser devidamente utilizada para exercício do direito constitucional da ampla defesa a fim de confrontar eventuais erros na transcrição e comprovar a existência de equívocos. Importante ressaltar que a divulgação e utilização indevidas de tais gravações podem configurar infração ética e, em alguns casos, crime. Por fim, também é considerada lícita a gravação realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. v.u., em 15/10/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. Sylas Kok. Rev. Dr. João Luiz Lopes – Presidente Dr. Carlos José Santos Da Silva.” (Ementa aprovada pela Primeira Turma de Ética Profissional do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo – 588ª Sessão de 15 de outubro de 2015.) “ADVOGADO. GRAVAÇÃO DE DEPOIMENTO EM AUDIÊNCIA. DESNECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO. PRERROGATIVA PROFISSIONAL. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE E DO LIVRE EXERCÍCIO DA PROFISSÃO. LEALDADE PROCESSUAL E SIGILO QUE DEVEM SER OBSERVADOS PELO ADVOGADO. O advogado pode documentar, para posterior consulta, os depoimentos prestados em audiência, mediante equipamentos de gravação próprios. Para tanto, não há necessidade de prévio requerimento. Em observância à lealdade processual, a gravação deve ser ostensiva.” (Número do Acórdão: 211. Processo nº: 3914/2011. Relatora Vanessa Dias Simas Scholz, j. 05.10.2012.)

[21] MORAES, Maurício Zanoide de. Publicidade e proporcionalidade na persecução penal brasileira. In: FERNANDES, Antonio Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião de; MORAES, Maurício Zanoide de (Coords.). Sigilo no processo penal: eficiência e garantismo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 43 apud Associação dos Advogados do Estado de São Paulo. Gravação de audiência e o art. 417 do código de processo civil. São Paulo, Novembro/2010, p. 12, disponível em: http://www.aasp.org.br, acesso em 9.9.2016.

[22] Associação dos Advogados do Estado de São Paulo. Gravação de audiência e o art. 417 do código de processo civil. São Paulo, Novembro/2010, p. 12, disponível em: http://www.aasp.org.br, acesso em 9.9.2016.

[23] DIDIER JR., Fredie, BRAGA, Paula Sarno e OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 2., p. 32.

[24] O professor aposentado da UFMG faz interessante ponderação sobre a duração razoável do processo: “É de observar que a duração razoável não foi propriamente introduzida em nosso processo pela Emenda Constitucional nº 45. Já havia um consenso de que sempre esteve implícita na garantia do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV). Isto porque não se pode recusar à economia processual, em si mesma, a categoria de um dos princípios fundamentais do moderno processo civil, e, assim, a garantia de duração razoável do processo já seria uma garantia fundamental originariamente consagrada pela Constituição de 1988. Com efeito, por força do § 2º de seu art. 5º, os direitos e garantias fundamentais não são apenas os expressos nos diversos incisos daquela declaração, mas incluem, também, “outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. (...) Além disso, e ainda por força do mesmo § 2º do art. 5º da Constituição, a garantia de duração razoável do processo já estava incorporada ao ordenamento positivo brasileiro, porque figurava entre os direitos do homem previstos no Pacto de São José da Costa Rica, subscrito pelo Brasil (Dec. 678/1992) antes da Emenda Constitucional nº 45/2004.” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Direito fundamental à duração razoável do processo. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. Porto Alegre, v. 29, p. 83, mar/abr. 2009, p. 93).

[25] Cumpre registrar que a gravação unilateral de audiência pelo procurador da parte, mesmo em se tratando de conduta não comunicada previamente aos demais participantes do ato, não configura prova ilícita. A propósito do tema, já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o RExt. nº 583.937/RJ (sob a sistemática do art. 543 - B, §3º do CPC/73), com a expedição da seguinte ementa: “Prova. Gravação ambiental. Realização por um dos interlocutores sem conhecimento do outro. Validade. Jurisprudência reafirmada. Repercussão geral reconhecida. Recurso extraordinário provido. Aplicação do art. 543 - B, § 3º, do CPC. É lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.”


Autor

  • Cirilo Augusto Vargas

    Defensor Público do Estado de Minas Gerais. Mestre em Direito Processual Civil pela UFMG. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela PUC-MINAS. Ex-integrante do Projeto das Nações Unidas para Fortalecimento do Sistema de Justiça de Timor-Leste. Exerceu as funções de clerk perante a Suprema Corte do Estado do Alabama/EUA e de Defensor Público visitante perante a Defensoria Pública Federal do Estado do Alabama/EUA.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VARGAS, Cirilo Augusto. Gravação da audiência cível sob a sistemática do CPC/2015: questões controversas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4991, 1 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55445. Acesso em: 23 abr. 2024.