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As teorias da pena e sua evolução histórica

As teorias da pena e sua evolução histórica

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O presente artigo tem por finalidade analisar a evolução das penas desde os tempos da mitologia grega até o vigente Código Penal e ponderar acerca das teorias penais quais sejam, a teoria absoluta, a relativa, a unitária e seus desdobramentos.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho se propõe a analisar a evolução histórica das penas desde as sociedades primitivas, nas quais foi necessária a criação de regras de convivência e consequentemente para aqueles que as violassem, foram instituídas as penas, até o clássico modelo considerado atualmente, a aplicação da pena privativa de liberdade.

Ainda nesse contexto, brevemente serão demonstradas as finalidades das penas conforme os tempos, desde a mitologia grega, enfatizando o período do notável Código de Hamurabi, fase predominante da vingança privada, passando pelos hebreus, partidários de um direito religioso, e demonstrando também alguns povos e comunidades que aderiam a morte como pena.

Após o período da vingança divina, a punição passou a ser de responsabilidade do Estado, advinda a pena, agora, de uma aplicação impessoal pelo órgão responsável. Após décadas de execução das sanções que conservavam uma natureza desumana, ocorreu o chamado Período Humanitário do Direito Penal, consagrando sua importância, foi publicada a obra “Dos Delitos e Das Penas” do renomado jurista italiano Cesare Beccaria, que foi o ícone da expressão liberal ao cenário desumano das penas vigentes anteriormente.Nesse viés, instigado pelo pensamento positivista, decorre o Período Criminológico que teve como expoente Cesare Lombroso, afirmando a existência de um criminoso nato.

A pena é sem dúvida o ponto de chega e a própria partida do direito penal e no decorrer da evolução deste direito foram expandidas diferentes teorias que buscaram legitimar a intervenção estatal. Sobre isso, são encontradas controvérsias entre filósofos e doutrinadores, no entanto, tal questão é digna de discussão, uma vez que acaba por definir o papel de todo o sistema criminal.

A teoria absoluta, na qual a sanção se fundamenta no delito praticado, havendo a compensação do mal que foi causado pelo crime. A teoria relativa, que se respalda na ideia de evitar a ocorrência de novos delitos, subdivida em prevenção geral e prevenção especial, ambas com caráter positivo e negativo; e a teoria unitária, que faz jus ao nome e prevalece atualmente, a qual prevê a punição, mas também a ressocialização do indivíduo criminoso com intuito de prevenção de outros crimes.

Irrefutável é dizer que como o homem, também o Direito Penal e, consequentemente, as penas evoluíram, outrora como forma de vingança privada, intervenção divina, e ora, até nos dias atuais, como prerrogativa provida ao Estado cuja função é aplicá-lo. O tema remonta a corajosa assertiva de Ferrajoli: “A história das penas é, sem dúvida, mais horrenda e infamante para a humanidade do que a própria história dos delitos...”


1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS PENAS

Os homens que pertenciam à sociedade que nos primórdios da humanidade era baseada na colaboração e na propriedade coletiva foram necessários se agruparem e viverem em comunidade, e constantemente, violavam as regras de convivência, lesando seus próximos e, por vezes, a comunidade onde pertenciam. Mas, para que fossem garantidos seus interesses e também os de seu grupo, interesses estes que culminavam em conflitos originados da competição e ambição inerentes do instinto humano, tornou-se necessário a instituição da propriedade privada, bem como a necessidade de defender os direitos individuais, não mais coletivos.

Neste sentido, Oswaldo Henrique Duek Marques alude:

[...] O homem primitivo encontrava-se muito ligado a sua comunidade, pois fora dela sentia-se desprotegido, à mercê dos perigos imaginários. Essa ligação refletia-se na organização jurídica primitiva, baseada no chamado vinculo de sangue, representado pela recíproca tutela daqueles que possuíam descendência comum. Dele originava-se a chamada vingança do sangue. (MARQUES, 2008, p. 9-10).

No entanto, para ser possível a convivência harmoniosa da sociedade civil da época, foi necessária a criação de normas e regras de convivência social e então, para aqueles que as infringirem, se deu o surgimento da pena.

O penalista austríaco Franz Von Liszt (apud OLIVEIRA, 2011, p. 122) afirma que a pena, desde suas origens históricas, foi uma reação social contra algum membro da sociedade que colocou em perigo os interesses da comunidade quando transgrediu as suas regras de convivência.

Nos tempos da mitologia grega, época de grande influência do misticismo,e antes ainda das teses cristãs,quando os súditos descumpriam uma ordem, as sanções eram determinadas por reis ou então estabelecidas por algum deus, servindo como vingança a uma ação contrária à sua vontade.

Diante disso, vale ressaltar o Código de Manu - coleção de livros bramânicos da antiga filosofia religiosa indiana - e o famoso Código de Hamurabi – com destaque para sua Lei de Talião, “olho por olho, dente por dente” em que previa uma justa reciprocidade do crime e da pena além de uma proporcionalidade, mesmo que formal, ao tratamento entre autor e réu, segundo um critério quase matemático - os quais foram legislações ainda que antecessoras do cristianismo e caracterizadas por basearem num sentimento de vingança privada, atingindo todas as pessoas pertencentes ao grupo do infrator, na qual a justiça era feita pelas próprias mãos.

Isto é, o indivíduo delinquente era castigado pela vítima, pelos familiares e até mesmo pelo seu grupo social, sendo a pena distinta caso o infrator fosse membro da tribo ou estranho a ela, nesse último caso ocorria a “vingança de sangue”, concebida como uma obrigação religiosa e sagrada.A virtude da Lei de Talião era sua simplicidade, pelo fato de sintetizar o Código Penal: o réu sofrerá o mal que tem feito sofrer (BENTHAN, 1943, p. 49).

Logo depois da vingança privada, o apenado estava apto para adquirir sua liberdade mediante pagamento através de bens materiais, era a fase denominada de composição, admitida no Código de Hamurabi, no Pentateuco e no Código de Manu e considerada como um antigo pretexto da indenização, do Direito Civil, e da multa, no Direito Penal, utilizados hoje.

O princípio básico da restituição era estabelecido para o povo Hitita em seu Código, que incluía penas suaves e sem crueldades como havia no Código Babilônico, com exceção nos casos de estupro e bestialismo (obrigatoriamente se aplicava a pena de morte).

A obra clássica de Tomás de Aquino, “Suma Teológica”, resguarda a utilização da pena de morte, uma vez que, para o filósofo, a pena em questão evitava a contaminação de outros indivíduos pelo mau comportamento do condenado:

[...] é louvável e salutar a amputação de um membro gangrenado, causa da corrupção dos outros membros. Ora, cada indivíduo está para toda a comunidade como a parte, para o todo. Portanto, é louvável e salutar, para a conservação do bem comum, por à morte aquele que se tornar perigoso para a comunidade e causa de perdição para ela; pois, como diz o Apóstolo, um pouco de fermento corrompe toda a massa. (AQUINO, 2001).

Os hebreus, em meados de 1300 a.C., eram partidáriosde um direito religioso, o qual a justiça era dada por Deus ao seu povo. Algumas das penas aplicadas na época era a lapidação, a morte pelo fogo, a decapitação, a prisão e a excomunhão. No direito deles,os acusados por delitos tinham tratamento jurídico com certa igualdade quanto às condições sociais, políticas ou religiosas.

O faraó, no Egito Antigo (1200 a.C.), era o responsável pela elaboração das leis, e como pena, a de morte era aplicada de diversas maneiras, por estrangulamento, com o uso de crocodilos, embalsamento em vida, dentre outras.

Na Grécia,semelhantemente, a pena dita e rotulada como referência era a morte, imposta inclusive de forma diferente para os cidadãos gregos e para os escravos, no entanto, eram distintos os sistemas penais cominados nas diversas cidades.

Em tempos posteriores, as Ordenações Filipinas, em Portugal, meados de 1580, refazendo a anciã Ordenação Manuelina com alento no Código Justiniano, essa vigente no período romano, havia penas de significante teor punitivo, como diz René:

As Ordenações Filipinas não passavam de um acervo de leis desconexas, ditadas em tempos remotos, sem conhecimento dos verdadeiros princípios e influenciadas pela superstição e prejuízos, igualando as de Drácon na barbárie, excedendo-se na qualificação obscura dos crimes, irrogando penas a faltas que a razão humana nega a existência e outras que estão fora do poder civil. (DOTTI, 2003, p. 288).

Contudo, conforme Julio Fabbrini Mirabete e Renato Fabbrini:

No meio de tanta insensibilidade humana, porem, já pregava a idéia de que se deveria atribuir à pena finalidades superiores, como a defesa do Estado, a prevenção geral e a correção do delinquente e, na Grécia Clássica, entre os sofistas, surgiu uma concepção pedagógica da pena.”(MIRABETE; FABBRINI, 2011, p. 229-230).

Após ser a Igreja, órgão representante da divindade, responsabilizada pela punição e baseando-se no princípio da vingança divina, com respaldo de que toda sanção seria reflexo da vontade de Deus e possuindo as normas um caráter religioso,a vingança tornou-se pública, passando a atribuição da punição para o Estado.

Guilherme de Souza Nucci ilustra:

E desde os primórdios o ser humano violou as regras de convivência, ferindo os semelhantes e a própria comunidade onde vivia, tornando inexorável a aplicação de uma punição (...) Inicialmente, aplicava-se a sanção como fruto da libertação do clã da ira dos deuses, em face da infração cometida, quando a reprimenda consistia, como regra, na expulsão do agente da comunidade, expondo-o à própria sorte (...) Não houvesse a sanção, acreditava0se que a ira dos deuses atingiria todo o grupo. (NUCCI, 2001, p. 60).

Em consonância, na vingança pública, mesmo que de forma arbitrária, a pena era aplicada de forma impessoal pelo Estado, e ao povo, cabia aceitá-las. É fato constatar que desde a Antiguidade as penas tinham o caráter punitivo pago pelo corpo do agente.

Segundo René Ariel Dotti:

A ideia da pena como instituição de garantia foi obtendo disciplina através da evolução política da comunidade (grupo, cidade, Estado) e o reconhecimento da autoridade de um chefe a quem era deferido o poder de castigar em nome dos súditos. É a pena pública que, embora impregnada pela vingança, penetra nos costumes sociais e procura alcançar a proporcionalidade através das formas do talião e da composição. A expulsão da comunidade é substituída pela morte, mutilação, banimento temporário ou perdimento de bens. (DOTTI, 1998, p. 31).

Sobre o enfoque negativo da vingança com ousadas repercussões para a sociedade, o filósofo francês René Girard adverte:

A vingança constitui, portanto, um processo infinito, interminável. Quando a violência surge em um pontoqualquer da comunidade, tende a se alastrar e a ganhar a totalidade do corpo social, ameaçandodesencadear uma verdadeira reação em cadeia, com consequências rapidamente fatais em uma sociedade de dimensões reduzidas. A multiplicação das represálias coloca em jogo a própria existência da sociedade. Por este motivo, onde quer que se encontre, a vingança é estritamente proibida. (GIRARD, 2008, p. 27).

Em 1824, na Constituição Imperial, havia proteção às liberdades públicas e direitos individuais, abolindo as penas cruéis, como a marcação com ferro em brasa, os açoites e a tortura. O mesmo diploma dispunha acerca da higiene necessária às cadeias e estipulava a separação dos réus por “casa” conforme o delito que lhes fosse imputado. Manteve-se a pena capital e a morte, no entanto, as perseguições religiosas foram vedadas bem como a prisão de indivíduos sem culpa formada previamente. Ainda sobre essa Constituição, houve a manifestação da inviolabilidade de domicílio e do valoroso princípio da proporcionalidade da pena.

Sancionado em 16 de dezembro de 1830 e entrado em vigor no começo do ano seguinte, o Código Criminal do Império prestigiou, de forma até mesmo desejada por outros países, a dignidade e cidadania nacional. Observa-se que a pena privativa de liberdade estaria sendo utilizada, a partir de então, por mais vezes, como alternativa às sanções corporais. A pena de morte foi abolida no Código Penal, não mais chamado de Código Criminal, de 1890 com alicerce na Constituição Federal de 1891.

As penas previstas no Código Penal de 1890 eram classificadas em principais e acessórias, sendo respectivamente, as mais severas e as mais brandas, como por exemplo, a prisão celular, a reclusão, a prisão com trabalho obrigatório, perda de serviço público, multa e outras. As mesmas não poderiam ser afrontosas e tampouco ultrapassar o período de 30 anos. No tocante a princípios, com vigorosa ingerência do Positivismo Jurídico do século XIX, foram adotados osprincípios da personalidade e da personificação da pena.A supressão da pena de morte foi vista com diferentes percepções dentre juristas e penalistas da época, porém isso não interferiu nas punições já previstas. Penalistas e juristas os quais:

Entendiam que a eliminação da pena de morte pelo sistema anticriminalreclamava um sucedâneo adequado para proteger os interesses sociaislesionados pelos grandes assassinos, os delinquentes de índole ou estado,cuja incorrigibilidade e temibilidade se patenteassem. (DOTTI, 2003, p. 296).

Foi no século XVIII, período iluminista, também chamado de “Período Humanitário do Direito Penal”, contestando ideias absolutistas, que se teve a mudança do caráter desumano das penas, depreciando a violência, a intolerância religiosa e privilégios econômico-sociais eenfatizando o livre-arbítrio. Período esse, contemplado pelas ideias de Bentham (Inglaterra), Montesquieu e Voltaire (França), Beccaria (Itália), Feuerbach (Alemanha), dentre outros autoresiluministas e que houve a apreciação do contratempo penal como questão filosófica e jurídica.

A obra “Dos Delitos e das Penas” escrita pelo renomado jurista CesareBeccaria e publicada em 1764, destaca considerações acerca da pena, visto sua natureza, como já dita, desumana, baseada na vingança e que aflorava e condicionava a desarmonia com intuito apenas de promoção da intimidação da sociedade.

O autorpropõe que a pena seja ainda uma prevenção social que também recupere o delinquente:

Poderão os gritos de um desgraçado nas torturas tirar do seio do passado, que não volta mais, uma ação já praticada? Não. Os castigos têm por finalidade única obstar o culpado de tornar-se futuramente prejudicial à sociedade e afastar os seus concidadãos do caminho do crime. Entre as penalidades e no modo de aplicá-las proporcionalmente aos delitos, é necessário, portanto, escolher os meios que devem provocar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável e, igualmente, menos cruel no corpo do culpado. (BECCARIA, 2014, p. 45).

Beccaria prezava pela prevenção da criminalidade, a qual surtia, com maior certeza e efeito, do que a aplicação de um castigo intenso, devendo a punição ocorrer, após o cometimento do delito, em um menor intervalo de tempo possível.

Nesse período, surgiu a Escola Clássica do Direito Penal, e as punições ainda foram baseadas na razão, deixando de lado os sentimentos e emoções, necessitando também de provas para que a pessoa recebesse sua condenação, verificando uma proporcionalidade entre o crime e a devida sanção. Acerca disso, Antonio Moniz Sodré de Aragão comenta:

O criminoso é penalmente responsável, porque tem a responsabilidade moral e é moralmente responsável porque possui livre-arbítrio. Este livre-arbítrio é que serve, portanto, de justificação da pena que se impõe aos delinquentes como um castigo merecido, pela ação criminosa e livremente voluntária. (ARAGÃO, 1977, p. 59).

Foi a partir das ideias e princípios da época do iluminismo, indubitavelmente, com a relevante influência de Beccaria que em 1789 a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão assegurou a liberdade e igualdade perante a lei e também o direito de resistência à opressão e, diante disso, foi atribuída maior humanidade nas relações sociais, não obstante, duas guerras mundiais ocorreram em seguida.

Posteriormente, surge o chamado “Período Científico” ou “Criminológico”, persuadido pela corrente positivista, período esse que se leva em conta a preocupação com o homem delinquente e com a razão pela qual ele delinque.

Cesare Lombroso publicou em 1876 a obra “O homem delinquente” a qual marcou o pensamento da escola positiva ao assegurar que o homem seria um criminoso nato, ou seja, já nasceria delinquente. Dito isso, o crime era uma coisa que poderia se esperar de forma natural, sendo praticamente considerado como hereditário,portanto, negando-se o livre-arbítrio. Incontestavelmente, a escola positiva influenciou o cenário da individualização da pena ao considerar a personalidade e a conduta social do infrator quando a sanção fosse aplicada.

Conforme Roberto Lyra:

A Escola Positiva, também chamada italiana, nova, moderna ou antropológica (Lombroso, Ferri, Garofalo, Fioretti), é determinista e defensivista, encarando o crime como fenômeno social e a pena como meio de defesa da sociedade e de recuperação do indivíduo. Chama-se positiva, não porque aceite o sistema filosófico mais ou menos comteano, porém, pelo método. Inicialmente, sofreu a influência de Darwin, Spencer e Haeckel, com as novas concepções da natureza, do homem e da sociedade, mormente a doutrina da evolução. (LYRA, 1976, p. 28).

É válido ressaltar que em 1830 foi sancionado por Dom Pedro I o Código Criminal do Império, de caráter liberal, o qual já assegurava uma lei de individualização da pena e antevia as agravantes e atenuantes, como também estipulava um julgamento exclusivo para os menores de 14 anos de idade.

As penas, que antes possuíam um caráter aflitivo, foram dando lugar às penas privativas de liberdade, mesmo que fossem caracterizadas apenas como uma medida cautelar, uma vez que, sua essência era o aguardo da aplicação da pena corporal ao condenado e, após o cumprimento, esse era libertado.

Consequentemente, o modelo considerado como o clássico de aplicação da sanção penal para o ordenamento jurídico brasileiro e também para a maioria dos ordenamentos atuais, é a pena privativa de liberdade, que aboliu o emprego da pena capital, essa, que já demonstrara antes, inapta para redução da criminalidade.

Em contrapartida,pensamos que o atual estágio da sociedade entra em conflito com o que se busca na teoria, nessa, se almeja o banimento da imposição de penas que ferem a dignidade da pessoa humana. Mas, devido à insegurança e ao medo, a mesma sociedade em que tem interesse na redução da violência almeja penas mais severas para a punição dos criminosos.

Sobre isso, escreve Dotti que "A maior exigência da justiça penal é assegurar uma defesa social mais eficaz contra os criminosos mais perigosos e uma defesa mais humana para os criminosos menos perigosos, que constituem o maior número" (DOTTI, 2003, p.156).


2. O CÓDIGO PENAL DE 1940

Ainda vigente nos dias atuais, cabe aqui, brevemente, algumas ressalvas acerca deste dispositivo legal, Em meio à Ditadura Vargas foi nessa época em que o anteprojeto de Código Penal foi elaborado, um processo queperdurou cerca de dois anos, associou as recentes disposições jurídicas e humanistas com ideias de renomados penalistas do período.

Conforme Nelson Hungria, citado por René Ariel “houve no projeto a marginalização da criminologia em face de uma legislação nova que mandou para o limbo as denominadas ciências criminológicas” (DOTTI, 2003, p. 306). O Decreto-Lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940, o Código Penal, foi aprovado e sancionado por Getúlio Vargas, entrando em vigor em 1º de janeiro de 1942.

Esse diploma, outrora, com previsão da pena de reclusão, no máximo de 30 anos e de detenção – máximo de 3 anos – em diversos tipos penais, sendo essas suas penas privativas de liberdade. A pena de multa, ainda que em poucos casos, poderia substituir aquelas. Depois, em Decreto-Lei, a prisão simples era prevista para as Contravenções Penais.

As chamadas medidas de segurança, certamente em matéria penal, advindas no Código em questão, compreendiam medidas detentivas, sejam elas internação em manicômio judiciário, em colônia agrícola, em casa de custódia e tratamento ou em institutos de trabalho de reeducação e ensino profissional; e as medidas não detentivas se tratavam de liberdade vigiada, a proibição de frequentar alguns lugares e o exílio local. Frisa-se a prevalência do sistema duplo-binário, ou seja, era possível a determinação de uma pena e sucessivamente uma medida de segurança.

Através das Lei 6.416/77 e 7.209/84, o Código Penal foi totalmente modificado em sua parte geral bem como sofreu alterações em seu rol de sanções. No tocante às penas, foram amplamente definidas além da privativa de liberdade, procederam as restritivas de direitos (como prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviços comunitários ou a entidades públicas e outras) e as penas pecuniárias, isto é, as multas. As mudanças não se extinguem somente nisso.

Insta lembrar no que tange ao princípio constitucional da individualização da pena (art. 5º, XLVI) com previsão implícita no art. 59 do Código Penal, o qual alude que o juiz deverá cominar as penas dentro dos limites previstos intentando pela necessidade e eficácia da “reprovação e prevenção do crime”. Tal garantia possui estreita relação com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Sobre isso, aborda Nucci:

[...] individualizar significa tornar individual uma situação algo ou alguém, quer dizer particularizar o que antes era genérico, tem o prisma de especializar o geral,enfim, possui o enfoque de, evitando a estandardização, distinguir algo ou alguém,dentre de um contexto (NUCCI, 2004, p.31).

Já Mirabete (2004, p.48) ressalta que “individualizar a pena na execução, consiste em dar a cada preso as oportunidades e os elementos necessários para lograr sua reinserção social,posto que seja pessoa, ser distinto”.

Algumas legislações específicas coadjuvam o Código Penal na incumbência de proteger bens jurídicos fundamentais, como a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso) e a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha).

É indiscutível a importância das inovações ocorridas na legislação penal no tocante ao dispositivo mencionado nesse tópico, porém ainda se pode considerá-la inadequada às demandas sociais do Brasil. O aumento nos índices de criminalidade, em geral, as medidas repressivas no combate aos delitos, o aumento da reincidência como consequência do desprezo social tido pelos apenados, são algumas causas que pleiteiam renovação na legislação para que, de forma eficaz, o Direito Penal exerça sua verdadeira função.


3. TEORIAS PENAIS

É imprescindível ressaltar a existência de três teorias que amparam e esclarecem o objetivo da pena, sendo essa, resultante de conduta ilícita, antijurídica e culpável, e atribuída ao infrator da lei penal, ou seja, é considerado um modo do Estado aplicar a norma, com efeito, ao caso concreto. Duas das teorias fazem do Estado o órgão legítimo à sua aplicação em proveito da segurança jurídica, da defesa e paz social, por meio da restrição de liberdade do indivíduo - são as absolutas e as relativas - e também há aquela que desconsidera a eficácia da pena e então subestima sua legitimação, como é o caso da teoria mista.

Inicialmente, a teoria absoluta ou retribucionista, cujo conceito deriva da premissa de que a pena possui funções de castigo e repressão, e com raiz navingança, espécie mais primitiva de utilização da pena, foi empregada na Idade Antiga e na Idade Média e possuía como paradigmao princípio da Lei de Talião – “olho por olho, dente por dente”

De forma compreensível, manifesta Juarez Cirino dos Santos:

A sobrevivência histórica da pena retributiva – a mais antiga e, de certo modo, a mais popular função atribuída à pena criminal – parece inexplicável: a pena como expiação de culpabilidade lembra suplícios e fogueiras medievais, concebidos para purificar a alma do condenado; a pena como compensação de culpabilidade atualiza o impulso de vingança do ser humano, tão velho como o mundo. (SANTOS, 2005, p. 4).

Para a aludida teoria, cuja origem advém do idealismo alemão e com ateoriade Kant, a pena é nada mais que um modo de retribuir - tanto num caráter divino, jurídico ou moral - ao indivíduo para compensar o ato ilícito e mal que foi causado a uma pessoa em particular ou à sociedade por ele anteriormente,considerando que o ser humano é possuidor de um livre arbítrio hábil para fazer escolhas, entre elas delinquir ou ser obediente às regras sociais.

A pena é baseada meramente na retribuição, na expiação, na reparação ou na compensação do mal advindo do crime e a sociedade é defendida por meio de sua aplicação. É denominada de absoluta, pois o propósito da pena é independente e não se vincula a qualquer efeito social, ou seja, a pena apenas é imposta e aplicada pelo fato do indivíduo ter cometido um delito, jamais seria necessária se o intuito fosse de impulsionar outro bem.

Ainda segundo Kant (apud MIRABETE, 2002, p. 244), a pena deriva de um imperativo categórico e mesmo que a sua imposição não traga benefício nem para o condenado e nem para a comunidade ela deve ser aplicada pela simples ocorrência do delito. Para o filósofo, a pena era uma forma de prática obrigatória e incondicionada, considerada então, como uma necessidade moral, podendo assim ser chamada de teoria da retribuição moral.

Considerando que a pena é um mal justo que penaliza o mal injusto ora praticado, expõe Mirabete:

Dizia Kant que a pena é um imperativo categórico, consequência natural do delito, uma retribuição jurídica, pois o mal da pena, do que resulta a igualdade e só esta igualdade traz a justiça. O castigo compensa o mal e dá reparação à moral. O castigo é imposto por uma exigência ética, não se tendo que vislumbrar qualquer conotação ideológica nas sanções penais. Para Hegel, a pena, razão do direito, anula o crime, razão do delito, emprestando-se à sanção não uma reparação de ordem ética, mas de natureza jurídica. (MIRABETE, 2002, p.244).

Ademais, destaca Ferrajoli:

As doutrinas absolutas ou retributivistas fundam-se todas na expressão de que é justo “transformar mal em mal”. Trata-se de um princípio com origens seculares, e que está à base daquele arcaico instituto, comum a todos os ordenamentos primitivos, que é a “vingança de sangue”. (FERRAJOLI, 2010, p.236).

No sentido dessa teoria, seu escopo é a punição do condenado, que responde com outro mal ao delito por ele praticado. Não se leva em consideração o fato de ressocializá-lo, nem reeducá-lo e muito menos garantir sua dignidade e sequer reparar o dano que foi causado pela delinquência, visto que a pena é aplicada na transgressão da lei, objetivando unicamente a realização de justiça, sem preocupação com a pessoa do delinquente.

Sobre o aludido, Magalhães Noronha afirma:

As absolutas fundam-se numa exigência de justiça: pune-se porque se cometeu crime (punitur quia peccatum est). Negam elas fins utilitários à pena, que se explica plenamente pela retribuição jurídica. È ela simples conseqüência do delito: é o mal justo oposto ao mal injusto do crime. (NORONHA, 2000, p. 223).

Ainda no que se refere, Cita GamilFöppel que:

Finalmente, é de se observar que, para as Teorias absolutas, é absolutamente indispensável que seja aplicada a sanção penal. Deixar de executar uma sentença representaria, para os adeptos da corrente, uma renúncia ao Direito e à Justiça. (FOPPEL, 2004, p.13).

Em diferente interpretação acerca do caráter da pena, Hegel, diante dateoria da retribuição jurídica, afirma que a pena não é considerada simplesmente como um mal, e sim é como o modelo de restauração da ordem jurídica uma vez infringida. Para ele, a justiça se concretiza através de um princípio valorativo moldável, respaldando-se em aspectos da lesão concreta e em acontecimentos da sociedade.

O supracitado filósofo também concebe a pena como sendo a negação da negação, uma vez que o crime é como a negação do direito, e a pena, então, é a negação do crime.

Nessa perspectiva, Paulo Queiroz afirma:

Convém dizer que, tanto em KANT quanto em HEGEL, a justificação da pena é uma justificação ‘idealista’. Significa dizer que o direito penal de que aí se trata não é o direito como ele é, histórica e praticamente, mas como deve ou deveria ser, idealmente falando. Daí porque, ainda que tal fundamentação do direito de punir não tenha correspondência na realidade jurídica, nem por isso tal teorização perde o seu significado e o seu valor. (QUEIROZ, 2005, p.19).

Há que se destacarem aspectos positivos quando se percebe a garantia dada ao cidadão em relação aos possíveis abusos que poderiam ser causados pelo Estado na aplicação da pena, uma vez que a punição é proporcional à gravidade do fato e também à culpa do autor.

Contrário à garantia supracitada,ressalta-se o fato de definir o modo como se deve castigar (o “como” castigar), omitindo quais as condutas a serem utilizadas e quando tais serão aplicadas. É certa a dúvida e inquietação a respeito da compensação de um mal pelo outro.

Sobre o caráter retributivo, Gilberto Ferreira explana que:

A pena é justa em si e sua aplicação se dá sem qualquer preocupação quanto a sua utilidade. Ocorrendo o crime, ocorrerá a pena, inexoravelmente. O importante é retribuir com o mal, o mal praticado. (FERREIRA, 2000, p. 25).

Diante do exposto, é proficiente dizer que a prisão do condenado é resultante do próprio ato ilícito por ele praticado, deixando em evidência o poder estatal através do exercício do “jus puniendi” (direito de punir), evidenciando o aspecto de um Estado guardião.Logo, a teoria parte de um preceito social-negativo e se contradiz com qualquer esforço de ressocialização da pessoa delinquente, opondo-seao intuito da prevenção.

Mediante o exposto sobre a teoria, a inerente relação entre o fato criminoso e a penalidade imposta cooperou para o surgimento do princípio da culpabilidade, norteador do direito penal. Sobre isso, acredita Jorge de Figueiredo Dias:

E aqui reside justamente o mérito das doutrinas absolutas: qualquer que seja o seu valor ou desvalor como teorização dos fins das penas a concepção retributiva teve — histórica e materialmente — o mérito irrecusável de ter erigido o princípio da culpabilidade em princípio absoluto de toda a aplicação da pena e, desse modo, ter levantado um veto incondicional à aplicação de uma pena criminal que viole a eminente dignidade da pessoa humana. (DIAS, 1999, p. 93).

Diversamente, detentora de aspectos humanitário, social, racionalista e utilitário, a teoria relativa, também chamada de preventiva ou utilitarista, aderena aplicação da pena o objetivo de evitar delitos e prevenir crimes, não possuindo uma finalidade a si mesma. Tal teoria advém do caráter humanista, com concepções utilitaristas e associadas ao liberalismo.

Considerando os fins dessa teoria, Prado alega que:

As teorias relativas encontram o fundamento da pena na necessidade de evitar a prática futura de delitos (punitur ut nepeccetur) – concepções utilitárias da pena. Não se trata de uma necessidade em si mesma, de servir à realização da Justiça, mas de instrumento preventivo de garantia social para evitar a prática de delitos futuros. Isso quer dizer que a pena se fundamenta por seus fins preventivos gerais ou especiais. Justifica-se por razões de utilidade social (PRADO,2004,p. 490).

Diferenciando as teorias relativa e absoluta, afirmaFerrajoli:

São teorias absolutas todas aquelas doutrinas que concebem a pena como um fim em si própria, ou seja, como ‘castigo’ ‘reação’, ‘reparação’ ou, ainda, ‘retribuição’ do crime, justificada por seu intrínseco valor axiológico, vale dizer, não um meio, e tampouco um custo, mas, sim, um dever ser meta-jurídico que possui em si seu próprio fundamento. São, ao contrário, ‘relativas’ todas as doutrinas utilitaristas, que consideram e justificam a pena enquanto meio para a realização do fim utilitário da prevenção de futuros delitos. (Direito e razão, p. 204).

A teoria relativa é dividida em prevenção geral, que possui como objetivo a punição do sujeito, intimidando-o, como lição aos demais, sendo direcionada à sociedade em geral, baseando-se principalmente na coação, e a prevençãoespecial, cuja função é ressocializadora e atinge somente a pessoa do criminoso, sendo justa somente a pena necessária.

Tomaz M. Shintati preconiza quanto as finalidades da prevenção especial e da prevenção geral:

A pena tem ainda uma finalidade de prevenção, que constitui a dimensão social da sanção. Finalidade de prevenção especial: a pena visa à ressocialização do autor da infração penal, procurando corrigi-lo. Finalidade de prevenção geral: o fim intimidativo da pena dirige-se a todos os destinatários da norma penal, visando a impedir que os membros da sociedade pratiquem crimes. (SHITANTI, 1999, p. 184).

Acrescenta-se também sobre a prevenção geral na qual há aspectos que são importantes serem brevemente dissertados: tal prevenção é tida como uma ameaça de um mal quando há o cometimento de um ato ilícito, sendo destinada a todos que são afetados pela lei penal; e por possuir uma natureza educativa, ela age ameaçando, por intermédio da pena, quando há lesão em bens jurídicos considerados essenciais, ou seja, ela inibe o indivíduo que está pré-disposto a delinquir.

Há a teoria da prevenção geral negativa ou prevenção por intimidação – caráter negativo que foi o primeiro a ser reconhecido historicamente –fundada na repressão psicológica e que pressupõe a possibilidade de limitar e conter o cometimento de delitos, acreditando que estes existem por motivação psicológica. É a forma tradicional de reação ao delito.

Feuerbach, expoente da teoria, alega serem úteis os instrumentos de natureza “psicológica” quando utilizados pelo Estado com fim de impedir a violação do Direito e intimidando o indivíduo a novamente delinquir. Tal teoria utiliza a lógica que a incidência da pena seria menor quanto maior fosse sua quantidade aplicada; em outras palavras, quanto maior fosse a pena imposta, maior também seria a intimidação sofrida pelos delinquentes. No entanto é passível de crítica visto que a mesma contrasta com o fundamental princípio da dignidade da pessoa humana ao extrapolar a aplicação da pena com sua real e devida necessidade, fazendo do delinquente um “objeto” de intimidação dos outros. É considerável destacar que não é capaz de supor absolutamente o efeito dessa prevenção, visto que pode interferir de modo influente no homem médio, contudo pode não ter influência em outros tipos de criminosos.

Porventura, há apreciações a serem feitas sobre essa teoria: primeiro em relação ao alcance do poder punitivo do Estado, que com o raciocínio de assustar o indivíduo para evitar os crimes é exageradamente extensa a possibilidade de atos que serão puníveis criminalmente, ficando clara a propensão dessa teoria a disseminar um pânico estatal, ainda pelo fato da teoria não listar os critérios que serão alvos da intimidação, havendo como consequência um aumento exagerado das penas em delitos mais graves ou que sejam mais frequentes, dando a entender a ineficácia do fim intimidativo E segundo BARREIROS (2008, p. 5) “quem pretende intimidar mediante a pena tenderá a reforçar esse efeito, castigando tão duramente quanto possível”.

Outra crítica é difícil consentir que a imposição de uma pena a alguém colabora para que as outras pessoas não pratiquem atos criminosos.

Kant já dizia que o ser humano não pode ser utilizado como meio:

Uma pena fundada exclusivamente na prevenção geral infringe o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que utiliza o indivíduo como meio para a consecução de fins sociais meramente utilitários, de duvidosa eficácia. (PRADO, 2008, 494).

Ainda com relação às críticas recebidas por essa teoria:

[...] aplicando-se as penas a seres humanos em nome de fins utilitários ou pragmáticos que pretendem alcançar no contexto social, elas transformariam a pessoa humana em objeto, dela se serviriam para a realização de finalidades heterônimas e, nesta medida, violariam a sua eminente dignidade. (NERY, 2005, 3).

Considerando a intimidação não ser a única forma de prevenção geral, tem-se o caráter positivo, a teoria da prevenção geral positiva ou de integração, através da conscientização social da norma e de atitudes demonstrativas de respeito às normas fundamentais e ao Direito. Para a supracitada teoria, o infrator potencial e o delinquente não são os destinatários da pena, mas o cidadão comum que cumpre as leis e normas sociais, como também a opinião pública, ambos os alvos da teoria pela necessidade de intensificar a confiança do cidadão após conviver cotidianamente com delitos.

No tocante ao caráter positivo da prevenção geral que pretende uma incorporação da moral e dos valores sociais, Paulo de Souza Queiroz disserta que:

Para os defensores da prevenção integradora ou positiva, a pena presta-se não à prevenção negativa de delitos, demovendo aqueles que já tenham incorrido na prática de delito; seu propósito vai além disso: infundir, na consciência geral, a necessidade de respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito; promovendo em última análise, a integração social.(apud GRECO, 2007, p. 488).

Sobre a teoria,Zaffaroni e Batista assinalam:

A partir da realidade social, essa teoria se sustenta em mais dados reais que a anterior. Segundo ela, uma pessoa seria criminalizada porque com isso a opinião pública é normalizada ou renormalizada, dado ser importante o consenso que sustenta o sistema social. Como os crimes de “Colarinho Branco” não alteram o consenso enquanto não forem percebidos como conflitos delituosos, sua criminalização não teria sentido. Na prática, tratar-se-ia de uma ilusão que se mantém porque a opinião pública a sustenta, e convém continuar sustentando-a e reforçando-a porque com ela o sistema penal se mantém: ou seja, o poder a alimenta para ser por ela alimentado. (ZAFFARONI e BATISTA, 2003, p. 122).

Projetando a função da pena como necessária para preservação da ordem social ou então ela seria um mal inútil, e admitindo que a vigência da norma se legitima através da aplicação da pena, Jakobs acrescenta:

Prevenção geral porque pretende-se produzir um efeito em todos os cidadãos; positiva, porque esse efeito não se pretende que consista em medo diante da pena, e sim em uma tranquilização no sentido de que a norma está vigente, de que a vigência da norma, que se viu afetada pelo fato, voltou a ser fortalecida pela pena. (JAKOBS, 2003, p. 35).

Destarte, a teoria da prevenção especial pode ser subdividida também em negativa e positiva, no entanto seu viés principal é obstar o acontecimento de novos delitos e evitar a reincidência recaindo sobre o indivíduo infrator comobjetivo de intimidar os demais ao demonstrar as penalidades e consequências após a prática do delito. Observa-se aqui o foco na pessoa do condenado, e não mais na sociedade.

Os adeptos a essa teoria dizem medidas ao invés de pena, pois essa última acarreta a capacidade racional ou a liberdade do indivíduo e parte de uma definição geral de igualdade, já a medida presume ser o delinquente um sujeito perigoso e impõe a ele tratamentos conforme sua periculosidade.

De acordo com Von Liszt, o principal expoente da teoria, a ressocialização, que é o objetivo da pena, é realizada por três meios: pela intimidação, que é a pena tida como uma advertência para o possível criminoso; a ressocialização, quando o delinquente pratica crimes reiteradamente e por fim, o asseguramento, último e extremo meio, pois se utiliza do isolamento.

É evidente a existência de críticas em relação à mencionada teoria, pois ao buscar a ressocialização, muitos veem que ela faz dessa busca como o seu fim principal e até mesmo único, mas que omite a existência de uma imposição legal que já acontecera antes disso. E ainda, como a teoria adere a um caráter ressocializador, há a questão que permeia sobre a necessidade, ou não, de que todo delinquente deve, precisa ou pode ser ressocializado.

Acrescenta-se sobre a prevenção especial e ademais seu caráter ressocializador, o qual é a definição da natureza positiva da teoria, através da punição do indivíduo para que ele não volte a delinquir após cumprimento da sanção, propondo uma intervenção favorável ao condenado e capacitando-o ao convívio social sem acusá-lo ou apoderar de sua autonomia e invadir sua personalidade.

A vertente negativa da teoria da prevenção especial, também direcionada ao delinquente, como na teoria positiva, mas seu eixo principal é a neutralização do indivíduo, por meio de sua exclusão, destruição física ou psíquica e segregação, a fim de proteger a sociedade de novos crimes, ação essa chamada de inocuização, segundo Fran Von Liszt , devendo a pena amedrontar o criminoso.

Uma definição clara de prevenção especial negativa é dita por Carolina de Mattos Ricardo:

A prevenção especial negativa funda-se na ideia de intimidação a partir da neutralização do apenado, que fica fora de circulação e percebe que sua ação tem uma consquência jurídica, o que evitaria o cometimento de novos ilícitos penais. (RICARDO, 2007, p. 4).

A propósito, considerada como a doutrina predominante na atualidade, a teoria unitária, mista ou eclética, é definida pelo seu caráter dualista da pena, sendo justa e útil conjuntamente, ao prevenir novos crimes e ainda ressocializar o delinquente, e em razão disso, vale sustentar uma miscigenação existente nessa, frente às teorias explanadas anteriormente, valendo-se essa de dois objetivos agora unificados, a punição e a prevenção, além de, como já dito, aderir ao ideal de ressocialização.

O Código Penal brasileiro em seu artigo 59 confirma o caráter unitário que domina no presente momento: "Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime."

Romeu Falconi preconiza no tocante à referida teoria:

Os adeptos das teorias denominadas UNITÁRIAS utilizam-se de alguns dos pressupostos de cada uma das Escolas anteriormente referidas. Para estes, o ideal é a pena de duplo escopo, visando ao reaproveitamento social daquele que um dia delinquiu. A isso chamamos de “teorias mistas”. Aceitam a pena como “retribuição”, pois o criminoso praticou ato lesivo; não citam a pena apenas como “prevenção”, mas como meio próprio de reeducação do criminoso. (FALCONI, 2002, p. 250).

No tocante às falhas existentes na teoria apontada, sob o ponto de vista de Juarez Cirino dos Santos:

A crítica jurídica e criminológica sobre as teorias unificadas da pena criminal afirma que os defeitos das teorias isoladas não desaparecem com a reunião de funções (a) de compensar ou expiar a culpabilidade, (b) de corrigir e neutralizar o criminoso e (c) de intimidar autores potenciais de manter/reforçar a confiança no Direito. Por exemplo, completar a função de retribuição com a função de prevenção especial ou geral, significa admitir a insuficiência da retribuição sob forma de prevenção etc. Além disso, a admissão de diferentes funções da pena criminal, determinada pela cumulação de teorias contraditórias e reciprocamente excludentes, significa adotar uma pluralidade de discursos legitimantes capazes de racionalizar qualquer punição pela escolha da teoria mais adequada para o caso concreto. (SANTOS, 2005, p. 34).

Acrescenta-se também Bittencourt (2011, p. 113) com o parecer de ClausRoxin sobre a teoria unificadora que “a simples adição não só destrói a lógica imanente à concepção, como também aumenta o âmbito de aplicação da pena, que se converte assim em meio de reação apto a qualquer emprego”.

Em suma, o intento da teoria unitária é a aplicação de uma pena, quando necessária, mas que seja justa ao indivíduo delinquente. Faz-se por bem ser justa por atentar sobre a proporcionalidade - da gravidade do delito e a culpabilidade do autor-, devendo a pena prevenir novos crimes como também a readaptação do criminoso ao convívio social.


CONCLUSÃO

A origem da pena ocorreu em um período de ampla necessidade de sua aplicação aos indivíduos infringentes das normas e regras de convivência das sociedades da época. As circunstâncias nas quais se dava sua execução foram desde as “tradicionais” vinganças – divina,privada e pública – quando, nos tempos modernos, seu caráter se baseia, sobretudo, na conformidade com a previsão legal, a qual não viola princípios inerentes à pessoa humana, além da busca pelo caráter ressocializador do delinquente e do ideal de prevenção de novos crimes perante a sociedade.

Poder-se-ia afirmar que na doutrina brasileira foi adotada a teoria unitária, mista ou eclética da pena, não predominando, hierarquicamente, a prevenção e nem a retribuição, mas ambos os fatores coexistem em uma só previsão jurídica.

No entanto, hodiernamente, pensamos na dificuldade de se afirmar claramente apenas uma finalidade para as penas, uma vez que a violação à norma jurídica também se remete à sociedade e esta, preza por ver o delinquente pagando pelo delito cometido, não podendo abandonar fielmente a natureza retributiva da pena. Mas, punir o indivíduo sem reeducá-lo ou ressocializá-lo, ideais esses ainda não eficazes por diversos fatores alheios a esse assunto, não seria eficiente, assim, nota-se que é preciso a punição juntamente com o princípio educativo, para uma eficaz recuperação do criminoso e juntamente a prevenção de novos delitos.


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