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O existencialismo jurídico na Justiça do Trabalho da 8ª Região.

Investigando o modo como os juízes desenvolvem o conceito de danos existenciais

O existencialismo jurídico na Justiça do Trabalho da 8ª Região. Investigando o modo como os juízes desenvolvem o conceito de danos existenciais

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Analisa-se a estrutura de raciocínio de seis sentenças da Justiça do Trabalho, da 8ª Região, avaliando especificamente se existe ou não convergência na forma como foi utilizado o conceito de danos existenciais.

Resumo: o objetivo dessa pesquisa é diagnosticar a estrutura de raciocínio de seis sentenças da Justiça do Trabalho, da 8ª Região, avaliando especificamente se existe ou não convergência na forma como foi utilizado o conceito de danos existenciais durante a composição desse tipo de material judiciário. O método aplicado com essa finalidade é composto por uma série de categorias epistemológicas (ontologia, metodologia, axiologia, teoria, práxis e contexto espacial-temporal das ideias) que orientam a investigação empírica focalizando os critérios ou procedimentos hermenêuticos dentro desse fluxograma lógico de raciocínio. O resultado dessa metodologia geral mostra que a maioria das sentenças analisadas é convergente do ponto de vista formal e substancial através da filosofia do existencialismo jurídico, que é inerente ao conceito dos danos existenciais. Contribui finalmente essa pesquisa empírica analisando o modo como os juízes produzem sentenças judiciais utilizando o conceito de danos existenciais 

Palavras-chave: existencialismo jurídico; danos existenciais; sentenças judiciais; direitos humanos.

Sumário: 1 iNTRODUÇÃO; 2 O CONCEITO DE DANOS EXISTENCIAIS; 3 PROBLEMATIZAÇÃO; 4 METODOLOGIA; 5 SENTENÇA NÚMERO UM; 6 SENTENÇA NÚMERO DOIS; 7 SENTENÇA NÚMERO TRÊS; 8 SENTENÇA NÚMERO QUATRO; 9 SENTENÇA NÚMERO CINCO; 10 SENTENÇA NÚMERO 6; 11 DISCUSSÃO; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.


inTRODUÇÃo

Essa pesquisa hermenêutica procura analisar seis sentenças da Justiça do Trabalho da 8ª região, investigando se existiu ou não convergência formal e substancial entre as estruturas de raciocínio apresentadas pelas mesmas quando foi utilizado o conceito de danos existenciais.

Tendo em vista esse objetivo, essa pesquisa desenvolve um método próprio de análise formado pelas categorias epistemológicas: ontologia, metodologia, axiologia, teoria, práxis e contexto espaço-temporal (LLOYD, 1995; MONTARROYOS, 2010), que nos auxiliam, decisivamente, na realização do diagnóstico pretendido sobre as sentenças judiciais selecionadas.

A ontologia representa a essencialidade do conceito de danos existenciais incluindo dois graves problemas ontológicos, que são os danos à vida de relações e ao projeto de vida do trabalhador, que uma vez identificados denunciam consequentemente o desequilíbrio entre Capital e Trabalho. A metodologia de trabalho do juiz inclui, por sua vez, métodos e técnicas que possibilitam visualizar as oportunidades perdidas pelo trabalhador, no passado, presente e futuro. A axiologia reúne os valores éticos, a responsabilidade moral do patrão, e a dignidade da pessoa e da sociedade humana. A teoria da sentença implica, por sua vez, a divisória conceitual entre os danos morais e os danos existenciais. Na sequência, a práxis recomenda como instrumento de valoração da indenização o critério da proporcionalidade que não despreza o ideal da moderação. Por último, temos o contexto da sentença, representando, entre outros aspectos ambientais, a sociedade capitalista, que supervaloriza a exploração do trabalho e ostenta a preponderância do princípio da eficiência sobre a dignidade da pessoa humana.

Como resultado da aplicação desse roteiro epistemológico, essa pesquisa mostra que:

1º) Há convergência formal entre as sentenças analisadas na Justiça do Trabalho da 8ª região, mobilizando o conceito de danos existenciais, fato esse diagnosticado criteriosamente por meio das categorias de base desse estudo;

2º) E também existe uma convergência substancial entre as sentenças que foi visualizada na dinâmica das categorias epistemológicas, cujo fio condutor é expressamente notado por meio da filosofia existencialista do Direito.

Avaliamos que o método dessa pesquisa foi bem-sucedido na composição do diagnóstico jurídico das sentenças trabalhistas, revelando criteriosamente a estrutura de raciocínio formal e substancial de diferentes casos e argumentações judiciárias envolvidos no debate dos danos existenciais. Essa convergência, em nosso ponto de vista, é progressiva ou favorável ao conceito de danos existenciais, pois fortalece a sua teleologia e utilidade social, em particular na Justiça do Trabalho da 8ª região.


2 O CONCEITO DE DANOS EXISTENCIAIS

Dois parâmetros são fundamentais na composição dos danos existenciais: o prejuízo à vida de relações e ao projeto de vida, intelectual ou profissional do trabalhador. De um lado, considera-se que o indivíduo deixa de compartilhar momentos significativos na vida familiar e social. De outro lado, a intervenção negativa do patrão, impondo um estilo de trabalho abusivo, prejudica o progresso profissional e intelectual do seu empregado dentro e fora do horário de trabalho.

Alguns doutrinadores e o próprio TST (4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho) avaliaram que não basta a comprovação de uma jornada excessiva de trabalho para se configurar o dano existencial, devendo a parte reclamante carrear aos autos uma prova específica do dano. Segundo o que argumentou o Ministro João Oreste Dalazen e a maioria dos Ministros da 4ª turma do TST, que votaram pelo provimento ao Recurso de Revista para excluir da condenação a WMS Supermercados que pagaria indenização por dano existencial à trabalhadora reclamante, deve ser o próprio o autor do processo quem precisa provar que sofreu algum dano existencial (RODAS, Sérgio. Jornada de trabalho excessiva não gera automaticamente dano existencial. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-mar-27/jornada-trabalho-excessiva-nao-gera-si-dano-existencial>). Entretanto, outros doutrinadores, tribunais regionais e magistrados diversos entendem que o dano existencial é evidente quando se comprova materialmente, no processo, que simplesmente houve uma jornada de trabalho exaustiva.

Conceitualmente, o dano existencial difere do dano moral porque se manifesta em todas as ausências sociais da vítima em momentos importantes da família e Sociedade, gerando a impossibilidade de o trabalhador interagir e de executar tarefas relacionadas às suas demandas existenciais básicas, tais como cuidar da própria higiene, da casa, dos familiares, ou praticar esportes e lazer, etc.; bem diferente do dano moral que pertence mais à esfera interior, psicológica e ética do indivíduo (SOARES, 2009).

A condenação visando à reparação por dano existencial, segundo Boucinhas Filho & Alvarenga (2013), deve considerar a dimensão do dano e a capacidade patrimonial do lesante. Desse modo, o quantum indenizatório é considerado em relação à economia do ofensor a ponto de desestimular a reincidência do fato ilícito, porém, não poderá jamais comprometer a eficiência e a saúde da empresa envolvida em tal situação.

No Código Civil encontram-se vários fundamentos de reparação aos efeitos causados pelo dano existencial.

No artigo 12, caput, considera-se que: “Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar-se perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei”.

O artigo 186 declara, por sua vez, que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

O artigo 927 destaca que: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. 

O artigo 948 prevê que: “No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações [...]”.

O artigo 949 especifica que: “No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido” (ALMEIDA NETO, 2015).

Para o especialista Leal (2010) é preciso que seja feita uma análise das decisões judiciais e de seus impactos socioeconômicos, enfatizando-se os custos sociais do Direito, as perdas de oportunidades de cada decisão na adjudicação de interesses, os desperdícios e os efeitos redistributivos de cada afirmação judicial. 

Segundo o analista Farias (2014) é de suma importância elaborar uma pesquisa bibliográfica e documental com o objetivo de verificar as transformações jurídicas que ocorrem nas relações de trabalho por conta da globalização, com enfoque na ocorrência do dano existencial. O mesmo autor enfatizou, ainda, que os danos à vida de relações privadas e ao projeto de vida representando a possibilidade de qualificação e de ascensão profissionais são recorrentes no ambiente laboral. De acordo com a visão otimista do mesmo autor, o reconhecimento do dano existencial na relação de trabalho pode contribuir para dar efetividade aos direitos fundamentais à saúde, ao lazer, ao descanso, dentre outros, usando-se necessariamente para essa finalidade acordos, tratados e convenções internacionais que tutelam as relações de trabalho no Mundo, mais a Constituição Federal e a legislação trabalhista, entre outras normas.


3 PROBLEMATIZAÇÃO

O existencialismo jurídico se dedica ao estudo da existência do Direito na vida das pessoas e Sociedade em geral, enfrentando os desafios da massificação administrativa, cultural e econômica; por isso, procura promover uma constante relativização do significado do Direito diante das conveniências do caso concreto – buscando a equidade – e supervaloriza, além do mais, a consciência dos participantes com suas diferentes finalidades e expectativas existenciais.

Segundo Abbagnano (2007, p. 402)

Existir significa relacionar-se com o mundo, ou seja, com as coisas e com os outros homens, e como se trata de relações não-necessárias em suas várias modalidades, as situações em que elas se configuram só podem ser analisadas em termos de possibilidades. Esse tipo de análise foi possibilitado pela fenomenologia de Husserl, que elaborou o conceito de transcendência. Segundo esse conceito, nas relações entre sujeito cognoscente e objeto conhecido ou, em geral, entre sujeito e objeto (não só no conhecimento, mas também no desejo, na volição, etc.), o objeto não está dentro do sujeito, mas permanece fora, e dá-se a ele "em carne e osso" [...]. Esse conceito manteve-se rigoroso na filosofia de Husserl, mas exerceu grande influência no Existencialismo, para o qual as relações entre o ser-aí (isto é, o ente que existe, o homem) e o mundo, sempre se configuraram como transcendência.

Criticando o existencialismo, o jurista Paulo Nader (2005) sustentou a opinião conservadora de que esse tipo de filosofia teria muito pouco a oferecer de praticidade ao Direito, a não ser permitindo uma certa crítica sobre a finalidade social das normas em um contexto de crise e angústia histórica.

Nas palavras do ilustre jurista: “o existencialismo, em princípio, não contribui para a compreensão do Direito, pois a sua atenção volta-se para o individual e subjetivo, enquanto o Direito compõe-se de padrões de comportamento que se destinam à generalidade dos indivíduos” (NADER, op. cit., p. 236).

O mesmo autor considerou que “seria um equívoco negar-se à filosofia da existência qualquer benefício ao aperfeiçoamento do Direito” (op. cit., p. 236). Especificamente, afirmou que (op. cit., p. 237): 

Não há como se operar na prática a conciliação plena entre o pensamento existencialista e a missão da lei. Pode-se promover a aproximação do Direito à tese existencialista, mas no valor segurança jurídica temos a barreira que veda a harmonia entre os princípios daquela filosofia e o Direito. A composição entre ambos não se opera notadamente por três razões: a) incapacidade de o Direito captar a verdade existencial que se desenrola na consciência individual; b) a característica de generalidade dos preceitos jurídicos; c) e a subordinação dos juízes a esquemas normativos fechados 

Completando a sua crítica, Nader (op. cit., p. 237) ressaltou que:

O ordenamento jurídico se apresenta como aparelho artificial, que se impõe aos homens e que não encontra fundamentação na filosofia existencial. O homem no exercício de sua liberdade deve criar o seu Dasein, isto é, seu modo de existir. Diante de tal premissa, não há formula possível de conciliação entre aquela corrente e o Direito que, na anterioridade das leis aos fatos, possui um de seus princípios básicos. Podemos cogitar, todavia, de um sistema normativo que embora não realize o projeto existencial, dele se aproxime. E isto haverá de ser alcançado na medida em que se confira maior autonomia à vontade. A liberdade de se firmar contratos torna possível a adequação de interesses em condições objetivas. As partes se sujeitam a regras eleitas previamente. 

Essa mentalidade separatista vem de longa data. Segundo o jurista e professor Helvécio de Oliveira Azevedo (em artigo publicado na Revista Faculdade de Direito da UFMG, década de 60), Direito e Existencialismo “não se tocam”, porque de um lado o Direito é controle e formalidade, de outro lado, o Existencialismo é liberdade e individualismo.

Nessa dicotomia essencial, o jurista Azevedo analisou as obras de Sartre que generalizou a ideia de que no Existencialismo e Homem é a medida de todas as coisas, desse modo, “o mundo existencialista é um mundo sem direitos, onde todos têm direito a tudo e não têm direito a nada”.

Consequentemente, segundo o professor Azevedo (op. cit.) seria uma “insanidade” querer controlar a liberdade existencialista, seja através do Estado, seja através da Moral. Diante dessa dificuldade, portanto, o Existencialismo seria menos coerente que o Positivismo Jurídico, pois o arbítrio e o capricho são a base de todas as escolhas e decisões, e assim haveria apenas um individualismo feroz que ficaria isolado na subjetividade de cada um.

Especificamente, no que se refere ao homem sartreano, ele seria um ser solitário, e, portanto, a filosofia do Existencialismo como um todo seria incompatível com o Direito que busca agregar as pessoas e regrar a sua melhor convivência. Nesses termos, o “Existencialismo é antijurídico por excelência”. O Direito seria fraternal, agregador, catalizador e centrífugo; enquanto o Existencialismo seria dissociador, anti-fraterno e centrípeto.


4 METODOLOGIA 

Ao contrário da tradição separatista anteriormente descrita, essa pesquisa procura conhecer e aprofundar o fenômeno de reconciliação do Direito com o Existencialismo; por isso, utiliza um método que não apenas descreve a realidade dos tribunais, mas também aperfeiçoa a aplicação do conceito de danos existenciais, deixando claro, ainda, a sua lógica de argumentação através dos estudos de casos envolvendo sentenças judiciais, concebidas nesses termos como verdadeiros manifestos existencialistas do Direito.

O método aplicado é formado por seis categorias programáticas ou epistemológicas: ontologia, metodologia, axiologia, teoria, práxis e contexto espacial-temporal das ideias.

De acordo com o modelo original delimitado pelo autor Crhistopher Lloyd (1995), a ontologia se refere aos pressupostos fundamentais ou essenciais da investigação e caracteriza a identidade filosófica e dogmática de determinada unidade epistêmica, ou núcleo rígido do programa científico de pesquisa. A metodologia, por sua vez, reúne métodos e técnicas que orientam a forma como serão colhidos os dados empíricos ou mesmo bibliográficos durante a execução do projeto de pesquisa. Finalmente, a teoria é dotada de vários enunciados universais e particulares que representam a visão de mundo do programa de pesquisa ou unidade epistêmica, explicando ou interpretando os dados empíricos e bibliográficos disponibilizados pelo pesquisador.

A partir desse modelo, Montarroyos (2010, entre outras publicações recentes) considerou importante acrescentar três categorias auxiliares: axiologia, práxis e contexto, tendo em vista suprir a necessidade específica das Ciências Humanas e Ciências Jurídicas em conhecer a complexidade do conhecimento social.

A axiologia, segundo Montarroyos (op. cit.), define os valores, desvalores e contra valores da investigação, afirmando que o conhecimento jurídico não é neutro. A práxis, por sua vez, representa os modelos de solução de problemas, sendo, portanto, uma categoria de natureza utilitarista e pragmatista. Por último, a categoria do contexto registra o tempo histórico e o espaço social do objeto de estudo.


5 SENTENÇA Nº 1

No processo 0000643-27.2014.5.08.0128, da 3ª Vara do Trabalho de Marabá, 8ª Região, verificamos que o reclamante, motorista, reivindicou os seguintes direitos:

a)      horas extras;  

b)      intervalo intrajornada;  

c)      intervalo interjornada;

d)      repouso semanal remunerado; uma vez que cumpria jornada média de 16 ou 17 horas por dia das 4 às 23 horas, ou de 6 às 24 horas ou de 5 às 23:30 horas, sem folgas e sem gozar integralmente dos intervalos intrajornada e interjornada, pelo período de 1 ano e 1 mês de duração;

e)      adicional noturno; uma vez que parte de seu trabalho era realizada após às 22 horas;

f)       adicional de periculosidade; em razão de o trabalho em caminhão ser dotado de grandes tanques de combustível;

g)      adicional de insalubridade; em face do contato com pó de cimento, poeira mineral e ruído, em concentrações superiores aos limites de tolerância no ambiente de trabalho;

h)      indenização por dano existencial; em virtude da excessiva jornada de trabalho, que afetou negativamente a sua integração familiar e social, bem como impediu a recuperação do desgaste físico e mental causado pelas extensas jornadas;

i)       indenização por dano moral; em razão do não fornecimento da parte da reclamada das condições adequadas para o pouco descanso noturno que o trabalhador poderia usufruir quando terminava trechos de suas viagens, tendo que pernoitar dentro da boleia do caminhão para proteger a carga e o patrimônio da empresa, o que caracterizou finalmente um tratamento degradante.

O juiz deferiu o seguinte:

a)    horas extras;

b)    intervalo intrajornada;

c)    intervalo interjornada;

d)    repouso semanal remunerado; uma vez que tendo a reclamada mais 10 empregados e admitida a possibilidade de controle de jornada do reclamante cabia a ela provar que a jornada do reclamante não excedia a normalidade, o que não foi feito, tendo ela anexado cartões de ponto impugnados pelo reclamante e que foram declarados inverossímeis pela prova testemunhal, o que resultou no acatamento parcial da jornada declinada pelo reclamante. Nesse quadro, o juiz considerou que a jornada declinada pelo autor era desarrazoada, com base na equidade, costume, bom senso e experiência em ações semelhantes, sendo improvável o seu exercício, fixando-se a jornada do autor, em média, no período de 06:00h às 23:00h, todos os dias, sem folgas semanais, com intervalo de 30 minutos;

e)    adicional noturno; pois a jornada trabalho ultrapassava às 22:00h;

f)     indenização por dano existencial; uma vez que trabalhador cumpria jornadas que excediam excessivamente os limites legais aceitos pelas normas trabalhistas, laborando de 06:00h às 23:00h, todos os dias, sem folgas semanais, com intervalo de 30 minutos, pelo período de 1 ano e 1 mês, inclusive em feriados, tornando o mesmo trabalhador um escravo do trabalho, o que afetou gravemente a sua vida familiar e social, impossibilitando o mesmo de cumprir seus projetos de vida pessoal;

g)    indenização por dano moral; uma vez que as testemunhas comprovaram que os motoristas pernoitavam na boleia do caminhão e que não recebiam diárias para viagem, descumprindo, assim, a reclamada sua obrigação legal de propiciar condições plenas de trabalho, no que diz respeito à segurança, salubridade e às condições mínimas de higiene e conforto aos trabalhadores.

O juiz indeferiu o pedido de adicionais de insalubridade e de periculosidade em razão de o laudo pericial legalmente exigido nessas situações não atestar ambiente de trabalho perigoso ou insalubre.

Em sua argumentação, o juiz pontuou superficialmente a diferença entre dano moral e dano existencial, enxergando sempre o impedimento que o trabalhador sofreu para desenvolver suas atividades cotidianas, bem como o prejuízo da manutenção das relações sociais externas ao ambiente de trabalho, incluindo o convívio com amigos e familiares, e a realização de atividades recreativas.

Encontrou-se na sentença o equilíbrio metodológico entre o formalismo e o intuitivismo, pois o juiz decidiu com base nas provas apresentadas nos autos que foram contundentes em demonstrar a ausência do reclamante de seu ambiente familiar e social, onde se comprovou também o período contratual abusivo no horário de trabalho das 6:00h às 23:00h, de domingo a domingo, sem folga semanal, sem gozo integral da hora de refeição e sem haver o gozo integral de intervalo entre o fim de uma jornada e o início de outra.

Além das provas materiais, o juiz também desenvolveu a sua intuição notando algo invisível, o nexo virtual, projetando as implicações existencialistas decorrentes da ausência do convívio familiar e social, destacando também a convicção de que o reclamante perdeu realmente boas oportunidades afetivas e recreativas que comprometeram finalmente a sua integridade física e mental.

Verificou-se e intuiu-se, portanto, que a lesão alegada pelo reclamante era plenamente coerente e razoável com o seu histórico pessoal, tendo ele conseguido provar que se afastou das relações familiares e sociais em virtude das tantas horas extras trabalhadas.

Houve a fixação da quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) a título indenizatório, sem onerar o ofensor em demasia, levando-se em consideração o caráter pedagógico da indenização concentrado exclusivamente no critério da proporcionalidade. Nesse caso, os valores fixados não prejudicaram a saúde da empresa que possui legalmente função social importante junto à Sociedade.

Conclui-se que a decisão do juiz trouxe equilíbrio à balança da Justiça, seja do ponto de vista formal e substancial, havendo nesse sentido uma decisão legítima que além das provas apresentadas que fundamentaram as causas e os efeitos da situação problemática, considerou-se, ainda, a intuição do juiz no sentido de construir o nexo virtual entre o que aconteceu e o que deveria acontecer e o que poderá resultar no futuro próximo do reclamante.


6 SENTENÇA Nº 2

No processo 0000060-07.2016.5.08.0117 da 2ª Vara do Trabalho de Marabá, 8ª região, o reclamante ajuizou reclamação trabalhista pleiteando, além de outros pedidos:

a)      desvio de função; uma vez que ele foi contratado para exercer a função de motorista, mas exercia funções gerenciais, administrativas e domésticas;

b) horas extras;

c) intervalo intrajornada;

d) intervalo interjornada;

e) repouso semanal remunerado; em razão de trabalhar das 7 às 22 horas,  todos os dias, sem folgas e sem gozo integral do intervalo intrajornada e interjornada;

c) horas de sobreaviso; eis que o trabalhador permanecia de sobreaviso;

d) adicional de transferência; eis que ele foi transferido de Uruaçu/GO para  Marabá/PA, provisoriamente;

e) diária de viagens; pois ele viajava a trabalho e não recebia diária para tanto;

f) indenização por dano moral; uma vez que o labor excessivo lhe causou  danos psicológicos e maculou sua dignidade;

g) dano existencial; em virtude da excessiva jornada de trabalho, limitando o seu convívio social e familiar.

O Juiz deferiu o seguinte:

a) desvio de função; em razão de provas documentais comprovarem o exercício de atos de gestão estranhos à função de motorista, como procuração para representar a reclamada e assinaturas de contratos;

b) horas extras;

c) intervalo intrajornada;

d) intervalo interjornada;

e) repouso semanal remunerado; uma vez que o juiz considerou válida a  jornada apontada pelo reclamante, das 7 às 22 horas, todos os dias, sem folgas e sem gozo integral do intervalo intrajornada e interjornada, tendo em vista que a empresa não carreou aos autos os controles de jornada do reclamante, ônus esse que lhe incumbia. Além disso, era plenamente cabível o controle de jornada do obreiro, já que ele, de fato, exercia funções administrativas, internas, com poucas viagens;

f)  adicional de transferência; uma vez que, conforme prova testemunhal, o reclamante foi transferido de Uruaçu/GO para Marabá/PA, residindo em uma república, conhecida por ser uma moradia provisória, corroborando a alegação do reclamante de que sua transferência não foi em caráter definitivo;

g) diária para viagens; uma vez que o depoimento testemunhal provou a realização de viagens pelo obreiro, ainda que eventuais.

O juiz indeferiu o pedido de horas de sobreaviso e de indenização por dano moral, por entender que não restou caracterizado esse dano. Indeferiu-se também o pedido de indenização por dano existencial, pois na visão do juiz o trabalho por aproximadamente seis meses, com mudança de domicílio, horário de trabalho de 7 às 22 horas, de domingo a domingo, sem folga semanal, sem gozo integral de hora intrajornada e sem sequer gozo integral de intervalo interjornada não foram suficientes para provar um suposto dano existencial.

Para o juiz, era preciso ter uma prova especifica, como, por exemplo, um divórcio, uma reprovação numa universidade ou escola, uma falta ao aniversário de um filho, o último abraço a um pai que morrera, etc. O que não foi apresentado.

Quanto ao julgamento dos pedidos indenizatórios, o juiz pontuou a diferença entre dano moral e dano existencial, definido o impedimento de desenvolver projetos de vida no âmbito profissional, social e pessoal, prejudicando a dignidade humana, enquanto o dano moral representaria a lesão no direito personalíssimo ligado à honra, nome, etc., afrontando igualmente a dignidade humana.

Observa-se nesse material que o Juiz foi extremamente racionalista e exigiu uma prova quase diabólica do reclamante para que caracterizasse o dano existencial, mesmo com todos os elementos probatórios já contidos no processo, quais sejam: o trabalho por aproximadamente 6 meses de irregularidades, com mudança de domicílio, horário de trabalho das 7 às 22 horas, de domingo a domingo, sem folga semanal, sem gozo integral de hora intrajornada e sem gozo integral de intervalo interjornada.

O juiz não contextualizou a ausência do reclamante na vida de relações ou, até mesmo, não considerou a frustração de projetos pessoais, que automaticamente acontecem quando se labora em uma jornada excessiva.

Ora, imagine alguém trabalhando, como foi provado no processo, durante 6 meses, todos os dias, de 7:00h às 22:00h, sem qualquer dia de folga na semana, sem folga para almoçar e sem o mínimo de descanso entre o término de um dia de trabalho e o início de outro dia.

Essa pessoa, saindo do trabalho às 22:00h, chegaria em casa por volta das 23:00h ou 23:30h, sendo otimista. Imagine-se ainda que ela fosse tomar um banho e fazer uma refeição digna, considerando que não foi lhe dado tempo para realizar essa atividade pessoal.

Essa pessoa iria dormir por volta da 1:00h. Porém, às 7:00h já teria que estar no trabalho, portanto, teria de sair de sua casa por volta das 6:00h. Logo, acordaria no máximo às 05:20h para conseguir sair às 6:00h. Ou seja, calculando, ela teria 4 horas apenas de descanso entre um dia de trabalho e outro.

Quando então esse trabalhador ficaria com a sua família de forma descontraída? Seria da 1:00h às 5:20h? Afinal, existiria alguém acordado nessa hora? E se houvesse? Esse mesmo trabalhador iria trocar as pouquíssimas horas de sono para ficar com um parente ou amigo?

A prova específica que o juiz exigia, como um divórcio ou a ausência no batizado do filho, por exemplo, para fins de caracterização do dano existencial, seria na verdade, em nosso entendimento, uma prova não do dano, mas sim da extensão ou gravidade do dano.

Em nosso entendimento, o dano é caracterizado minimamente a partir da impossibilidade que a pessoa tem de usufruir momentos ao lado de seus familiares e amigos. Por exemplo: realizar o jantar em família, aconchegar-se nos braços dos pais ou do cônjuge, jogar futebol com os amigos, ler um livro, entre outras atividades da vida cotidiana que fazem parte do estar-no-Mundo.

Em nossa opinião, a impossibilidade de desfrutar esses momentos já caracteriza minimamente o dano em si mesmo, devido ao afastamento social e afetivo do trabalhador em relação ao Mundo. Um divórcio seria, por exemplo, uma consequência maior que esse dano existencial já previamente considerado teria gerado ao indivíduo, ou seja, seria uma extensão ou gravidade do dano, minimamente já caracterizado.

Especificamente nesse processo trabalhista, o reclamante foi enviado pela empresa para trabalhar em local diverso de onde morava, agravando anda mais a deficiência de suas relações interpessoais.

 Foi coerente o modo de vida do reclamante com as alegadas lesões e, de fato causadas à sua vida de relações, ferindo sua dignidade e demonstrando-se notoriamente a irresponsabilidade do empregador que trouxe efeitos nocivos à integridade social do reclamante. Entretanto, nesse caso, o juiz sendo extremamente formalista não visualizou os danos existenciais ocultos. Consequentemente, não foi proferida uma justiça substancial, tão aguardada pelo reclamante com a ação, pois não sendo provada materialmente a denúncia a ação perdeu força e validade na visão do juiz que aplicou nesse momento uma metodologia exclusivamente formalista, cartesiana, dependente das provas materiais.


7 SENTENÇA Nº 3

No processo 0010713-05.2015.5.08.0117,  da 2ª Vara da Justiça do Trabalho, da 8ª Região, o reclamante, motorista, ajuizou reclamação pleiteando exclusivamente indenização por dano existencial, em virtude de uma excessiva sobrejornada de trabalho, alegando que cumpria jornada de trabalho exorbitante, trabalhando em média de 6 às 22 horas, todos os dias, sem folga, embora laborasse rotineiramente além desse período, o que lhe afastou da convivência familiar e acarretou danos à saúde, causando-lhe também dano à sua existência social. Porém, não houve prova material do dano existencial e assim, o juiz indeferiu o pedido de indenização.

Apesar do resultado negativo da sentença, o juiz conceituou o dano existencial como sendo aquela situação em que se impede uma pessoa de desenvolver os projetos de vida no âmbito profissional, social e pessoal, afrontando diretamente a dignidade da pessoa humana, mas não se verificou na sentença um diálogo com o dano moral e nem se especificou como esses dois conceitos diferem.

A falta de provas materiais na visão do juiz formalista reforçou a convicção de que não eram minimamente coerentes as alegações do reclamante, sendo razoável na avaliação do juiz o indeferimento de qualquer valor a título indenizatório. 


8 sENTENÇA Nº 4

No processo 0000805-22.2014.5.08.0128, da 3ª Vara do Trabalho da 8ª Região a reclamante ajuizou reclamação trabalhista pleiteando, além de outros pedidos:

a)      verbas rescisórias; já que foi demitida sem receber aviso prévio indenizado;

b)      saldo de salário;

c)      13º salário proporcional;

d)      férias vencidas e proporcionais;

e)      repouso semanal remunerado; por trabalhar todos os dias sem folga compensatória;

f)       plus salarial por acúmulo de funções; eis que a mesma foi contratada para exercer a função de auxiliar de serviços gerais, porém, a reclamada passou a lhe exigir que exercesse função de cozinheira;

g)      adicional de insalubridade; uma vez que a reclamante utilizava produtos químicos como cloro, soda cáustica e outros, no exercício de suas atribuições, durante a jornada de trabalho;

h)       indenização por dano moral; em razão do atraso no pagamento de sua rescisão contratual;

i) indenização por dano existencial; uma vez que a reclamante era submetida a uma jornada extremamente excessiva de trabalho, além do permitido pela legislação trabalhista, tendo que trabalhar de 6:30 às 21:30 horas, com 1 hora de intervalo intrajornada, todos os dias, sem folgas compensatórias, o que prejudicou seu convívio familiar e social, atingindo sua dignidade.

Para fins de julgamentos dos pedidos indenizatórios, o juiz pontuou a diferença entre dano moral e dano existencial, destacando o impedimento das atividades cotidianas, prejudicando, assim, a manutenção das relações sociais externas ao ambiente de trabalho, como convívio com amigos e familiares, e atividades recreativas; enquanto o dano moral foi definido a partir da lesão ao direito da personalidade humana pelo viés psicológico.

Na fixação do quantum indenizatório do dano existencial, o juiz levou em consideração o tempo que a reclamante ficou submetida à jornada excessiva, mais o caráter pedagógico da condenação e o salário da autora do processo, sendo aplicado pelo juiz o princípio da equidade, razoabilidade e proporcionalidade, de modo que, além da certeza de que o ato lesivo não ficaria impune, a sentença teoricamente desestimularia práticas futuras pela empresa que afetam a dignidade do trabalhador.

Do ponto de vista metodológico, o magistrado equilibrou o formalismo e o intuitivismo, uma vez que incluiu as provas apresentadas nos autos e visualizou as oportunidades perdidas pelo reclamante, antes, durante e depois da situação problemática.

Concluiu o juiz que a atitude irresponsável da empresa comprometeu a dignidade humana da trabalhadora, que ficou praticamente enclausurado no ambiente laboral. Além disso, a lesão alegada pela reclamante era plenamente coerente com seu histórico pessoal, uma vez que a mesma provou que se afastou de sua vida de relações familiares e sociais em virtude das várias horas extras trabalhadas.

No tocante ao critério prático da proporcionalidade, a quantia fixada de R$30.000,00 (trinta mil reais) a título indenizatório, veio no sentido de desmotivar a reincidência do ilícito. Dessa forma, a decisão do juiz realizou justiça do ponto de vista formal e substancial, havendo uma sentença de mérito legítima prolatada por um juiz competente, com base nas provas apresentadas e na projeção do nexo virtual, condenando a empresa denunciada a reparar a sua irresponsabilidade existencialista.


9 SENTENÇA Nº 5

No processo 0010801-07.2015.5.08.0129, da 4ª Vara do Trabalho de Marabá, do TRT da 8ª região, o reclamante, motorista, ajuizou reclamação trabalhista pleiteando exclusivamente indenização por dano existencial, em virtude de uma imposição de excessiva jornada de trabalho, laborando de 06:00h às 24:00h, todos os dias, sem intervalo intrajornada ou folga semanal, sendo comum o trabalho também na madrugada, com poucas horas de sono, tendo que viajar constantemente em diferentes rotas, durante 2 anos e 4 meses, o que lhe privou o convício familiar e social, além do lazer, reiteradamente.

O juiz deferiu o pedido de indenização por dano existencial, entendendo que o autor provou a jornada excessiva alegada, ficando evidente que o excessivo tempo à disposição do empregador provocou danos à vida de relações sociais.

O juiz considerou existente o dano existencial, mas não propriamente a extensão do dano nos termos que o autor do processo pretendia, pois o juiz reconheceu que houve o gozo de eventuais intervalos e entendeu também que o mesmo trabalhador não conseguiu provar que seu relacionamento familiar foi prejudicado a ponto de seu filho de 6 anos de idade ter que morar com seus pais em razão de sua ausência, bem como, no âmbito profissional, não ficou provado que o reclamante precisou interromper cursos de qualificação por conta do trabalho.

 Ficou configurado perfeitamente para o juiz a presença do dano, mas não a gravidade ou extensão do jeito que o trabalhador alegava, principalmente porque o mesmo não conseguiu provas específicas que apontassem a extensão dos prejuízos familiares sofridos ou a frustração de seu projeto profissional do futuro.

O juiz no arbitramento do valor indenizatório de R$20.000,00 (vinte mil reais) considerou a capacidade econômica das empresas reclamadas, o caráter punitivo-pedagógico e o intuito compensatório da indenização, além do critério da razoabilidade, que limita a discricionariedade do julgador, e do critério da proporcionalidade, tendo em vista que o arbitramento não proporcionasse enriquecimento ilícito ao reclamante.

Conforme a fundamentação da sentença, o juiz fez correta distinção entre o dano moral e o dano existencial. Além disso, entendeu de forma acertada que a jornada de trabalho excessiva à disposição do empregador provoca danos atuais e futuros à vida de relações do trabalhador.

Como metodologia, o juiz buscou o equilíbrio entre o formalismo  e o intuitivismo, visto que julgou com base nas provas apresentadas nos autos, como cartões de ponto e depoimento de testemunhas, ficando assim comprovado que ele trabalhou aproximadamente 2 anos para as empresas reclamadas no horário de trabalho de 6:00h às 00:00h, em média, de domingo a domingo, com quase inexistentes folgas semanais, sem gozo integral de hora intrajornada e sem sequer gozo integral de intervalo interjornada, e além disso, viajando sozinho.

Também através do nexo virtual, projetou-se na sentença as implicações na vida do trabalhador, considerando-se que o indivíduo perdeu boas oportunidades em sua vida social e pessoal.  

Mais favorável ainda foi o fato de que a lesão alegada pelo reclamante era coerente e razoável com seu modo de vida até então adotado, ficando provado os prejuízos decorrentes de seu afastamento da família e da vida social em virtude do vasto tempo à disposição do empregador.

Sendo assim, ficou clara a lesão não somente à vida de relações em sentido amplo, mas também a lesão ao âmbito familiar do reclamante, sendo certo que tamanha quantidade de tempo à disposição da empregadora impediu qualquer tentativa de qualificação profissional, por menor que fosse, razão pela qual justificou-se a quantia fixada de R$20.000,00 (vinte mil reais) a título indenizatório, que foi considerada suficiente para desestimular a reincidência das condutas das empresas reclamadas, observando-se no entanto, a capacidade econômica das mesmas.


10 SENTENÇA Nº 6

Na sentença 0010900-74.2015.5.08.0129, da 4ª Vara da Justiça do Trabalho da 8ª Região, Marabá, o reclamante, motorista, ajuizou reclamação trabalhista pleiteando exclusivamente indenização por dano existencial, em virtude de uma excessiva sobrejornada de trabalho, alegando que cumpria jornada de trabalho abusiva, laborando de 5:00h às 22:00h, todos os dias, sem intervalo intrajornada ou folga semanal, o que lhe impediu de gozar uma vida saudável perto da família, dos amigos e praticar atividades lúdicas e esportivas, etc.

Entretanto, a sentença indeferiu o pedido de indenização por dano existencial, entendendo que o autor não provou o projeto de vida frustrado ou a ausência da convivência familiar, embora o reclamante tenha comprovado que trabalhava uma jornada excessiva, de 5:00h às 22:00h, todos os dias, sem intervalo intrajornada ou folga semanal.

A sentença conceituou o dano existencial e exigiu a necessária comprovação material do dano, pois segundo a sua análise, não se pode extrair automaticamente a ocorrência desse dano a partir do trabalho abusivo por si só denunciado.

Nessa sentença não houve distinção das lesões morais e existenciais, embora o dano existencial tenha sido corretamente conceituado como um ato danoso à realização de um projeto de vida e ao convívio social e familiar.

Na metodologia adotada, de natureza unicamente formalista, foi solicitada a prova material dos danos existenciais. Sem dúvida, o tempo em demasia exigido pela empresa do trabalhador, e comprovada no processo, obstaculizou as atividades cotidianas mais importantes no desenvolvimento do ser humano.

O afastamento do trabalhador de seus familiares e amigos, além de impedir atividades físicas, de lazer, higiênicas, de entretenimento, de fé, etc., impediu a existência da pessoa no mundo contemporâneo.

A falta de uma conversa, de um abraço, de uma coexistência humana gera um vazio existencial tão grande que traz lesões psicológicas, espirituais e existenciais à vítima.  Entretanto, a sentença evitou visualizar as verdades invisíveis ou ocultas da reclamação trabalhista em questão.

De acordo com o reclamante, o trabalho se deu por certo período, com jornada de 5:00h às 22:00h, de domingo a domingo, sem gozo integral de hora intrajornada, sem folgas semanais e intervalos interjornadas, ainda que não integrais. Com tudo isso, a juíza não contextualizou a ausência do reclamante de sua vida de relações ou, até mesmo, a frustração dos seus projetos pessoais. Desse modo, a juíza se concentrou na prova material. Usando essa metodologia, a juíza não condenou a reclamada por dano existencial, pois não teve acesso metodológico à gravidade do caso, definida pelas oportunidades perdidas, existentes no passado, presente e futuro.


11 DISCUSSÃO

Pelo critério da ontologia, a maioria das sentenças investigadas buscou não apenas a justiça formal, mas também a justiça substancial, tentando assim reequilibrar a relação desigual entre trabalhador e patrão. Fundamentalmente observou-se a dignidade da pessoa e da sociedade humana como núcleo rígido das sentenças.

Pelo critério da metodologia, a maioria das sentenças realizou uma análise sintética ou combinatória do formalismo jurídico cartesiano com o subjetivismo intuitivista embasado na sensibilidade e imaginação crítica do juiz.

Pelo critério da axiologia, a maioria das sentenças analisou a coerência ou razoabilidade entre o histórico de vida do trabalhador e a alegada lesão, destacando-se valores instrumentais como liberdade individual, eficiência da empresa, e responsabilidade existencialista do patrão, ficando constatada na verdade a irresponsabilidade social, humanista e existencialista da empresa sobre a vida do reclamante.

Pelo critério prático de decisão judicial, a maioria das sentenças aplicou a proporcionalidade no estabelecimento do valor indenizatório buscando compensar a lesão existencialista. A proporcionalidade é um parâmetro valorativo que emana diretamente das ideias de equidade, bom senso, prudência, moderação, proibição de excesso e permite aferir dessa forma a idoneidade de uma decisão judicial, visando obter uma decisão justa (KONCIKOSKI, 2012).

No que se refere ao dano existencial e sua reparação, a decisão deve trazer um quantum indenizatório que consiga compensar a lesão existencialista, porém, observando com cuidado as reais condições econômicas da empresa reclamada. Além disso, o valor arbitrado não pode gerar um enriquecimento do lesado, mas apenas a sua compensação, e deve ser suficiente para desestimular o empregador a cometer novos abusos, desempenhando assim um caráter pedagógico.

Pelo critério teórico, a maioria das sentenças procurou conceituar o dano existencial, trazendo seus elementos caracterizadores fundamentais; contudo, as decisões não realizaram, em sua maioria, a distinção expressa entre o dano existencial e o dano moral, nem mesmo se conceituou frequentemente este último conceito. Acreditamos que essa distinção e fundamentação teórica deveriam ser mais aprofundadas a fim de garantir a maturidade e clareza das decisões judiciais envolvendo esse novo conceito doutrinário. O dano existencial é um conceito novo do direito brasileiro, sendo importado da doutrina italiana há cerca de 5 anos. A correta distinção entre o dano existencial e o dano moral nas sentenças se faz necessária porque as decisões judiciais são públicas e servem como guia de interpretação, devendo ser transparentes e inteligíveis, de forma que, mesmo quem não atue na área jurídica, deve entender os motivos que levaram determinada decisão judicial aos braços do existencialismo jurídico.

Por fim, como critério contextual, a maioria das sentenças conseguiu diagnosticar o impedimento do trabalhador de “estar-no-Mundo”, notando que havia interesse do empregador exclusivamente no aspecto econômico do lucro, induzindo o empregado a praticar jornadas de trabalho muito extensas, sem respeitar a sua integridade física, mental e social. Na maioria das sentenças trabalhistas, onde foi julgado procedente o pedido de indenização por dano existencial, vieram à tona debates intensos sobre as horas à disposição do trabalho que implicaram no impedimento do convívio com familiares e amigos e afetaram a realização de necessidades básicas, como atividades religiosas, higienização, alimentação saudável, lazer, afetividade, etc.


conclusão

As sentenças analisadas nesse estudo demonstraram que existe uma estrutura lógica de raciocínio guiada por uma série de critérios hermenêuticos que caracterizam conjuntamente a argumentação do conceito de danos existenciais.

Pelo critério ontológico desse conceito, as sentenças devem observar que existe algo essencial no debate dos danos existenciais que é o prejuízo causado ao trabalhador que fica impedido de alguma forma de estar-no-Mundo e de realizar projetos outros que poderiam lhe proporcionar algum progresso existencial. Na linguagem doutrinária, os danos existenciais são os danos causados à vida de relações e ao projeto de vida do trabalhador. Diante desse problema, o juiz observa a gravidade dos fatos sobre a qual incidirá a sua interpretação a respeito da injustiça cometida pelo patrão. Pelo prisma ontológico, portanto, a meta do juiz é promover um reequilíbrio existencialista, ainda que simbólico, entre o Mundo e o Trabalho. O gozo da vida, a satisfação do bem-estar, o direito ao ócio, o comprometimento religioso, familiar, cultural, entre outros prazeres, deveres e direitos humanos, são sinais de que a pessoa está viva, saudável, e repleta de capacidades e habilidades que caracterizam o direito da personalidade de qualquer indivíduo.

O critério metodológico desse conceito propõe, por sua vez, a dialética do raciocínio jurídico entre dois extremos: o subjetivismo intuitivista e a racionalidade formalista ou cartesiana do juiz. De um lado, o juiz pode optar pelo materialismo e acreditar que tudo deve ser provado. Agindo dessa forma o julgador entenderá que os registros materiais e testemunhais são os elementos decisivos e suficientes para a comprovação objetivista do dano existencial, mas em nosso ponto de vista, quando se fala em dano existencial as provas do passado não são obrigatoriamente o único termômetro ou espelho para se avaliar o sentido e o alcance desse fato ilícito no tempo presente e futuro. Existe um outro caminho metodológico trilhado pela sentença do juiz que pode ser do tipo subjetivista, nesse caso, deve predominar a sensibilidade do juiz, independentemente do conjunto probatório disponível e materialmente detalhado nos autos do processo. Em tal situação, o juiz avalia que houve danos existenciais pelo simples fato de ter havido excesso de carga horária de trabalho. Além desses dois extremos, existe uma terceira via metodológica que pode caracterizar a completude do raciocínio jurídico existencialista, abordando o conceito de dano existencial, sintetizando as informações materiais do passado com a intuição do juiz a respeito de como será o futuro existencial da vítima. Nesse sentido, a verificação da conduta danosa e a sua reparação incluirão além do trinômio: dano, nexo causal e culpa, um outro elemento inovador: o nexo virtual. Esse tipo de procedimento foi praticado claramente pela maioria das sentenças analisadas.

A conexão entre a atividade desenvolvida pelo trabalhador e o fato lesivo narrado no processo muitas vezes não leva o julgador a ter uma exata compreensão do dano causado à existência do indivíduo. Nesse sentido, o magistrado que busca entender a complexidade do caso poderá considerar por meio de uma projeção intuitiva que os registros materiais e testemunhais sugerem uma dialética entre o passado, o presente e o futuro, projetando-se consequentemente os nexos virtuais entre: 1- a realidade dos fatos apresentada pelo processo judicial, 2- o fracasso das vivências pessoais relatado pela vítima; 3- e o projeto de vida que o trabalhador poderia ter vivenciado caso não houvesse a interferência ilícita do patrão. Ou seja, trata-se de combinar no raciocínio complexo do juiz não só o que aconteceu materialmente no passado, mas também o que acontece no presente e o que acontecerá no futuro através das oportunidades perdidas.

O critério axiológico desse conceito doutrinário, em seguida, indica a importância da razoabilidade para avaliar se o projeto de vida idealizado pelo trabalhador, supostamente sacrificado ou maculado pelo ato lesivo do patrão, estava, na época, minimamente coerente com os meios adotados pelo mesmo trabalhador. O que se pretende descobrir com esse critério é se no sistema de valores da pessoa em questão, na sua conduta real e também na sua biografia existia mesmo a conexão entre certas metas e os meios adotados. Outros valores são indispensáveis, sobretudo, a liberdade do trabalhador, a eficiência da empresa, a responsabilidade humana do patrão e a dignidade da pessoa e da sociedade humana.

Pelo critério teórico, o conceito de danos existenciais solicita que se faça a distinção com o dano moral, entendendo-se fundamentalmente que o primeiro é causador de lesões sociológicas e o segundo, de lesões psicológicas e éticas.

Como critério de solução judicial do problema, as sentenças devem adotar o critério da proporcionalidade, visando estabelecer uma quantia suficiente para compensar a privação sofrida pelo trabalhador e desestimular a reincidência do fato ilícito pelo empregador, sem onerar excessivamente o último e enriquecer o primeiro.

Finalmente, pelo critério contextual, a motivação da sentença deve reforçar o direito da pessoa de “estar-no-mundo” e considerar consequentemente nessa direção que o dano existencial é resultado de atitudes culturais e históricas que impedem o trabalhador de se relacionar e de conviver com a família e a Sociedade. Também as sentenças precisam criticar o sistema capitalista selvagem, ainda que seja de forma indireta ou implícita, focalizando a ambição do capitalista que compromete o ideal de um trabalho decente proposto, inclusive, pela Organização Internacional do Trabalho.


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ABSTRACT: the objective of this research is to diagnose the reasoning structure of seven judgments of the labor court of the 8th region, evaluating whether there is convergence in the way the concept of existential damage was used. The methodology applied to this purpose is composed of a series of epistemological categories (ontology, methodology, axiology, theory, praxis and context) that guide the empirical investigation focusing on the hermeneutic criteria or procedures within this logic order. The result of this methodology shows that most of the sentences analyzed are convergent from the formal point of view and substantial through the philosophy of legal existentialism that is inherent in the concept of existential damages. This empirical research analyzing the way in which the judges develop the judicial sentences using the concept of existential damages

KEYWORDS: legal existentialism; existential damages; judicial sentences; human rights.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Adriano Guimarães de; MONTARROYOS, Heraldo Elias. O existencialismo jurídico na Justiça do Trabalho da 8ª Região. Investigando o modo como os juízes desenvolvem o conceito de danos existenciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5100, 18 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56790. Acesso em: 23 abr. 2024.