Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/5693
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O poder reformador e seus limites.

Análise crítica do § 3º, art. 114, CF/88, acrescentado pela EC nº 20/98

O poder reformador e seus limites. Análise crítica do § 3º, art. 114, CF/88, acrescentado pela EC nº 20/98

Publicado em . Elaborado em .

A Justiça do Trabalho passou a executar, de ofício, os débitos relativos às contribuições sociais a cargo do empregador, cuja competência, anteriormente, era afeta à Justiça Federal, tendo como titular do crédito tributário o INSS.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; CAPÍTULO I – A IDÉIA DE SISTEMA; CAPÍTULO II – O PROBLEMA DA VALIDADE DA NORMA; CAPÍTULO III – DOS MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO; CAPÍTULO IV – DO PODER REFORMADOR – LIMITES; CAPÍTULO V – O QUE SÃO CLÁUSULAS PÉTREAS; CAPÍTULO VI – DA MODIFICAÇÃO INTRODUZIDA A PARTIR DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20 – VIOLAÇÃO ÀS GARANTIAS E DIREITOS FUNDAMENTAIS – CLÁUSULAS PÉTREAS; CAPÍTULO VII – DO PODER JUDICIÁRIO – DIVISÕES DE COMPETÊNCIAS; CAPÍTULO VIII – DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE; CAPÍTULO IX – DOS PRINCÍPIOS VIOLADOS PELO § 3º, ARTIGO 114, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – CLÁUSULAS PÉTREAS – EMENDA INCONSTITUCIONAL; CONCLUSÃO; REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objeto analisar a inovação legislativa que teve origem na Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que acrescentou ao artigo 114 do Texto Supremo o § 3º, cuja redação é a seguinte: "Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, "a", e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir".

A partir da inserção do § 3º, a Justiça do Trabalho passou a executar, de ofício, os débitos relativos às contribuições sociais a cargo do empregador (art. 195, I, alínea "a" e II), cuja competência, anteriormente, era afeta à Justiça Federal, tendo como titular do crédito tributário o Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.

Além da impropriedade da linguagem empregada pelo legislador titular do poder reformador, cuja imperfeição poderá conduzir o intérprete à conclusão equivocada quanto ao conteúdo da norma, existem outros aspectos, de cunho eminentemente jurídico, que serão analisados sob a ótica do direito positivo que, indubitavelmente, causarão perplexidade ao leitor, mormente em relação ao resultado da norma posta, de duvidosa constitucionalidade.

Embora a Emenda Constitucional nº 20 (vinte) tenha sido publicada no final do ano de 1998, esse tema ainda desperta interesse geral, porquanto, além da escassez doutrinária a respeito, na prática, ocorreu uma ruptura do sistema (em relação às contribuições sociais do art. 195, CF), provocando verdadeira perplexidade aos operadores do direito positivo.


CAPÍTULO I

A IDÉIA DE SISTEMA

Sistema é conjunto de elementos estruturados, composto de regras que estabelecem a forma como aqueles (os elementos) se relacionam. Plagiando SANTI [1], "a idéia de sistema constituiu-se tradicionalmente, como conceito instrumental da ciência. O conhecimento científico requer em seu discurso garantias de sua própria validade, que lhe configuram grau máximo de certeza".

A ciência é composta de normas descritivas, ao passo que o direito positivo é eminentemente prescritivo.

No Sistema de Direito Positivo os elementos são os enunciados inseridos de acordo com as regras estruturais, que se relacionam entre si de modo a torná-lo harmônico e coerente, identificando-se como normas jurídicas (ou proposições jurídicas, na versão de SANTI).

Norma jurídica, para CARVALHO [2], "é a significação que colhemos da leitura dos textos de direito positivo".

Subdividem-se essas normas em regras de conduta e de estrutura, donde, na primeira hipótese, fixam padrões de comportamento voltados para as relações intersubjetivas, e, na última situação, fixam fórmulas para a produção daquelas primeiras.

Esse sistema organizado é estruturado mediante vínculos de coordenação e subordinação. Porém, como salienta CARVALHO [3], "o exame concreto dos vários sistemas de direito positivo chama a atenção para a existência de lacunas e contradições entre as unidades do conjunto".

A estrutura piramidal do Sistema de Direito Positivo, ou seja, todas as normas que o compõem têm seu fundamento de validade na Constituição Federal, e permite ao intérprete eliminar as contradições; trata-se pois, de buscar sempre e invariavelmente o "fundamento de validade" da norma, inspirado na lição kelsiana, onde toda produção normativa tem, necessariamente, assento noutra (relação de subordinação e hierarquia).

A esse respeito, escreveu CARRAZZA [4] que,

[...] as normas jurídicas apresentam-se hierarquizadas, no mundo do direito, formando o que se convencionou chamar de "pirâmide jurídica". Nela, a juridicidade de cada norma é haurida da juridicidade daquela que a suspende. Resulta daí, que a ordem jurídica, longe de ser um sistema de regras disposta no mesmo patamar, é uma construção escalonada de diferentes níveis de normas jurídicas, onde a Constituição, no dizer expressivo de Hans Kelsen, "[...] representa o escalão de Direito Positivo mais elevado". Em suma, o direito positivo caracteriza-se pela estrutura normativa escalonada, onde a Constituição possui a suprema hierarquia.

No ápice dessa pirâmide imaginária estão as normas constitucionais e que dão o fundamento de validade todas as demais normas posta no sistema.


CAPÍTULO II

O PROBLEMA DA VALIDADE DA NORMA

Sabemos que a Ciência do Direito é conjunto de enunciados descritivos, ao passo que o Direito Positivo é o conjunto de normas jurídicas válidas, cujo sistema se apresenta em linguagem prescritiva. SANTI [5] confirma essa versão, afirmando que "norma jurídica é a proposição prescritiva que tem a forma implicacional, associando a um possível dado factico uma relação jurídica".

Para alguns abalizados doutrinadores, a validade da norma se confunde com a sua própria existência, enquanto que para outros, não menos respeitados, a validade é um atributo ou qualidade da norma, indicando a necessidade de conformação com os demais componentes do mesmo sistema, como se necessária fosse a confirmação da norma recém produzida por outra já existente, ainda que hipotética.

A primeira corrente é defendida, dentre outros, por CARVALHO [6], para quem "é intuitivo crer que a validade se confunde com a existência, de sorte que afirmar que u´a norma existe implica em reconhecer sua validade, em face de determinado sistema jurídico".

Já a segunda posição, foi bem esmiuçada por PIMENTA [7], que apoiado na lição de Von Wright, escreveu: "norma existente é a norma posta no sistema, enquanto norma válida é aquela que está em conformidade com a norma que representa o se fundamento, tanto a que guiza a regra de competência e o procedimento, quanto a que determina o conteúdo".

Destarte, mal comparando, nessa última hipótese a norma surgiria como se fosse um instrumento musical, integrante de uma grande orquestra (sistema de direito positivo) que, ao ser executado, em conformação com a determinação do maestro (competência), poderia produzir dois resultados, a saber: a) se executado no momento apropriado (procedimento), emitiria um som harmônico e afinado com os outros instrumentos (normas); b) se executado em desconformidade com as regras de competência e procedimento, provocaria total desarmonia, desafinando o "conserto", representado nesse mundo imaginário pelo sistema.

Confesso-lhes que essa segunda corrente doutrinária é encantadora e até mesmo convincente; porém, por uma questão de método teórico, filio-me àquela abalizada por CARVALHO [8], por opção arbitrária.

Portanto, o modelo adotado será aquele que contempla a validade da norma como conseqüência da própria existente, ou seja, norma produzida e introduzida no sistema é existente e, por isso, válida.


CAPÍTULO III

DOS MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO

Interpretar é atividade intelectual, que busca declarar o conteúdo, o sentido e alcance da regra objeto de análise.

Como as normas jurídicas são significações colhidas dos textos, é tarefa do intérprete, na aplicação do direito, o exercício da interpretação (grifo nosso).

A doutrina colocou à disposição do intérprete vários métodos, dentre eles, destacam-se o literal, lógico e o sistemático.

Porém, só o método sistemático contempla os planos sintático, semântico e pragmático e por isso CARVALHO [9] o considerou como "o método por excelência", na medida em que o direito positivo, como corpo de linguagem de cunho prescritivo, exige a investigação nesses três planos, "recolhendo a significação adequada do produto legislado".

Optou-se, neste trabalho, por exercitar a interpretação sempre e invariavelmente pelo método sistemático, contemplando os planos sintático, semântico e pragmático, para, ao final, retirar dos textos examinados a significação mais adequada.


CAPÍTULO IV

DO PODER REFORMADOR – LIMITES

SILVA [10] afirmou que,

[...] o poder constituinte originário, que é a manifestação primeira e mais elevada da soberania popular, realiza sua obra, a Constituição, nele traduzindo o princípio da supremacia e, com isso, ele se ausenta, se oculta, desaparece, porque o seu poder soberano passou a ser encarnado naquela supremacia. A soberania da Constituição perdurará até que o poder constituinte originário seja novamente chamado para elaboração de nova Carta Política.

Veja que o "Poder Originário" é soberano e ilimitado, inclusive quando uma Constituição substitui outra, diferentemente do "Poder Constituído", que é regrado, condicionado e porque não dizer limitado.

A meu ver, trata-se de legítima norma de conduta, que impõe ao legislador imbuído do poder "constituído" limitações à produção de outras normas – formais e materiais.

Interessa-nos nesse momento o estudo das limitações materiais (embora seja imperioso reconhecer que as limitações formais também podem levar à inconstitucionalidade da norma posta), para se saber se o poder "reformador" pode atingir qualquer disposição constitucional ou se existem algumas que são intocáveis (grifo nosso).

Antes, porém, é fundamental estabelecermos o conceito de reforma, a fim de bem delimitar o tema em foco.

Para SILVA [11], reforma "consiste num processo não formal de mudanças das constituições rígidas, por via da tradição, dos costumes, de alterações empíricas e sociológicas, pela interpretação judicial e pelo ordenamento de estatutos que afetem a estrutura orgânica do Estado".

Daí o citado mestre fazer referência à reforma como gênero para englobar os métodos de mudança constitucional – emenda e revisão -, salientando que a emenda "é o processo formal de mudança".

Discussões à parte, crêem os doutrinadores que o conceito de reforma deve ser empregado no sentido mais amplo, cabendo à emenda (espécie daquele gênero) a função de introduzir no sistema de Direito Positivo (subsistema constitucional) a modificação do Texto Supremo, mediante processo formal que requer agente competente, conforme delimitado na própria Constituição Federal.

Destarte, empregaremos o termo reforma como gênero e emenda como espécie, na verdade, o veículo introdutor de normas primárias.

De início, apenas para aguçar a discussão, é fundamental nos referirmos ao § 4º, artigo 60, do atual Texto Magno, in verbis, que estabelece as limitações ao poder reformador, prescrevendo: "§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado; II – o voto direto, secreto, universal e periódico; III – a separação dos Poderes; IV – os direitos e garantias individuais".

As limitações, segundo a doutrina moderna, subdividem-se em temporais, circunstanciais e materiais. A primeira, pouco utilizada no Brasil, refere-se ao fator tempo, surgindo para o legislador como um obstáculo instransponível até o alcance do limite temporal fixado. A segunda aparece a partir de fatos eleitos pelo constituinte que, se ocorridos no mundo fenomênico, impedem temporariamente qualquer proposta reformadora. Exemplo típico é a limitação do artigo 60, § 1º, da Carta Política de 1988.

Por último, surge a terceira e mais importante limitação – a material -, que aparece como imposição do próprio constituinte ao excluir determinadas matérias do conteúdo de incidência do poder de reforma (art. 60, § 4º - I a IV), (grifo nosso).

No campo do Direito Tributário subsiste figura jurídica distinta da limitação material, mas que também impede o legislador (ordinário) de exercitar a competência tributária plena sobre fatos jurisdicizados pelo constituinte, cujo instituto se denominou de imunidade.

A diferença entre a limitação material do poder reformador e a limitação constitucional que decorre da imunidade tributária é que, nessa última hipótese, a norma é direcionada para o legislador ordinário, cada qual dentro de sua competência, enquanto que na primeira figura o interessado é o titular do poder reformador (Congresso Nacional).

Em algumas situações isoladas e especiais os destinatários de ambas as limitações se confundem (art. 59, I e II, CF/88); porém, as exigências e os procedimentos são totalmente diferentes (art. 60, I, II e III, e § 2º, CF/88).

A comparação se deve ao fato de que, em ambas as situações, afloram a incompetência das pessoas políticas para expedir atos normativos que alcancem ou modifiquem as situações específicas estabelecidas pelo constituinte.

Delineado o conceito e o campo de atuação do legislador titular do poder reformador, surge, a seguir, a indagação quanto aos limites específicos e individuais do art. 60, § 4º, I a IV, CF/88, ou seja, será que só nessas hipóteses que há "incompetência" para exercitar o poder constituído ou, ao contrário, existem outras limitações não previstas expressamente no Texto Magno, as chamadas limitações implícitas?

Para SILVA [12] existem limitações de índole implícitas. E exemplifica, tornando mais fácil a compreensão do leitor:

É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem: "Fica abolida a Federação", ou "Suprima-se o inciso II do art. 5º". A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer dos elementos conceituais da Federação no sentido de seu enfraquecimento, isto é, que encaminhe, "tenda" (emenda "tendente", diz o texto) para a sua abolição, ou emenda que "tenda" a enfraquecer qualquer dos direitos e garantias individuais constante do art. 5º.

VIEIRA [13], sobre esse tema, escreveu: "Ao impedir a deliberação sobre proposta de emenda "tendente a abolir" esses princípios, instituições e direito, o constituinte colocou-os em posição hierarquicamente superior a das demais normas da Constituição".

É fácil notar que ambos os doutrinadores citados enfatizam e destacam a palavra "tendência" para assinalar que os limites estão voltados também para outras normas constitucionais que reforcem os dispositivos elencados nos diversos incisos do art. 60, § 4º, da Constituição vigente.

Corrobora com essa afirmação FERREIRA [14], quando diz que: "Veda-se não apenas a emenda que suprima princípios fundamentais, mas também aqueles que, sem suprimi-los de imediato, acabam por lesá-los deflagrando o processo de erosão da ordem constitucional".

Há que se enfatizar, entretanto, que essas posições doutrinárias não são unânimes, visto que parte da doutrina tem se preocupado com eventual "engessamento" do processo de reforma, dado o conceito aberto que fora submetido às palavras "tendente a abolir" e "princípios constitucionais".

Manoel Gonçalves Ferreira Filho [15] alerta que, por ser exceção e não regra, a limitação material "há de ser interpretada restritivamente".

Imagino que a solução mereça análise mais acurada, mas que não será tratada aqui com a profundidade que o assunto requer, até por não ser objeto do tema central que o presente trabalho se propôs.

Adotarei como modelo teórico, apenas para manter a coerência com as conclusões que serão apresentadas ao final, aquele que reconhece a natureza jurídica das normas insertas nas limitações ao poder de reformar como sendo verdadeiros princípios explícitos, sem deixar de reconhecer, também, a existência de princípios implícitos, assentados pilares constitucionais que dão sustentação ao edifício imaginário de Celso Antônio Bandeira de Mello (grifo nosso).

Esses princípios, por sua vez, se voltam à proteção das instituições básicas da Carta Magna, e por isso é forçoso reconhece-los como fundamentais tanto quanto os explicitados pelo constituinte e como tal, inibem a ação legislativa que emana do poder reformador.

Destarte, é forçoso dizer que os limites do titular do poder reformador são aqueles inseridos no art. 60, § 4º, I a IV, da CF/88, in verbis que dispõem o seguinte: "§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais".

Certo é, pois, que a norma emanada do poder reformador, ou poder constituinte derivado, não pode, validamente, alterar norma que, em virtude de preceito explícito do poder constituinte originário, está amparada por cláusula de imodificabilidade.

São explícitas as que impedem a alteração da Federação: o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Não se permite nem mesmo deliberação sobre proposta de emenda tendente a aboli-las, tal como explicitado acima.

O art. 60 em seu § 4º, é quem fixa os Limites Materiais do Poder Constituído de Reforma.

Não há como aceitar, por sua patente inconstitucionalidade, eventual afronta às chamadas "cláusulas pétreas", ainda que decorrente de norma introduzida pelo titular do poder reformador.


CAPÍTULO V

O QUE SÃO CLÁUSULAS PÉTREAS?

Convém, antes de adentrar propriamente no tema deste trabalho, entender o que são cláusulas pétreas e como elas protegem direitos adquiridos.

Decerto que as palavras têm vida. Como signos lingüísticos, constituem verdadeiros pedaços de vida encartadas em folhas de papel. Por isso, cumpre-nos investigar o sentido dos vocábulos, porque eles, se empregados indevidamente, constituem as fontes dos mal entendidos.

O adjetivo "pétrea" vem de pedra, significando "duro como pedra". Trasladando a etimologia da palavra para o campo constitucional, cláusula pétrea é aquela imodificável, irreformável, insuscetível de mudança formal.

Tais cláusulas consignam o núcleo irreformável da Constituição. Preferimos denominá-las, sem exclusão dos outros termos, de cláusulas de inamovibilidade, porquanto diante delas, o legislador não poderá remover elenco específico de matérias (v.g., art. 60, § 4º, da Constituição).

Assim, a forma federativa de Estado, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes, os direitos e garantias individuais, incluindo-se aí os direitos adquiridos, não podem sofrer mudanças, porquanto são inamovíveis.

Mas vale investigar a índole jurídica das cláusulas de inamovibilidade. Elas são aquelas que possuem uma supereficácia, ou seja, uma eficácia total, como é o caso do mencionado § 4º, do art. 60, CF/88.

Total, pois contêm uma força paralisante e absoluta de toda a legislação que vier a contrariá-las, quer implícita, quer explicitamente. Daí serem insuscetíveis de reforma, e.g, arts.1º; 2º; 5º, I a LXXVII; 14; 18; 34,VII, a e b; 46,§ 1º; 60, § 4º etc.

São ab-rogantes, desempenhando efeito positivo e negativo. Têm efeito positivo, pois não podem ser alteradas através do processo de revisão ou emenda, sendo intangíveis, logrando incidência imediata. Possuem, noutro prisma, efeito negativo pela sua força paralisante, absoluta e imediata, vedando qualquer lei que pretenda contrariá-las.

Permanecem imodificáveis, exceto nas hipóteses de revolução, quando ocorre ruptura na ordem jurídica, para se instaurar uma outra.

Como se vê, as cláusulas de inamovibilidade trazem limites materiais ao poder de reforma constitucional, os quais foram reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal.

Alguns desses limites ou vedações materiais são expressos, outros implícitos.

A essa altura já se percebe que não é todo e qualquer assunto que constitui alvo da competência reformadora. De fato, sendo o poder reformador subordinado e instituído pelo instrumento que lhe traçou o perfil e ditou o seu modus operandi, qual seja, o poder constituinte originário, nem tudo ele pode, nem todas as manifestações solicitadas poderá satisfazer, nem todas as reclamações formuladas poderão ser acolhidas.

Conseqüência disso, o legislador ordinário não tem a varinha de condão para fazer mágicas, exercendo livremente o poder de criar situações inconstitucionais, mantidas pela interpretação distorcida de preceitos e princípios constitucionais reformados.

Assim, quem desejar saber a extensão das cláusulas do art. 60, § 4º, da Constituição, não precisa ir muito longe. Basta ter em mente o caráter instituído que condiciona as formas de exercício da competência reformadora.


CAPÍTULO VI

DA MODIFICAÇÃO INTRODUZIDA A PARTIR DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20 – VIOLAÇÃO ÀS GARANTIAS E DIREITOS FUNDAMENTAIS – CLÁUSULAS PÉTREAS

A Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, acrescentou ao artigo 114 do Texto Supremo, dentro do capítulo destinado ao "Poder Judiciário", o § 3º, cuja redação, in verbis, é a seguinte: "Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, "a", e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir".

Numa análise simplista e isolada, descomprometida com o sistema e com a correta interpretação da norma posta, poderia o leitor afirmar, sem mais delongas, que o titular do poder reformador, com a inclusão do parágrafo 3º, apenas outorgou à Justiça do Trabalho mais uma competência que antes era conferida aos juízes federais.

Vejo a situação de modo mais amplo e, plagiando Gilmar Mendes Ferreira, afirmo que a introdução dessa norma causou "desarmonia ao sistema", extrapolando o titular do poder reformador os limites que lhe são impostos pelo Texto Supremo, mormente porque há flagrante violação às cláusulas pétreas inseridas no art. 60, § 4º, IV, da CF/88.

Na prática, após o trânsito em julgado da decisão exarada em processo trabalhista, o próprio juízo fixa o quantum debeatur a título de contribuição previdenciária e assinala prazo de 24 (vinte e quatro) horas para o sujeito passivo efetuar o pagamento, sob pena de prosseguir nos próprios autos com a respectiva execução desse crédito tributário; não se esqueça, ainda, que o mesmo vem ocorrendo na hipótese de sentença homologatória de acordo havido entre as partes.

Tem o juízo competência para fixar o valor da contribuição previdenciária a cargo do empregador, nas hipóteses em questão? Qual é a natureza jurídica desse ato? Pode o juízo, exercitando direito de outrem, cobrar de ofício esse crédito tributário?

Para responder essas indagações me obrigo a discorrer, previamente, acerca da natureza jurídica do lançamento tributário, o crédito tributário em si e sua exigibilidade.

Explico-me. No dizer de CARVALHO [16] "nasce o crédito tributário no exato instante em que irrompe o laço obrigacional, isto é, ao acontecer, no mundo físico exterior, aquele fato hipoteticamente descrito no suposto normativo. Instaurada a obrigação, dentro dela estará, inexoravelmente, o crédito".

Não obstante isso, é fato que a liquidação do crédito depende de um ato que o Código Tributário Nacional, no art. 142, preferiu denominar de lançamento (e aqui não interessa se a eficácia e declaratória ou constitutiva), dispondo o seguinte, in verbis:

Art. 142 - Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. (grifo nosso)

CARVALHO afirma que "o crédito tributário se constitui juntamente com a obrigação", concluindo, a princípio, ser dispensável o ato administrativo de lançamento; no entanto, o mesmo autor salienta que o crédito tributário "nem sempre surge em estado de liquidez, apto para ser exercido, pronto para ser postulado. Vezes sem conta, vem à luz indeterminado, ilíquido, fazendo-se necessário um problemático processo de apuração". [17]

Surge, então, a figura do lançamento (art. 142, CTN), como indispensável não para constituir ou declarar o crédito tributário (que nasceu junto com a obrigação), mas apenas para liquidá-lo, revestido da natureza de uma norma individual, que tem a finalidade de acrescentar determinação e certeza àquela obrigação que já nascera, fixando (e isso é que é importante nessa fase), os termos de sua exigibilidade.

O primeiro problema se aflora a partir do exato momento em que, na prática, esse "lançamento", que é privativo da autoridade administrativa, passou a ser função do magistrado titular de uma das Varas do Trabalho deste país, porquanto, com a decisão de mérito ou no ato da homologação de eventual acordo entre empregador e empregado, o juiz "fixa" o quantum a título de contribuição previdenciária a cargo daquele (o empregador), intimando-o para imediato pagamento, sob pena de penhora de bens.

Ora, o magistrado não detém competência para praticar esse "ato" administrativo, que é função da autoridade fazendária, até porque quando julga o juiz não exerce função administrativa, mas apenas a jurisdição.

SANTI [18] apontou os pressupostos do suporte fático do lançamento como sendo: a) a competência do agente; b) o procedimento; c) o motivo do ato; e, d) a publicidade.

A respeito da competência do agente, escreveu o mesmo autor, com maestria:

Toda norma jurídica nasce de um fato jurídico, mas particularmente, todo ato-norma nasce de um fato jurídico suficiente. Para a conformação deste, em direito público, exige-se sujeito competente no exercício de atribuição de órgão, agindo em nome de ente com personalidade jurídica. Agente competente é o sujeito competente para produzir o ato em nome da pessoa jurídica de direito público, no exercício das atribuições do órgão a que se vincula. É, portanto, aquele agente público (fiscal, auditor, etc.) que constatando o fato jurídico tributário (motivo do ato-fato) se vê na contingência legal de, mediante o procedimento previsto em lei, constituir o suporte físico do ato de lançamento [...].

Evidente, destarte, que o magistrado não detém competência para exercer essa atribuição, até porque o juiz não representa e nem está vinculado à pessoa jurídica de direito público titular do crédito tributário.

XAVIER [19] comunga desse entendimento, ao discorrer sobre o lançamento como ato administrativo. Diz o autor:

O lançamento é, como vimos, um ato de aplicação da norma tributária material no caso concreto. Mas ele se individualiza por ser, por natureza, um ato organicamente administrativo, no sentido de que é praticado por órgãos integrados na Administração ativa, no exercício de uma função administrativa.

Na seqüência, arremata o professor lusitano:

Sem querer entrar no terreno, tão difícil como explorado, da distinção entre administração e jurisdição e, portanto, da divisibilidade de natureza dos atos praticados no exercício dessas funções, duas razões bastam desde já para separar conceitualmente uns e outros, reservando a noção de lançamento aos que revestem natureza administrativa. Por um lado, a própria lei reserva o conceito de lançamento aos atos praticados por órgãos da Administração. Com efeito, o art. 142 é claro ao referir-se ao lançamento como matéria de competência privativa da autoridade administrativa e ainda como atividade administrativa vinculada e obrigatória. Exclui assim do âmbito deste conceito os atos jurisdicionais, designados por decisões, sentenças ou acórdãos. Por outro lado, a disciplina jurídica traçada pela lei para os atos praticados por órgãos administrativos é completamente diversa da que fixou para os atos jurisdicionais de aplicação das normas tributárias. A inserção de ambos num conceito doutrinariamente comum não evitaria, pois, a necessidade de ulteriores distinções e só contribuiria para adensar as dúvidas e dificuldades que constantemente se suscitam neste domínio do Direito.

É fácil notar, então, a deturpação do sistema de direito positivo pela novel disposição constitucional inserida pelo constituinte derivado, na medida em que todas as normas que dispõem acerca do crédito tributário e sua constituição definitiva estão sendo desrespeitadas, atropeladas, porque não dizer, violadas.

Outro problema deve ser analisado. Refiro-me as fases necessárias e antecedentes à constituição definitiva do crédito tributário que, na hipótese em apreço, estão sendo ultrapassadas, melhor dizendo, inobservadas pelo magistrado, porquanto a partir da cientificação do ato de lançamento instaura-se o procedimento administrativo fiscal, onde é dado ao "contribuinte" o direito de impugnar a exigência, produzir provas, enfim, exercita-se a ampla defesa para, tão somente ao final, depois de esgotados todos os "recursos", se considerar liquidado o crédito, estando apto a ser inscrito em Dívida Ativa e cobrado judicialmente.

A esse respeito, escreveu CARVALHO [20] que,

[...] o lançamento tributário, ao ser lavrado pela autoridade administrativa competente, vem impregnado dos atributos da presunção de legitimidade e da exigibilidade. O sujeito passivo não se conformando poderá deduzir seus artigos de impugnação, suscitando, então, o pronunciamento de órgão controlador da legalidade daquele ato que, por sua vez, também abre ensejo a nova manifestação de insurgência do administrado, mediante recurso a órgãos superiores da Administração, quase sempre estruturados em colégio. O contraditório administrativo pode se prolongar, desde que as leis reguladoras da matéria, no âmbito federal, estadual e municipal, assim o estabeleçam.

Em síntese, no caso comentado, o juízo pratica o ato de "lançamento", não oportuniza o sujeito passivo o exercício do direito à ampla defesa (que, muito embora seja princípio de natureza processual, é plenamente aplicável ao procedimento administrativo), não inscreve o crédito em Dívida Ativa do INSS e, na seqüência, já inicia, de ofício, a cobrança judicial.

É legítimo esse procedimento? Creio que não, porquanto os princípios do contraditório e da ampla defesa, verdadeiras cláusulas pétreas, não estão sendo observados pela autoridade judicial, no exercício de função administrativa para a qual o juiz é agente incompetente, conforme já afirmado anteriormente (grifo nosso).

Lembre-se de que o Código Tributário Nacional, no artigo 202, enumera as indicações que obrigatoriamente deverão estar contidas no termo de inscrição em dívida ativa, dentre eles, destacam-se a origem e a natureza do crédito, tudo conforme apurado em procedimento administrativo fiscal que, no caso, inexiste.

CARVALHO [21] diz que "constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular (art. 201)".

Há, pois, regulação a respeito da inscrição em Dívida Ativa, como pressuposto ao exercício do direito de ação do Estado contra o particular.

Mas não é só. Quando a letra fria do texto diz que "compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício", quer me parecer que o legislador legitimou o próprio órgão do Poder Judiciário para, na qualidade de substituto processual, fazer às vezes do titular do direito tutelado, violando mais uma vez a imparcialidade garantida pelo princípio da isonomia e do contraditório, ambos de índole constitucional, bem como o princípio da tripartição dos poderes (grifo nosso).

Quem é o legítimo titular do direito tutelado? As contribuições sociais do art. 195, inciso I, letra "a" e inciso II, do Texto Supremo, possuem natureza tributária, indiscutivelmente, competindo à União instituí-las, mediante lei.

Servem ditas contribuições ao Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, que detém competência legal para não só administrá-las, mas também cobrá-las (em juízo e fora dele).

Ao transferir para o órgão do Poder Judiciário a legitimidade para exigir o "crédito tributário" que decorre das contribuições sociais indicadas, o § 3º, art. 114, CF/88, introduzido pela EC nº 20/98, desmoronou todo o arcabouço jurídico que disciplina a relação fisco-contribuinte, em especial o Código Tributário Nacional.

Explico-me. O artigo 119 do CTN, ao eleger o sujeito ativo da relação jurídico-tributária, fez a seguinte observação, in verbis: "Art. 119 - Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento" (grifo nosso).

Embora não concorde plenamente com essa redação do art. 119, posto que subscrevo a crítica formulada por CARVALHO [22], é fato que os titulares de competência para instituir tributos são, via de regra, os sujeitos ativos da relação jurídico-tributária.

Em situações específicas e excepcionais, o legislador transferiu à terceiro, que não o titular da competência originária, a legitimidade para figurar como sujeito ativo dessa relação jurídica, como é o caso em apreço, onde a União atribuiu ao Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, o poder-dever de exigir o crédito tributário que decorre das contribuições sociais previstas no artigo 195 da CF/88, dentre outras atividades administrativas vinculadas.

Pois bem, trata-se na verdade da transferência da capacidade ativa tributária.

Na redação da Emenda Constitucional nº 20/98, essa capacidade foi alterada, figurando no pólo ativo (sujeição ativa), após a modificação legislativa, o órgão do Poder Judiciário, mais precisamente a Justiça do Trabalho.

Mesmo criticando o art. 119 do Código Tributário Nacional (sujeito ativo = titular da competência), não é possível admitir a transferência da capacidade ativa tributária para um órgão do Poder Judiciário, porquanto, plagiando mais uma vez o Professor Paulo de Barros Carvalho, "estamos diante de uma formulação legal que briga com o sistema", já que o Poder Judiciário não é titular de direitos, não participa de relações jurídicas, não executa nada, mas apenas se limita a dar o que se denominou de "prestação jurisdicional", representada por normas concretas, produzidas a partir das sentenças judiciais.

Essa capacidade ativa tributária é do INSS, a teor do que dispõe o art. 195, do Texto Supremo, cuja norma conflita com a modificação introduzida a partir da Emenda Constitucional nº 20/98.

Teses contrárias à presente sustentam que quando o titular do poder reformador acrescentou o verbo "executar" quis apenas deslocar competência que antes era da Justiça Federal para a Justiça do Trabalho, em relação às contribuições sociais elencadas (art. 195, I, a e II) não tendo a intenção transferir a "capacidade ativa tributária", que ficaria ainda com o Instituto Nacional de Seguro Social, contrapondo-se a idéia ora desenvolvida.

Esse último raciocínio seria correto se o verbo "executar" não viesse acompanhado da palavra "de ofício", donde é forçoso concluir que essa ação – executar -, tal como previsto na norma sob cotejo, independe de provocação do titular da capacidade ativa tributária, cuja titularidade, a meu ver, restou esvaziada a partir da inovação legislativa (grifo nosso).

Como conciliar a regra do § 3º, art. 114 com aquela do art. 109, inciso I, do Texto Magno, in verbis, que prevê:

Art. 109 - Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho?

É correto dizer, então, que o inciso I, art. 109 da Constituição Federal foi revogado pelo § 3º do art. 114 da Carta Magna, no que tange aos interesses ao menos das entidades autárquicas?


CAPÍTULO VII

DO PODER JUDICIÁRIO – DIVISÕES DE COMPETÊNCIAS

O legislador constituinte, nos arts. 92 a 126 da Constituição Federal de 1988 tratou do "Poder Judiciário", subdividindo-o em órgãos organizados de maneira vertical e dando a cada um deles determinada competência, cuja função é eminentemente jurisdicional. Assim, coube ao Supremo Tribunal Federal, como guardião da Magna Carta, zelar pela supremacia das normas constitucionais, a quem incumbe, em última análise, exercitar o controle de constitucionalidade jurisdicional.

O judiciário foi subdividido em órgãos (art. 92, I a VII, CF/88), cada qual com a sua competência definida pelo Texto Supremo. Coube, então, ao Supremo Tribunal Federal, além de atuar como guardião da Constituição Federal (art. 102), apenas para exemplificar, processar, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente- Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República.

Ao Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, compete processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais (art. 105, inciso I, letra "a").

Aos juízes federais compete processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho (art. 109, inciso I), (grifo nosso).

Aqui há uma peculiaridade que deve ser observada pelo leitor. Refiro-me à exceção inserida no Texto Supremo nesse art. 109, inciso I, quando delineou o campo de autuação dos juízes federais (um dos órgãos do Poder Judiciário). Veja que, em todas as causas onde houver a participação da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes a competência é afeta à justiça federal; exceção à regra tão somente aquelas apontadas pelo próprio art. 109, inciso I, ou seja, as falências, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho onde aqueles "entes" acima indicados tenham qualquer interesse (de caráter processual).

Conclui-se, então, que a União sempre demandará ou será demanda perante um juízo federal, exceto quando se tratar de "causa" onde envolva falência, acidente de trabalho, ou quando for de competência privativa da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho.

A dúvida que a exceção poderia causar é dissipada pelo art. 114 do mesmo texto, in verbis, que indica a competência privativa da Justiça do Trabalho como sendo,

[...] conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

Destarte, é correto dizer que a União, entidades autárquicas ou empresas públicas federais só demandarão ou serão demandadas na Justiça do Trabalho quando a controvérsia resultar da relação de trabalho ou quando se relacionem com litígios que tenham origem no cumprimento de sentenças onde esses "entes" sejam partes (grifo nosso).

Ressalvadas essas duas situações típicas e claras, sempre e invariavelmente as demandas de interesse da União, entidades autárquicas ou empresas públicas federais, serão afetas à Justiça Federal, em seus vários níveis.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 150, que diz o seguinte: "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas".

E assim está estruturado o Poder Judiciário no Texto Magno vigente, cujas normas que regulam as competências se apresentam de modo harmônico, dando sentido e racionalidade ao sistema, já que esse "Capítulo" é parte menor do conjunto que compõe a norma fundamental.

Portanto, não me permito concluir pela revogação, ainda que parcial, do inciso I, art. 109 por parte do § 3º, art. 114, da Constituição Federal, o que me faz afirmar que os juízes do trabalho não são competentes para cobrar as contribuições previdenciárias de que é titular o Instituto Nacional de Seguro Social.


CAPÍTULO VIII

DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

SILVA [23] define princípio como "ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas"; já CANOTILHO [24] identifica-o como "núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais".

Em razão da precisão magistral, preferimos adotar o conceito de MELLO [25] para quem princípio é,

[...] mandamento nuclear do sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

No direito constitucional pátrio adotou-se os critérios de identificação dos princípios de índole constitucional de CANOTILHO [26], cuja enumeração é a seguinte: a) Grau de Abstração – os princípios são normas como um grau de abstração relativamente elevado; b) Grau de Determinabilidade – os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras; c) Caráter de Fundamentalidade no Sistema das Fontes de Direito – os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes; d) Proximidade da Idéia de Direito – os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados na idéia de direito; e) Natureza Normogenética – os princípios são fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.

De fato, princípio passa-nos a idéia de regra orientadora, cujo raio de ação circunda as demais normas que compõem o emaranhado normativo o qual se denominou de "sistema de direito positivo".

Via de regra, os princípios (implícitos e explícitos) estão inseridos em posição estratégica no texto escrito da Constituição Federal, extraindo dessa situação o seu caráter fundamental - norteador de todo o sistema (grifo nosso).

Discussões à parte quanto à superioridade dos princípios em relação às demais normas de natureza constitucional, é importante destacar que essa "pedra angular" tem como objetivo "definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo", tal como asseverou MELLO [27]; daí porque todos os doutrinadores, sem exceção, ressaltam a importância do princípio para determinado sistema normativo positivado, que tem o condão de orientar as outras normas, dando-lhe não só a necessária racionalidade como também sentido único [28].

É esse "sentido único" que, não raro, é abalado por norma infra-constitucional que adentra ao sistema (através do método convencional – regras de estrutura), mas que não guarda qualquer relação com o próprio (sistema de direito positivo), invertendo os valores fundamentais, modificando (ou ao menos pretendendo modificar) o sentido e o alcance de outras normas (principalmente daquelas chamadas "estruturais"), enfim, causando ruptura nos alicerces do edifício de Celso Antônio Bandeira de Mello (grifo nosso).

Felizmente, vários são os critérios eleitos pelo constituinte originário para eliminar essas diferenças, reparar os estragos estruturais, enfim, promover novamente a harmonia do sistema (v.g. revogação da lei ou ato normativo, controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário etc.), (grifo nosso).

Acerca desse último critério, aliás, SILVA [29] escreveu que "o princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição", trazendo à baila novamente a carga fundamento do princípio, no caso, o da supremacia da norma constitucional.

Sabe-se que no Brasil o sistema de controle de constitucionalidade contempla o político e o jurisdicional, sem abarcar o misto, peculiar da Suíça, onde as leis federais ficam sob controle da Assembléia Nacional, e as leis locais sobre o controle jurisdicional (grifo nosso).

Aqui, no exercício do controle jurisdicional, cabe ao Poder Judiciário garantir a harmonia do sistema quando ocorrem situações que provocam a desorganização e o abalo estrutural já relacionado acima (através do controle difuso ou concentrado), (grifo nosso).


CAPÍTULO IX

DOS PRINCÍPIOS VIOLADOS PELO § 3º, ARTIGO 114, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – CLÁUSULAS PÉTREAS – EMENDA INCONSTITUCIONAL

A partir do raciocínio desenvolvido neste trabalho, pode-se afirmar que ocorreu a ruptura do sistema com a introdução do § 3º, art. 114, da Constituição Federal, através da EC nº 20/98.

Violados foram os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, ambos insculpidos no artigo 5º, inciso LV do Texto Supremo e que, mais que princípios, são verdadeiras garantias individuais dos cidadãos, portanto, cláusulas pétreas, intocáveis pelo legislador titular do poder reformador, tal como explanado alhures.

A Constituição Federal assegura aos acusados e aos litigantes em geral, em processo judicial ou administrativo, o direito a ampla e contraditório, com todos os recursos a ela inerentes. O contraditório tornou-se a partir de 1988 a regra e não a exceção.

O mestre português FREITAS apud CANOTILHO é preciso ao afirmar que,

[...] por princípio do contraditório entendia-se tradicionalmente a imposição de que, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, devia à outra ser dada uma oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão, tal como, oferecida uma prova por uma parte, a parte contrária devia ser chamada a controlá-la e ambas sobre ela tinham o direito de se pronunciar, assim se garantindo o desenvolvimento do processo em discussão dialética, com as vantagens decorrentes das afirmações das partes. (30)

A esta concepção, válida mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de contrariedade, com origem na garantia constitucional do rechtliches gehor, entendida como garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena, igualdade, influírem em todos os elementos (factuais, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.

O contraditório e a ampla defesa são garantias do cidadão e têm por base o princípio da igualdade. Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe permitam trazer para o processo todos os elementos que tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor se apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa da que foi dada pelo autor.

Já dizia Aristófanes: "Como era sábio aquele que disse: não julgues sem ter ouvido ambas as partes". O contraditório e a ampla defesa são garantias político-constitucionais do indivíduo.

O princípio do contraditório é decorrência de um antigo brocardo latino audiatur et altera pars que significa que ninguém pode ser acusado sem ser ouvido, as partes devem ter as mesmas prerrogativas durante o desenvolvimento da relação jurídica processual. A ampla defesa e decorrência do contraditório sendo necessária para que as partes possam ter o seu direito respeitado. É imprescindível que o réu tenha todas as oportunidades de fazer valer o seu direito. Sendo assim, faz-se indispensável a citação, as intimações para a prática dos atos processuais, a publicidade das decisões, etc.

O Professor Cândido R. Dinamarco assevera que a garantia constitucional do contraditório dirige-se também ao juiz, como imperativo de sua função no processo. O novo Código de Processo Civil Francês dispõe que "o juiz deve, em todas as circunstâncias, fazer observar e observar ele próprio o princípio do contraditório" e o Código de Processo Civil Português em seu art. 3º, § 3, in verbis, estabelece que,

O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se manifestarem.

Na hipótese em apreço, dada a inexistência do lançamento (entendido como ato administrativo praticado por agente capaz), inexistirá, também, o procedimento administrativo onde ao sujeito passivo deveria ser assegurado o contraditório e a ampla defesa.

Como exigir do juiz - quando pratica o "lançamento" -, a observância do princípio da ampla defesa e do contraditório se o magistrado atua como substituto processual do titular do crédito tributário (executar, de ofício, é o que diz a regra inserida pelo legislador titular do poder reformador), exercendo função administrativa e, ao mesmo tempo, função judicial?

Quem irá analisar a adequação, o motivo, a pertinência, enfim, a legalidade do ato do juiz que fixa o quantum debeatur a título de contribuição previdenciária a cargo do empregador (como agente fazendário) e exige (aí sim, como julgador) o pronto pagamento?

Ainda que se admita, logo após o "lançamento" praticado pelo magistrado, a inclusão no pólo ativo da relação processual do titular do crédito tributário, ou seja, do Instituto Nacional de Seguro Social, ainda assim o magistrado terá praticado verdadeira função administrativa para a qual não é competente.

Só por isso é fácil concluir pela violação de tais princípios na medida em que não é dado ao "contribuinte" o direito de, após o lançamento, impugnar a exigência tributária, tal qual prevê o sistema positivo brasileiro.

Imaginar que o "contribuinte" tem direito de, oferecidos bens à penhora, discutir a legalidade do ato e a tipicidade da conduta via embargos do devedor (ou outro procedimento judicial específico), é negar a existência do processo no âmbito administrativo e as garantias a ele inerentes.

Há, também, violação ao princípio da tripartição ou separação dos poderes, um dos pilares do Estado de Direito, na medida em que a regra do § 3º, art. 114 da Constituição Federal de 1988, introduzida pela Emenda Constitucional nº 20 (vinte) transfere ao Poder Judiciário função que é do Poder Executivo.

Esse princípio tem-se afirmado como critério estruturante da organização jurídico-política dos Estados contemporâneos, na visão de Fernando Suordem [31].

Guarda ele uma pluralidade de sentidos, destacando-se os seguintes: a) separação de poderes como distinção entre os campos de atuação do Legislativo, Executivo e Judiciário; b) a separação de poderes designando quer funções estatais distintas, quer os respectivos órgãos que as personalizam; c) a separação de poderes como garantia da independência entre os diferentes órgãos que desempenham as funções do Estado; d) a separação de poderes como limitação e controle do poder de um órgão estatal em face do outro, mediante mecanismos específicos; e, e) a separação de poderes como garante dos direitos fundamentais.

A adoção do princípio da separação dos poderes redunda hoje, sob o prisma instrumental (que acentua a dimensão funcional-organizatória), na possibilidade concreta de limitação do poder político e naquela de garantir os direitos individuais, paradigmas que constituem a base sobre a qual se funda o Estado de Direito.

Em sua obra mais famosa, "O Espírito das Leis", Montesquieu deu ênfase ao princípio da separação dos poderes, apresentando uma concepção inovatória em relação às anteriores. Para este autor, o Poder Legislativo era aquele de fazer as leis. O Poder Executivo o de realizar a paz ou a guerra, de enviar ou receber embaixadas, de manter a segurança e de prevenir invasões. O Poder de julgar era o de punir os crimes ou de resolver os conflitos de interesses entre particulares.

A distinção funcional entre legislar e executar era, para este autor, absolutamente essencial. Ela traduzia duas formas materialmente distintas de atuação do Estado: a de editar normas gerais e abstratas e a de executa-las, aplicando-as a casos concretos, distinção esta primordial no Estado de Direito.

Para Montesquieu, o essencial era garantir que a edição de leis e sua execução fiquem orgânica e pessoalmente separadas, pois, só assim seria possível impedir a existência de leis tirânicas, fato inevitável, quando quem as elabora também deve executa-las e pode modifica-las.

No que dizia respeito à autonomia do Poder Judicial a posição de Montesquieu era enfática: os juízes deviam ser apenas a boca que pronunciava as palavras da lei. Conhecidos os fatos e a regra de direito, o juiz apenas procederia a uma operação lógica e automática de aplicação das leis aos fatos.

O princípio da separação dos poderes vem referido na Carta Constitucional de 1988, em especial em seu art. 2º, que diz: "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

Segundo SILVA [32], "esse é um princípio geral do Direito Constitucional que a Constituição inscreve como um dos princípios fundamentais que ela adota". Para o mesmo autor, "Poder é expressão com duplo sentido. Exprimem, a um só tempo, as funções legislativa, executiva e jurisdicional e indicam os respectivos órgãos, conforme descrição e discriminação estabelecida no título da organização dos poderes".

Cumpre não confundir funções do poder com divisão ou separação de poderes, porquanto funções são especializações de tarefas governamentais à vista de sua natureza, sem considerar os órgãos que as exercem, ao passo que divisão de poderes significa confiar cada uma das funções governamentais a órgãos diferentes (grifo nosso).

Destarte, separar os poderes, tal como prevê a Carta Política é, acima de tudo, é especializar funções.

Na medida em que o poder constituinte derivado autorizou a Justiça do Trabalho a "executar, de ofício" crédito tributário de que é titular o Instituto Nacional de Seguro Social, autarquia federal da União, órgão do Poder Executivo, a meu ver feriu o princípio da separação dos poderes inserto no art. 2º do Texto Magno, porquanto atribuiu indevidamente ao órgão do Poder Judiciário função que é do Poder Executivo.

Lembre-se, ainda, que o Poder Judiciário exerce a jurisdição. A função jurisdicional só atua diante de casos concretos de conflitos de interesse (lide ou litígio) e, sempre na dependência da evocação dos interessados, porque são deveres primários destes a obediência à ordem jurídica e a aplicação voluntária de suas normas (grifo nosso).

A jurisdição é, por sua própria natureza, atividade desinteressada do conflito, posto que o juiz é eqüidistante dos interessantes e se submete a imparcialidade para a solução do conflito de interesses.

Em suma, a prestação jurisdicional é uma atividade invocada pelas partes e não espontânea do Estado, embora seja uma das expressões de sua soberania.

Desse modo, não se coaduna e nem compatibiliza com a função do Poder Judiciário a de "executar, de ofício", contribuição social de interesse do INSS, autarquia federal da União, órgão do Poder Executivo, porquanto essa atividade é desinteressada (grifo nosso).

Por último, destaca-se a erosão criada pela norma inserida pelo poder constituinte derivado, na medida em que causou desarmonia com o inciso III, art. 109 da Constituição Federal de 1988.

Isto porque, tal como já explanado alhures, a União, entidades autárquicas ou empresas públicas federais só demandarão ou serão demandadas na Justiça do Trabalho quando a controvérsia resultar da relação de trabalho ou quando se relacionem com litígios que tenham origem no cumprimento de sentenças onde esses "entes" sejam partes (grifo nosso).

Destarte, é forçoso concluir pela incompetência da Justiça do Trabalho para, de ofício ou até mesmo mediante provocação, cobrar créditos tributários pertencentes à União, onde há transferência ativa desse mesmo crédito para o Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.

Se todos os juízes possuem jurisdição, nem todos, porém, se apresentam com a competência para conhecer e julgar determinado litígio. Só o juiz competente tem legitimidade para faze-lo. Como bem conclui Andrioli, "A competência é um critério de legitimação interna à ordem judiciária". [33]


CONCLUSÃO

Sistema é conjunto de elementos estruturados, composto de regras que estabelecem a forma como aqueles (os elementos) se relacionam. No Sistema de Direito Positivo os elementos são os enunciados inseridos de acordo com as regras estruturais, que se relacionam entre si de modo a torna-lo harmônico e coerente.

Ciência do Direito é o conjunto de enunciados descritivos, ao passo que o Direito Positivo é o conjunto de normas jurídicas válidas, cujo sistema se apresenta em linguagem prescritiva.

A validade da norma se confunde com a sua própria existência, ou seja, norma produzida e introduzida no sistema é existente e, por isso, válida.

O poder constituinte derivado encontra limites na própria Constituição Federal que, a meu sentir, trata-se de legítima norma de conduta, que impõe ao legislador imbuído do poder "constituído" limitações à produção de outras normas – formais e materiais.

Os limites do titular do poder reformador são aqueles inseridos no art. 60, § 4º, I a IV, da CF/88.

Cláusula pétrea é aquela imodificável, irreformável, insuscetível de mudança formal. Tais cláusulas consignam o núcleo irreformável da Constituição. Preferimos denominá-las, sem exclusão dos outros termos, de cláusulas de inamovibilidade, porquanto diante delas, o legislador não poderá remover elenco específico de matérias.

O ato de lançamento tributário é privativo de autoridade administrativa fazendária, sendo defeso ao magistrado, no exercício da jurisdição, substituir àquela autoridade eleita, a teor do que dispõe o art. 142, CTN.

A jurisdição é, por sua própria natureza, atividade desinteressada do conflito, posto que o juiz é eqüidistante dos interessantes e se submete a imparcialidade para a solução do conflito de interesses. A prestação jurisdicional é uma atividade invocada pelas partes e não espontânea do Estado. Desse modo, não se coaduna e nem compatibiliza com a função do Poder Judiciário a de "executar, de ofício", contribuição social de interesse do INSS, autarquia federal da União, órgão do Poder Executivo, porquanto essa atividade é desinteressada (grifo nosso).

A norma jurídica do § 3º, art. 114, CF/88, inserida a partir da Emenda Constitucional nº 20/98, encontra óbice no art. 60, § 4º, inciso IV, da CF/88, porquanto afronta cláusulas pétreas, especialmente no que tange aos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

Afronta o contraditório e a ampla defesa, princípios constitucionais que são verdadeiras garantias dos cidadãos, portanto, cláusulas pétreas, a disposição do § 3º, art. 114, CF/88, inserida a partir da Emenda Constitucional nº 20/98, na medida em que não proporciona ao contribuinte insurgir-se contra o "lançamento" praticado por agente incompetente, no caso, o magistrado.

É incompetente a Justiça do Trabalho para, de ofício ou até mesmo mediante provocação, cobrar créditos tributários pertencentes à União, onde há transferência ativa desse mesmo crédito para o Instituto Nacional de Seguro Social – INSS, provocando conflito com a norma jurídica do inciso III, art. 109, da CF/88, que trata da divisão de competência do Poder Judiciário.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998.

CARVALHO, P. B. Curso de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1991.

_____. Fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998

CARRAZZA, R. A. ICMS. 9. ed. São Paulo: Malheiros.

FERREIRA, G. M. Parecer 77, de 1994. In: Diário dos Trabalhos Revisionais, jun, 1994, p. 4362.

FERREIRA FILHO, M. G. Estado de Direito e Constituição. São Paulo: Saraiva, 1988.

MELLO, C. A. B. Revista de Direito Público. n. 15, 1971.

PIMENTA, P. R. L. Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade em Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 19.

SANTI, E. M. D. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1999.

SILVA, J. A. Poder constituinte e poder popular. São Paulo: Malheiros, 2002

_____. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

SUORDEM, F. O princípio da separação dos poderes e os novos movimentos sociais. Coimbra: Almedina, 1995.

VIEIRA, O. V. A Constituição e sua reserva de justiça. São Paulo: Malheiros, 1999.

XAVIER, A. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. In: Resenha Tributária. 1977.


NOTAS

1 SANTI, E. M. D. Lançamento tributário.2. ed. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 41.

2 CARVALHO, P. B. Curso de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 07.

3CARVALHO, P. B. op. cit., p. 09.

4 CARRAZZA, R. A. ICMS. 9. ed. São Paulo: Malheiros, p. 25.

5 SANTI, E. M. D. op. cit., p. 36.

6 CARVALHO, P. B. op. cit., p. 64.

7PIMENTA, P. R. L. Efeitos da Decisão de Inconstitucionalidade em Direito Tributário. São Paulo: Dialética, 2002, p. 19.

8 CARVALHO, P. B. Fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 51.

9 CARVALHO, P. B. op. cit., p. 75.

10 SILVA, J. A. Poder constituinte e poder popular. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 229.

11 SILVA, J. A.Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 61-2.

12 SILVA, J. A.op. cit., p. 245.

13 VIEIRA, O. V. A Constituição e sua reserva de justiça. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 135.

14 FERREIRA, G. M. Parecer 77, de 1994. In: Diário dos Trabalhos Revisionais, jun, 1994, p. 4362.

15 FERREIRA FILHO, M. G. Estado de Direito e Constituição. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 10.

16 CARVALHO, P. B. op. cit., pág. 249.

17 CARVALHO, P. B. op. cit., p. 251.

18 SANTI, E. M. D. op. cit., p. 138.

19 XAVIER, A. Do Lançamento no Direito Tributário Brasileiro. In: Resenha Tributária. 1977, p. 56.

20 CARVALHO, P. B. op. cit, p. 295.

21 CARVALHO, P. B. op. cit., p. 367.

22 CARVALHO, P. B. op. cit., p. 202.

23 SILVA, J. A. op. cit., p. 96.

24 CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1998, p. 172.

25 MELLO, C. A. B. Revista de Direito Público. n. 15, 1971.

26 CANOTILHO, J. J. G. op. cit., p. 1034.

27 MELLO, C. A. B. op. cit.

28 Paulo de Barros Carvalho define sistema como "conjunto integrado por elementos que se inter-relacionam" e, como tal, deve guardar certa harmonia, ainda que sejamos obrigados a reconhecer a existência de lacunas e contradições, mas ainda assim teremos um "conjunto".

29 SILVA, J. A. op. cit., p. 46-47.

30 FREITAS, L. apud CANOTILHO, J. J. G. op. cit., p. 127.

31 SUORDEM, F. O princípio da separação dos poderes e os novos movimentos sociais. Coimbra: Almedina, 1995.

32 SILVA, J. A. op. cit., p. 108-109.

33 In: Lezioni di Diritto Processuale Civile. ed. 1973, n. 23, p.107.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAGHIANT NETO, Ary. O poder reformador e seus limites. Análise crítica do § 3º, art. 114, CF/88, acrescentado pela EC nº 20/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 436, 16 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5693. Acesso em: 26 abr. 2024.