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Liberdade sindical: uma análise no contexto brasileiro

Liberdade sindical: uma análise no contexto brasileiro

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Principais pontos afetos ao sindicalismo e seus princípios, das suas origens históricas ao atual cenário político brasileiro.

O sindicalismo, e seus princípios, possuem origens que remontam às revoluções sociais decorrentes das Revoluções Industriais. No século XVIII, com a Revolução Industrial Inglesa, houve a migração de capitais do setor comercial para o de produção. Porém, devido à escassa previsão de direitos, tal revolução encontrava-se caracterizada por péssimas condições de trabalho, que utilizava mão de obra de homens, mulheres e menores em jornadas diária e ilimitadas, marcadas por riscos de acidentes de trabalho, salários baixos e sem reajustes, em decorrência da ausência de um salário mínimo, precariedade da proteção da vida, da saúde e da integridade física dos operários.

Insatisfeitos com as condições de trabalho subumanas, os trabalhadores passaram, então, a unir-se, formando as primeiras organizações trabalhistas na luta de interesses entre a burguesia e o proletariado, que, posteriormente, dariam origem aos sindicatos, que lutavam e lutam até hoje por condições ideias de trabalho, conciliação de conflitos coletivos e assistência aos sindicalizados, visando melhores condições de vida para trabalhadores, por meio de convenções e acordos coletivos.

No Brasil, o sindicalismo passa a ter relevância a partir do início dos séculos XIX e XX, com o surgimento das primeiras associações de classe e confederações operárias (a Confederação Geral dos Trabalhadores, em 1920, e a Confederação Nacional do Trabalho). Com sua primeira Constituição Republicana em 1891, forma garantidos aos cidadãos o direito de associação pacífica. Por basear-se em princípios liberalistas, o Estado não regulava as relações de trabalho, já que se entendia que apenas o contrato seria o suficiente para regular a relação entre empregado e empregador. Foram criadas diversas associações de classe e, por meio de decretos, surgiram as primeiras leis sindicais no País.

   A partir de 1930, iniciou-se o período intervencionista do sindicalismo brasileiro. Em 1931, é promulgado o Decreto n° 19.770, considerado a primeira lei sindical brasileira, na qual se buscou retirar o sindicato da esfera privada, para considera-lo de direito público, favorecendo, pois, a adoção do sistema de unicidade sindical. Tal sistema ainda seria modificado, como com a Constituição de 1934, de inspiração liberal, que adotou a pluralidade sindical (sistema de sindicato livre), com a Constituição de 1937, de forte cunho corporativista, que previa a unicidade sindical e instituiu a contribuição sindical compulsória, eliminando a autonomia. A despeito disso, a Consolidação das Leis do Trabalho atual manteve, sobretudo, as bases corporativistas do sindicalismo no Brasil.

         Atualmente, estão asseguradas pela Carta Magna de 1988 a liberdade associativa, no Art. 5°, XVII, e a livre associação profissional ou sindical, com fins lícitos, no caput do art. 8º; além disso, a Constituição delega ao sindicato a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, sendo responsável por fixar a contribuição da mesma. Também determina aos sindicatos participar das negociações coletivas de trabalho; veda ao poder público a interferência e a intervenção na organização sindical; possibilita a estabilidade do dirigente sindical e de seu suplente; torna livre a opção de filiar-se ou manter-se filiado ao sindicato; possibilita aos aposentados votarem e serem votados nas organizações sindicais, estendendo tais disposições aos sindicatos rurais e às colônias de pescadores, conforme as condições observadas por lei.

Tais institutos excluem, porém, os servidores militares, que se encontram excluídos dos direitos de sindicalizar e fazer greve (art. 142, IV, CF/88). Nosso ordenamento adota o Sistema da Unicidade Sindical, que veda no artigo 8º, inciso II, a criação de mais de uma organização sindical, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que não pode ser inferior à área de um Município. Tal previsão se torna possível através do controle do princípio da Unicidade Sindical, pela súmula 677, por meio da obrigatoriedade do registro sindical nos órgãos competentes do Ministério do Trabalho (art. 8º, inciso I, CF).

      A produção normativa da Convenção nº 87 OIT, propõe como princípios fundamentais do trabalho, a liberdade de associação e a liberdade sindical, que abrange três aspectos: a liberdade sindical coletiva, liberdade sindical individual e a autonomia sindical, esta última não adotada por nosso sistema, que manteve o sistema de sindicato único por base territorial, segundo o art. 8º da Constituição, tendo em vista que a pluralidade sindical poderia levar os sindicatos a uma competição entre si. O princípio da liberdade sindical abrange a liberdade positiva, de ser livremente membro de um sindicato, e a negativa, de poder abster-se de filiação, de forma que, se preenchidos os requisitos de capacidade e profissionalidade, encontra-se o trabalhador livre para associar-se ou desligar-se do sindicato.

Algumas condutas são atentatórias às atividades sindicais, podendo estas partirem do Estado, ao cometer atos que visem inibir aos sindicatos o pleno desenvolvimento de suas atividades; dos empregadores, ao criar empecilhos aos trabalhadores para que estes exerçam seus direitos sindicais; e dos próprios sindicatos, ao imporem privilégios ou limitações aos trabalhadores, conforme eles sejam sindicalizados ou não, ou através do abuso do dirigente sindical no exercício de suas funções.

Alguns exemplos de práticas que visam a impedir ou limitar a liberdade sindical são os” yellow dog contracts”, nos quais o trabalhador, como requisito de ser admitido no emprego, compromete-se com seu empregador a não se filiar ao sindicato de sua categoria. Outro exemplo são os chamados “sindicatos amarelos”, nos quais o empregador controla as organizações e as ações do sindicato. Um terceiro exemplo são as “listas negras”, nas quais as empresas divulgariam entre si aqueles trabalhadores que possuem significativa atuação sindical, com o objetivo de excluí-los do mercado de trabalho.

Em nosso ordenamento, porém, visando a inibir tais condutas, o sindicato e seus representantes encontram-se protegidos contra a prática de tais atos, pois estes ferem os princípios de liberdade associativa e da liberdade sindical. Dessa forma, tais práticas, ao serem verificadas, poderão ensejar, como consequência, ações para que cessem as práticas danosas, ensejando medidas de restituição ao status quo ante, bem como ações penais, a exemplo da ação de constrangimento ilegal, de crime contra a organização do trabalho, de atentado contra a liberdade de associação, de paralização seguida de violência, paralização de obra pública de interesse coletivo, invasão de estabelecimento e sabotagem, de frustrar direito assegurado por lei trabalhista. Além disso, será concedido ao trabalhador e à organização sindical afetados, indenização por danos morais e materiais causados pelo ato antissindical.

O princípio da liberdade sindical encontra-se pautado pela democracia e o pluralismo nas relações sindicais, de forma a ser central no Direito Coletivo em um Estado Social e Democrático de Direito. A liberdade sindical abrange a entidade sindical, que diz respeito ao modo de organizar-se, administrar-se e  conduzir-se das entidades sindicais, englobando também os membros da categoria ao permitirem a estes filiarem-se ou não, bem como desfiliarem-se.

A autonomia sindical é o poder que os sindicatos possuem de autodeterminarem-se, com a menor ingerência possível do Estado. No Brasil, apesar da sindicalização ser livre, há o incentivo à esta, em artigos como o 544, que relaciona alguns privilégios aos indivíduos sindicalizados, a exemplo da preferência de admissão nas empresas que explorem serviços públicos/que mantenham contrato com os poderes públicos; e o artigo 546, que, no caso de empate entre empresas sindicalizadas e não sindicalizadas, aquelas têm preferência sobre estas.

As atividades sindicais envolvem o exercício das atribuições e prerrogativas que a lei lhes confere e das deliberações tomadas em assembleia geral e em seus estatutos. O artigo 8º, caput, da Constituição, que determina como regra a liberdade de associação profissional ou sindical, limita em seu inciso II tal liberdade, ao determinar sua unicidade. Outra limitação ocorre através da contribuição sindical compulsória, estabelecida no artigo 8º, IV da Constituição Federal, de forma que cabe aos próprios sindicatos a procura de meios de manutenção, utilizando-se da contribuição dos filiados. Além disso, a Carta Magna impõe a negociação coletiva, como primordial à arbitragem e ao dissídio coletivo, de acordo com o artigo 114, parágrafo 2º, reforçando o papel dos sindicatos na defesa dos trabalhadores.

A liberdade sindical baseia-se na livre manifestação dos indivíduos em relação as entidades coletivas responsáveis por promover a defesa dos seus interesses. De acordo com a OIT, ela deverá ser exercida respeitando o ordenamento jurídico de cada país, de forma que seja possibilitado aos trabalhadores reunirem-se na forma que entenderem melhor conveniente para discutirem acerca dos problemas referentes às suas atividades, almejando através de maneiras lícitas uma melhoria da condição social de cada um, garantindo, assim, através de legitimas organizações representativas, que aqueles, a priori hipossuficientes, tornem-se autossuficientes.

Dessa forma, conclui-se que o Brasil pode ser considerado possuidor de uma liberdade sindical relativa, na medida que possibilita aos indivíduos organizarem-se autonomamente, conferindo aos sindicatos liberdade de administração, de organização, de exercício das funções sindicais, sem a necessidade da autorização do Estado para a fundação de sindicato, porém, em um exercício de acordo com os parâmetros estabelecidos pela Constituição, a fim de que tal liberdade não se torne caótica, parâmetros esses que funcionam como limites a exemplo da unicidade sindical, vedando a criação de mais de um sindicato por Município, através da necessidade do registro pelo órgão competente, possibilitando, assim, a defesa de seus interesses comuns, sem que os sujeitos estejam obrigados a filiarem-se ou permanecerem filiados a determinados sindicatos.

Essa liberdade de associação profissional ou sindical, é um pressuposto constitucional, sendo um direito inerente a todos os cidadãos, sejam eles empregados ou empregadores, além de constituir um elemento fundamental para as relações coletivas de trabalho. Ao permitirem aos empregados e empregadores manifestarem-se, organizadamente, forma coletiva, unindo seus interesses na defesa de seus direitos preexistentes, e na busca de novos direitos, os princípios da Autonomia, Liberdade e Unicidade Sindical, consagrados pela Constituição Federal, artigo 8º, são pressupostos necessários para que a liberdade sindical se torne efetiva, permitindo aos indivíduos resolverem entre si seus conflitos, protegidos por trás da figura do sindicato, buscando a melhoria nas suas condições de trabalho e de vida, tendo em vista a realidade cotidiana que vivenciam.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. LIMA, Francisco Meton Marques de. Manual Sintético de Direito do Trabalho. 2ª Ed, São Paulo: LTR. 2005
  2. LIMA, Francisco Meton Marques de. Elementos do Direito do Trabalho e Processo trabalhista. 13ª Ed, São Paulo: LTR. 2010
  3. MUTTI, Patrícia. Liberdade Sindical. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/37677/liberdade-sindical>. Acesso em: 11 mai. 2015.



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