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O pedido genérico nas ações de revisão contratual nos termos do novo Código Civil

O pedido genérico nas ações de revisão contratual nos termos do novo Código Civil

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Tem-se, cada vez mais, a presença da jurisdição por eqüidade em nosso ordenamento jurídico. Necessita-se do debate sobre os limites dessa permissão, especialmente quanto à revisão judicial dos contratos, com destaque à necessidade de correlação entre o pedido das partes e a sentença.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Premissas conceituais dos contratos – 3. Teoria da imprevisão e onerosidade excessiva – 4. Da ação de revisão dos contratos: 4.1. A evolução jurisprudencial e legislativa da aplicação da teoria da imprevisão no Brasil; 4.2. O regime jurídico da aplicação da teoria da imprevisão; 4.3. Outros requisitos para a ação revisional; 4.4. A crescente politização das decisões judiciais – 5. O pedido genérico e a sentença determinativa: 5.1. Caráter constitutivo da sentença revisional; 5.2. Sentença Determinativa em Ação de Revisão Contratual; 5.3. Sentença genérica e sentença determinativa – 6. O pedido genérico e a ação de revisão contratual – 7. Matéria de ordem pública – Bibliografia.


1. Introdução

Com a vigência do Novo Código Civil brasileiro, em 11 de janeiro de 2003, constata-se no seu espírito a perseguição da "socialidade" ou "justiça social", como decantado pelo ilustre Professor MIGUEL REALE, em sua Exposição de Motivos do Anteprojeto do Código Civil.

Nesse sentido, houve a positivação do tema, há muito estudado e relevado, referente à função social do contrato, que vem prevista nos artigos 421 e 2035, parágrafo único, como cláusula geral de aplicação judicial desta modalidade de ato jurídico.

Por se tratar de cláusula geral, que se entende como regra com conteúdo móvel dirigida ao juiz, "cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz no caso concreto, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral, que tem natureza de diretriz" [1], desponta com fundamental importância no desenvolvimento das relações jurídicas e da intervenção judicial, na medida em que "il processo deve dare per quanto possibile praticamente a chi ha un diritto tutto quelo e proprio quelo ch’egli ha diritto di conseguire" [2].

De acordo com essa noção, tem-se, cada vez mais, a presença da jurisdição por eqüidade permeando os flancos de nosso ordenamento jurídico, nos termos do artigo 127 do Código de Processo Civil. Disto decorre a necessidade do debate envolvendo os limites dessa permissão, especialmente quanto à revisão judicial dos contratos, com destaque à necessidade de correlação entre o pedido das partes e a sentença.


2. Premissas conceituais dos contratos

Os contratos, como atos jurídicos bilaterais, apresentarão determinada configuração, de acordo com a espécie de acertamento que houver entre os contratantes, sendo classificados como fonte geradora de obrigações. Assim, não pretendendo esgotar o tema, o contrato será realizado segundo as circunstâncias que as partes dispuserem, como corolário quer da liberdade de contratar, quer da liberdade contratual [3].

Forma-se, então, o contrato, que disporá sobre o número de sujeitos, o número de prestações, o tempo e a forma de execução, a onerosidade, o consenso, a comutatividade, entre outros. Importa para o presente estudo, a discussão acerca do tempo da execução do contrato e da sua comutatividade.

Quanto ao tempo da execução do contrato, conhece o direito das obrigações, duas espécies: a execução imediata e a execução diferida. Não há maiores dificuldades em se compreender essas espécies de execução, sendo que as obrigações com execução diferida sujeitam-se a um interregno de tempo entre a sua formação e a sua execução. Essa execução diferida poder-se-á dar de forma única, com a estipulação de prazo futuro ou de termo, ou parceladamente, com mais de um prazo fixo, ou em execuções continuadas e execuções periódicas. [4]

A comutatividade contratual se refere ao conhecimento que os contratantes têm quanto à situação em que se obrigam, e tem utilidade em se tratando de contratos onerosos. A classificação das obrigações distingue as comutativas das aleatórias, sendo certo que nas primeiras conhece-se a situação em que foi realizado o contrato, sendo estabelecidas prestações e contra-prestações, ganhos e perdas, proporcionais para cada contratante, não envolvendo risco de alteração dessa situação. Já nas obrigações aleatórias, o risco faz parte do objeto do contrato, ou seja, os contratantes reconhecem que a situação do contrato está sujeita a alterações, decorrendo daí que as prestações e contra-prestações não importarão, necessariamente, em equilíbrio contratual. O risco será suportado por uma parte ou por ambas, conforme seu ajuste. Um contrato que não envolve álea e no qual não há comutatividade entre as partes implica ou na sua gratuidade ou na sua realização sem o atendimento da boa-fé contratual, exigida pelo art. 422 do Código Civil.

SILVIO RODRIGUES afirma que "o que a rigor caracteriza o contrato comutativo não é a equivalência das prestações, mas o fato de a respectiva vantagem ou sacrifício de qualquer das partes poder ser avaliado no próprio ato em que o contrato se aperfeiçoa" [5].

A teoria contratual fundamenta-se no cumprimento espontâneo das obrigações assumidas. Ainda assim, os aplicadores do direito, desde tempos remotos, impunham a sua obrigatoriedade na medida em que o cumprimento das avenças é premissa da vida em sociedade.

Mas não sem razão a obrigatoriedade do cumprimento do contrato passará pela análise da boa-fé das partes envolvidas, bem como da função social que este deve apresentar.

A boa-fé exigida no art. 422 do Código Civil apresenta-se, também, como cláusula geral de integração do direito positivo [6]. Portanto, sua aplicação resolve-se com a determinação do seu valor pela exegese judicial.

Deve-se, contudo, distinguir a análise da boa-fé como regra para interpretação da vontade dos contratantes, da regra dirigida ao julgador de uma ação ao valorar o que se entender como ‘boa-fé’ na nossa sociedade. Assim, no primeiro caso, temos a boa-fé subjetiva que é "uma regra de interpretação do negócio jurídico" [7], conforme a disposição do artigo 113 do Código Civil. Ou seja, realizado um contrato entre partes, gera-se uma justificada expectativa de que o pactuado será cumprido espontaneamente por aqueles, em decorrência da crença recíproca da boa-fé entre os contratantes.

Quanto ao artigo 422 do Código Civil, como já mencionado, trata-se da boa-fé objetiva, que é cláusula geral de direito. Disto decorre que o seu conteúdo é indeterminado, ou seja, o valor a que se refere a "boa-fé" deve ser preenchido pelo juiz quando da aplicação do direito ao caso concreto. Cabe ao juiz determinar o que seja a boa-fé antes de fazê-la respeitada na lide.

A função social do contrato também se apresenta como cláusula geral, sendo que caberá ao juiz preencher os claros do sentido dessa expressão, com valores econômicos, sociais, morais que são percebidos na sociedade na época de sua aplicação, como se verá neste estudo.

A cláusula geral tanto permite maior mobilidade ao ordenamento jurídico, já que coloca o aplicador do direito como "criador" da norma pela determinação do seu conceito, atualizando-a, como retira do sistema parte de sua certeza, na medida em que confere a cada juiz tal poder criativo [8].


3. Teoria da imprevisão e onerosidade excessiva

Partindo-se das premissas teóricas a respeito dos contratos, encontrou a pragmática, percalços em sua atuação, devido ao radicalismo derivado da inteligência do pacta sunt servanda.

Tem-se a notícia nos escritos antigos da exceção a esta regra, em decorrência de circunstâncias alheias à vontade dos contratantes, como, por exemplo, casos decorrentes de força maior [9]. Foi no período da Idade Média, na qual trabalharam os glosadores de textos do direito romano antigo, em que se registrou a máxima: "contractus qui habent tractum sucessivum et depentian de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur". A frase excepciona os contratos de trato sucessivo ou que dependam do futuro, ao afirmar que estes devem conservar o estado em que se originaram. Esta a origem da cláusula rebus sic stantibus decantada na praxe forense [10].

A aplicação desse instituto foi se firmando junto aos aplicadores do direito medievo, tendo encontrado forte resistência junto à sociedade liberalista, já nos séculos XVIII e seguintes, com a publicação dos códigos de direito modernos, imbuídos do ideal liberal, em que prevalecia a autonomia da vontade. Retornava incontestável o regime do pacta sunt servanda.

Ocorre, finalmente, no século XX a retomada da socialização das leis e constituições ocidentais, com a tentativa de se proporcionar a distribuição de oportunidades e o acesso ao direito para todas as classes, com a promulgação de Constituições programas e cidadãs. As grandes guerras resultaram num incrível desajuste econômico no velho continente, detonando, além do flagelo humano, crises de descumprimento contratual, decorrentes da escassez da produção e conseqüente alta dos preços. Resgatava-se a inteligência da cláusula rebus sic stantibus para minorar os efeitos da impossibilidade de cumprimento dos contratos nos moldes pactuados. Assim, "para se reimplantar a cláusula rebus sic stantibus, a Lei Faillot, na França, modificou o Código Civil; na Inglaterra criou-se a frustration of the adventure; na Alemanha recorreu-se ao princípio geral da boa-fé e na Itália aplicou-se exatamente a velha cláusula do direito medieval" [11].

A utilização da cláusula rebus sic stantibus dependerá da concorrência dos fatores expostos no tópico anterior, qual seja, a comutatividade e a execução diferida do contrato. Isto porque não se irá perquirir a respeito da alteração na situação em contratos de execução imediata, que se exaurem na mesma situação em que foram concluídos.

Na hipótese da contratação se dar em determinada situação, e houver a ocorrência de um acontecimento imprevisto pelas partes, com tal magnitude que afete a execução das obrigações assumidas, importando em um desequilíbrio entre os ganhos e os sacrifícios incorridos, e que estes sejam maiores que o esperado, de modo que o contrato exigido encontrar-se-ia em situação diferente da original, afirma essa doutrina que este contrato deverá ser revisto, com o intuito de se restabelecer o equilíbrio original.

Essa dependência de um acontecimento imprevisto pelos contratantes justifica a utilização doutrinária de teoria da imprevisão para sintetizar essa regra de exceção [12].

Com a entrada em vigor do Novo Código Civil, ficou expressamente convencionada em nosso ordenamento jurídico a previsão da seção "da resolução por onerosidade excessiva", no artigo 478 e seguintes desse diploma, dentre as formas de extinção dos contratos.

Esta seção traz, além da disposição acerca do direito material, normas de caráter processual e regras direcionadas à forma de integração do direito que o juiz deverá aplicar nas hipóteses de sua incidência.

Na letra do artigo 478, "nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato". É a idéia contida na teoria da imprevisão, sendo certo que há nessa hipótese a execução diferida do contrato, com desequilíbrio na comutatividade, em decorrência de fato superveniente imprevisto pelos contratantes.

Perceba-se, ademais, que não se refere a toda e qualquer cláusula que demonstre um aparente desequilíbrio, mas tão-somente àquelas que tornem inexeqüível o contrato.

Há que se revelar, à guisa de conclusão, a diferença entre a teoria da imprevisão e a onerosidade excessiva, a despeito da redação do artigo 478 do Código Civil. Isto porque, como visto, a teoria da imprevisão exige o acontecimento de um fato imprevisto, uma circunstância que altere a situação em que o contrato será executado, circunstância essa não esperada pelos contratantes. Essa alteração do estado das coisas, frustrando as expectativas diuturnas das partes, deverá gerar um desequilíbrio na prestação de uma das partes, com ganho inesperado para a outra, permitindo que o Poder Judiciário interceda para restabelecer o equilíbrio original [13].

A doutrina aponta que a onerosidade excessiva, por sua vez, não necessita da interferência de um fato inesperado, imprevisto. Esta regra iria além da teoria da imprevisão ao exigir, como requisito de sua aplicação, a prova de que há desequilíbrio contratual, prescindindo da prova de que um evento imprevisto justificou esse desequilíbrio. Neste caso, mesmo a ocorrência de eventos previstos pelas partes, no desenvolvimento normal da execução do contrato, poderá ser argüida como prova do desequilíbrio contratual [14]- (15).

Destaca-se, contudo, que o Código Civil pátrio albergou a teoria da imprevisão, posto que se utiliza da nomenclatura "Da resolução por onerosidade excessiva", ao exigir que o devedor comprove os "acontecimentos extraordinários e imprevisíveis".

A onerosidade excessiva não justifica a revisão ou resolução do contrato, mas é requisito para que estes sejam possibilitados ao contratante, bem como a ocorrência de um fato imprevisto pelas partes que tenha como conseqüência tal aumento de encargos. São, ambos, requisitos para aplicação do art. 478 do Código Civil. Não se há olvidar, também, que, paralelamente à necessidade da onerosidade excessiva para um contratante, deverá o demandante comprovar a extrema vantagem auferida pelo outro contratante. Isto quer dizer que o desequilíbrio a que se refere a teoria da imprevisão em nosso ordenamento exige que a balança altere proporcionalmente os ganhos de um em relação às perdas do outro. Não basta que haja um aumento excessivo da prestação, necessita-se da prova de que o demandado recebeu os ganhos decorrentes do fato imprevisto.

Porém, analisando a atuação jurisprudencial, percebe-se que a resolução e revisão por onerosidade excessiva, apenas, já são encontradas nas lides nacionais, prescindindo-se do fato imprevisto. Nessa esteira, conclui-se que a prática judicial caminhará nesse entendimento, nada obstante as críticas e ressalvas levantadas pela doutrina, como se verá, com relação à crescente politização das decisões judiciais.


4. Da ação de revisão contratual

Estando já desenvolvidas e estabelecidas as teorias que reputam imprescindível a manutenção da comutatividade nos contratos, disporá a parte de meios para que, em se entendendo prejudicada, promova a correção dessas distorções.

A hipótese menos dispendiosa é a negociação extrajudicial com o outro contratante, com o escopo de, caso não obstada pela vontade deste, serem pactuadas novas cláusulas que se substituirão às existentes, importando em uma novação contratual, perpetrada por meio de instrumentos hábeis a comprová-la.

A discussão do contrato na esfera judicial vem de longa data, como modo de atender aos anseios sociais, quer impondo sua execução, quer impondo sua rescisão. As alterações contratuais, contudo, estão intimamente ligadas à evolução da teoria da imprevisão. Comprova tal assertiva o fato de que o artigo 1058 do Código Civil de 1916 (atual art. 393) previa apenas a extinção das obrigações sem responsabilizar o devedor nas hipóteses de caso fortuito ou força maior [16].

4.1. A evolução jurisprudencial e legislativa da aplicação da teoria da imprevisão no Brasil

Como já mencionado, a aplicação da teoria da imprevisão em nossa sociedade se deu por força da prática jurisprudencial que a entendeu como melhor opção para atender aos anseios da sociedade. Cite-se, originalmente, o julgado da lavra do renomado jurista Nelson Hungria, quando este era juiz de primeiro grau, no ano de 1930, em razão de inesperada alta dos preços, cuja decisão assentava que "desde o momento em que um fato inesperado e fora da previsão comum destrói por completo a equação entre a prestação e a contraprestação ajustadas, deixa de subsistir o que Oertmann chama a base do contrato (Geschäftsgrundlage), isto é, o pensamento das partes, manifestado no momento de celebrar-se o contrato, acerca da existência das circunstâncias determinantes". Tal decisão seria reformada, à época, pelo Egrégio Tribunal de Apelação do Distrito Federal (Rio de Janeiro), em 05 de abril de 1932, em consonância com a orientação da jurisprudência [17].

Campo fecundo à aplicação da teoria da imprevisão foi o Direito Administrativo, quanto aos contratos realizados entre particulares e a administração, desde que esta apresentava prerrogativas que lhe permitia alterar o contrato, ou mesmo extingui-lo, unilateralmente, denominado fato do príncipe. Discutia-se se essa prerrogativa dava possibilidade à revisão contratual. Porém, firmou-se o entendimento que haveria, como conseqüência do fato do príncipe, a indenização integral ao particular pelos prejuízos causados. Esta regra está agora expressa na Lei 8.666/93 [18]. Ademais, além desta definição, pacificou-se na doutrina e jurisprudência a possibilidade de aplicação da teoria da imprevisão, diferente da indenização por fato do príncipe, também aos contratos administrativos, na mesma medida em que as condições reais da proposta licitatória deveriam se manter inalteradas durante a execução do contrato, revisando-o caso prejudicado seu equilíbrio econômico-financeiro, permitida a revisão tanto para o particular quanto para a própria Administração, se restasse prejudicada [19].

A evolução jurisprudencial trouxe consigo uma lenta e gradual evolução legislativa no enfoque revisionista do contrato sob o prisma da teoria da imprevisão. É certo, todavia, que a ação revisional de contrato encontra sua guarida desde longa data em nosso ordenamento jurídico, com a Lei de Luvas (Decreto 24.150, de 1934), retomada pela Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), porém afirma parte da doutrina que não é exigida nesta a aplicação da teoria da imprevisão como requisito da ação, mas exige-se tão-somente a adequação do aluguel ao valor do mercado, sendo o seu reajuste fato do cotidiano, nada imprevisível. Assim, Nelson Borges afirma que "havendo reconhecimento prévio de que fatores do cotidiano, oscilações inerentes à própria natureza do mercado locatício, possam alterar a realidade contratada, buscando preveni-los é que a lei autoriza a revisão trienal", concluindo que "este entendimento, aprioristicamente, desaconselha que se fale em teoria da imprevisão" [20]. Não quer dizer que seja descabida a ação baseada na teoria da imprevisão, que poderá ser proposta mesmo antes da permissão legal, em razão de alteração da base contratual imprevista pelas partes [21]. Importa salientar, naquele decreto, a utilização pioneira da ação revisional pelo contratante como ação positivada em nosso ordenamento jurídico.

O Código do Consumidor (Lei 8.078/90) vem ao encontro dessa orientação, possibilitando ao consumidor exigir a revisão de cláusulas contratuais em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, conforme seu artigo 6.º, V. Deve-se ter em mente que tal regra destoa da teoria da imprevisão ao permitir a revisão somente a um dos contratantes, qual seja, o consumidor, e que por "fatos supervenientes" devem ser entendidos tanto fatos previsíveis como imprevisíveis [22]. Ressalte-se, novamente, que, fora desta revisão prevista no art. 6.º, V, permitida está a revisão nos termos do art. 478 do Código Civil a ambos os contratantes, provada a alteração da base contratual e imprevisibilidade do fato que a originou.

O Código Civil em vigor, finalmente, coloca expressamente no ordenamento positivado a teoria da imprevisão, como norma de conduta para a contratação de boa-fé, vez que impera como fiel da balança junto à consciência dos contratantes, que devem reconhecer a comutatividade como requisito efetivamente imprescindível na vida em sociedade.

4.2. O regime jurídico da aplicação da teoria da imprevisão

Estando estabelecida definitivamente em nosso ordenamento, cumpre dissertar acerca do regime jurídico previsto para se tratar os contratos sujeitos à teoria da imprevisão. Assim, surgem, historicamente, e uma vez descartada pelo juízo a execução pura e simples do mesmo, dois extremos para a participação judicial nessa solução, a resolução e a revisão do contrato. Há, além destas, a posição intermediária, através do regime misto, que também apresenta mais de uma faceta, como se mostrará.

Despiciendas as razões que criticam a aplicação de modo exclusivo destes extremos. Tanto a previsão somente da resolução, quanto somente a da revisão, levariam a situações teratológicas, não desejadas pela sociedade [23].

Obviamente, os aplicadores do direito devem priorizar a revisão do contrato, antes de analisar a sua resolução, como medida responsável de atuação junto às relações particulares, protegendo-as e buscando realizá-las, na medida do que for praticamente possível. Consoante Othon Sidou, deve o juízo buscar "preferencialmente, portanto, a tentativa de reconciliar, e só depois, por ineficácia deste esforço, deve pensar-se na desvinculação" [24].

O Código Civil pátrio, por sua vez, traz uma fórmula baseada no regime misto, mas que, ao mesmo tempo, remete os contratantes, primeiramente, à resolução do contrato, conforme disposto no seu art. 478. No decurso da demanda, caberia ao demandado, a seu critério, oferecer a revisão, mediante proposta de mudança eqüitativa das condições do contrato. Neste sentido, o certo seria a propositura de uma ação de resolução do contrato.

A discussão teórica partiria da previsão da revisão contratual como sendo exceção à regra da resolução. Defende-se, ao contrário, que a revisão seja eleita preferencialmente como a via a ser seguida, cabendo a resolução apenas se aquela não obtiver êxito. À par desse debate, o certo é que a prática judicial fatalmente encaminhará as demandas neste sentido, na medida em que, pela cláusula geral da função social do contrato, é dever dos juízes buscar a sua adaptação no sentido da comutatividade.

Assim, caberá também ao demandante propor alternativamente os pedidos de revisão e resolução, tanto como poderá o réu oferecer a revisão do contrato diante de uma ação resolutiva. Ainda, restará ao juiz tentar conciliar as partes para que aceitem novos termos e condições contratuais, evitando, sempre, a extinção da relação jurídica [25].

O fundamento para a ação de resolução contratual será a onerosidade excessiva e a vantagem extrema decorrentes de acontecimento imprevisto, nos termos do art. 478 do Código Civil. Já a ação de revisão contratual fundamenta-se "na incidência concomitante das cláusulas gerais da função social do contrato (CC 421), da boa-fé objetiva (CC 422) e da base objetiva do negócio (CC 422)", como lecionam Nery & Nery [26]. Os artigos 421 e 422 do Código Civil permitem inclusive a revisão do contrato ope judicis, sendo do interesse da parte onerada, e mesmo sem a concordância do réu, mediante correção ex officio pelo juízo do feito, por se tratar de matéria de ordem pública, nos estritos termos do parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil.

Finalmente, não se há negar que é cabível a indenização do réu, em hipótese de resolução contratual, decorrente de fato imprevisto, na exata medida do enriquecimento sem causa em que incorrer o devedor, uma vez que a jurisdição não deve servir apenas para transferir os prejuízos de uma parte para a outra. Para tanto, imprescindível o pedido de indenização a ser feito pelo réu em sua resposta, em caso de impossibilidade de revisão, ampliando o objeto de julgamento do juiz, que deve atentar para os princípios de eqüidade e boa-fé [27].

4.3. Outros requisitos para a ação revisional

Já foram mencionadas algumas das condições necessárias à aplicação da teoria da imprevisão em sede judicial, como a ocorrência de fato imprevisto, a excessiva onerosidade e a extrema vantagem decorrentes daquele, e a inexeqüibilidade da prestação. A doutrina aponta outros requisitos igualmente indispensáveis, que serão explicitados neste contexto.

Primeiramente, há que estar presente o nexo entre o fato imprevisto e a onerosidade da prestação, ou seja, deve estar provado que a prestação exigida é inexeqüível em decorrência de um fato imprevisto que alterou profundamente a base contratual. A essa profunda alteração se dá o nome de essencialidade, que destrói o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, sendo um "fato realmente incomum que atinge o âmago de um pacto, e não apenas seu aspecto periférico" [28].

Obviamente, este fato imprevisto não pode ser imputado ao contratante que alega excessiva onerosidade de sua prestação, como de bom senso e já assentado em nossa jurisprudência. É certo que a parte não extrairá benefícios, alegando a própria torpeza (turpitudinem suam allegans nos est audiendus) [29].

Além destes, é requisito da revisão judicial a ausência de mora do demandante na época da ocorrência do fato imprevisto. A incidência do devedor em mora, de acordo com o art. 397 e parágrafo único, após um imprevisto e em decorrência deste, que o onere excessivamente, é atenuação ao rigor dos efeitos do estado moratório. Finalmente, a lesão iminente apresenta-se como outra condição da revisão contratual, na medida em que a imprevisão localiza-se entre o cumprimento da obrigação, mesmo que onerosa e danosa, e a ocorrência da mora, com seus efeitos legais [30].

4.4. A crescente politização das decisões judiciais

Outro ponto de relevância fundamental na aplicação da teoria da imprevisão refere-se a qual a medida da politização das decisões judiciais, e qual a medida da interferência do Poder Judiciário na política desempenhada pelo Poder Executivo e Legislativo.

Não importa ao presente estudo a análise do controle realizado pelo Poder Judiciário com relação às políticas econômicas e sociais do Estado, mas faz-se imperiosa a discussão acerca da influência da visão pessoal dos magistrados sobre temas pontuais em demandas, mas que apresentam sensíveis conseqüências à sociedade na medida em que integrados ao nosso direito em decorrência de jurisprudência massiva.

De acordo com estudo coordenado pelo Prof. Armando Castelar Pinheiro, a politização das decisões é fato, não se há negar, mas as discussões a seu respeito e sobre as suas conseqüências ainda são incipientes. Conforme afirma em seu artigo, "o resultado disso tem sido termos, de um lado, juízes pouco atentos às repercussões macroeconômicas de suas decisões, e, de outro lado, economistas que freqüentemente desconhecem os micro-fundamentos institucionais que alicerçam, ou não, suas iniciativas e políticas. E empresas que, tanto quanto possível, evitam qualquer contato com o judiciário, mesmo que para isso tenham de mudar sua forma de operar ou mesmo deixar de realizar certas atividades" [31]- (32).

Em pesquisa apresentada ainda neste artigo, com a participação de 741 juízes estaduais, federais, trabalhistas, de todos os graus, inclusive de Tribunais superiores, colocam-se dados relevantes para a discussão do tema, sendo que a visão política dos juízes apresentava-se tão politizada quanto mais politizada fosse a questão envolvida [33].

É imperiosa a conscientização a respeito da politização das decisões judiciais e de suas conseqüências macroeconômicas, sendo necessário maior diálogo entre a sociedade civil e o Judiciário, mediante reforma do Judiciário, para evitar distorções na disciplina das relações jurídicas, campo de aplicação dos contratos.


5. O pedido genérico e a sentença determinativa

O pedido no processo civil tem acepções distintas, ora referindo-se à demanda em si, ora ao objeto da pretensão do demandante. Assim, é comum utilizar-se do termo julgamento do pedido como sinônimo de julgamento da demanda. Conforme leciona Cândido Rangel Dinamarco, "o ato de demandar é o responsável pela colocação da pretensão diante do juiz, para que a seu respeito ele se manifeste – julgando-a no processo de conhecimento, satisfazendo-a no executivo" [34].

O autor da demanda coloca sua pretensão à análise do juiz que, após o contraditório, decidirá a quem assiste a razão sobre o pedido [35]. O pedido, em síntese, é o objeto do processo [36], e este se caracteriza como a matéria sobre a qual o juiz, estando regular o processo, é obrigado a se manifestar, colocada diante deste por intermédio da atuação das partes, vedado o processo inquisitório. É o mérito da causa.

Nos termos do art. 286 do Código de Processo Civil, há a regra geral de que "o pedido deve ser certo ou determinado", devendo-se entender certo e determinado, como já pacificado na doutrina. A certeza exigida refere-se à individualização do bem da vida sobre o qual se pede a manifestação do juiz, como, em nosso caso, referido contrato de execução diferida ou determinadas cláusulas deste. Diz-se determinado, ou líquido, o pedido que indica o montante pretendido, fazendo-se necessária a indicação precisa da quantidade de bens ou do valor da parcela do bem. Nesses termos, determinar-se-ia quais efeitos almejados pela parte que recairão sobre o bem da vida, se o pedido for procedente.

O pedido genérico, por outro lado, atine a esta última qualidade, uma vez que a certeza é requisito imprescindível. A segunda parte do art. 286 indica as hipóteses permitidas para a formulação de pedido genérico, ou ilíquido, em cuja demanda não seja possível precisar a quantificação dos bens pretendida, devendo-se, contudo, nas hipóteses do rol taxativo do Código, atenuar a interpretação literal, como indica Dinamarco: "como na prática é às vezes muito difícil o encontro de um valor preciso desde logo – sendo arriscado pedir a mais e sucumbir parcialmente por não ter razão a tudo quanto pede, ou pedir a menos e não poder depois obter tudo a que se tem direito – tal exigência não pode ser rígida e os próprios tribunais não são radicais a esse respeito" [37].

5.1. Caráter constitutivo da sentença revisional

A ação de revisão contratual tem como objeto a modificação de uma situação jurídica, decorrente da insatisfação com relação ao estado do bem da vida. Julgada procedente a demanda, ter-se-á uma situação nova, que gerará, a partir da sentença que a constitui, novos efeitos legítimos em relação aos contratantes.

Isto quer dizer que a decisão judicial definitiva reconhece a constituição, a modificação ou a extinção em determinada relação jurídica, e opera, concomitantemente, essa alteração no plano fático, sem a necessidade de outros atos complementares. Trata-se da sentença constitutiva, que possui eficácia própria. Há que se salientar a existência, outrossim, de uma declaração, comum às sentenças de conhecimento, na sentença constitutiva, que é o reconhecimento do direito à alteração do contrato.

Não muda o caráter da sentença revisional a eventualidade de não ocorrer a revisão, mas, ao invés, a resolução do contrato, realizada mediante uma sentença constitutiva negativa, sendo que a extinção do contrato alterará, tanto quanto, a situação jurídica existente, desconstituindo esse vínculo.

Esta se distingue, contudo, da sentença que julgar improcedente o pedido do autor, negando-lhe o direito à revisão ou resolução do contrato, possibilitando ao réu exigir o cumprimento do contrato nos moldes pactuados originalmente. Essa sentença será declaratória negativa, na medida em que reconhece a inexistência do direito do demandante a alterar a relação jurídica.

5.2. Sentença Determinativa em Ação de Revisão Contratual

A sentença constitutiva nos moldes previstos no art. 478 e seguintes possui outro atributo especial, que se refere ao fundamento em que se baseará, ou seja, qual a fonte formal de direito de conteúdo abstrato, à qual o juiz subsumirá o caso concreto.

Isto porque, nestes casos, está o juiz autorizado a realizar o julgamento por eqüidade no teor do art. 127 do Código de Processo Civil: "o juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei". A permissão legal para tanto decorre da inteligência dos arts. 421, 479 e 2035, parágrafo único do Código Civil.

Por se tratar de cláusula geral, tendo como destinatário o juiz, o teor da função social do contrato deverá ser preenchido por este, com valores buscados na eqüidade, permitindo-lhe dar a solução que lhe pareça a mais correta, em cada caso [38].

Na ação revisional, poderá o juiz, em prol da função social do contrato, utilizar-se do julgamento por eqüidade, entendendo-se este como a permissão para o juiz remeter-se "ao valor do justo e à realidade econômica, política, social ou familiar em que se insere o conflito – à æquitas enfim – para retirar daí os critérios com base nos quais julgará" [39].

A sentença que se fundamenta na eqüidade é conhecida como sentença determinativa, e esta característica soma-se, na sentença revisional, como um aspecto peculiar ao ato constitutivo nela previsto, isto é, a sentença revisional julgada por eqüidade é uma sentença constitutiva-determinativa, distinguindo-se apenas pelo fato de que se fundamenta em fonte formal diversa da lei editada pelo Estado [40], não se constituindo, portanto em "um quartum genus que se possa acrescentar, com coerência sistemática, às outras categorias de sentença classicamente estabelecidas" [41], declaratória, condenatória e constitutiva.

Concluem Nery & Nery que "a atividade jurisdicional deixa o seu caráter tradicional e geral de função substitutiva da vontade das partes pela do Estado-juiz, e passa a fazer parte do contrato", passando a integrar o negócio jurídico contratual, mediante a "concretização da cláusula geral da função social do contrato" [42].

5.3. Sentença genérica e sentença determinativa

Há que se diferenciar a sentença genérica da determinativa, tendo em vista que eventual confusão pode restar do conceito de sentença genérica, que seria a que não ‘determina’ o quantum debeatur, ou seja, não especifica a quantidade de bens, ou efeitos sobre o bem, que será concedida àquele que tem razão. Sentença determinativa, por outro lado, é a que se fundamenta na eqüidade, fonte formal diversa da lei editada pelo Estado.

Assim, ambas são características que podem estar presentes em determinadas decisões judiciais, e que não se excluem, já que independentes.

O Código de Processo Civil limita a possibilidade de pedido genérico a três, a saber: (a) o pedido de coisas coletivas, em ações universais, nas quais seja possível ao autor individuar os bens que são objeto do pedido, tanto podendo se referir à universalidade de direito – como o espólio ou a massa falida – quanto à universalidade de fato – como o direito a uma pinacoteca ou a um rebanho; (b) o pedido genérico de indenização, em decorrência de ato ou fato ilícito, nos casos em que não for possível precisar as conseqüências, sejam materiais ou morais, impingidas à vítima – caso os danos possam ser calculados no momento da apresentação da demanda, deverá fazê-lo o autor, obrigatoriamente [43]; e (c) o pedido dependente de ato a ser praticado pelo réu, uma vez que não possibilitado ao autor saber o quantum na propositura da ação, como em ação de prestação de contas.

Fora destas hipóteses, a legislação extravagante prevê mais duas hipóteses de cabimento de pedido genérico, em razão da especificidade da situação material e da qualidade das partes litigantes. Trata-se do Código de Defesa do Consumidor, que permite o pedido genérico em ações que tutelem direitos individuais homogêneos, com previsão nos arts. 91 e seguintes da Lei 8.078/90. E posteriormente, em 1995, com o advento da Lei dos Juizados Especiais, em decorrência de seu caráter informal, abriu-se nova possibilidade, como expressamente previsto no art. 14, § 2.º, nesses termos: "é lícito formular pedido genérico quando não for possível determinar desde logo, a extensão da obrigação".

Em virtude do art. 128 do Código de Processo Civil, "o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta", assim, imprescindível a correlação entre o pedido e a sentença. Outrossim, o art. 459, parágrafo único, indica que a sentença deve ser líquida, caso o pedido seja determinado, o que leva parte da doutrina a interpretar o artigo a contrario sensu, afirmando que deduzido pedido genérico, deveria ser proferida sentença ilíquida. Mas tal tese iria de encontro ao princípio da efetividade processual, na medida em que se espera da jurisdição a segurança jurídica, alcançada com a determinação precisa da sentença, devendo, se possível, ser proferida uma sentença líquida, ainda que diante de um pedido genérico.

Além disso, pode-se afirmar que o processo de liquidação de sentença, afinal, é complemento da cognição realizada anteriormente. Leciona Calmon de Passos que "tudo recomenda que a indeterminação no tocante ao quantum debeatur seja eliminada no próprio procedimento da ação de cognição, salvo se foi impossível fazê-lo" [44]. Esta é previsão no Juizado Especial, no qual as sentenças devem ser líquidas, ainda quando genérico o pedido, a teor do art. 30, parágrafo único, da Lei 9.099/95.

Nada obstante, em casos de prolatação de sentença genérica, passar-se-á à fase de liquidação da mesma, cujo objetivo é determinar a quantidade de bens ou direitos sobre os quais cairão os efeitos da sentença. Numa condenação, ficaria impossibilitada a sua execução sem a liquidação da sentença genérica, uma vez que não se conheceria a dimensão do valor dos bens a penhorar para a futura satisfação do crédito. Tal sentença de liquidação tem natureza declaratória, produzida em processo novo, destinado unicamente a apurar o quantum, completando a parte declaratória das sentenças genéricas [45].

Conclui-se, repisando, que a liquidação da sentença genérica, posto que determina a quantidade afetada do bem ou bens da vida, em nada se confunde com a sentença determinativa, que se refere à jurisdição por eqüidade, permitida em nosso sistema processual somente em casos previstos na lei.


6. O pedido genérico e a ação de revisão contratual

Tendo em mente os conceitos expostos nos tópicos anteriores, passa-se à conclusão acerca da possibilidade da utilização de pedido genérico em ação de revisão contratual, e, para tanto, cumpre-nos analisar abstratamente se este pedido – alteração do contrato – subsume-se a alguma das hipóteses mencionadas.

Primeiramente, por se tratar de uma aplicação abstrata, podemos chegar aprioristicamente a algumas conclusões, pois é evidente que se o demandante, em ação revisional de contrato, optar, se lhe for lícito, por utilizar-se do Juizado Especial Cível, estará permitido o pedido genérico, se a alteração que busca for de difícil quantificação.

O mesmo se pode dizer quanto à revisão contratual em face de direitos universais, nos termos do art. 286, I, cuja quantificação seja difícil de ser realizada. Neste caso, busca-se a revisão contratual que desonere a responsabilidade do demandante sobre determinada prestação referente àqueles bens.

Quanto aos demais casos previstos na legislação, deve ser realizada uma análise mais detida, no que toca à interpretação do art. 286 do Código de Processo Civil, na medida em que cercada de discussões e entendimentos jurisprudenciais divergentes.

Como já afirmado, a sentença revisional apresenta nítido caráter constitutivo, o que implica na produção de efeitos por sua própria força vinculante. Isto quer dizer que tem eficácia própria, prescindindo de atos posteriores que operem a mudança determinada em sua parte dispositiva.

Isto implica que, pela natureza da ação revisional, o demandante não buscará a condenação do credor, que cumpriu suas obrigações, para lhe devolver uma parcela imprevista e excessivamente onerosa de sua prestação. Busca, sim, a revisão que restaure o equilíbrio econômico-financeiro dos contratantes, com efeitos ex nunc, quiçá mediante a antecipação dos efeitos da tutela. Ressalte-se, novamente, que é requisito para a aplicação da teoria da imprevisão, a ausência de estado moratório por parte do demandante

Nesse sentido, descartadas as hipóteses de ação revisional que redundariam em condenação para o réu-credor da prestação. Diante desta afirmação, não poderá o autor, para tutelar direitos individuais homogêneos, pleitear uma tutela condenatória com pedido genérico contra o credor que cumpriu regularmente o contrato e, por circunstâncias imprevisíveis, incorreu em extrema vantagem.

É o mesmo ponto envolvendo o inciso III do art. 286, no qual o pedido é a condenação do réu, cujo valor depende de ato que deva ser praticado pelo réu. Assim, em razão de interpretação literal, que se coaduna com a intenção do legislador, conclui-se que não se há que falar em revisão contratual para possibilitar uma condenação do credor.

Passa-se, finalmente, à análise do inciso II do art. 286, que permite o pedido genérico em ações em que a causa de pedir seja a ocorrência de um ato ou fato ilícito pelo demandado. Decorrerão destes, conseqüências indenizáveis à vítima, mas cujo montante não é possível ser quantificado no momento da propositura da demanda.

Pela interpretação literal, vê-se que a causa de pedir da ação revisional é distinta daquela, pois decorre de ato imprevisto pelas partes, a que nenhuma delas deu causa, que gerou onerosidade excessiva para uma e extrema vantagem para a outra. Assim, pela leitura do art. 286 do Código de Processo Civil, o pedido, na ação de revisão contratual, deve ser certo ou determinado. De acordo com interpretação sistemática, entende-se que a alteração contratual almejada deve ser certa e determinada. Além disto, vale ponderar que a intenção do legislador foi a de exigir a certeza e liquidez na petição inicial, possibilitando ao demandado total compreensão da demanda proposta, sendo elemento identificador da ação. Portanto, as exceções devem ser interpretadas restritivamente, relevando a formalidade e a segurança jurídica no processo civil pátrio [46].

Conclui-se que o demandante, na propositura da ação de revisão contratual deve demonstrar os requisitos exigidos para a aplicação da teoria da imprevisão, apresentando as mudanças que julga pertinentes para a restauração do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, requerendo especificadamente, ou seja, quanto à qualidade e quantidade, a alteração pretendida, não lhe sendo lícito deduzir pedido genérico.

Nestes termos, a ação revisional com pedido genérico, como o pedido de alteração de índice de atualização monetária a critério do juiz, deverá ser emendada, para que o pedido seja certo e determinado, nos termos da lei, sendo quantificada a alteração pretendida, ou sendo fornecidos elementos suficientes para que o pedido seja determinado, sob pena de ser indeferida a petição inicial.


7. Matéria de ordem pública

Feita tal conclusão, faz-se mister abordar outra mudança de grande relevância, previsto no parágrafo único do art. 2035 do Código Civil, uma vez que a função social do contrato foi elevada à norma de ordem pública, o que implica a obrigatoriedade de sua cognição e atuação pelo juiz em qualquer demanda envolvendo contratos.

Assim lecionam os professores Nelson Nery e Rosa Maria Nery, ao afirmarem que a função social do contrato, juntamente com a boa-fé objetiva, os bons costumes e a função social da propriedade "são de ordem pública, o que implica seu conhecimento e aplicação ex officio pelo juiz, independentemente de pedido da parte ou do interessado (basta que haja processo em curso), a qualquer tempo e em qualquer grau ordinário de jurisdição (v.g., CPC 303 III), não estando sujeitas a preclusão" [47].

Em julgados referentes à revisional de locação, o Superior Tribunal de Justiça tem afirmado que não se configura julgamento ultra petita a fixação de valor locativo em montante superior ao requerido na inicial, como se depreende da decisão de lavra do Ministro Hamilton Carvalhido: "tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça entendimento no sentido de que, em tempos de inflação, pode o magistrado, a título de revisão de aluguel, e inspirado no princípio da eqüidade, fixar o valor locativo em quantia superior à requerida pelo autor na petição inicial, ajustando-o ao chamado ‘preço de mercado’, não se configurando tal decisão julgamento ultra petita" (grifo nosso) [48].

Ademais, esse mesmo artigo afirma que "nenhuma convenção" prevalecerá se contrariar a função social do contrato, implicando sua aplicação, inclusive, em contratos concluídos antes da vigência do Novo Código Civil, ainda pendentes de execução, excepcionando o próprio caput do art. 2035, que afirmava que seriam regidos pela nova lei somente os efeitos deste contrato, produzidos sob a sua égide. De acordo com este entendimento, caberá a revisão inclusive da validade daqueles contratos, com fundamento na necessidade de estarem preenchidas a boa-fé e a função social.

A inteligência do parágrafo único do art. 2035 amplia o poder do juiz nas relações contratuais, permitindo-lhe alterar os contratos além da teoria da imprevisão prevista nos arts. 478 e seguintes, para adequá-los à sua visão da função social, cabendo, necessariamente, relembrar as considerações feitas a respeito da politização das decisões judiciais e suas conseqüências [49].


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Notas

1 Nery Júnior¸ Nelson e Nery, Rosa Maria de Andrade, Código civil anotado e legislação extravagante, 2ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 142.

2 Chiovenda, Giuseppe, Dell’azione nascente dal contrato preliminare, in Saggi di diritto processuale civile, Roma, Foro Italiano, 1930, p. 110. Nesse texto há a desmistificação da idéia de que a ação a ser proposta em caso de inadimplemento de um contrato de promessa seria a ação de danos. Os limites da tutela jurisdicional seriam tão-somente os legais e os de fato. Àquele que assiste razão numa demanda, deve-se propiciar precisamente aquilo que tem direito de conseguir.

3 Não se deve olvidar a diferença entre os termos, posto que previsto no art. 421 do Código Civil sem qualquer rigor técnico, uma vez que liberdade contratual refere-se à liberdade de discutir o conteúdo contratual, enquanto que liberdade de contratar é conseqüência da liberdade constitucional assegurada a todos, que seria a "liberdade de contratar que todos têm, desde que tenham capacidade jurídica e então o negócio jurídico seja válido" (cf. Azevedo, Álvaro Villaça, Segurança jurídica nos negócios imobiliários, in O empreendimento imobiliário e os princípios constitucionais – anais do seminário 2002, São Paulo, Academia Paulista de Magistrados, 2002, p. 86).

4 Para um quadro completo das possibilidades, v. Borges, Nelson, A teoria da imprevisão no direito civil e no processo civil, s.e., São Paulo, Malheiros, 2002, pp. 298-303.

5 Cf. Direito Civil 3, 25ª. ed., São Paulo, Saraiva, 1997, p. 36.

6 A boa-fé, no Código Civil de 1916, era tratada como princípio geral de direito, vez que não incorporada expressamente ao texto dessa legislação.

7 Nery Júnior¸ Nelson e Nery, Rosa Maria de Andrade, Código Civil Anotado..., op. cit., p. 205.

8 Idem, p. 142-3.

9 Assim, segundo as lições de Álvaro Villaça de Azevedo, já estava previsto no Código de Hamurabi, há 3.700 anos, que " ‘se alguém se obrigou por uma obrigação que produz interesses’ (juros) ‘e uma tormenta’ (o Deus Hadad) ‘inundou seu campo e destruiu sua colheita, ou se, por falta de água, o trigo não nasceu no campo, nesse ano ele não dará trigo a seu credor, modificará sua tábua de contrato e não dará o interesse’ (juros) ‘desse ano’" (Teoria da Imprevisão e revisão judicial dos contratos, in Revista dos Tribunais 733, 1996, p. 110).

10 A concepção de tal fórmula é atribuída ao jurista Neratius, no Digesto romano, sendo que se reconhece como sua outra expressão similar: "Omnis pacto intelligittur rebus sic stantibus et in eodem statu manentibus", pela qual se impõe o cumprimento do contrato estando assim as coisas e mantendo-se a situação.

11 Theodoro Júnior, Humberto, Locações em "shopping centers" e teoria da imprevisão, in Revista Forense 319, 1992, p. 58.

12 Termo utilizado em muitos ordenamentos jurídicos segundo o professor Nelson Borges (A teoria da imprevisão..., op. cit., p. 111).

13 Cf. jurisprudência "Compromisso de Compra e Venda - Inadimplemento - Pretendida aplicação pelo devedor da teoria da imprevisão fundada em dificuldades decorrentes da economia - Inadmissibilidade, se não houver enriquecimento indevido do credor. É inadmissível a incidência da teoria da imprevisão, nas hipóteses de inadimplemento de compromisso de compra e venda, fundada nas dificuldades decorrentes dos constantes choques aplicados à economia, pois para aplicação dessa teoria não basta a onerosidade excessiva para o devedor, é necessário, também, um indevido enriquecimento para o credor" (in RT 751/360, Ap 53.852-1 - TJMS, 2.ª T. - rel. Des. José Augusto de Souza, j. 09.09.97).

14 O Professor Álvaro Villaça de Azevedo externou tal diferença ao palestrar junto ao Parlamento Italiano, no qual integrava a Comissão da Dívida Externa. Defendia o ilustre professor que o Estado Italiano fizesse algumas concessões com vistas a perdoar certas dívidas de países subdesenvolvidos, também a pedido do Vaticano. Afirmava que a Teoria da Imprevisão não era suficiente para dar cabo dessa empreitada, sugerindo que se utilizasse a cláusula da onerosidade excessiva, desvinculada de um evento imprevisível. Dizia o jurista: "Se alguém for pedir ao Juiz pela onerosidade excessiva conseguirá, certamente, o seu intento, mas, se for pela Teoria da Imprevisão vai ter que provar que o fato não era previsível. E, assim, todos os países latino-americanos que tenham o grande problema da dívida externa ficariam inibidos de fazer qualquer defesa", uma vez que a cobrança de juros era totalmente previsível no momento da contratação histórica (in Segurança jurídica nos negócios imobiliários, op. cit., p. 88).

15 Nery Junior, Nelson e Nery, Rosa Maria Andrade, Código Civil Anotado..., op. cit., pp. 339-40, lecionam que formou-se, como desenvolvimento da teoria da imprevisão, a doutrina da base do negócio jurídico, formulada por Paul Oertmann, pela qual transparecem num contrato uma base objetiva e uma subjetiva, nas quais se funda a conclusão do contrato. A base subjetiva refere-se à expectativa de resultado que as partes prevêem quando assentam um acordo. Já a base objetiva diz respeito às condições implícitas, por vezes explícitas, externas ao negócio e independente da vontade dos contratantes, tais como manutenção da legislação e do sistema econômico. Assim, afirmam os professores que "haverá quebra da base objetiva do negócio, por exemplo, quando houver (...) onerosidade excessiva impossibilitando o devedor de cumprir a prestação" explicando que "nada tem a ver com ‘imprevisão’ (situação psicológica, subjetiva das partes contratantes), porquanto onerosidade excessiva é aferível de modo objetivo". Concluem que "a revisão do contrato pode ocorrer não apenas por situações aferíveis objetivamente (quebra da base objetiva do negócio), como também por imprevisão (CC 478)".

16 Que não devem ser confundidas em absoluto com a imprevisão, tendo em vista que os requisitos apontados pela doutrina para aqueles são a inevitabilidade, a irresistibilidade e a imprevisibilidade, enquanto na doutrina assentada na rebus sic stantibus necessita-se apenas deste último requisito: a imprevisão. Distinguia Sidou, J. M. Othon, A revisão judicial dos contratos e outras figuras jurídicas, Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 119: "exige-se para a caracterização do fortuito o concurso de dois elementos: a) ausência de participação do obrigado; b) diligência frustrada de sua parte na execução obrigacional", sendo que, no caso de um contrato excessivamente oneroso, este foi, fatalmente, pactuado pelo próprio contratante, que se obrigou em determinadas cláusulas e condições. O fortuito independe de sua vontade.

17 Tudo conforme colação trazida por Borges, Nelson, A Teoria da Imprevisão..., op. cit., pp. 785-801. O autor transcreve, em parte, as decisões supramencionadas, como também a decisão pioneira de um colegiado de segundo grau aceitando a teoria da imprevisão, em 1934, e o julgado pioneiro do Supremo Tribunal Federal, nesse sentido, em 1938, com a seguinte ementa: "Cláusula rebus sic stantibus – sua conceituação. O Tribunal que a acolhe não viola expressa disposição de lei", publicada, outrossim, na Revista Forense 77/79-85.

18 O art. 58 da lei permite a "prerrogativa de: I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado; II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta lei", que seriam atraso, cumprimento irregular, insolvência do contratado, motivo de interesse público, casos fortuitos ou de força maior, entre outros. Vale lembrar que o contratado goza do direito de se utilizar da exceptio non adimpleti contractus, caso a Administração atrasar por mais de 90 dias os pagamentos, como se infere do art. 78, XV da referida Lei.

19 Borges, Nelson, A teoria da imprevisão..., op. cit., pp. 344-7.

20 Idem, p. 367.

21 Nesse sentido, Resp 177018-MG, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 21.09.1998.

22 Borges, Nelson, A teoria da imprevisão..., op. cit., pp. 398-408, esp.406.

23 A revisão dos contratos apresenta-se como uma solução prudente, na maioria dos casos, tendo em vista o seu incentivo à realização de contratos e como mecanismo de propiciar o desenvolvimento de ambos os contratantes, restabelecendo o seu equilíbrio. Nessa esteira, o regime misto é aplicado pela quase totalidade das legislações modernas.

24 A revisão judicial dos contratos..., op. cit., p. 134. Cita o autor passagem importante da doutrina alemã, pregando a revisão judicial, sendo considerado princípio jurídico: "a justiça tem de esforçar-se por manter o contrato, modificando-o".

25 Nery Junior, Nelson e Nery, Rosa Maria Andrade, Código Civil Anotado..., op. cit., p. 359, reconhecem o poder do juiz mesmo inconciliadas as partes, concluindo que "havendo dissenso entre elas sobre a revisão, ainda assim é possível que seja feita judicialmente, mediante sentença determinativa do juiz". Completa Nelson Borges, A teoria da imprevisão..., op. cit., p. 581: "a parte que se tiver oposto à revisão sofrerá os efeitos da sentença, que, estabelecendo as novas bases para a contratação, deverá responsabilizá-la também pelas verbas acessórias".

26 Código Civil Anotado..., op. cit., p. 359.

27 Borges, Nelson, A teoria da imprevisão..., op. cit., pp. 590-600.

28 Borges, Nelson, A teoria da imprevisão..., op. cit., p.319.

29 Idem, p. 321.

30 Idem, p. 318, "cumprida a obrigação, mesmo com efetivos danos, descabe a invocação do benefício" da teoria da imprevisão.

31 O judiciário e a economia na visão dos magistrados, artigo apresentado no seminário "Reforma do Judiciário: Problemas, Desafios e Perspectivas", promovido pelo Idesp, São Paulo, em 24 de abril de 2001.

32 Podemos citar, e.g., o que se sucedeu no financiamento de imóveis por empresas incorporadoras, pois no começo da década passada ainda era comum o financiamento da compra de imóvel realizado pela própria construtora, com a aplicação dos juros permitidos pela Constituição Federal e correção monetária pelos índices oficiais. Cresceu, gradualmente, o número de processos de rescisão contratual em decorrência da impossibilidade pura e simples de pagamento do financiamento, julgados procedentes pelo Poder Judiciário. Como conseqüência, houve a gradual transição do financiamento das incorporadoras, que não queriam assumir o risco de rescisões em larga escala, o que as levaria à ruína, para os Bancos, que possuem um regime especial de financiamento, com possibilidade de cobrança de juros acima do permitido na Constituição, e regime especial de cobrança e execução de seus créditos. Percebe-se que as decisões sociais, que buscavam proteger o adquirente do imóvel, acabaram por empurrá-lo para situação pior do que a anterior.

Essa gradual alteração levou, inclusive, à publicação da Lei 9.514/97, que disciplina a alienação fiduciária de bem imóvel, permitido para as incorporadoras e, nesta, há a previsão de leilão do imóvel não quitado a tempo pelo próprio Cartório de Registro de Imóveis, sem qualquer participação da jurisdição civil.

33 Assim, perguntados aos magistrados, se suas decisões baseavam-se mais na própria visão política ou na leitura rigorosa da lei, diziam utilizar sua visão com mais freqüência, do total, 45,1% em questões trabalhistas, 17,68% em questões comerciais, 41,6% em questões do consumidor, 39,4% em questões do mercado de crédito (juros etc.) e 56,4% em questões de privatizações. Sendo que, em média, em todas as questões, ficavam sem reposta ou sem opinião, algo em torno de 16%a 20% dos magistrados, em virtude da matéria não lhes dizer respeito.

34 Dinamarco, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil II, 1ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2001, p. 107.

35 Em decorrência da relação angular entre as partes e o juiz que impera em nosso ordenamento processual, junta-se à pretensão de obter o bem da vida, a pretensão de obter uma resposta estatal, uma vez proibida a autotutela, para que, se o demandante houver razão, seja-lhe satisfeita a primeira pretensão. O demandante, ao interpor sua ação, baseando-se em uma causa de pedir, formula sua pretensão através dos pedidos: obtenção do provimento jurisdicional, tais como a declaração ou a condenação a respeito do bem, e a própria obtenção do bem da vida. Para que a ação seja conhecida para julgamento, deve-se perquirir se a parte tem direito a esta resposta estatal, para tanto, apresentam-se pressupostos, supostos e condições da ação que devem ser atendidos para que o direito ao bem da vida possa ser analisado. São os pressupostos de admissibilidade de julgamento do mérito processual.

36 Dinamarco, Cândido Rangel, Fundamentos do processo civil moderno I, 4ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2001, p. 276.

37 Dinamarco, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil II, op. cit., pp. 120-1.

38 Nery Junior, Nelson e Nery, Rosa Maria Andrade, Código civil anotado..., op. cit., pp. 142-3, notas 18 e 23. Afirmam, ainda, que "o magistrado irá integrar o contrato, criando novas circunstâncias contratuais. Para tanto, deverá pesquisar e observar a vontade das partes quando da celebração do contrato" (p. 913, nota 5).

39 Dinamarco, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil I, op. cit., pp. 325-6.

40 Dinamarco, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil III, op. cit., p. 215.

41 Tomasetti Júnior, Alcides, Execução do contrato preliminar, Tese, USP, 1982, p. 269.

42 Nery Junior, Nelson e Nery, Rosa Maria Andrade, Código civil anotado..., op. cit., p. 337, nota 12.

43 Nery Junior, Nelson e Nery, Rosa Maria Andrade, Código de processo civil comentado, 7ª. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 674, extrema o entendimento ao afirmar que "nas ações de indenização por dano moral ou à imagem (v.g., CF 5º V e X), o pedido deve ser certo e determinado". Nesse sentido, e baseando-se nesta doutrina, já decidiu o TJSP: "é de rigor que o pedido de indenização por danos morais seja certo e determinado para que não fique somente ao arbítrio do juiz a fixação do ‘quantum’, como também para que seja dada ao réu a possibilidade de contrariar a pretensão do autor de forma pontual, com objetividade e eficácia, de forma a garantir-lhe o direito à ampla defesa e ao contraditório" (Ag. In. 091.263-4/5-00, rel. Des. Leite Cintra, j. 11.11.1998). Em sentido francamente contrário, com argumentos lógicos e razoáveis, o jurista Andrade, André Gustavo C., Dano moral e pedido genérico de indenização, in Revista da Emerj, vol. 3, n.º 10, 2000, pp. 45-67, rebate as críticas pontualmente, aplicando a teoria da interpretação para concluir pelo cabimento de pedido genérico de danos morais, afirmando, dentre outros pontos, que esta "não configura violação aos princípios da ampla defesa e do contraditório, porque autor e réu se encontram em situação de absoluta igualdade quanto à imprevisibilidade do valor de dano moral".

44 Passos, José Joaquim Calmon, Comentários ao código de processo civil III, 8ª. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2000, p. 173. É importante salientar que a jurisprudência admite a ausência de quantificação exata do bem da vida, se o pedido formulado permitir a correta compreensão de seu alcance e a ampla defesa da parte adversa, não se configurando em pedido genérico: "Não sendo certo ou determinado, o pedido é genérico, não se incluindo neste o que permite a correta compreensão do seu alcance e a ampla defesa da parte adversa" (Resp. 200.684 – RJ, rel. Min. Gilson Dipp, j. 28/03/00). Nesse sentido, Resp. 285.630 – SP, rel. Min. Rui Rosado Aguiar, j. 16/10/01. Em sentido contrário, Resp. 399.179 – SP, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, j. 25/06/02, com precedente em Resp. 51.550 – PR, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 08/08/94: "Pedido Genérico – Sentença – Formulado pedido genérico, expressamente afirmado que o valor da condenação haveria de apurar-se em liquidação, não é possível proferir sentença líquida, o que importaria violação das regras do contraditório".

45 Dinamarco, Cândido Rangel, Instituições de direito processual civil III, op. cit., p. 236.

46 Esta é a conclusão de Passos, Carlos Eduardo da Rosa da Fonseca, Lide e pedido na ação revisional, in Revista de direito do tribunal de justiça do Estado do Rio de Janeiro, n.º 14, 1993, pp. 36-40, entende que não é possível subsumir a ação revisional numa destas três hipóteses, pois "não é passível de compatibilidade o entendimento pré-universal e os ditames legais, já que a ação revisional não é universal. Por outro lado, não se cogita de ato ilícito, nem existe pedido de condenação, que dependa de ato a ser praticado pelo réu", concluindo, nesses termos, "vê-se, pois, com clareza ofuscante, que a construção inspirada à sombra de numerosos acórdãos deste Colendo Tribunal (Rio de Janeiro) encerra um equívoco, que trama contra o sistema vigente acerca da determinação do pedido".

47 Nery Junior, Nelson e Nery, Rosa Maria Andrade, Código civil anotado..., op. cit., p. 851. Em sentido contrário, colacionado em parecer de 1995, o prof. Álvaro Villaça Azevedo afirma que "o juiz não pode, a meu ver, criar regras contratuais à revelia dos contratantes, sob pena de tornar-se um deles" (Teoria da imprevisão e revisão judicial nos contratos, op. cit., 1996, p. 119). É também o entendimento do prof. José Carlos Barbosa Moreira, convencido de que "o juiz civil, no direito brasileiro, repito, não está autorizado (...) a, na sua sentença, pronunciar-se sobre algo que não foi objeto do pedido, só porque lhe pareça que se trata de um direito indisponível. Direito não exercitado, ainda que indisponível, é para o juiz direito não contemplável na sentença. Nenhum juiz pode acrescentar na sua sentença uma disposição, uma determinação que não tenha sido incluída no pedido, a pretexto de que essa prestação, à qual se refere o mandamento sentencial, se fundava num direito indisponível. Se o autor não pediu, o juiz não pode conceder, e tampouco negar" (Correlação entre o pedido e a sentença, in Revista de Direito 26, 1996, p. 53).

48 Resp. 95.707 – SP, j. 07.02.02. Nesse sentido, Resp. 34.192 – SP, rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, j. 24.11.97, com precedente em Resp. 32.328, rel. Min. Edson Vidigal, j. 15.12.93.

49 Não se há negar a insegurança que tal assertiva poderá causar às relações jurídicas, devendo os excessos ser corrigidos pelos Tribunais hierarquicamente superiores, visando, sempre, à pacificação da sociedade, e não à transferência de prejuízos.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ilton Carmona de. O pedido genérico nas ações de revisão contratual nos termos do novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 478, 28 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5858. Acesso em: 27 abr. 2024.