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A Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

entre a defesa do consumidor e os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa

A Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente: entre a defesa do consumidor e os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa

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Discute-se a Resolução nº 163/2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e as limitações impostas no que concerne à publicidade e comunicação mercadológica direcionada a crianças e adolescentes.

“Tenho a impressão de ter sido uma criança brincando à beira-mar, divertindo-me em descobrir uma pedrinha mais lisa ou uma concha mais bonita que as outras, enquanto o imenso oceano da verdade continua misterioso diante de meus olhos”.

Isaac Newton

RESUMO: O presente estudo discute a Resolução nº 163/2014 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e as limitações impostas no que concerne à publicidade e comunicação mercadológica direcionada a crianças e adolescentes. Para tanto, torna-se indispensável analisar o regime da atividade publicitária no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e os princípios norteadores das relações de consumo aplicáveis à atividade publicitária: princípios da identificação da publicidade, vinculação contratual da publicidade, veracidade da publicidade, não abusividade da publicidade, transparência da fundamentação da publicidade, inversão do ônus da prova, correção do desvio publicitário e lealdade publicitária. Ademais, estudam-se questões relativas à oferta, sua vinculação contratual e as modalidades de publicidade ilícita, estabelecendo a diferença entre publicidade abusiva e enganosa. Além disso, como tema principal do presente trabalho, pondera-se acerca da Resolução nº 163/2014 do CONANDA frente aos princípios constitucionais da liberdade de expressão e da livre iniciativa, utilizando-se do critério da proporcionalidade para realizar o sopesamento entre esses princípios.

Palavras-chave: Resolução 163. CONANDA. Crianças. Adolescentes. Liberdade. Expressão. Iniciativa.

SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO

2

O REGIME DA ATIVIDADE PUBLICITÁRIA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

2.1

Princípios norteadores das relações de consumo aplicáveis à atividade publicitária

2.1.1

Princípio da identificação da publicidade

2.1.2

Princípio da vinculação contratual da publicidade.

2.1.3

Princípio da veracidade da publicidade

2.1.4

Princípio da não abusividade da publicidade

2.1.5

Princípio da transparência da fundamentação da publicidade.

2.1.6

Princípio da inversão do ônus da prova

2.1.7

Princípio da correção do desvio publicitário

2.1.8

Princípio da lealdade publicitária

2.2

Aspectos relativos à oferta

2.3

As publicidades enganosas e abusivas

2.3.1

Publicidade enganosa

2.3.2

Publicidade abusiva

3

A PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES E A RESOLUÇÃO Nº 163/2014 DO CONANDA

3.1

Proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente e seu papel constitucional

3.1.1

Princípio do superior interesse ou do melhor interesse de crianças e adolescentes

3.1.2

Princípio da proteção integral e da prevalência da família

3.1.3

Princípio da prioridade absoluta

3.2

Publicidade direcionada ao público infantil

3.3

Resolução nº 163/2014 do CONANDA

4

OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DA LIVRE INICIATIVA FRENTE À RESOLUÇÃO Nº 163/2014 DO CONANDA

4.1

Liberdade de expressão

4.2

Livre iniciativa

4.3

A aplicação dos princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa frente à Resolução nº 163/2014 do CONANDA

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

 


1 INTRODUÇÃO

No dia 13 de março de 2014, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) aprovou a Resolução nº 163. Tal resolução dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. O CONANDA embasou a Resolução nº 163/2014 no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90, em Brasil (1990c), e no Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078/90, em Brasil (1990a).

A Resolução nº 163/2014 do CONANDA considerou abusiva a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço, mediante utilização, dentre outros, de linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores; trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança; representação de criança; pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil; personagens ou apresentadores infantis; desenho animado ou de animação; bonecos ou similares; promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil; e promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil (Resolução CONANDA nº 163/2014, art. 2º).

Em oposição à Resolução do CONANDA, a Associação dos Profissionais de Propaganda (APP) elaborou um manifesto afirmando que essa Resolução é uma ameaça à liberdade de expressão e, além disso, alertou que, de acordo com a Constituição da República, somente o Congresso Nacional tem poder para legislar sobre a atividade publicitária. Diante disso, questiona-se: em que medida a Resolução nº 163 do CONANDA viola os direitos da liberdade de expressão e da livre iniciativa?

Assim, o presente estudo pretende discutir a Resolução nº 163 do CONANDA frente aos princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa. Para tanto, torna-se imprescindível fazer uma análise acerca do regime da atividade publicitária no CDC, explicitando a divergência entre propaganda e publicidade, e também os princípios norteadores das relações de consumo aplicáveis à atividade publicitária: princípio da identificação da publicidade; princípio da vinculação contratual da publicidade; princípio da veracidade da publicidade; princípio da não abusividade da publicidade; princípio da transparência da fundamentação da publicidade; princípio da inversão do ônus da prova; princípio da correção do desvio publicitário; e princípio da lealdade publicitária.

Logo após, realiza-se uma análise sobre os aspectos relativos à oferta e sua vinculação contratual e, também, sobre as publicidades enganosas e abusivas. Vale frisar que as publicidades enganosas e abusivas são modalidades de publicidade ilícita, vedadas pelo CDC, uma vez que violam os deveres estabelecidos pelo diploma consumerista no que se refere à realização, produção e divulgação de mensagens publicitárias.

O segundo capítulo do presente estudo aborda a proteção conferida a crianças e adolescentes pelo ECA, além de seu aspecto constitucional, realizando um resgate histórico dos direitos de crianças e adolescentes e as mudanças de paradigmas ocorridos ao longo dos anos, até chegar na Constituição de 1988. Ademais, são abordados os princípios do melhor interesse de crianças e adolescentes, o princípio da proteção integral e da prevalência da família e o princípio da prioridade absoluta. Para melhor compreensão do tema, faz-se necessário analisar, ainda, a publicidade direcionada ao público infantil e todas as suas implicações sociais e, por fim, a Resolução nº 163/2014 do CONANDA.

Posteriormente, busca-se ponderar acerca dos princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa frente à Resolução nº 163 do CONANDA, tendo em vista que essa Resolução restringiu a publicidade direcionada ao público infantil e, consequentemente, limitou os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa. Assim, faz-se necessário analisar a legitimidade da autorregulamentação realizada pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) e pelo CONANDA, além de verificar qual princípio deve prevalecer em face de outro, vez que de um lado estão os princípios do melhor interesse da criança e do adolescente, e da doutrina da proteção integral, e de outro lado estão os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa.

Essa colisão entre direitos fundamentais, portanto, deve ser solucionada pelo princípio da proporcionalidade, que tem como essência o sopesamento entre valores reconhecidos pela Constituição da República. Busca-se, assim, um equilíbrio entre duas forças expressas nas normas constitucionais. Em razão disso, as medidas que impõem limites a determinado direito fundamental só são admitidas até certo ponto, quando não afetam outro direito fundamental mais que o necessário.


2 O REGIME DA ATIVIDADE PUBLICITÁRIA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – CDC

Em toda a história da humanidade, nunca se consumiu tanto, tampouco se comunicou com tanta velocidade. Esse contexto ensejou o que se denomina, atualmente, como “Sociedade da Informação”. A Sociedade da Informação caracteriza-se pelo intenso fluxo de informações com que são regidas as relações sociais. Além do termo “Sociedade da Informação”, outras expressões foram utilizadas para conceituar tal fenômeno: Sociedade de Conhecimento, Sociedade da Comunicação, Sociedade em Rede, Sociedade de Consumo, dentre outros (ADAMI; RODRIGUES, 2012).

A Sociedade da Informação, portanto, surgiu em decorrência da explosão informacional, caracterizada, principalmente, pela aceleração dos processos de produção e disseminação de informações e conhecimentos. Além disso, o uso intensivo das novas formas de comunicações e das novas tecnologias da informação ajudam para que tal fenômeno seja tão presente na sociedade contemporânea, em que a instantaneidade e conectividade são palavras-chave. Logo, a Sociedade de Informação continua em processo de formação e expansão, fundamentando-se, primordialmente, na utilização intensiva das tecnologias da informação e comunicação, realizadas predominantemente de forma digital, através da internet e das informações imediatas (CALMON, 2015).

Essa enorme quantidade de informações a qual a sociedade é submetida, atualmente, é utilizada pelos fornecedores para atraírem os consumidores à aquisição de produtos e serviços. O CDC trata desse tema nos artigos 30 a 38, e tem como atividade primordial proteger o consumidor, parte vulnerável da relação jurídica.

O termo “oferta” é genérico, englobando qualquer forma de comunicação que tenha como objetivo seduzir ou atrair o consumidor para a aquisição de bens. A publicidade, portanto, é uma forma de oferta, tendo em vista que é o principal artifício para fins de comercialização de produtos ou serviços (TARTUCE, 2016).

Para Tartuce (2016), há uma diferença básica entre a publicidade, que tem fins de consumo, e a propaganda, com finalidade política, ideológica ou social. De modo contrário, Rizzatto Nunes e parte da doutrina entendem que os termos são sinônimos.

Nesse sentido, segue o entendimento de Nunes (2013, p. 349):

Costuma-se usar o vocábulo “publicidade” algumas vezes como espécie de “propaganda”; noutras, a palavra “propaganda” é reservada para a ação política e religiosa, enquanto “publicidade” é utilizada para a atividade comercial etc. Mas não há razões para a distinção. Tomado pela etiologia, vê-se que o termo “propaganda” tem origem no latim propaganda, do gerundivo de propagare, ‘coisas que devem ser propagadas’. Donde afirmar-se que a palavra comporta o sentido de propagação de princípios, ideias, conhecimentos ou teorias. O vocábulo “publicidade”, por sua vez, aponta para a qualidade daquilo que é público ou do que é feito em público. Ambos os termos, portanto, seriam bastante adequados para expressar o sentido desejado pelo anunciante de produto ou serviço.

Contudo, utilizando-se do entendimento de Tartuce (2016), e para melhor compreensão do tema sob análise, vale discorrer sobre a diferenciação entre publicidade e propaganda. A propaganda, portanto, se refere à difusão de ideias, enquanto a publicidade incita ao consumo por meio de estratégias que enaltecem as qualidades do produto ou serviço.

Buscando a origem da palavra propaganda, torna-se possível extrair o seu significado. Assim, o termo propaganda, do latim propagare, tem sentido de “difundir, propagar”, isto é, atividade própria daquele que visa difundir ideias. Logo, difusão de ideias manifesta-se como qualquer tipo de propagação de informações com o objetivo de persuadir o interlocutor de determinada realidade. Como exemplo, tem-se a propaganda política. Logo, de acordo com Speranza (2012), “[...] a propaganda está ligada à questão filosófico-ideológica, que se utiliza de um conjunto de técnicas para provocar o interlocutor no sentido de aderir à determinada ideologia”.

A publicidade, por sua vez, caracteriza-se como um conjunto de técnicas com a finalidade de promover determinada atividade econômica. Neste caso, busca-se comercializar determinado tipo de produto ou serviço com intuito lucrativo e, para tanto, utiliza-se de estratégias que exaltam as qualidades daquilo que será alvo da mensagem publicitária.

Portanto, o CDC preocupa-se em tutelar apenas a utilização da publicidade, uma vez que é a publicidade que mantém relação com o consumo de produtos ou serviços. Vale ressaltar, que a publicidade pode ser tanto institucional como promocional. Diz-se de publicidade institucional quando visa à promoção da empresa, independente de produto ou serviço. Já a publicidade promocional tem, como objetivo primordial, comercializar um objeto econômico, seja ele produto ou serviço (SPERANZA, 2012).

2.1 Princípios norteadores das relações de consumo aplicáveis à atividade publicitária

De acordo com os ensinamentos de Celso de Mello (2015), princípios são mandamentos nucleares de um sistema, que têm o poder de irradiar sobre diferentes normas, servindo de parâmetro para sua exata compreensão, tendo em vista que é por meio dos princípios que ocorre a racionalização do sistema normativo.

O presente tópico apresenta os princípios adotados pelo CDC relativos à atividade publicitária. Mostra-se imprescindível analisar tais princípios, uma vez que são normas que conduzem toda a relação de consumo, efetivando e garantindo os direitos dos consumidores.

Assim, ao longo dos artigos 36, 30, 35, 37 § 1º e § 2º, 38, 36 § único e 56 XII do CDC, encontram-se os seguintes princípios: princípio da identificação da publicidade; princípio da vinculação contratual da publicidade; princípio da veracidade da publicidade; princípio da não abusividade da publicidade; princípio da transparência da fundamentação da publicidade; princípio da inversão do ônus da prova; princípio da correção do desvio publicitário; e princípio da lealdade publicitária.

2.1.1 Princípio da Identificação da Publicidade

O princípio da identificação da publicidade tem, como objetivo primordial, coibir a publicidade clandestina, ou seja, aquela em que o consumidor não tem conhecimento de que se trata de uma veiculação de oferta publicitária (ALMEIDA, 2009).

Assim, dispõe o art. 36 do CDC:

Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.

Parágrafo Único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem (BRASIL, 1990a, n. p.).

Ao analisar o caput do referido artigo, entende-se que o fornecedor deve veicular a publicidade de seus produtos ou serviços de maneira clara, inteligível, permitindo que o consumidor compreenda imediatamente que está diante de um anúncio publicitário.

Assim, segundo o princípio em tela, toda publicidade deve ser notória, ficando o consumidor ciente de que no momento da exposição está sendo alvo de publicidade e permitindo, por consequência, o seu livre direito de escolha na aquisição ou contratação do produto ou serviço veiculado (SPERANZA, 2012).

O legislador, ao estabelecer o princípio da Identificação da Publicidade, resguardou o consumidor das chamadas publicidades subliminar e oculta. A publicidade subliminar caracteriza-se pela apresentação de mensagem que atinge diretamente o subconsciente do consumidor, tendo em vista que a mensagem publicitária é veiculada tão rapidamente que não chega a ser perceptível de maneira consciente. Assim, quando o consumidor vai realizar a compra daquele produto ou serviço, que estava na publicidade subliminar, ele pensa estar fazendo uma escolha espontânea. Contudo, há uma diferença entre publicidade subliminar e publicidade oculta: esta última ocorre quando a mensagem publicitária é perceptível pelo consumidor, só que de forma bastante sutil, como é o caso do merchandising, encontrado frequentemente em novelas, rádios, espetáculos teatrais e cinematográficos etc. (REZENDE, 2008).

A maior característica do merchandising, portanto, é veicular uma publicidade e passar despercebida pelo consumidor, exatamente o que o princípio da identificação da publicidade se opõe. Ora, se o princípio sob análise propõe que o anúncio publicitário deve ser ostensivo, de modo que o consumidor saiba de pronto que está submetido a uma atividade publicitária, a técnica do merchandising vai de encontro a esse princípio, uma vez que sua ideia principal é não se revestir das características explícitas de anúncio publicitário. Pode-se citar como exemplo de publicidade subliminar, o uso constante de uma mesma marca de carros numa novela, ou ainda, a aparição despretensiosa de produtos ou serviços em programas de televisão ou eventos esportivos televisionados (NUNES, 2013).

Esse tipo de publicidade apresenta, de forma aparentemente casual, um anúncio publicitário que deveria ser veiculado de maneira que os consumidores tivessem como identificar claramente de que estavam diante de um anúncio publicitário. Essa, portanto, é a conduta que o princípio da identificação da publicidade pretende afastar dos consumidores (GONÇALVES, 2002).

2.1.2 Princípio da vinculação contratual da publicidade

De forma bem clara, o princípio da vinculação contratual da publicidade garante ao consumidor o cumprimento fiel das disposições contidas na publicidade veiculada pelo fornecedor. Assim, o consumidor pode exigir que o anúncio publicitário seja efetivado rigorosamente.

O princípio da vinculação contratual da publicidade encontra-se nos art. 30 e 35 do CDC:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

[...]

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos (BRASIL, 1990a, n. p.).

Segundo Gonçalves (2002), “[...] a publicidade é um verdadeiro negócio jurídico unilateral, na medida em que obriga o fornecedor a cumprir com a promessa, desde a sua difusão”. Assim, via de regra, todas as informações publicitárias obrigam o fornecedor que as veiculou e integram o contrato que poderá ser firmado entre consumidor e fornecedor.

No entanto, seria muito gravoso para o fornecedor, mesmo que não haja previsão legal nesse sentido, não admitir a revogação ou até mesmo a retificação da oferta. Assim, excepcionalmente, o fornecedor responderá pelas expectativas que desperta nos consumidores, independente da revogação da oferta, tendo em vista que o limite para a revogação é a proteção legítima da confiança do consumidor. Ou seja, existem situações de equívocos ou alteração das circunstâncias negociais em que poderá ocorrer a revogação ou alteração da oferta inicialmente estabelecida (MIRAGEM, 2014).

O art. 35, por sua vez, determina o que deverá ser feito no caso de o fornecedor de produtos ou serviços recusar o cumprimento à oferta propagada. Nesses casos, o consumidor poderá escolher, alternativamente, entre exigir o cumprimento forçado da oferta veiculada na publicidade, aceitar outro produto/prestação de serviço equivalente ou rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, além das perdas e danos.

2.1.3 Princípio da veracidade da publicidade

Nas relações jurídicas de consumo, a informação e a apresentação dos produtos e serviços devem sempre estar de acordo com a verdade daquilo que oferecem ou anunciam, e de maneira nenhuma o fornecedor poderá utilizar de mentiras ou artifícios para iludir o consumidor, isto é, a informação para o consumidor nunca poderá ser falsa ou enganosa, seja por afirmação ou omissão. O anúncio publicitário não poderá manipular frases, sons ou imagens para, de maneira ambígua, iludir o consumidor, tendo em vista que a lei estabelece a verdade objetiva como primordial nas relações de consumo, como determina o art. 36 do CDC, que obriga o fornecedor a manter a comprovação dos dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem (NUNES, 2013).

A oferta de produtos e serviços, portanto, deve ser pautada na verdade, um dos fundamentos éticos do sistema jurídico pátrio. A liberdade de expressão, neste caso, encontra óbice na veracidade das informações, pois quando se trata de apontar fatos objetivos ou oferecer produtos no mercado de consumo, há o limite ético da verdade (NUNES, 2013).

Nesse sentido, o CDC trouxe o princípio da veracidade, disposto no art. 37, § 1º, que assim determina:

§ 1º - É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços (BRASIL, 1990a, n. p.).

Verifica-se que o legislador preocupou-se em afastar dos consumidores a publicidade enganosa, seja ela por omissão ou comissão. Na publicidade enganosa por comissão, o fornecedor divulga alguma informação que leva o consumidor ao erro, afirmando algo que não é correto ou que não esteja de acordo com o produto/serviço veiculado naquela propaganda. Já a publicidade por omissão, caracteriza-se pela supressão de uma informação relevante para o consumidor, fazendo com que ele caia em erro ao comprar o produto ou serviço (GONÇALVES, 2002).

Pode ocorrer, também, que a publicidade seja parcialmente enganosa, isto é, a publicidade contém algumas informações falsas e outras verdadeiras, o que não a descaracteriza como publicidade enganosa. A partir do momento que a publicidade veicular uma informação falsa, por menor que seja, está caracterizada a publicidade enganosa. No mesmo caso, quando a publicidade omite uma informação relevante, por menor que seja, caracteriza-se publicidade enganosa. Nestes casos, torna-se irrelevante o elemento subjetivo da publicidade, ou seja, não importa se o fornecedor agiu ou não com má-fé (dolo). Desse modo, para que seja caracterizada a publicidade enganosa, não precisa que o anunciante tenha a intenção, bastando, portanto, que haja a publicidade enganosa parcial ou total (GONÇALVES, 2002).

O princípio da veracidade da publicidade, portanto, busca resguardar o consumidor de mensagens enganosas, ambíguas ou que utilizem de artifícios e mentiras para ludibriar os consumidores. Assim, o CDC proíbe expressamente a publicidade enganosa, seja ela comissiva ou omissiva, vez que toda publicidade deve ser pautada na verdade e veiculada com todas as informações necessárias para o consumidor escolher livremente por aquele produto ou serviço.

2.1.4 Princípio da não abusividade da publicidade

O princípio da não abusividade da publicidade está consagrado no art. 37, § 2º do CDC, que assim dispõe:

§ 2º - É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança (BRASIL, 1990a, n. p.).

Ao analisar o referido parágrafo, percebe-se que o termo “dentre outras” demonstra que esse é um rol exemplificativo, deixando transparecer que a publicidade abusiva pode se caracterizar de diversas outras formas. Assim, cabe aos intérpretes do Direito analisar caso a caso para saber se há subsunção do fato à norma, caracterizando, assim, a publicidade abusiva. Cabe, agora, comentar sobre os exemplos elencados no parágrafo 2º acima descrito.

A publicidade é discriminatória quando diferencia entre raça, sexo, condição social, nacionalidade, profissão, convicções políticas ou ideológicas, e assim por diante. Portanto, quando ocorrer discriminação de qualquer natureza, ocorre o que o CDC escolheu chamar de publicidade abusiva (GONÇALVES, 2002).

Além da publicidade discriminatória, o parágrafo 2º dispõe que é abusiva a publicidade que incite a violência, seja ela entre homens, homens e animais, e até mesmo a bens públicos ou privados (GONÇALVES, 2002).

Importante destacar o trecho que se refere às crianças: publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança. Esse trecho do parágrafo 2º é de extrema importância, tendo em vista que o presente trabalho busca analisar a Resolução do CONANDA, que trata sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. A Resolução nº 163 de 04 de abril de 2014 do CONANDA será analisada mais detidamente no próximo capítulo. Por ora, vale mencionar que o legislador optou proteger as crianças em razão da falta de compreensão necessária para discernir o que é verdadeiro ou falso nas mensagens publicitárias.

Assim, o princípio da não abusividade da publicidade protege o consumidor de mensagens publicitárias que possam induzi-lo a agir de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. O princípio da não abusividade está relacionado com o princípio da veracidade da publicidade, visto que este último visa impedir a publicidade enganosa, enquanto o primeiro tem como finalidade coibir a abusividade. O tema será discutido em tópico posterior do presente estudo, mas, de início, cabe esclarecer que a publicidade enganosa é aquela que veicula informações inverídicas, enquanto a publicidade abusiva é assim chamada por violar valores da sociedade, como a moral e os costumes (SPERANZA, 2012).

Destarte, o princípio da não abusividade da publicidade garante ao consumidor uma publicidade que contenha valores e princípios considerados indispensáveis à vida em sociedade. Ou seja, a partir do momento que alguma publicidade seja considerada ofensiva a valores consagrados pelos costumes e direito, aquela publicidade será considerada abusiva e ilegal, rejeitada veementemente pelo CDC.

2.1.5 Princípio da transparência da fundamentação da publicidade

O princípio da transparência da fundamentação da publicidade é um dever anexo ao princípio da boa-fé, uma vez que a publicidade constitui-se em verdadeira oferta (princípio da vinculação contratual da publicidade). Esse princípio está expresso no art. 31 do CDC da seguinte maneira:

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Parágrafo único. As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével (Incluído pela Lei nº 11.989, de 2009) (BRASIL, 1990a, n. p.).

Esse dispositivo legal trata dos requisitos indispensáveis à oferta, de maneira que o consumidor tenha as informações necessárias do produto ou serviço que está sendo oferecido. Desse modo, a publicidade veiculada deve conter as informações fundamentais para esclarecer ao consumidor os elementos básicos da oferta, que irão subsidiar a escolha do consumidor.

O rol dos requisitos básicos da oferta é exemplificativo, mas elencam-se os principais: características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazo de validade e origem, bem como os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

A ausência de qualquer informação essencial à oferta será interpretada contra o fornecedor, tendo em vista que é este que tem o dever legal de informar de maneira clara, precisa e em língua portuguesa (GONÇALVES, 2002).

2.1.6 Princípio da inversão do ônus da prova

Esse é um dos princípios mais conhecidos do Direito do Consumidor e decorre da vulnerabilidade do consumidor. Assim, determina o art. 38 do CDC: “O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina” (BRASIL, 1990a, n. p.).

Esse é um princípio básico que serve para facilitar a defesa do consumidor em juízo, tendo em vista que o consumidor é a parte hipossuficiente da relação fornecedor/consumidor. Assim, cabe ao fornecedor demonstrar a veracidade da publicidade de acordo com os princípios elencados neste tópico (GONÇALVES, 2002).

A inversão do ônus da prova, prevista no art. 38 do CDC, é diferente da previsão contida no art. 6º, VIII, CDC, que assim determina: “[...] a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente [...]” (BRASIL, 1990a, n. p.).

Percebe-se que a inversão do ônus da prova, no art. 6º, fica a critério do juiz, o que não ocorre no art. 38, em que o juiz não detém discricionariedade. A inversão do ônus da prova do art. 38, portanto, é obrigatória. “A inversão do ônus da prova, no art. 38, é ope legis, independendo de qualquer ato do juiz. Logo, não lhe cabe sobre ela se manifestar, seja no saneador ou em momento posterior” (BRASIL, 1990a, n. p.).  

Quando se fala em inversão do ônus da prova ope legis, significa que os efeitos dessa inversão decorrem automaticamente da lei e independem da atividade discricionária do juiz. De modo contrário, o efeito ope judicis é aquele que depende de análise e concessão judicial, como ocorre no art. 6º, VIII, do CDC (BENJAMIM, 2011).

Assim, o art. 38 do CDC está relacionado com dois aspectos da publicidade: a veracidade e a correção. Isto é, esse princípio tem estreita relação com outros princípios anteriormente estudados, quais sejam: princípio da veracidade da publicidade, princípio da não abusividade, princípio da identificação da mensagem publicitária e, por fim, princípio da transparência da fundamentação publicitária (BENJAMIM, 2011).

2.1.7 Princípio da correção do desvio publicitário

Quando ocorre o desvio publicitário, além de ocorrer a reparação civil, administrativa e penal, faz-se necessário corrigir os impactos da publicidade ilegal sobre os consumidores. Assim, o CDC determinou, em seu art. 56, inciso XII, que o fornecedor deverá fazer uma contrapropaganda.

Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:

XII - imposição de contrapropaganda (BRASIL, 1990a, n. p.).

O mencionado dispositivo legal determina que o fornecedor realize uma contrapublicidade para contrapor o que antes estava em desconformidade com o Direito do Consumidor. Assim, o fornecedor deverá veicular nova mensagem publicitária para sanar os malefícios causados pela publicidade originária. De acordo com Gonçalves (2002), a contrapropaganda deverá ser divulgada no mesmo veículo de comunicação, com as mesmas características empregadas na publicidade anterior, no que se refere à duração, espaço, local e horário.

2.1.8 Princípio da lealdade publicitária

O princípio da lealdade publicitária é direcionado para os fornecedores, ou seja, para a lealdade da concorrência entre os fabricantes/fornecedores. Esse princípio avalia não só a lealdade entre fornecedor versus consumidor, mas, também, a lealdade que deve prevalecer entre as empresas concorrentes.

O princípio da lealdade publicitária está previsto na Constituição da República em seu art. 1º, inciso IV – que trata dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamento da República Federativa do Brasil; art. 3º, inciso I – versando sobre uma sociedade livre, justa e solidária como objetivo da República; e, por fim, no art. 173, § 4º, que assim dispõe: “[...] a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (BRASIL, 1988, n. p.). Ou seja, esse princípio está relacionado com a lealdade entre os fornecedores, visto que estes não devem iludir o consumidor nem levá-lo ao erro (BENJAMIM, 2011).

O CDC, por sua vez, estabelece expressamente que um dos seus princípios basilares é exatamente a coibição e repressão de abusos praticados no mercado de consumo. Nesse sentido, segue o art. 4º do CDC para análise:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

[...]

VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores (BRASIL, 1990a, n. p.).

Tal princípio, portanto, gera um microssistema no CDC, que proíbe todas as práticas utilizadas pelos fornecedores que podem causar prejuízos aos consumidores. Logo, até a concorrência entre as empresas e o marketing por elas utilizado estão sob a égide das leis consumeristas, para que a parte mais vulnerável da relação, qual seja, o consumidor, não saia lesada ou enganada (BENJAMIM, 2011).

2.2 Aspectos relativos à oferta

Para o Direito do Consumidor, oferta se refere à marketing, ou seja, estratégia de comunicação e vendas de produtos ou serviços. Para Benjamim (2011), oferta significa o conjunto de “[...] métodos, técnicas e instrumentos que aproximam o consumidor dos produtos e serviços colocados a sua disposição no mercado pelos fornecedores”. Além disso, o autor explica que qualquer dessas técnicas, desde que sejam suficientemente precisas, podem tornar-se veículo eficiente de oferta vinculante.

Em razão da evolução das relações de consumo, as disposições do direito comum mostraram-se insuficientes e inadequadas para regular as atividades consumeristas. Primeiramente, a oferta e a publicidade eram desconhecidas ou incipientes quando foram promulgados os Códigos Comercial e Civil (1850 e 1916, respectivamente), e esses dois diplomas legais regularam a matéria de maneira insatisfatória. Outrossim, a regulamentação feita por esses códigos pressupunha a igualdade das partes, estabelecendo que a oferta se dava entre pessoas determinadas, numa relação bilateral proponente-aceitante (ALMEIDA, 2009).

Por esses motivos, o consumidor era frequentemente lesado, tendo em vista que, ao contrário do que ocorre na esfera cível, a oferta nas relações de consumo pode ocorrer entre pessoas indeterminadas, ou seja, alcança tanto o consumidor efetivo, que adquire de fato o produto ou serviço, como o consumidor em potencial, isto é, aquele que possui certa tendência a consumir ou que está exposto às práticas de consumo, como a oferta, publicidade e práticas abusivas (ALMEIDA, 2009).

Estabelecendo uma conexão entre os artigos do CDC que tratam da oferta e o Código Civil (CC) de 2002, é importante lembrar da força vinculativa da proposta, constante no art. 427 do CC/2002. Contudo, o texto do CC não tem toda a força vinculativa do diploma consumerista. Além disso, o CC trata do tema também no seu art. 429, dispondo o seu caput que “[...] a oferta ao público equivale à proposta quando encerra os requisitos essenciais ao contrato, salvo se o contrário resultar das circunstâncias ou dos usos” (BRASIL, 2002, n. p.).

Por outro lado, a oferta ao público apenas obriga quando encerra os requisitos essenciais do contrato. Esta exigência, embora obedeça à lógica contratual do direito civil tradicional, naturalmente que não parece adequada à realidade dos contratos de massa, assim como ao fenômeno da publicidade e sua linguagem muitas vezes fluída, de duplo sentido, sem a precisão e caráter determinável inerentes à noção de proposta contratual formal e determinada. Daí porque, nos contratos de consumo, a definição de oferta não mais exigirá a determinação de um ato específico com informações precisas sobre todos os elementos essenciais do contrato (MIRAGEM, 2014, p. 242).

Assim, levando em consideração as relações de consumo e a rapidez e multiplicidade de meios em que se processam as informações relativas aos contratos de consumo, o legislador optou por tornar a oferta de consumo como vinculante, caracterizando-a como toda e qualquer informação suficientemente precisa divulgada pelo fornecedor.

Também no CC de 2002, em seu art. 428, existem algumas hipóteses em que a proposta não é obrigatória, não tendo força vinculativa. Ao longo dos incisos do art. 428, o CC/2002 estabeleceu as seguintes exceções: a proposta deixa de ser obrigatória quando feita sem prazo com a pessoa presente, sendo que não foi imediatamente aceita; igualmente, deixa de ser obrigatória a proposta quando feita sem prazo e a pessoa ausente tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; também não será obrigatória a proposta que feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; por fim, a proposta não é obrigatória quando antes dela ou simultaneamente a ela, chegar ao conhecimento do oblato a retratação feita do proponente (BRASIL, 2002).

O CDC trouxe, portanto, toda a regulamentação necessária para o tema e trata da oferta nos artigos 30 a 35. O art. 30 do CDC elenca os princípios da boa-fé objetiva e da transparência, ao vincular o produto, o serviço e o contrato ao meio de proposta e a publicidade, demonstrando que a conduta correta deve estar presente até mesmo na fase pré-contratual do negócio.

O caput do referido artigo determina que:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado (BRASIL, 1990a, n. p.).

O dispositivo acima traz um novo princípio, o princípio da vinculação, visto que o art. 30 concede caráter vinculante à informação e à publicidade. Esse princípio atua de duas maneiras: primeiro obriga o fornecedor a cumprir a oferta veiculada, mesmo que se negue a contratar; segundo, quando há contrato celebrado e em seu texto dispõe de maneira diversa, pretendendo afastar o caráter vinculativo. Caso o fornecedor não queira cumprir os ditames do princípio da vinculação, poderão ser utilizadas as medidas previstas para a obrigação de fazer e não fazer (BENJAMIM, 2011).

O CDC elencou os requisitos da oferta no art. 31, nos seguintes termos:

Art. 31. A oferta e a apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores (BRASIL, 1990a, n. p.).

A oferta é o momento que antecede o ato de consumo e, em razão disso, deve ser precisa e transparente o suficiente para que o consumidor tenha conhecimento do que está adquirindo e possa, assim, exercer seu direito de livre escolha. As informações da oferta, portanto, devem ser claras, precisas e, principalmente, verdadeiras, guardando correlação fática com as características do produto ou do serviço. As informações contidas na oferta devem também ser redigidas em linguagem clara, em local e formas visíveis e, além disso, devem ser veiculadas em língua portuguesa (ALMEIDA, 2009).

Ademais, a oferta deve transmitir informações que sejam importantes para a escolha do consumidor, como exemplo, as características e dados técnicos (qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazo de validade), e também a potencialidade danosa do produto ou serviço (riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores). A oferta com todas essas informações podem ser veiculadas de diferentes formas; se mediante publicidade, deverá seguir o disposto nos art. 36 a 38 do CDC. Mas nos casos de oferta por telefone ou reembolso postal, há um requisito extra que deverá ser respeitado: para possibilitar a responsabilização, é necessário que o nome do fabricante e seu endereço constem obrigatoriamente na embalagem ou qualquer impresso utilizado na transação comercial, conforme dispõe o art. 33 do CDC.

O art. 35 do CDC estabelece as medidas que deverão ser tomadas caso o fornecedor se recuse a cumprir a oferta veiculada. Assim, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: exigir cumprimento forçado da oferta; aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; ou rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, além das perdas e danos decorrentes da contratação. Em outras palavras, o art. 35 obriga o fornecedor a respeitar a palavra dada na oferta, para que o consumidor não saia prejudicado.

Vale frisar que o art. 30 do CDC, que obriga o fornecedor a cumprir a oferta veiculada, se sobrepõe a qualquer cláusula contratual anteriormente fixada. Assim, o conteúdo do contrato firmado entre consumidor e fornecedor não tem nenhum valor, frente à oferta veiculada no anúncio publicitário. Dito de outra forma, todos os requisitos que compõem a oferta veiculada pelo fabricante ou fornecedor passam a integrar automaticamente o conteúdo do negócio celebrado (TARTUCE, 2016).

2.3 As publicidades enganosas e abusivas

As publicidades enganosa e abusiva são modalidades de publicidade ilícita, vedadas pelo CDC, uma vez que violam os deveres estabelecidos pelo diploma consumerista no que se refere à realização, produção e divulgação de mensagens publicitárias. Como exemplo, é ilícita a publicidade que viola o princípio da identificação, princípio da veracidade, e todos os demais princípios elencados anteriormente (MIRAGEM, 2014).

A publicidade é enganosa quando viola o dever de veracidade e clareza estabelecido pelo CDC. A publicidade abusiva, por sua vez, é aquela que viola valores ou bens jurídicos considerados relevantes socialmente, por exemplo, o meio ambiente, a segurança e a integridade dos consumidores. Tanto a publicidade enganosa como a publicidade abusiva são vedadas pelo CDC em seu art. 37, caput (MIRAGEM, 2014).

A consequência destas espécies de publicidade, além da vedação de sua veiculação, será a imposição da contrapropaganda nos casos em que a divulgação já ocorreu (art. 56, XII, CDC) e, também, eventuais sanções penais, como determina o art. 67 do CDC em Brasil (1990a, n. p.): “Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva”, com pena de detenção de três meses a um ano e multa. Além disso, a veiculação de publicidade ilícita pode acarretar dano material ou moral, a título individual ou coletivo, dependendo de cada caso concreto (MIRAGEM, 2014). 

2.3.1 Publicidade enganosa

A publicidade enganosa está prevista no art. 37, caput, e § 1º, do CDC, que assim dispõe:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço, e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços (BRASIL, 1990a, n. p.).

Como mencionado acima, quando se tratou dos princípios relativos à atividade publicitária, o legislador optou por inserir no CDC um rol exemplificativo de publicidade enganosa. A enganosidade, conforme o artigo mencionado acima, pode ocorrer de maneira comissiva – por ação direta na campanha – ou omissiva – quando ocorre a ausência de alguma informação essencial a respeito do produto ou serviço. A publicidade enganosa por omissão está disposta também no § 3º, do art. 37, do CDC, que assim determina: “[...] para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço” (SPERANZA, 2012).

Vale ressaltar que a concretização da publicidade enganosa não necessita da análise do elemento subjetivo do fornecedor, não importando, portanto, se este agiu com má-fé, tendo em vista que se trata de responsabilidade objetiva daquele que veicula a mensagem publicitária enganosa. Portanto, o dolo e a culpa só tem importância no tratamento penal da publicidade enganosa.

Assim, o CDC adotou um critério finalístico no que concerne a publicidade enganosa, uma vez que a simples veiculação de anúncio publicitário que induza o consumidor ao erro, já se caracteriza como publicidade enganosa. Ou seja, basta que haja a potencialidade lesiva da publicidade, não sendo necessário que o consumidor tenha sido de fato enganado. De acordo com Ramos (2012, n. p.), “[...] essa é uma presunção juris et de jure (não admite prova em contrário) de que os consumidores difusamente considerados foram lesados”.

Desse modo, não se faz necessário que o consumidor adquira o produto ou serviço fruto da publicidade enganosa. A partir do momento que o consumidor adquire tal produto ou serviço, trata-se de mero exaurimento da publicidade enganosa, que só é relevante para a verificação do dever de indenizar o dano individual, mas é irrelevante para fins de caracterização da enganosidade.

A publicidade, portanto, deve ser verdadeira, clara, pautada na honestidade, pois só assim o consumidor poderá fazer sua escolha de maneira consciente. Importante esclarecer que nem sempre as inverdades veiculadas na publicidade as tornam enganosas. É necessário que o conteúdo do anúncio publicitário tenha o efetivo potencial de induzir os consumidores ao erro.

Nesse sentido, segue entendimento de Fábio Ulhoa Coelho (1994 apud RAMOS, 2012, n. p.):

A mera inserção de informações inverídicas, por si só, nada tem de ilegal, uma vez que pode representar a lícita tentativa de mobilizar a fantasia do espectador, com objetivos de promover o consumo. Em outras palavras, para se caracterizar a publicidade enganosa, não basta a veiculação de inverdades. É necessário também que a informação inverídica seja, pelo seu conteúdo, pela forma de sua apresentação, pelo contexto em que se insere ou pelo público a que se dirige, capaz de ludibriar as pessoas expostas a ela. Pode haver, portanto, algum toque de fantasia (e de falsidade, por conseguinte) nas peças publicitárias. Isso, no entanto, não representa agressão ao direito dos espectadores à mensagem verdadeira, porque a percepção do fantasioso afasta a possibilidade de qualquer pretensão fundada na realidade dos fatos.

Como exemplo dessa publicidade que não é enganosa, mas utiliza-se de inverdades, pode-se citar o anúncio publicitário da bebida Red Bull, famosa pelo slogan “Red Bull te dá asas”, em que aqueles que consomem a bebida logo criam asas e começam a voar. Ora, os consumidores de Red Bull sabem que não vão conseguir voar realmente com a bebida, tratando-se de mera estratégia de marketing, ou seja, licença publicitária.

Por fim, conclui-se que, de forma mais clara e precisa, publicidade enganosa é toda aquela que, por ação ou omissão, induz o consumidor ao erro sobre dados essenciais dos produtos ou serviços, tratando-se de publicidade terminantemente repudiada pelo Direito do Consumidor (SPERANZA, 2012).

2.3.2 Publicidade abusiva

A publicidade abusiva tem resguardo no texto legal no art. 37, § 2º, do CDC, que assim determina:

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 2º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança (BRASIL, 1990a, n. p.).

O caráter abusivo da publicidade pode ser percebido por duas vertentes: em primeiro lugar, pela mera ilicitude, derivada da contrariedade direta da norma, como exemplo, pode-se citar o art. 3º, IV, e 5º, caput, da Constituição da República, que determinam a vedação da discriminação de qualquer natureza. Além disso, a publicidade pode ser abusiva por contrariar a boa-fé e os bons costumes, isto é, aquela que incita comportamentos prejudiciais ao indivíduo ou à coletividade (MIRAGEM, 2014).

A definição de publicidade abusiva constitui espécie de conceito jurídico indeterminado, e somente analisando cada caso concreto é que o intérprete do direito poderá afirmar sua determinação e precisão. Assim, para que seja caracterizada a publicidade abusiva, é necessário levar em consideração a intensidade da ofensa que aquela publicidade pode causar diretamente ao público, assim como aos valores éticos da sociedade e de todo o ordenamento jurídico (MIRAGEM, 2014).

Na publicidade abusiva, assim como ocorre com a publicidade enganosa, o legislador optou por inserir a expressão “dentre outras”, simbolizando um rol exemplificativo de situações que são tidas como abusivas. Analisando o mencionado parágrafo 2º, que trata sobre a abusividade da publicidade, chega-se a conclusão que ela ocorre quando há violação de valores sociais e morais do consumidor, ou quando essa publicidade se aproveita da situação de vulnerabilidade do mesmo (SPERANZA, 2012).

No momento em que a publicidade abusiva extrapola os limites estabelecidos em lei, ela equipara-se ao abuso de direito, tendo em vista que se reveste de uma falsa legitimidade para violar direitos dos consumidores. Assim, vale frisar que os conceitos de publicidade enganosa e abusiva não se confundem, visto que uma mensagem publicitária pode ser perfeitamente honesta e verdadeira, e ao mesmo tempo ser ofensiva a algum valor social ou moral (SPERANZA, 2012).

A publicidade abusiva não se confunde com a publicidade enganosa. Na primeira não há, necessariamente, uma inverdade e nem sempre o consumidor é induzido ao cometimento de erro. Ela pode até ser verdadeira, mas seu conteúdo afronta a moral, a ética e os bons costumes. Na publicidade enganosa, por outro lado, o conteúdo do anúncio sempre contém inverdades ou alguma omissão que induza o consumidor ao erro (RAMOS, 2012, n. p.).

A publicidade abusiva, portanto, se realiza com fins contrários à ordem pública, ao direito e à moral. A publicidade abusiva, frequentemente, parece estar de acordo com as normas legais, mas quando se analisa a fundo, percebe-se que a mesma está cheia de vícios, tornando-se prejudicial aos interesses dos consumidores e de toda a sociedade.

Uma publicidade pode ser ao mesmo tempo enganosa e abusiva. Neste caso, a mensagem publicitária deve afrontar valores morais ou sociais dos consumidores, caracterizando a abusividade e, além disso, o produto ou serviço anunciado não deve estar em conformidade com o que ele realmente é (enganosidade). Ademais, da mesma maneira que ocorre com a publicidade enganosa, o anúncio será considerado abusivo quando for veiculado, independente de causar prejuízo concreto aos consumidores (RAMOS, 2012).

A publicidade abusiva alcança toda a coletividade e, por isso, os consumidores que se sentirem ofendidos pela mensagem publicitária não são os únicos legitimados para demandar por eventuais prejuízos, haja vista que o caráter difuso da publicidade permite a tutela coletiva, sem prejuízo da legitimidade individual, com a finalidade de reclamar danos pessoalmente sofridos (MIRAGEM, 2014). Logo, conclui-se que a publicidade deve ser verdadeira e respeitar valores sociais, morais e éticos, como determina o CDC.

Desse modo, diante de um conteúdo considerado agressivo, violento ou contrário aos valores morais e sociais da sociedade, a publicidade abusiva pode gerar a responsabilidade civil dos envolvidos. Ademais, o fornecedor que veicular publicidade abusiva sofrerá penalidades administrativas, como a imposição de multas ou a necessidade de realizar a contrapublicidade. O art. 60 do CDC é bem claro quanto a isso, estabelecendo que a imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor veicular publicidade enganosa ou abusiva, sempre às expensas do infrator. O parágrafo 1º do referido artigo determina, ainda, que a contrapropaganda deve ser realizada da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente, no mesmo local, veículo, espaço e horário que a anterior, para que seja capaz de desfazer o malefício causado pela publicidade abusiva ou enganosa (TARTUCE, 2016).

Nesse sentido, o CONANDA editou a Resolução nº 163/2014 que dispõe sobre a abusividade do direcionamento da publicidade e da comunicação mercadológica para a criança e para o adolescente. O CONANDA embasou a Resolução nº 163/2014 no ECA (Lei nº 8.069/90) e no CDC (Lei nº 8.078/90), para considerar abusiva a prática do direcionamento de publicidade ou comunicação mercadológica para crianças e adolescentes, com intenção de persuadi-los para o consumo de qualquer produto ou serviço, tema que será analisado mais detidamente no próximo capítulo. 


3  A PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES E A RESOLUÇÃO 163/2014 DO CONANDA

A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – ECA –, é a norma que dispõe sobre a proteção integral das crianças e dos adolescentes. O ECA considera como criança toda pessoa que possua até 12 anos incompletos. Adolescentes, por sua vez, são aqueles que estão entre 12 e 18 anos de idade (Art. 2º, ECA). O art. 3º do ECA determina que a criança e o adolescente são detentores de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da regulamentação estabelecida naquela Lei, e são assegurados a todas as crianças e adolescentes todas as oportunidades e facilidades, com o objetivo primordial de conceder desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.

O Título III do ECA trata sobre a Prevenção especial dispensada ao infante, tendo em vista que sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento deve ser respeitada. Essa prevenção especial que as crianças e adolescentes estão submetidos, justifica-se pelo espírito maleável dos mesmos, que estão a todo tempo suscetíveis a vários tipos de influências que podem prejudicá-los (FONSECA, 2012).

Assim, crianças e adolescentes são vulneráveis, haja vista sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, pois é necessário o completo discernimento físico e psíquico para que o ser humano consiga diferenciar com clareza o que é certo e o que é errado, o que faz bem e o que faz mal. Em razão dessa vulnerabilidade a que estão submetidas as crianças e os adolescentes é que a prevenção deve ter a maior amplitude possível, abrangendo os direitos à informação (como é o caso da publicidade direcionada ao público infantil), a cultura, lazer, diversões, espetáculos, produtos e serviços (FONSECA, 2012).

Portanto, a publicidade para a criança e adolescente deve ser veraz e claramente identificada como tal; não pode conter cenas de violência ou permitir comportamentos que contrariem as regras gerais do convívio social e, além disso, não pode conter situações que insinuem que alguém poderá ganhar prestígio com a aquisição de bens de consumo. Ademais, a publicidade dirigida ao público infantil deve ser cuidadosa para não criar situações em que a autoridade dos pais seja enfraquecida ou que contribua para que ocorram situações perigosas para a criança (MALTA, 2014).

É natural que o anunciante incentive o consumo dos seus produtos ou serviços, por meio de anúncios que busquem convencer o consumidor de que tais bens são os melhores, mais práticos, úteis ou mais saudáveis. Contudo, quando o anúncio é direcionado ao público infantil, há maior preocupação por parte do legislador, tendo em vista a vulnerabilidade exagerada pela qual tal público está exposto. Isso se deve ao fato de que as crianças estão em fase de desenvolvimento mental e psicológico, e nessa fase de aprendizagem o público infantil aceita os discursos ideológicos mais facilmente, em razão da ausência para o discernimento do senso crítico quanto aos mecanismos sociais a que estão submetidos (MALTA, 2014).

Assim, a veiculação de publicidade direcionada para o público infantil muitas vezes se vale da condição de hipervulnerabilidade da criança, ocasionando prejuízos para o consumidor infantil que é facilmente manipulável. As crianças detêm grande poder de decisão nas compras da família, em especial as do gênero alimentício e, em razão disso, os anunciantes aproveitam essa influência para elaborar estratégias que atinjam os pontos mais vulneráveis da criança. Geralmente, os anúncios publicitários infantis são apresentados com várias crianças, dando a ideia de inclusão social associada com a aquisição de determinado produto ou serviço, prática que deve ser absolutamente repudiada, frente aos malefícios que trazem às crianças e adolescentes (MALTA, 2014).

Por esses motivos, no dia 13 de março de 2014, o CONANDA aprovou a Resolução nº 163. Tal resolução “[...] dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente” (CONANDA, 2014, n. p.). O referido Conselho embasou tal resolução no ECA (Lei nº 8.069/90) e no CDC (Lei nº 8.078/90).

A Resolução nº 163/2014 do CONANDA considerou abusiva a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço, mediante utilização, dentre outros, de:

I – linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;

II – trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;

III – representação de criança;

IV – pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;

V – personagens ou apresentadores infantis;

VI – desenho animado ou de animação;

VII – bonecos ou similares;

VIII – promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil;

IX – promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil (Resolução CONANDA nº 163/2014, art. 2º) (CONANDA, 2014, n. p.).

Em oposição ao entendimento do CONANDA, a APP elaborou um manifesto, afirmando que o controle da propaganda abusiva para crianças e adolescentes é amparado por leis, pela própria Constituição, pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) e aplicado pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR). A APP conclui seu manifesto, declarando que a Resolução nº 163/2014 do CONANDA ameaça a liberdade de expressão, e que somente o Congresso Nacional tem poder para legislar sobre a atividade publicitária, tema que será melhor analisado posteriormente. 

3.1 Proteção do Estatuto da Criança e do Adolescente e seu papel constitucional

Atualmente, crianças e adolescentes são considerados sujeitos de direitos e possuem tratamento diferenciado por conta da sua vulnerabilidade. Contudo, esse tratamento concedido a crianças e adolescentes, como detentoras de direitos humanos, nem sempre foi assim.

Inicialmente, antes do século XX, a criança era tratada como propriedade de seus pais. Foi necessário um longo processo para que crianças e adolescentes fossem vistos como sujeitos de direito. Existem, portanto, vários instrumentos que versam sobre os direitos de crianças e adolescentes, dentre eles: a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) e a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) (HUBNER, 2014).

Em 1919, por exemplo, ocorreu a Primeira Conferência Internacional do Trabalho, que determinou a proibição do trabalho noturno de menores de 18 anos e também considerou a idade de 14 anos para que crianças e adolescentes começassem a trabalhar na indústria, isto é, abaixo de 14 anos era proibido. Logo após, no ano de 1924, a Declaração de Genebra considerou vários aspectos da proteção da infância, estabelecendo que a infância deve ser objeto de proteção (HUBNER, 2014).

Somente em 1959, com a aprovação da Declaração dos Direitos da Criança na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), é que crianças e adolescentes foram vistos como sujeitos de direitos e não mais objeto de proteção. Foi assim que a criança deixou de ser mero recipiente passivo, para se tornar sujeito de direitos. Posteriormente, em 1985, a ONU firmou as Regras Mínimas para Administração da Justiça da Infância e da Juventude, que também é conhecida como Regras de Pequim. Com essas novas regras, crianças e adolescentes são consideradas parte integrante do processo de desenvolvimento de cada país, e a proteção da infância deve ser vista como instrumento para a paz e ordem da sociedade (HUBNER, 2014).

No Brasil, a Constituição da República de 1988 trouxe significativas mudanças no ordenamento jurídico pátrio, estabelecendo novos paradigmas. Desse modo, houve uma necessidade de ratificar valores que foram ceifados durante o regime militar e, no campo das relações privadas, tornou-se indispensável atender aos anseios de uma sociedade mais justa e fraterna. Assim, o constituinte de 1988 não poderia esquecer o sistema jurídico da criança e do adolescente, pois, antes disso, os direitos direcionados para os “menores” em abandono ou estado de delinquência não eram suficientes para suprir as necessidades dessas pessoas em situação de vulnerabilidade (AMIN, 2010).

Para que o legislador se sentisse sensível aos anseios de crianças e adolescentes, foi essencial a mobilização de organizações populares nacionais e internacionais, como o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e diversos documentos internacionais foram indispensáveis para a análise do tema, como: a Declaração de Genebra, de 1924; a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 1948; a Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos, de 1969; e Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude. Esse novo paradigma, portanto, rompeu com o modelo anteriormente consolidado e adotou a doutrina de proteção integral à crianças e adolescentes (AMIN, 2010).

Foram necessários, ainda, 1.200.000 assinaturas para que a emenda sobre a inclusão dos direitos infanto-juvenis fosse incluída na nova Carta Magna. Todo esse esforço foi recompensado com a aprovação dos art. 227 e 228 da Constituição da República de 1988, resultado da fusão de duas emendas populares assinadas por milhões de eleitores, crianças e adolescentes. Esse foi o início da adoção da doutrina da proteção integral, e objetivando regulamentar o disposto nos referidos artigos constitucionais, foi promulgada a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – ECA –, de autoria do Senador Ronan Tito e relatório da Deputada Rita Camata (AMIN, 2010).

O termo “estatuto” foi aplicado corretamente, vez que exprime o conjunto de direitos fundamentais indispensáveis à formação integral de crianças e adolescentes, pois longe está de ser apenas uma lei que elenca regras de direito material. O ECA é um microssistema que abrange todo o arcabouço necessário para proteger o público infanto-juvenil. Trata-se, portanto, de uma norma especial com extenso campo de abrangência, tendo em vista que lista regras de direito processual, tipos penais, normas de direito administrativo, princípios e políticas legislativas (AMIN, 2010).

O novo paradigma trazido pela Constituição de 1988, mais democrático e participativo, no qual família, sociedade e Estado são co-gestores do sistema de proteção às crianças e adolescentes, não se restringe apenas às crianças pobres, mas a todas as crianças e adolescentes, independente de condição social. Qualquer criança ou adolescente, que seja lesado em seus direitos fundamentais de pessoas em desenvolvimento, será resguardado pelo ECA e pela Constituição Federal (CF). Para tornar isso possível, um sistema de garantias foi firmado com Conselhos Tutelares, família, sociedade, Poder Judiciário e Ministério Público, para assegurar o respeito prioritário dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes (AMIN, 2010, p. 10)

A doutrina da proteção integral de crianças e adolescentes está insculpida no art. 227 da CF, que assim determina:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988, n. p.).

Com essa nova doutrina, a criança não é mais tratada como menor incapaz, mas como sujeito de direitos, em sua integralidade. A CF de 1988 afastou a doutrina da situação irregular até então vigente, e garantiu às crianças e adolescentes absoluta prioridade de direitos. Foi assim que o ECA trouxe a regulamentação necessária para o tema, fundando-se em dois pilares básicos: primeiro, que crianças e adolescentes são sujeitos de direito; segundo, que eles têm uma condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (AMIN, 2010).

O primeiro documento que se preocupou em reconhecer direitos a crianças e adolescentes foi a Declaração dos Direitos da Criança de Genebra, em 1924. A Declaração Universal dos Direitos da Criança, adotada pela ONU e atualizada em 1979, adotou a doutrina de proteção integral fundada em três pilares: 1. Reconhecimento da peculiar condição da criança em situação de desenvolvimento, carecedora de proteção especial; 2. Crianças e adolescentes têm direito à convivência familiar; 3. As Nações que assinarem o referido documento devem obrigar-se a assegurar os direitos contidos na Convenção com absoluta prioridade (AMIN, 2010).

A doutrina da proteção integral, portanto, substituiu a doutrina anteriormente vigente, qual seja, a doutrina da situação irregular, oficializada pelo Código de Menores de 1979, mas que já estava implícita no Código Mello Matos, de 1927. O que ocorreu não foi uma simples substituição terminológica, mas sim uma mudança de paradigma. “A doutrina da situação irregular, que ocupou o cenário infanto-juvenil por quase um século, era restrita. Limitava-se a tratar aqueles que se enquadravam no modelo pré-definido de situação irregular, estabelecido no artigo 2º do Código de Menores” (AMIN, 2010, p. 13).

Nesse antigo sistema, o chamado Juiz de Menores, restringia-se a decidir causas relativas ao binômio carência/delinquência. Todas as outras questões que envolvessem crianças ou adolescentes eram discutidas na Vara de Família e regidas pelo CC. Dito de outra forma, a doutrina da situação irregular era restrita, de forma quase absoluta, a um limitado grupo de crianças e adolescentes. Estava longe de ser uma doutrina garantista, vez que não enunciava direitos, mas apenas estabelecia quais diretrizes tomar em cada situação que lhes eram apresentadas. Agia-se apenas na consequência, e não na causa do problema. “Era um Direito de Menor, ou seja, que agia sobre ele, como objeto de proteção e não como sujeito de direitos” (AMIN, 2010, p. 13).

Assim, a doutrina da proteção integral rompeu com o padrão pré-estabelecido e trouxe os valores contidos na Convenção dos Direitos da Criança, concedendo a crianças e adolescentes os direitos fundamentais como absoluta prioridade. Passou-se, então, a ter um Direito da Criança e do Adolescente universal, amplo, abrangente e, principalmente, exigível. Ademais, com o panorama político-social dos anos 80 de resgate da democracia e busca por direitos humanos, acrescida da pressão dos organismos nacionais e internacionais de proteção a crianças e adolescentes, o legislador constituinte promulgou a Constituição Cidadã, em que as crianças e adolescentes são tratados com proteção integral e prioritária (AMIN, 2010).

Como foi dito anteriormente, o ECA é um microssistema que contém regras e princípios relevantes para a proteção de crianças e adolescentes. Três são os princípios gerais e orientadores do ECA: princípio do superior interesse ou do melhor interesse de crianças e adolescentes, princípio da proteção integral e da prevalência da família e princípio da prioridade absoluta, que serão estudados a seguir (BRASIL, 1990c).

3.1.1 Princípio do superior interesse ou do melhor interesse de crianças e adolescentes

O princípio do melhor interesse é considerado o princípio dos princípios, vez que sobre ele se assentam todos os direitos das crianças e adolescentes. Esse é um princípio de difícil conceituação, contudo, segue o disposto no art. 3 da Convenção dos Direitos da Criança (1990b, n. p.), onde o mesmo está consagrado:

Artigo 3:

1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.

2. Os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e o cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores ou outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas.

3. Os Estados Partes se certificarão de que as instituições, os serviços e os estabelecimentos encarregados do cuidado ou da proteção das crianças cumpram com os padrões estabelecidos pelas autoridades competentes, especialmente no que diz respeito à segurança e à saúde das crianças, ao número e à competência de seu pessoal e à existência de supervisão adequada.

De forma semelhante, o art. 100, parágrafo único, IV do ECA confirmou e reavivou o princípio do melhor interesse, ao estabelecer que “[...] a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto” (BRASIl, 1990c, n. p.). O princípio do melhor interesse, portanto, trata-se de um norteamento que deve coordenar e orientar todas as atitudes voltadas para as crianças e adolescentes.

Outrossim, não se deve confundir o princípio do melhor interesse com o princípio da prioridade absoluta, ou até mesmo com os direitos fundamentais. Os direitos fundamentais formam o corpo normativo do qual os princípios se subdividem e se ramificam. A prioridade absoluta, do mesmo modo, tem origem constitucional (art. 227, caput, da CF), enquanto o princípio do melhor interesse está disciplinado em Tratados Internacionais, como ficou demonstrado acima.

O princípio do melhor interesse tem origem no parens patriae (do latim pai da nação), expressão que era utilizada na Inglaterra para designar a prerrogativa do Rei e da Coroa a fim de proteger aqueles que não podiam fazê-lo por conta própria. Como o próprio nome sugere, o princípio do melhor interesse busca garantir que todos os atos relacionados a crianças e adolescentes sejam realizados, considerando sempre o melhor interesse dos mesmos. O Estado, dessa forma, deve garantir proteção e cuidados adequados quando os pais ou responsáveis sejam omissos (FONSECA, 2012).

O princípio do melhor interesse tem caráter de norma fundamental, que se projeta além das normas jurídicas para as políticas públicas, servindo de orientação para uma sociedade mais igualitária e respeitosa de todos os direitos, principalmente daqueles relativos às crianças e adolescentes. Assim, o princípio do melhor interesse mostra-se como um princípio orientador tanto para o legislador quanto para o aplicador do Direito, estabelecendo as prioridades de crianças e adolescentes e conduzindo a interpretação de leis, deslinde de conflitos e até mesmo para a elaboração de futuras regras (FONSECA, 2012).

3.1.2 Princípio da proteção integral e da prevalência da família

A proteção integral constitui-se como expressão de um sistema em que crianças e adolescentes figuram como titulares de interesses prioritários e absolutos, resguardados pela família, sociedade e Estado. O princípio da proteção integral está expresso no art. 1º do ECA, em Brasil (1990c, n. p.): “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”; além de constar também na CF e em Tratados Internacionais que versam sobre a proteção de crianças e adolescentes.

O princípio sob análise garante uma proteção integral, prioritária e absoluta na interpretação e na aplicação de toda norma que esteja relacionada com crianças e adolescentes. Além disso, o princípio da prevalência da família, intimamente ligado ao princípio da proteção integral, defende as ações e promoções relativas à crianças e adolescentes, tendo em mira o cuidado e a atenção com o ambiente familiar.

Assim, determina o art. 100, parágrafo único, X, do ECA:

São também princípios que regem a aplicação das medidas:

X – prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta (BRASIL, 1990c, n. p.).

O princípio da proteção integral tem origem na Convenção sobre os Direitos da Criança e também na Declaração Universal dos Direitos da Criança. Assim, a proteção integral configura-se como a defesa prioritária de todos os direitos relativos a crianças e adolescentes, podendo afirmar, inclusive, que a noção de proteção integral está na efetivação de todos os direitos fundamentais que formam um arcabouço unitário e interdependente de proteção de crianças e adolescentes (FONSECA, 2012).

Com base no princípio da proteção integral, crianças e adolescentes são titulares de direitos fundamentais e a família, a sociedade e o Estado devem fornecer toda assistência necessária para o pleno desenvolvimento de sua personalidade. Esse princípio, portanto, traz como referência um conjunto de normas jurídicas de caráter nacional e internacional que representam um salto qualitativo e fundamental na proteção e consideração social da infância. Dessa maneira, a proteção integral de crianças e adolescentes mostra-se como um sistema em que tais pessoas tidas como vulneráveis sejam titulares de interesses prioritários e subordinantes à família, sociedade e Estado (FONSECA, 2012).

Vale frisar que, nos atos infracionais cometidos por adolescentes, o princípio da proteção integral tem como objetivo primordial diminuir as restrições de direitos que seriam próprias do sistema penal comum. Adolescentes, então, não seriam “acobertados” pelo Direito da Criança e do Adolescente, como é frequentemente exposto, mas sim, são protegidos de eventuais perdas pela imposição injusta de responsabilidades pela prática de infração à lei penal, em razão de sua condição de hipervulnerabilidade.

3.1.3 Princípio da prioridade absoluta

A CF, em seu art. 227, ao longo de parágrafos e incisos, assegura um rol de direitos a crianças e adolescentes com “absoluta prioridade”. Esse dispositivo legal consagra o princípio da prioridade absoluta de maneira expressa e garante direitos fundamentais a crianças e adolescentes de forma prioritária. Para regulamentar o tema, o ECA, nos art. 3º, 4º e 5º trata sobre o princípio da prioridade absoluta, elencando deveres para a família, a sociedade e o Estado. A prioridade absoluta, portanto, caracteriza-se como um direcionamento utilizado na efetivação de direitos e garantias fundamentais, tendo como finalidade primordial a primazia dos interesses de crianças e adolescentes.

O princípio da prioridade absoluta vincula a família, os administradores, a sociedade em geral, os governantes, os legisladores, os magistrados da Infância e Juventude, membros do Ministério Público, os Conselhos Tutelares, assim como todas as organizações e autoridades, tendo em vista os riscos constantes a que estão submetidos crianças e adolescentes. Esse princípio garante que crianças e adolescentes sejam atendidos prioritariamente em seus direitos, haja vista a necessidade de cuidados especiais que eles necessitam, em razão da fragilidade com que se relacionam no meio social e de ainda estarem em fase de aprendizado, ou seja, em desenvolvimento (FONSECA, 2012).

Crianças e adolescentes detêm, assim, prioridade absoluta no atendimento de suas necessidades. Vale mencionar que o art. 4º do ECA elenca um rol exemplificativo de obrigações, mas podem existir outras situações que exijam manifestações de absoluta prioridade dos infantes. “Como a prioridade é absoluta, não se pode deixar de acioná-la, sob o fundamento de não estar prevista no rol do art. 4º do Estatuto” (FONSECA, 2012, p. 20).

O art. 4º do ECA ampara e reflete da melhor maneira o disposto no art. 227 da CF. Esse dispositivo legal reproduz e aprofunda o princípio da prioridade absoluta ao enumerar situações em que crianças e adolescentes devem ser atendidos com prioridade. Nesse sentido, segue o disposto no art. 4º do ECA:

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (BRASIL, 1990c, n. p.).

A alínea “a” do parágrafo único representa bem o teor do dispositivo. Crianças e adolescentes têm prioridade na hora de receber proteção e socorro em qualquer circunstância. Assim, a título de exemplo, se um navio estiver afundando, primeiramente devem ser salvos crianças e adolescentes, e só depois os demais passageiros. Isto é, crianças e adolescentes devem ser atendidos com precedência em qualquer situação de perigo ou que envolva risco de vida (FONSECA, 2012).

As políticas sociais públicas e todos os demais órgãos públicos devem priorizar crianças e adolescentes, destinando recursos públicos de maneira privilegiada e também concedendo todo o apoio e promoção social. Essas exigências previstas tanto no ECA como na CF, destinam-se ao administrador público e ao legislador federal, estadual ou municipal (FONSECA, 2012).

Todas essas regras e princípios são direcionados com o único objetivo de proteger essas pessoas que são tidas como hipervulneráveis. O próprio ECA tem como base quatro orientações imprescindíveis: a garantia de direitos fundamentais, o princípio do melhor interesse, da proteção integral e da prioridade absoluta. Essas orientações são ligadas entre si e visam amparar e proteger a criança e o adolescente. Todas essas diretrizes devem ser levadas em consideração quando o assunto é o público infanto-juvenil, e a publicidade também deve seguir alguns parâmetros quando for direcionada para tal público, tema que será abordado a seguir.

3.2 Publicidade direcionada ao público infantil 

A doutrina consumerista aponta a criança como hipervulnerável, isto é, detentora de uma vulnerabilidade agravada em razão da mesma não possuir a capacidade suficiente para diferenciar o que é certo e o que é errado. De acordo com o art. 227 da CF, analisado anteriormente, há uma prioridade na proteção dos interesses das crianças e adolescentes, distribuindo entre a família, a sociedade e o Estado a responsabilidade de resguardar os direitos previstos neste artigo. Do mesmo modo, o art. 3º do ECA considera a proteção das crianças e adolescentes como absoluta prioridade, assegurando-lhes todas as oportunidades e facilidades.

Em razão dessa hipervulnerabilidade, vista como uma condição fática, social e objetiva, é que faz com que o direito do consumidor seja visto também como direito fundamental. A criança, de modo especial, é mais suscetível aos apelos da publicidade. Se até mesmo para os adultos é complicado resistir aos apelos e anúncios publicitários, para a criança, com certeza, essa situação se agrava.

As crianças são muito mais atingidas pela publicidade, tendo em vista que elas são persuadidas com maior facilidade e também por não possuírem controle suficiente sobre vários aspectos do jogo de marketing. O próprio CDC, atento a essa questão, determina como publicidade abusiva aquela que “[...] se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança”, como prevê o art. 37, § 2º do CDC, estudado anteriormente (GOULART; BRUCH, 2015).

O art. 39, IV do CDC, de maneira semelhante, reconhece como prática abusiva “[...] prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhes seus produtos ou serviços” (BRASIL, 1990a, n. p.). Além disso, a publicidade é considerada abusiva quando é antiética, ou quando fere a vulnerabilidade do consumidor, valores sociais básicos, ou quando fere a própria sociedade como um todo.

A publicidade infantil, portanto, deve zelar pelo respeito à condição da criança, levando em consideração seu déficit de compreensão e sua susceptibilidade frente aos anúncios publicitários veiculados, vez que é peculiar às crianças a fraqueza cognitiva. Desse modo, o CDC estabelece como crime, em seu art. 68, o ato de “[...] fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança” (GOULART; BRUCH, 2015, p. 04).

É certo que a publicidade não envolve informações absolutamente neutras, e o anunciante sempre demonstra os benefícios e pontos fortes do produto ou serviço, o que se caracteriza como liberdade publicitária. No entanto, essa liberdade tem um limite, principalmente nos casos em que os anúncios publicitários são direcionados para crianças. Assim, a publicidade pode, de forma lúdica, ratificar aspectos positivos do produto ou serviço, contudo, ela deve ser lícita e verdadeira, não podendo ser enganosa nem abusiva. Determinados produtos, como cigarros e bebidas, por exemplo, possuem outros limites publicitários específicos e, entre outros motivos, isso se deve ao fato de que essa publicidade pode ser percebida pelo público infantil. Logo, pode-se concluir que a liberdade publicitária não é absoluta, sobretudo, em se tratando de crianças consumidoras, o que será analisado mais detidamente no próximo tópico (GOULART; BRUCH, 2015).

O CONAR surgiu em decorrência de uma ameaça sofrida no final dos anos 70, momento em que o governo federal tentou sancionar uma lei criando uma espécie de censura à propaganda. Diante dessa ameaça, nasceu a ideia da autorregulamentação, sintetizada num Código, que tem como objetivo primordial zelar pela liberdade de expressão comercial e defender os direitos das partes envolvidas no mercado publicitário. O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) teve grande êxito, e em poucos meses, anunciantes, agências e veículos subordinaram seus interesses comerciais e criativos ao Código, apresentado a todos no III Congresso Brasileiro de Propaganda, no ano de 1978. Depois disso, todos os agentes envolvidos na criação e disseminação de propagandas e publicidade nunca mais abandonaram o Código que regulamenta a matéria (CONAR, 2017).

O CONAR tem como orientação fundamental os seguintes preceitos éticos relativos à publicidade: anúncios verdadeiros e honestos, sempre de acordo com as leis do país; a publicidade deve ser produzida com o devido senso de responsabilidade social, evitando acentuar diferenciações sociais; os anúncios devem sempre respeitar o princípio da leal concorrência; e, além disso, os anunciantes devem respeitar a atividade publicitária, sendo proibida qualquer atitude que desmereça a confiança do público em geral nos serviços que a publicidade realiza (CONAR, 2017).

Vale mencionar que o CONAR é um órgão privado, não-governamental. O CBAP, portanto, não é uma legislação em sentido estrito, mas apenas um código de conduta eminentemente privado, que não substitui a lei. Existem, inclusive, alguns questionamentos quanto à legitimidade do CONAR para tratar sobre a regulamentação da publicidade dirigida ao público em geral, mas, principalmente, ao público infantil, haja vista ser essencial a participação dos cidadãos e do Estado. Em razão disso, surgiram movimentos sociais que lutam pela regulamentação por parte do Estado, que reivindicam a necessidade de políticas públicas direcionadas para a publicidade e comunicação (MONTEIRO, 2012).

Não obstante os questionamentos acima elencados quanto à legitimidade da autorregulamentação realizada pelo CONAR, é importante ressaltar que a seção 11 do CBAP trata, especificamente, sobre a publicidade dirigida a crianças e adolescentes. O art. 37, do referido Código, estabelece que os pais, educadores, autoridades e comunidade em geral devem encontrar na publicidade razões para incentivar o desenvolvimento de cidadãos responsáveis e consumidores conscientes. Diante de tal perspectiva, esse dispositivo determina que nenhum anúncio publicitário conterá apelo imperativo de consumo diretamente à criança. Ao longo de várias alíneas, o art. 37 elenca as principais orientações no que se refere à publicidade infantil:

1. Os anúncios deverão refletir cuidados especiais em relação à segurança e às boas maneiras e, ainda, abster-se de:

a.-desmerecer valores sociais positivos, tais como, dentre outros, amizade, urbanidade, honestidade, justiça, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio ambiente;

b.-provocar deliberadamente qualquer tipo de discriminação, em particular daqueles que, por qualquer motivo, não sejam consumidores do produto;

c.-associar crianças e adolescentes a situações incompatíveis com sua condição, sejam elas ilegais, perigosas ou socialmente condenáveis;

d.-impor a noção de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na sua falta, a inferioridade;

e.-provocar situações de constrangimento aos pais ou responsáveis, ou molestar terceiros, com o propósito de impingir o consumo;

f.-empregar crianças e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto, recomendação ou sugestão de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participação deles nas demonstrações pertinentes de serviço ou produto;

g.-utilizar formato jornalístico, a fim de evitar que anúncio seja confundido com notícia;

h. apregoar que produto destinado ao consumo por crianças e adolescentes contenha características peculiares que, em verdade, são encontradas em todos os similares;

i.-utilizar situações de pressão psicológica ou violência que sejam capazes de infundir medo (CBAP, 1980)

É muito comum ocorrerem essas publicidades abusivas envolvendo o público infantil. O CDC preocupou-se com o tema e proibiu anúncios que causem sentimento de inferioridade ou que estimulem a criança ou o adolescente a constranger pais ou responsáveis a comprar determinado produto ou serviço. A título de exemplo, vale mencionar a famosa publicidade de uma marca de tênis, que posteriormente foi tirada do ar, em que uma criança incentivava outras crianças a destruírem o tênis velho para comprar outro novo, da mesma marca. Essa era, claramente, uma publicidade abusiva direcionada a crianças, pois despertava o consumismo com base em sentimentos de destruição, rebeldia, desobediência etc. Logo, o que se busca com a restrição desse tipo de publicidade é evitar o abuso frente à ingenuidade e inexperiência de crianças e adolescentes (GARCIA, 2010).

A criança merece todo esse cuidado especial em razão de ser um sujeito em transformação, inserida nas mudanças e construções do mundo à sua volta que se seguem até a idade adulta. Crianças e adolescentes exercem forte influência no ambiente em que estão inseridas e os fornecedores de produtos e serviços, assim como os anunciantes se valem dessas informações, preferências e vontades para atrair a atenção dessas pessoas mais vulneráveis.

Os anúncios publicitários veem nas crianças e adolescentes o alvo promissor para atingir pais e responsáveis, fazendo com que os produtos e serviços direcionados para a infância seja um mercado no qual vale a pena investir. “Voltada para o consumo, a consideração é de que a criança possui uma posição ativa e participativa, pelo menos na capacidade de influenciar a decisão de compra da família” (FANTIN; MIRANDA; MULLER, 2015, p. 11).

Diante do exposto, podem-se distinguir três tópicos principais que são expostos no debate de instituições, organismos e pesquisas que tratam da publicidade infantil: a regulamentação, a proibição e a autorregulamentação. Todo esse processo de comercialização da infância deve ser analisado e regulamentado da melhor forma possível, sempre levando em consideração os princípios analisados no tópico anterior, isto é, melhor interesse da criança e adolescente, prioridade absoluta como cláusula primordial, proteção integral e prevalência da família. Tudo isso justifica a necessidade de proteger o público infanto-juvenil mediante políticas de regulamentação por parte do Estado, como ocorre com a Resolução nº 163/2014 do CONANDA (FANTIN; MIRANDA; MULLER, 2015).

A Resolução nº 163 do CONANDA versa sobre a abusividade da publicidade direcionada para o público infantil e também sobre toda forma de comunicação mercadológica destinada a crianças e adolescentes. Assumindo ampla restrição na veiculação de qualquer tipo de publicidade e propaganda voltada ao público infantil, essa Resolução merece a devida análise, o que será feito em seguida.

3.3 Resolução nº 163/2014 do CONANDA

O CONANDA está previsto no art. 88 do ECA. Esse dispositivo legal estabelece as diretrizes que deverão ser tomadas no atendimento dos direitos de crianças e adolescentes. Nesse sentido, o CONANDA se traduz como um órgão deliberativo e controlador, tendo a participação popular paritária, como determina expressamente o inciso II do art. 88 do Estatuto. O CONANDA integra, inclusive, a estrutura básica da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Como dito anteriormente, a CF de 1988 e a promulgação do ECA transformaram o entendimento acerca da infância e dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. O Brasil é um dos poucos países que adotou legalmente a constituição de conselhos paritários e deliberativos na área de políticas para o público infantil, e também na estruturação de conselhos tutelares nos municípios (CONANDA, 2017).

O CONANDA tem como pauta primordial, dentre outras atribuições: combater a violência e a exploração sexual praticada contra crianças e adolescentes, erradicar o trabalho infantil e proteger o trabalhador adolescente, defender direitos de crianças e adolescentes indígenas, quilombolas ou com deficiência, criar parâmetros de funcionamento para o sistema de garantias de direitos e acompanhar os projetos de lei, em tramitação no Congresso Nacional, relativos aos direitos de crianças e adolescentes. A composição do CONANDA é feita da seguinte maneira: 28 conselheiros titulares e 28 suplentes, sendo 14 representantes do Poder Executivo e 14 representantes de entidades não-governamentais, desde que possuam atuação em âmbito nacional no que concerne à promoção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes (CONANDA, 2017).

Uma das normas editadas pelo CONANDA foi a Resolução nº 163, de 13 de março de 2014, dispondo sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. Juntamente com as normas contidas na Constituição da República, no ECA e no CDC, a Resolução nº 163/2014 veio para integrar o ordenamento jurídico brasileiro na defesa e proteção de direitos de crianças e adolescentes.

Com apenas quatro artigos, a Resolução nº 163/2014 estabelece diretrizes claras sobre a publicidade direcionada ao público infantil. Dentre os preceitos dessa Resolução, merece destaque o art. 2º, que elenca os casos de abusividade na comunicação mercadológica em geral. Eis o teor do art. 2º, da Resolução 163/2014:

Art. 2º Considera-se abusiva, em razão da política nacional de atendimento da criança e do adolescente, a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com a intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço e utilizando-se, dentre outros, dos seguintes aspectos:

I - linguagem infantil, efeitos especiais e excesso de cores;

II - trilhas sonoras de músicas infantis ou cantadas por vozes de criança;

III - representação de criança;

IV - pessoas ou celebridades com apelo ao público infantil;

V - personagens ou apresentadores infantis;

VI - desenho animado ou de animação;

VII - bonecos ou similares;

VIII - promoção com distribuição de prêmios ou de brindes colecionáveis ou com apelos ao público infantil; e

IX - promoção com competições ou jogos com apelo ao público infantil (CONANDA, 2014, n. p.).

Em oposição à Resolução nº 163 do CONANDA, a APP elaborou um manifesto, em que afirma que o controle da propaganda abusiva para crianças e adolescentes é amparado por leis e pelo CBAP e aplicado pelo CONAR. A APP afirmou, ainda, que diante da manifesta ameaça à liberdade de expressão representada pela Resolução, o conjunto dos profissionais de propaganda não reconhece a competência do CONANDA para legislar sobre o assunto, vez que somente o Congresso Nacional tem poder para legislar sobre a atividade publicitária. Ademais, a APP concluiu seu manifesto afirmando que iria continuar zelosa na responsabilidade de disseminar informações de qualidade e de maneira ética, sempre combatendo qualquer tentativa de ceifar a liberdade de expressão que foi conquistada a duras penas. 

De modo contrário a esse posicionamento, a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Estado de São Paulo, do Ministério Público Federal, emitiu a Nota Técnica nº 02/2014, que explica o porquê de o CONANDA ter competência para editar e promulgar a Resolução nº 163/2014, tratando sobre a publicidade abusiva direcionada a crianças e adolescentes. De acordo com a Nota Técnica nº 02/2014, inexiste no Brasil uma legislação específica ou ato normativo que contenha parâmetros claros sobre a publicidade direcionada para o público infantil. Os parâmetros que existem, referem-se ao CBAP, órgão que está ligado a uma Organização Não-Governamental e que, por isso, não possui força normativa, vez que não é fruto do poder legiferante do Poder Legislativo, nem tampouco se trata de poder regulamentar do Executivo.

Assim, torna-se imprescindível a regulamentação por parte do poder público, com a finalidade de estabelecer parâmetros na identificação da publicidade abusiva que tenham crianças ou adolescentes como público-alvo, o que foi realizado pela Resolução nº 163/2014 do CONANDA. Assim, faz-se necessário analisar o princípio da livre iniciativa e da liberdade de expressão frente à Resolução nº 163/2014 do CONANDA, como será feito adiante.


4 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DA LIVRE INICIATIVA FRENTE À RESOLUÇÃO Nº 163/2014 DO CONANDA

Como visto anteriormente, em março de 2014, o CONANDA aprovou a Resolução nº 163. Essa Resolução dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente.

A Resolução nº 163/2014 do CONANDA considerou abusiva a prática do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança, com intenção de persuadi-la para o consumo de qualquer produto ou serviço. Contudo, em oposição a esse entendimento, a APP elaborou um manifesto, em que afirma que o controle da propaganda para crianças e adolescentes é amparado por leis e pelo CBAP e aplicado pelo CONAR.

A APP considerou a Resolução inconstitucional, vez que afronta os princípios constitucionais da liberdade de expressão e da livre iniciativa. Passa-se, então, a analisar os referidos princípios tendo como base o critério da proporcionalidade tendo em vista que há colisão de direitos fundamentais.

4.1 Liberdade de expressão

A liberdade de expressão é um dos mais importantes direitos fundamentais, correspondendo a uma das mais antigas reivindicações dos homens. A CF trata sobre a liberdade de expressão nos artigos que seguem:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

[...]

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição (BRASIL, 1988, n. p.).

A liberdade de expressão possui faculdades diversas, desde a comunicação de pensamentos e ideias até expressões não verbais, como é o caso de determinado comportamento ou informação por imagem. Esse direito fundamental é enaltecido como instrumento para o bom funcionamento do Estado Democrático de Direito, tendo em vista que o pluralismo de opiniões é imprescindível para a formação de vontade livre (BRANCO; MENDES, 2014).

O ser humano é um ser comunicativo por essência, que tem necessidade de se comunicar constantemente com seus semelhantes, mostrando-se a liberdade de se comunicar como condição social para a própria saúde psicossocial da pessoa. Assim, a liberdade para se comunicar tem relação direta com a sociabilidade, característica essencial ao ser humano (BRANCO; MENDES, 2014).

A liberdade de expressão abrange toda mensagem, tudo que se pode comunicar, ou seja, juízos, propagandas, ideias, notícias etc. No entanto, a liberdade de expressão não abrange a violência. Isso se deve ao fato de que toda informação difundida tende a exercer influência sobre várias pessoas. Ademais, a liberdade de expressão, enquanto direito fundamental, busca resguardar os cidadãos da censura estatal (BRANCO; MENDES, 2014):

Censura é o expediente contrário ao regime das liberdades públicas. Reveste-se numa ordem, num comando, proveniente do detentor do poder, o qual deseja impedir a circulação de ideias e ideais que se entrechocam com dogmas imutáveis (BULOS, 2011, p. 562).

Em outras palavras, compreende-se censura como a ação governamental de ordem prévia centrada sobre o conteúdo de determinada mensagem. Não cabe ao Estado decidir quais opiniões merecem ser expressas. O Estado não pode determinar quais opiniões são válidas e aceitáveis, pois isso deve ser realizado pelo público a que essas informações são dirigidas. Esse, portanto, é um direito marcadamente defensivo, em que o Estado se abstém de interferir na liberdade do indivíduo (BRANCO; MENDES, 2014).

Desse modo, a liberdade de expressão proíbe a censura, ou seja, o Estado não pode impedir que ideias e pensamentos sejam divulgados, e também não pode fazer um controle anterior de informações que serão repassadas para o público. Contudo, a proibição da censura não impede o indivíduo de ser responsabilizado cível e penalmente pelas ideias que expressou (BRANCO; MENDES, 2014).

A liberdade de expressão, assim como outros princípios, não é um direito absoluto. Exemplo disso são as restrições impostas a emissoras de rádio e televisão, que devem, segundo o texto constitucional, preferir as programações com finalidades educativas, artísticas, culturais; que promovam a cultura nacional e regional; e também a regionalização da produção cultural, artística e jornalística, levando sempre em consideração o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (FERNANDES, 2014).

Nesse sentido, vale mencionar o disposto no § 3º do art. 220 da CF que trata sobre a manifestação do pensamento, da informação e da expressão, mas determina certas restrições, como segue:

§ 3º Compete à Lei Federal:

I - Regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente (BRASIL, 1988, n. p.).

Além disso, a liberdade de expressão sofre restrição na medida em que somente mensagens verdadeiras são abrangidas por esse princípio constitucional. A mensagem falsa, portanto, não pode ser protegida, tendo em vista que a mesma produziria uma falsa percepção na formação de opinião de várias pessoas, devendo atentar-se para a função social da liberdade de informação. Outrossim, a coletividade tem interesse em notícias verdadeiras (FERNANDES, 2014).

Por último, em uma leitura mais analítica, os constitucionalistas brasileiros assinalam que, sendo a liberdade de expressão um direito oponível em regra ao Estado, não ensejaria (em regra) uma pretensão a se exercer contra terceiros (particulares). Nesses termos, especificamente, para que a eficácia horizontal desse direito fundamental se desse, seria necessária uma aplicação em cada caso (concreto) ponderada (técnica da ponderação), balanceando os interesses envolvidos em contextos concretos (FERNANDES, 2014, p. 377).

Por ser um direito de abstenção do Estado, a liberdade de expressão será exercida, modo geral, contra o Poder Público. Não é comum, portanto, a liberdade de expressão ser exercida em face de terceiros. No entanto, em situações especiais, esse direito já foi invocado em contextos privados, como é o caso do direito de réplica em jornais (BRANCO; MENDES, 2014).

Existem vários modos de expressão: desde um quadro pintado por um artista, ou até mesmo uma música ou uma fotografia. Ademais, o comportamento em si pode ser considerado uma forma de manifestação de ideias ou pensamentos, ou seja, uma forma de comunicação. Nessas hipóteses o princípio da liberdade de expressão também pode ser invocado? O STF, por exemplo, entendeu que a realização de manifestações públicas que defendem a legalização de droga ilícita (maconha), é uma forma de liberdade de expressão por meio do direito de reunião e que, por isso, não podem ser impedidas, nem confundida com o crime de apologia do uso indevido de drogas (BRANCO; MENDES, 2014).

Em decisão prolatada em junho de 2011, por entender que o exercício do direito fundamental de reunião e da liberdade de expressão devem ser concedidos a todas as pessoas, o STF julgou procedente pedido formulado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 187 para dar interpretação conforme a Constituição, ao art. 287 do Código Penal. Assim, excluiu-se qualquer interpretação que pudesse ensejar a criminalização da defesa da legalização da maconha, inclusive em manifestações e eventos públicos (FERNANDES, 2014).

Ratificando o que foi exposto acima, a liberdade de expressão sofre restrições previstas pelo constituinte e, também, pela colisão desse direito com outros do mesmo status. O art. 220 da Constituição determina que a liberdade de expressão não sofrerá restrição, contudo, o constituinte preceitua que isso ocorrerá levando-se em consideração o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. Assim, a liberdade de expressão sofre alguns limites, dentre eles: a proibição do anonimato, direito de resposta e indenização por danos morais e patrimoniais e à imagem, para preservar a intimidade, a vida privada, a honra e também que assegure a todos o direito à informação (BRANCO; MENDES, 2014).

Com relação às crianças e adolescentes, o princípio da liberdade de expressão também sofre algumas limitações. Depreende-se que qualquer valor expresso na Constituição pode entrar em conflito com a liberdade de expressão, e isso deve ser resolvido pelo sopesamento entre esses princípios, atendendo ao critério da proporcionalidade. Tratando-se de crianças e adolescentes, a Carta Magna determina que eles devem ser tratados com absoluta prioridade ao dever do Estado, da família e da sociedade, assegurando aos jovens os direitos à vida, educação de qualidade, dignidade, liberdade, etc. (BRANCO; MENDES, 2014).

Desse modo, deve-se realizar um balanço dos interesses da liberdade de expressão com o valor da dignidade de crianças e adolescentes, tendo em vista que o dever de protegê-los merece uma necessária inclinação por este último. Ora, o próprio constituinte expressou que crianças e adolescentes devem receber absoluta prioridade. A liberdade de expressão, neste caso, poderá sofrer certas restrições quando os interesses de crianças e adolescentes estiverem em risco. Portanto, a liberdade de expressão, num contexto que estimule o consumismo e a exploração comercial por meio da publicidade abusiva, deve ser contida, cedendo lugar para o valor prioritário da proteção da infância e da adolescência (BRANCO; MENDES, 2014).

Busca-se, assim, coibir os abusos cometidos com fundamento em princípios constitucionais. Isto é, não existem direito absolutos. A censura deve ser combatida, mas o princípio da liberdade de expressão também não pode se sobrepor a outros princípios expressos na Constituição. Assim, como o direito à liberdade de expressão não pode ser anulado, os demais princípios também não podem. No caso em análise, faz-se necessário ponderar e encontrar um meio termo acerca dos limites à liberdade de expressão e da livre iniciativa frente aos princípios do melhor interesse e da proteção integral de crianças e adolescentes, o que será feito adiante.

4.2 Livre iniciativa

O princípio da Livre Iniciativa está expresso na Constituição da República tanto no art. 1º, IV, quanto no art. 170, caput, conforme segue:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

[...]

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social [...] (BRASIL, 1988, n. p.).

O termo “livre iniciativa” é bastante amplo, mas depreende-se que esse princípio é um desdobramento do direito fundamental à liberdade. Não obstante sua acepção ampla, o princípio da livre iniciativa se esgota na liberdade econômica ou de iniciativa econômica (GRAU, 2007).

Essa face do princípio da livre iniciativa, que se expõe como liberdade econômica, tem como titular a empresa. Esse princípio surgiu no decreto d’Allarde, em março de 1791, cujo art. 7º determinava que, a partir de abril daquele ano, qualquer pessoa seria livre para realizar qualquer negócio ou exercer qualquer profissão. Contudo, essa pessoa era obrigada a se munir de uma “patente” (imposto), isto é, pagar taxas exigíveis e se sujeitar a regulamentos aplicáveis a cada caso (GRAU, 2007).

A livre iniciativa é uma expressão da ideia geral de liberdade, e faz parceria com outros princípios constitucionais relevantes, como o da legalidade e o da autonomia da vontade. Nesse sentido, ela transcende uma dimensão puramente econômica, significando que a regra geral, em todos os domínios, é que as pessoas sejam livres para suas escolhas existenciais, profissionais, filantrópicas, de lazer etc. O Estado não pode determinar onde um indivíduo vai morar, qual profissão vai seguir, o que vai fazer com o seu dinheiro ou a quem vai ajudar ou deixar de ajudar (BARROSO, 2014).

Ratificando o pensamento explicitado acima, a liberdade de iniciativa econômica é uma forma de garantir a legalidade, haja vista que a livre iniciativa é uma faceta da liberdade pública na medida em que expressa a não sujeição às restrições estatais, senão em virtude de lei. O que isso significa, em outras palavras, é que a sujeição ao princípio da livre iniciativa é a obediência ao princípio da legalidade em termos absolutos – e não, meramente, à legalidade em termos relativos. O Estado, portanto, utiliza o princípio da livre iniciativa para impor ao detentor da atividade econômica, uma autorização para exercer suas atividades (GRAU, 2007).

Assim, além de ser um princípio fundamental do Estado brasileiro, a livre iniciativa é também um princípio da ordem econômica. Conclui-se, desse modo, que a escolha de colocá-lo no patamar de fundamento da República constitui uma opção por um regime de economia de mercado, tendo como base a lei da oferta e da procura, diferentemente de uma economia planificada, em que os agentes econômicos são guiados pelas escolhas do governo (BARROSO, 2014).

Ademais, extraem-se outros subprincípios relativos à livre iniciativa: a propriedade privada, típica de regime capitalista, onde há apropriação de bens e meios de produção; a liberdade de empresa e de trabalho, caracterizado pela liberdade de exercício de qualquer atividade econômica, e também pela escolha de qualquer trabalho ou profissão; a liberdade de contratar, pois no setor privado prevalece a autonomia da vontade do contratante no que se refere à contratação; e a liberdade de concorrência, que, como regra, estabelece que a empresa tem liberdade para fixar preços e lucros (BARROSO, 2014).

Outra faceta importante do princípio da livre iniciativa é a sua ligação com a valorização do trabalho, ou seja, do trabalho livre, natural de uma sociedade livre e pluralista. Ao mencionar a livre iniciativa em seu art. 1º, IV, a Carta Magna enuncia, como fundamento da República Federativa do Brasil, o valor social do trabalho e da livre iniciativa, e não suas virtualidades individuais. No art. 170, da mesma maneira, a Constituição dispõe sobre a livre iniciativa juntamente com o respeito ao trabalho humano, demonstrando a importância da valorização do trabalho (GRAU, 2007).

O sistema capitalista traz consigo dois importantes princípios que muitas vezes são tomados, erroneamente, como sinônimos. De um lado, o princípio da livre iniciativa, analisado acima como ações dos agentes econômicos em face da interferência estatal. De outro lado, o princípio da liberdade de concorrência.

A liberdade de empreender é garantida ao detentor da atividade econômica como uma forma de resguardá-lo das interferências estatais. Contudo, essa proteção liberal aos direitos individuais não é absoluta. A sociedade capitalista liberal, portanto, determina espaços de liberdade dentro dos quais a liberdade individual não pode ser tolhida, a não ser que haja algum abuso de direito – limite da liberdade concedida aos cidadãos e empreendedores. Assim, a tutela da liberdade encontra limites apenas nos abusos que ela eventualmente propicie (AGUILLAR, 2009).

Desse modo, quando há abuso de direito com relação à livre iniciativa econômica é que surge o princípio da livre concorrência. Assim, verifica-se que o princípio da livre concorrência é um contraponto do princípio da livre iniciativa e não seu sinônimo. O agente econômico tem liberdade para empreender da forma que entender conveniente, porém, essa liberdade não pode prejudicar a liberdade de concorrência de outros agentes econômicos (AGUILLAR, 2009).

Em síntese, o princípio da liberdade de iniciativa é um direito do agente econômico em face do Estado, demandando uma abstenção deste, enquanto o princípio da livre concorrência é um direito do agente econômico em face de outro agente econômico, demandando não mais a omissão, mas a efetiva interferência estatal na economia (AGUILLAR, 2009, p. 258).

Logo, a livre concorrência não se reveste dos atributos de liberdades concedidos pelo Estado, mas sim como uma forma de prerrogativa para exigir que o Estado atue reprimindo o abuso de direito com relação à livre iniciativa. Em outras palavras, o princípio da livre iniciativa é o direito do empresário em face do Estado, exigindo uma abstenção do Estado e atribuindo liberdade ao particular. O princípio da livre concorrência, por sua vez, é o direito do empresário em face de outro empresário, na medida em que exige do Estado uma atuação que cerceia a liberdade do particular. Como ressaltou Aguillar (2009, p. 258), “[...] para que haja liberdade é necessário restringir a liberdade”.

Por fim, passa-se a analisar os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa frente às regulamentações trazidas pela Resolução nº 163 do CONANDA e suas implicações na vida de crianças e adolescentes.

4.3 A aplicação dos princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa frente à Resolução 163/2014 do CONANDA

No Brasil, o controle da publicidade é realizado de maneira autorregulamentar, por meio de uma Resolução, e não com uma lei em sentido estrito. O CONANDA, responsável por editar a Resolução nº 163, é um órgão vinculado à Secretaria de Direito Humanos, mas questiona-se: o controle da publicidade, principalmente a publicidade direcionada ao público infantil, pode ser realizada por uma Resolução e não por uma lei em sentido estrito?

Não se trata de proibir a publicidade a qualquer custo. O que deve ser analisado com muita atenção é a maneira que a publicidade é exposta ao público, principalmente o público infantil. Dessa forma, busca-se um controle (diferente de censura) com o objetivo de evitar que as mensagens publicitárias influenciem negativamente na escolha dos consumidores e, assim, tornem essa publicidade lesiva dos valores fundamentais e garantias inerentes a todos os consumidores (ROCHA, 2012).

Logo, percebe-se que a atividade publicitária é tão importante para toda a sociedade que não deve ficar, legitimamente, livre do controle jurídico. Seja por meio de um regramento de iniciativa própria (autorregulamentação), seja por um controle exercido pelo poder estatal, há uma necessidade primordial em estabelecer diretrizes e regras claras sobre a atividade publicitária, haja vista seu impacto sobre o meio social e econômico (ROCHA, 2012).

Até pouco tempo atrás, havia uma tendência de não submeter a publicidade a nenhuma disciplina ou regulamentação. Para defender tal posição, utilizava-se a livre concorrência, no sentido de que os consumidores seriam resguardados por esse princípio sem a necessidade de uma intervenção de um controle mais concreto e organizado. Ou seja, as forças do mercado, por elas mesmas, desempenhariam esse papel de controlar a publicidade. Essa é uma posição defendida pelo modelo liberal, em que o não intervencionismo estatal é a regra e existe a confiança na capacidade do mercado se regular sozinho. Essa corrente defende, portanto, a cultura do laissez-faire, que não se preocupa com mecanismos de controle estatal relacionado à economia (ROCHA, 2012).

Assim, o apego ao ideário liberal foi responsável pela rejeição do controle mais incisivo da publicidade. Para tanto, defendia-se que cada consumidor tinha a liberdade de escolher conforme suas necessidades, sendo desnecessário qualquer tipo de intervenção na comunicação fornecedor-consumidor, motivo pelo qual as mensagens publicitárias permaneceram por algum tempo sem disciplina. Esse posicionamento liberal não foi inteiramente superado, principalmente no meio publicitário e jornalístico, em que muito se defende a livre escolha de consumidores, rejeitando-se veementemente a ação estatal no que concerne aos limites impostos à publicidade (ROCHA, 2012).

Destarte, o controle da publicidade indica a necessidade de fiscalização das mensagens publicitárias veiculadas, vez que essa verificação tem como intuito favorecer a concorrência entre os agentes econômicos, garantir que as informações sejam repassadas da forma mais correta e adequada para os consumidores, evitar abusos no poder de persuasão exercido pelos fornecedores de produtos e serviços e, por fim, limitar o potencial de modificação nos padrões culturais (ROCHA, 2012).

Dessa maneira, a regulamentação publicitária surgiu no Brasil na forma autorregulamentar, no momento em que o setor publicitário sofria ameaças. Em 1970, época em que a ditadura militar estava instalada no Brasil, a intenção do governo era implantar uma autarquia com o objetivo de exercer controle prévio da publicidade, assumindo contornos de censura. Essa iniciativa demonstrava, além do autoritarismo típico de governos ditatoriais, uma preocupação mundial em controlar o potencial persuasivo das mensagens publicitárias veiculadas para consumidores (ROCHA, 2012).

Assim, antes do Poder Legislativo regulamentar o tema, alguns representantes de agências publicitárias e veículos de comunicação se reuniram para elaborar o CBAP, tendo como função precípua zelar pela liberdade de expressão comercial e defender os interesses de todos os envolvidos no mercado publicitário, ou seja, anunciantes, fornecedores e consumidores. Logo após, em maio de 1980 foi fundado o CONAR, organização responsável por aplicar sanções nos casos de descumprimento dos preceitos estabelecidos no CBAP (ROCHA, 2012).

Dessa forma, o CONAR analisava a conduta dos anunciantes e suas mensagens publicitárias, estabelecendo sanções e realizando todo o controle da publicidade, tendo como base as regras do CBAP. No entanto, por ser o único órgão a realizar esse controle e por não estar vinculado ao Estado, o CONAR tornou-se o guardião absoluto da veracidade e licitude das mensagens publicitárias, chegando ao ponto de confundir seu papel, extrapolando limites do que podia desempenhar (ROCHA, 2012).

O autocontrole exercido pelo CONAR se mostrou insuficiente em face da própria natureza jurídica do conselho, de sociedade civil integrada majoritariamente por publicitários, por adesão espontânea, e cuja competência estatutária não vai além da imposição de penas de eficácia simbólica, como a advertência, a recomendação etc. Por mais que se entenda haver um forte peso moral em uma reprimenda imposta pelo CONAR (sobretudo ao se considerar a possibilidade hoje existente de consulta à integra das decisões do Conselho no sítio deste na internet), o fato é que a inexistência de um poder coercitivo reduz substancialmente a eficácia do controle exercido (ROCHA, 2012, p. 205)

Ademais, a autorregulamentação publicitária exercida no Brasil possui algumas deficiências, dentre as quais, a diminuta participação dos consumidores nesse controle realizado pelo CONAR. É certo que tal órgão possui representantes da sociedade civil, mas tradicionalmente o CONAR detém participação majoritária de representantes do setor publicitário e dos veículos de comunicação. Mas esse é um problema recorrente nos países que adotaram a autorregulamentação publicitária. A autorregulamentação publicitária só é satisfatória quando há o monitoramento pelo governo ou por grupos de interesse público bem financiados, para que haja uma efetiva proteção dos direitos dos consumidores (ROCHA, 2012).

No panorama atual, portanto, a regulamentação da publicidade é realizada, via de regra, pelo CONAR, mas existem os casos em que a CF determina expressamente os limites impostos a essas mensagens publicitárias. Esse controle exercido por um órgão não governamental gera alguns problemas, dentre eles: a publicidade que afeta toda a sociedade se manifesta como um assunto público, e como tal não pode ser regulado pelo setor privado; ademais, o órgão que realiza o controle da publicidade é o maior interessado no crescimento do consumo, gerando ilegitimidade para exercer suas funções (CASTILHOS, 2007).

Além disso, ratificando o que foi explicitado anteriormente, o CONAR não possui poder coativo e se esse órgão detivesse esse poder coativo seria limitado por se tratar de um ente privado. Outrossim, por diversas vezes as sanções impostas pelo CONAR foram questionadas em razão da sua desproporcionalidade frente aos danos causados à sociedade, principalmente nos casos envolvendo crianças e adolescentes (CASTILHOS, 2007).

A CF trata sobre a proteção de crianças e adolescentes em seu art. 227, afirmando que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar com prioridade absoluta a defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Da mesma maneira, o CDC (Lei nº 8.078, de setembro de 1990) e o ECA (Lei nº 8.069, de julho de 1990) tratam especificamente sobre a publicidade direcionada ao público infanto-juvenil.

O CDC, em seu art. 37, § 2º, considera “[...] abusiva a publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança” (BRASIL, 1990a, n. p.). O ECA também trata do tema, afirmando em seu art. 76, que “[...] as emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas” (BRASIL, 1990c, n. p.). Ou seja, a proteção a crianças e adolescentes está disciplinada em, pelo menos, três dispositivos legais e nenhum deles é tão restritivo quanto a Resolução nº 163/2014 do CONANDA. Em razão disso, questiona-se sua aplicabilidade e legitimidade, por restringir tanto a ação da publicidade direcionada a crianças e adolescentes. 

É certo que crianças e adolescentes merecem proteção especial em razão da sua vulnerabilidade. A CF, o CDC e o ECA, como acima mencionado, concedem tratamento especial a esses sujeitos hipervulneráveis na relação de consumo. Por isso, a publicidade dirigida ao público infanto-juvenil deve ser controlada e analisada com bastante cuidado, mas isso não significa que essa limitação deva levar o princípio da liberdade de expressão e da livre iniciativa a praticamente zero, como faz a Resolução nº 163 do CONANDA (ROCHA; VIEGAS, 2015).

Ocorre, dessa maneira, uma colisão entre direitos fundamentais: de um lado o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, e da doutrina da proteção integral versus o princípio da liberdade de expressão e da livre iniciativa. Essa colisão entre direitos fundamentais é solucionada pelo princípio da proporcionalidade, que tem como essência o sopesamento entre valores reconhecidos pela Constituição da República. Busca-se, assim, um equilíbrio entre duas forças expressas nas normas constitucionais. Em razão disso, as medidas que impõem limites a determinado direito fundamental só são admitidas até certo ponto, quando não afetam outro direito fundamental mais que o necessário.

A resolução de conflitos entre direitos fundamentais, portanto, se resolve com a utilização do princípio da proporcionalidade. Esse é um processo composto por três etapas sucessivas: na primeira etapa tem-se que identificar os enunciados normativos que se encontram em conflito e agrupá-los numa solução normativa para o caso concreto; a segunda etapa desse processo busca analisar os aspectos mais relevantes e a repercussão de cada norma que está em conflito; a terceira e última etapa é responsável por determinar qual das soluções irá prevalecer. Ou seja, vale questionar qual dos princípios deve se sobrepor ao outro e qual a intensidade da restrição imposta ao princípio que foi preterido (BARCELLOS, 2005).

Identificados todos os elementos pertinentes – normativos e fáticos – chega-se afinal à fase de decisão. É nesta etapa que se estará examinando conjuntamente os diferentes grupos de enunciados, a repercussão dos fatos sobre eles e as diferentes normas que podem ser construídas, tudo a fim de apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa (BARCELLOS, 2005, p. 123).

Seguindo a fórmula anteriormente explicitada, segue-se agora para a subsunção ao caso em análise. Primeiramente, as normas conflitantes são os princípios do melhor interesse da criança e da doutrina da proteção integral frente aos princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa. Após isso, faz-se necessário analisar as circunstâncias concretas do caso e suas repercussões sobre as normas constitucionais em conflito.

Ao regulamentar a publicidade direcionada ao público infantil, a Resolução nº 163 do CONANDA estabeleceu restrições mais severas do que aquelas impostas pela CF, pelo CDC e pelo ECA. Essa Resolução tirou todo o valor normativo referente ao princípio da liberdade de expressão e da livre iniciativa, tendo em vista que a publicidade praticamente não poderia ser direcionada para o público infantil. Ora, existem vários dispositivos legais que tratam sobre a abusividade da publicidade, não se mostra necessário que exista uma regulamentação tão inflexível para tratar sobre o tema.

Dessa forma, verifica-se que os princípios do melhor interesse da criança e da doutrina da proteção integral devem sim ser levados em consideração quando se trata da publicidade direcionada a crianças e adolescentes, mas essa restrição não pode ser levada a extremos, como uma forma de manobra para suprimir totalmente os efeitos de outro princípio constitucional de igual valor.

Os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança devem coexistir com os demais princípios expressos na CF. Portanto, esses direitos concedidos a crianças e adolescentes pela Carta Magna não podem ter um alcance superior a de outros direitos como a liberdade de expressão, sob pena de acontecerem abusos interpretativos que elevam a criança a uma categoria de “majestade suprema” (ROCHA; VIEGAS, 2015).

No momento em que se realiza o sopesamento entre esses dois princípios constitucionais, torna-se necessário verificar a forma menos nociva ao direito à liberdade de expressão, tendo sempre em vista a proteção do direito fundamental da criança e do adolescente que são afetados pelo primeiro princípio. Ou seja, não se pode anular um dos princípios em favor do outro, mas buscar uma forma em que os dois princípios coexistam. (ROCHA; VIEGAS, 2015)

Leve-se em consideração que a tutela conferida às crianças e adolescentes, no próprio CDC (art. 37, §2º e 39, IV), resguardam seus direitos fundamentais, sem abolir ou banalizar a liberdade de expressão publicitária - enquanto direito fundamental dos publicitários (art. 220, CF/88). O que, por sua vez, também guarda observância às ideias e preceitos basilares que animam a ordem econômica disposta na Carta Magna, como o próprio princípio da livre iniciativa (ROCHA; VIEGAS, 2015).

Os direitos fundamentais relativos a crianças e adolescentes são muito importantes, mas eles devem ser analisados e ponderados frente a outros princípios constitucionais tão importantes quanto eles, isto é, direitos da criança e do adolescente não estão hierarquicamente superiores a outros princípios constitucionais. Os princípios relativos a crianças e adolescentes não são os únicos que merecem atenção e proteção. Como foi analisado acima, o CDC já restringiu o princípio da liberdade de expressão ao designar diretrizes contra a publicidade abusiva. Essa proteção parece ser suficiente e adequada para tal situação, não sendo necessária a exclusão definitiva da liberdade de expressão como ocorreu com a Resolução nº 163 do CONANDA (ROCHA; VIEGAS, 2015).

Depreende-se, após o exposto, que a Resolução elaborada pelo CONANDA foi muito bem intencionada. Porém, ela restringiu demasiadamente os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa. “A Resolução nº 163 do CONANDA se inclina a extrapolar o fim ao qual se destina – o de proteger crianças e adolescentes –, de modo que tende a tolher o direito de exercício da atividade econômica das agências de publicidade, naquilo que se refere ao público infantil” (ROCHA; VIEGAS, 2015).

Crianças e adolescentes possuem o status de hipervulnerabilidade e são detentoras de direitos fundamentais consagrados na Constituição, mas isso não autoriza a restrição completa de outros direitos fundamentais, suprimindo por completo a liberdade de expressão e a livre iniciativa, como fez a Resolução nº 163 do CONANDA. Além disso, a referida resolução tenta direcionar a publicidade apenas para os pais (adultos com poder de compra), e isso só poderia ser feito através de uma lei em sentido estrito. Trata-se, neste sentido, do princípio da reserva legal, pois somente uma lei poderia regulamentar o disposto na Constituição. O que ocorreu, de modo contrário, foi que uma Resolução restringiu a quase zero os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa, quando nem mesmo o CDC nem o ECA o fizeram (ROCHA; VIEGAS, 2015).

O CDC em nenhum momento proíbe a publicidade direcionada ao público infantil, como ocorre com as determinações da Resolução nº 163 do CONANDA. O CDC tão somente considera abusiva a prática de publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, conforme preceitua o art. 37, § 2º, que trata sobre a publicidade abusiva. Analisando caso a caso, o intérprete do direito possui condições de perceber quando uma publicidade se aproveita da ingenuidade de crianças e adolescentes, não necessitando de normas tão restritivas, que limitam direitos fundamentais como a livre iniciativa e a liberdade de expressão.

Ademais, o CDC possui instrumentos necessários para coibir a publicidade abusiva, vez que o art. 56 determina que as infrações das normas de defesa do consumidor estão sujeitas a sanções administrativas elencadas ao longo de doze incisos, sem prejuízo das sanções de natureza cível e criminal.

Vale frisar que a Resolução nº 163 do CONANDA não pode restringir o âmbito de aplicação de uma lei federal. A Administração Pública detém o poder regulamentar no que concerne à edição de atos gerais com a finalidade de complementar as leis e garantir sua efetividade. Porém, esse poder regulamentar concedido à administração pública é no sentido de complementar a Lei já existente, e não alterá-la completamente, como ocorre com a Resolução do CONANDA.

Quando a regulamentação realizada restringe demasiadamente a Lei, ocorre o abuso de poder regulamentar, uma invasão de competência do Poder Legislativo. Isso decorre do fato de que o poder regulamentar é de natureza secundária ou derivada e somente pode ser exercido quando já existe uma legislação em sentido estrito. As Leis, como é o caso do CDC, tem natureza originária e emanam diretamente da Constituição. A Administração Pública, portanto, não pode editar atos normativos que alterem completamente uma lei já existente, por se caracterizar abuso de poder regulamentar. Assim, o CONANDA, órgão vinculado à Administração Pública também não poderia fazê-lo (MOREIRA, 2011).

Cabe, assim, aos pais e responsáveis educar os filhos e ensiná-los sobre a sociedade de consumo atual. Os pais, portanto, devem realizar esse controle na vida das crianças, orientando, fornecendo informações e exemplo acerca dos diversos aspectos da vida em sociedade. O momento é oportuno para iniciar um diálogo sadio com crianças e adolescentes, para que pais ensinem seus filhos sobre as decisões de compra que devem ser tomadas conscientemente, o que será levado para o futuro dessas pessoas em desenvolvimento (FERREIRA, 2015).

Conclui-se, portanto, que o CDC e o ECA são suficientes para a análise do tema e esses dispositivos legais em nenhum momento proíbem a publicidade direcionada ao público infantil, limitando-se a vedar a publicidade enganosa ou abusiva nos termos em que foram expostos no capítulo anterior.

Desse modo, entende-se que o CONANDA extrapolou os limites de sua competência regulamentar ao proibir algo que a Constituição da República e Leis Ordinárias permitem. Ademais, vale frisar que a publicidade tem sua função social que é considerada, inclusive, como inerente à sociedade de consumo atual (ROCHA; VIEGAS, 2015).

O ideal, portanto, é ensinar e estimular o consumo saudável por parte de crianças e adolescentes. Não basta proibir completamente a publicidade dirigida ao público infanto-juvenil, mas abrir espaço para um diálogo com a sociedade civil e com o Congresso Nacional sobre o tema, para que surja uma solução mais viável, sem ferir outros princípios constitucionais.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A Resolução nº 163 do CONANDA regulamentou a publicidade direcionada a crianças e adolescentes, e realizou significativas limitações na liberdade de expressão e na livre iniciativa de agentes econômicos e fornecedores de produtos e serviços direcionados ao público infantil.

Ao regulamentar a publicidade direcionada ao público infantil, a Resolução nº 163 do CONANDA estabeleceu restrições mais severas do que aquelas impostas pela CF, pelo CDC e pelo ECA. Essa Resolução tirou todo o valor normativo referente ao princípio da liberdade de expressão e da livre iniciativa, tendo em vista que aquela Resolução estabeleceu que a publicidade deveria, praticamente, ser toda direcionada aos pais e responsáveis.

Demonstrou-se, ao longo do trabalho, que crianças e adolescentes são detentores de uma vulnerabilidade agravada em razão da falta de discernimento entre o que é certo e o que é errado. Contudo, não se pode utilizar esse argumento para tolher outros direitos fundamentais, que também são direcionados a crianças e adolescentes, só que de que maneira subsidiária. Ou seja, da mesma forma que a proteção integral e a prioridade absoluta de crianças e adolescentes devem ser respeitadas, o princípio da liberdade de expressão e da livre iniciativa não podem perder todo o seu valor e serem postos de lado por causa de outro princípio de igual valor.

Ratificando o que foi exposto acima, a CF, o CDC e o ECA disciplinaram a matéria, estabelecendo diretrizes acerca da publicidade direcionada ao público infantil. Esses dispositivos legais, que versam sobre a abusividade da publicidade, são suficientes e adequados para tratar sobre o tema, e não se mostra necessário que exista uma regulamentação tão inflexível quanto a Resolução nº 163 do CONANDA.

Além disso, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária não possui poder coativo para fazer cessar abusos cometidos no que se refere à publicidade infantil. Esse controle exercido pelo CONAR, além dos problemas anteriormente mencionados, gera o seguinte questionamento: por que o órgão que realiza o controle da publicidade é o maior interessado no crescimento do consumo, gerando ilegitimidade para exercer suas funções?

Assim, quando há colisão de direitos fundamentais, utiliza-se o critério da proporcionalidade, que tem como essência o sopesamento entre valores reconhecidos pela Constituição. O princípio da proporcionalidade busca o equilíbrio entre duas forças expressas em normas constitucionais. Em razão disso, as medidas que impõem limites a determinado direito fundamental só são admitidas até certo ponto, quando não afetam outro direito fundamental mais que o necessário.

Ao analisar, portanto, a colisão entre o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, e da doutrina da proteção integral frente à liberdade de expressão e da livre iniciativa, entendeu-se que a proteção de crianças e adolescentes já está sendo resguardada pela Constituição e por leis em sentido estrito, não necessitando, assim, de uma Resolução para impedir o exercício de outros direitos fundamentais, quais sejam, a liberdade de expressão e da livre iniciativa.

Conclui-se que não adianta restringir a zero o princípio da liberdade de expressão como justificativa para proteger crianças e adolescentes. O CONANDA extrapolou todos os limites de sua competência ao estabelecer normas tão severas que afetam diretamente direitos consagrados na Constituição da República. Outrossim, a publicidade, seja ela direcionada ao público adulto ou infantil, possui uma função social que deve ser desempenhada com certa liberdade.

Assim, entende-se que a publicidade pode ser direcionada ao público infantil e somente os excessos devem ser controlados e punidos com as normas constitucionais e dispositivos legais já existentes. Faz-se necessário abrir diálogo sobre o assunto, educando crianças e adolescentes para a sociedade de consumo atual, demonstrando que existem riscos, além de realizar um acordo entre sociedade civil e Congresso Nacional, para disciplinar a matéria de maneira mais eficaz.


REFERÊNCIAS

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Informações sobre o texto

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Hélio Costa. A Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente: entre a defesa do consumidor e os princípios da liberdade de expressão e da livre iniciativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5252, 17 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58839. Acesso em: 24 abr. 2024.