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A função sancionatória da responsabilidade civil.

Uma nova realidade frente aos danos morais

A função sancionatória da responsabilidade civil. Uma nova realidade frente aos danos morais

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A busca por uma situação de indenizabilidade ao ofendido demonstra que o dano moral veio como um mecanismo muito mais sancionatório do que compensatório.

Sumário: I. INTRODUÇÃO; II. ASPECTOS INICIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL; III. O DANO MORAL DIFERENTE DE RESPONSABILIDADE MORAL; IV. DANO MORAL, QUEM É VOCÊ?; V. O DANO MORAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL RESSARCITÓRIA. VI. MESMO SEM PUNITIVE DAMAGE, A INDENIZAÇÃO É PUNITIVA. VII. CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS

Resumo: Com as novas molduras de proteção a interesses inerentes à pessoa humana e antes desnudos pela responsabilidade civil, surge os danos morais. Esta modalidade de ofensa desvincula-se o aspecto eminentemente material e permeia no sentido de assegurar proteção a direitos caros para a sociedade como os da personalidade. Com isso, percebeu-se que a ofensa a tais modalidades de direitos é muito mais rotineira do que se imagina, o que acarretou no surgimento de uma linha de raciocínio que busca a modificação do parâmetro meramente ressarcitório da indenização para um viés mais sancionador.

Palavras-chave: Dano moral, Ressarcitório, Sancionador, Indenização.


I. INTRODUÇÃO

Sendo possível elencar os ramos do direito civil de acordo com a sua frequência de inserção no âmbito da vida de cada indivíduo, pode-se afirmar, sem medo de errar, que a responsabilidade civil disputaria o topo deste ranking. A busca pela responsabilização de alguém é uma constante do ser humano que, em razão da sua convivência interativa com seus semelhantes, acaba por causar danos nestes últimos.

Pedrinho brincava numa ensolarada tarde de domingo, no playground do edifício onde morava com seus pais, com seu vizinho e amigo Huguinho. As horas daquela dia transcorriam normalmente e as duas crianças destilavam suas criatividades com inúmeros brinquedos novos recebidos por Pedrinho por conta de seu aniversário que houvera sido comemorado no dia anterior. Depois de longos minutos de paz, tranquilidade e entretenimento, Huguinho deixou cair um dos brinquedos que ao atingir o chão, despedaçou-se em inúmeras partes.

Ao observar que uma das suas novas formas de entretenimento havia findado, os olhos de Pedrinho encheram-se de lágrimas. Com um olhar fixo e embebecido por um misto de rancor e sentimento de perda, o proprietário do brinquedo – agora espatifado – aponta o dedo em direção ao seu amigo descuidado e no alto dos seus oito anos de idade brada: “você vai ter que me pagar um brinquedo novo”.

Logicamente que Pedrinho nunca houvera aprendido na escola uma linha sequer de conteúdo de direito, muito menos de direito civil. O pequeno postulante está a aprender as noções básicas para o exercício de sua atividade diária, mas já tem conhecimento de que Huguinho – que na realidade será seus genitores, inclusive por conta da previsão do art. 932, I, do Código Civil – deverá ser responsabilizado pelo prejuízo que causou ao quebrar o seu brinquedo e, com isso reduzir o seu patrimônio.

Com esses simples e ilustrativo exemplo, buscou-se demonstrar o quanto a responsabilidade civil está enraizada no indivíduo. Mesmo não tendo qualquer conhecimento das normas jurídicas vigentes no país, o indivíduo tem a plena consciência – mesmo que no caso de Pedrinho, como mencionado, não seja seu amiguinho que terá a responsabilidade por indenizá-lo – de aquele que lhe causou o dano deverá ser quem irá lhe restituir pela diminuição patrimonial experimentada.

Este é o pensamento inerente a um direito clássico da responsabilidade civil


II. ASPECTOS INICIAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A ideia de restituição quanto ao prejuízo sofrido é uma característica inerente à responsabilidade civil. Aliás, quando se fala em responsabilizar alguém por seus atos, o primeiro pensamento que povoa a mente é aquele em que deixa claro que o que se busca, na realidade, é a identificação da conduta ofensiva para que, com isso, possa ser imputado o dever de indenizar a esse agente agressor.

Seguindo esta linha de pensamento, desenha-se sobre a folha em branco a necessidade de existência de uma conduta humana – ou, como se diz nos textos clássicos, o ato ilícito – que deverá resultar num prejuízo. Entre este ato ofensivo e o seu resultado deverá existir uma relação de causa e efeito, a qual restou qualificada como nexo de causalidade. Com o mesmo pincel, faz-se os contornos da culpa, pois sem esse elemento subjetivo do agente, não será possível se falar em responsabilidade civil.

O desenho destes quatro pilares fez surgir a figura da responsabilidade civil clássica. Apesar de, atualmente, este panorama parecer ser detentor de uma logicidade irrefutável, na realidade, o pensamento atinente à responsabilidade civil nem sempre foi o mesmo. Os livros de história do direito e de direito romano noticiam que, em priscas eras, a responsabilidade civil não buscava a restituição, mas sim a punição do agente agressor, ou, como alude Caio Mário, “na origem, porém, a ideia predominante é a vingança privada, no que, aliás, não se distanciam as civilizações que o precederam.”[1]

A noção de uma responsabilidade civil desgarrada de uma vingança privada somente chegou ate o quotidiano dos indivíduos com a evolução das relações sociais. Foi necessário vencer esta etapa para poder evoluir ao patamar da composição voluntária dos danos, para, em seguida chegar às composições legais, até atingir o patamar atual da reparação determinada pelo Estado[2].

Com a evolução social e o incremento das relações interpessoais, a limitação da responsabilidade a um modelo previamente estabelecido pelo legislador mostrou-se insuficiente. A manutenção das rédeas legislativas deixavam na dobra do direito[3] situações que eram merecedoras da intervenção do órgão estatal neutro. Percebeu-se que a responsabilidade penal – sempre limitada em razão da necessária previsão de lei anterior á cominação da pena – não poderia ser siamesa da civil. Esta última carecia de uma amplitude muito maior do que a primeira, razão esta que justifica a distinção de ambas.

Verticalizando o corte do conteúdo, salta-se para o direito brasileiro, onde, apenas como Teixeira de Freitas, quando da Consolidação das Leis Civis, é que a responsabilidade civil nos moldes clássicos ganhou espaço. Apesar do demorado momento de sua inserção, suas raízes fincaram no fértil campo normativo que o país se encontrava e se misturaram com os conceitos e preceitos dos pensadores do Código Civil de 1916 que, também, influenciado pelo Código de Napoleão, sustentaram a noção de culpa e de necessária restituição ao status quo ante do ofendido.

Promulgado do Diploma de Beviláqua, abrem-se as cortinas para as estruturas básicas mencionadas no início deste tópico que fizeram erigir no direito brasileiro a noção clássica da responsabilidade civil. Cada dano causado a um indivíduo deveria ser dissecado de forma detalhada para se verificar a sua compatibilidade com os elementos do ato ilícito, nexo causal, culpa e dano. Furtando-se um deste elemento, muito provavelmente afastado estaria o dever de indenizar por aquele que era apontado como o suposto autor da ofensa.

Checada a compatibilidade, o próximo passo era se submeter uma equação matemática bastante simples: avaliava-se o patrimônio anterior e o posterior. Diante desta comparação, identificava-se a diferença entre ambos. Estando complexo de bens atual menor do que o de antes, e tal diminuição foi resultado de uma conduta ilícita de alguém, surge o dever de indenizar, ou seja, a obrigação de restituir ao mesmo patamar anterior à conduta.

O prejuízo, representado pelo dano e, portanto pertencente a um dos quatro pilares da configuração da responsabilidade civil, sempre foi considerado como um elemento fundamental o dever de indenizar, pois, como alude José Aguiar Dias:

não se cogita da responsabilidade jurídica enquanto não há prejuízo. Ocorre, aqui, a primeira distinção entre responsabilidade jurídica e responsabilidade moral. Esta se confirma – explicam Henri et Léon Mazeaud – no problema do pecado. O homem se sente moralmente responsável perante Deus ou perante sua consciência, conforme, seja ou não, um crente. Puramente objetiva, portanto, é a sua noção. Para apurar se há, ou não, responsabilidade moral, cumpre indagar o estado de alma do agente: se aí se acusa a existência de pecado, de má ação, não se pode negar a responsabilidade moral. Essa é a única investigação a proceder. Não se cogita, pois, de saber se houve, ou não, prejuízo, porque um simples pensamento induz essa espécie de responsabilidade, terreno que escapa ao campo do direito, destinado a assegurar a harmonia das relações entre os indivíduos, objetivo que, logicamente, não parece atingido por esse lado.

A existência de um dano, inclusive, foi peça central na distinção entre a responsabilidade civil penal e a cível. Em ambos os casos, se faz necessário um menoscabo, diferenciando-se apenas quanto a resposta estatal. Para a primeira hipótese, a amplitude desta ofensa seria percebida num patamar mais amplo, o que significa dizer que seria atingida a coletividade, enquanto que no segundo momento, apenas ao particular seria interessante uma condenação do ofensor.

Este divisor de águas sempre acompanhou a teoria clássica da matéria em estudo. Quando se tratava do âmbito cível, tinha-se em mente uma situação onde a busca principal era a de não deixar o indivíduo sem o respectivo ressarcimento. O prejuízo existente deveria ser sanado e isso somente era possível com o retorno à condição anterior.

Por sua vez, a responsabilidade penal não buscava suprir a diminuição patrimonial experimentada pelo ofensor: ela ia muito além. Deixava-se de lado a necessidade de sustentação da integralidade dos bens para utilizar a responsabilização como uma forma de punição; uma exemplificação. Aquele que agiu de forma tão gravosa que veio a causar instabilidade coletiva, deveria sofrer uma reprimenda estatal muito mais incisiva do que o simples dever de indenizar o ofendido. Pagaria pelos seus atos na esfera penal, submetendo-se às regras da ultima ratio.[4]

Restringindo o estudo apenas ao âmbito da responsabilidade civil, é possível assegurar, facilmente, que inexistindo prejuízo não haveria como se sustentar o dever de indenizar. Aqui, quando se fala em “prejuízo” quer-se dizer ofensa patrimonial propriamente dita, ou seja, redução do complexo de bens ou da capacidade econômica do ofendido. Assim, caso alguém praticasse uma conduta ilícita, como, por exemplo, imputar a alguém a prática de um crime de forma falsa, a responsabilidade civil clássica não seria acionada, mas, sim, a responsabilidade penal.

A flagrante necessidade de identificação da redução patrimonial era tão evidente para fazer valer a função ressarcitória da responsabilidade civil que em decisão prolatada pelo Ministro Afrânio Costa (RE 9504)[5], o Supremo Tribunal Federal, nos idos de 1952 afastou a possibilidade de haver incidência do dever de indenizar ao agente agressor que acabou na ocorrência da morte de uma mulher casada.  A conclusão a qual chegou o relator para negar o pleito indenizatório está, exatamente, na ausência de prejuízos, pois segundo ele, não havia provas de que a mulher contribuída para o sustento da família. Essa omissão, por si só, afastava qualquer responsabilidade civil do agressor que não poderia ser compelido a arcar com nenhum valor, exatamente, por não haver prejuízo.

Esta estabilidade, porém, construída ao longo dos tempos com a solidificação do pensamento da função ressarcitória da responsabilidade civil permaneceu incólume apenas quando existia uma única modalidade de dano: o material. Era simplória a sua identificação, pois bastava, como dito anteriormente, analisar a perda patrimonial para, a partir de então estabelecer a extensão da indenização que recairia sobre o sujeito ativo da demanda.

As bases incontestes passam a sofrer fortes instabilidades com a mudança de pensamento que acompanhou os anos subsequentes à segunda grande guerra mundial[6]. As atrocidades ali praticadas modificaram os paradigmas considerados como fundamentais. Reduz-se a importância com o patrimônio e para se abrir espaço à visualização o indivíduo. Limpam-se as embaçadas lentes do patrimonialismo para assegurar uma visão mais límpida do ser humano em si próprio.

Aquilo que antes era descartado, que ficava na borda do direito, passa ser considerado. Além do patrimônio, o direito deve-se preocupar com outro tipo de dano, que, na maioria dos casos, não deixa qualquer rastro patrimonial, e, quando assim procede, não deve ser confundido com o dano de cunho econômico. O direito brasileiro, então, depara-se com o dano moral.


III. O DANO MORAL DIFERENTE DE RESPONSABILIDADE MORAL

Quando se estuda o aspecto evolutivo da responsabilidade civil, a unanimidade dos autores ressalta a necessidade de existência de um dano para justificar a indenização determinada pelo Estado-Juiz, pois a mera reprimenda pessoal do próprio sujeito agressor estaria abraçada pela responsabilidade moral. Inexistindo prejuízo material, não se poderia falar em responsabilidade civil.[7]

Depois de alguns anos de gestação em sistemas normativos alienígenas, o dano moral é introduzido no país a reboque da valorização do princípio da dignidade da pessoa humana. A partir da promulgação da Constituição Federal e da chancela normativa deste princípio como solar para todo o sistema jurídico brasileiro, o reconhecimento da necessidade de se indenizar atos que não necessariamente resultariam em prejuízos meramente patrimoniais, mas, também, no âmbito extrapatrimonial se mostrou inconteste[8].

Porém, em momentos pretéritos, o seu reconhecimento não se deu de forma tão flagrante quanto à característica da extrapatrimonialidade. É comum encontrar decisões do Supremo Tribunal Federal nas quais o dano moral era observado como uma espécie de perda futura de capacidade laboral, ou de percepção econômica da família. Apenas nestes casos, de redução de expectativa de ganhos financeiros, é que era concedido o “dano moral”.

O patrimonialismo enraizado no direito brasileiro não permitia que se observasse a indenização como algo que não necessariamente resultaria de uma redução econômica.  O Supremo Tribunal Federal tinha posicionamento bastante transparente neste ponto. Tanto assim, que, o Min. Rocha Lagôa, quando atuava como revisor do RE nº 11.786 deixou claro que

É, sem dúvidas, um sinal dos nossos tempos materialistas a preocupação de transformar as ofensas de puros sentimentos morais em dano estimável em dinheiro; tornou-se o dinheiro padrão de todos os valores, inclusive dos valores morais; só essa atitude exageradamente materialista poderia justificar que se admitisse a possibilidade de converter os sofrimentos exclusivamente morais em fonte de enriquecimento, ou em fonte de reparação e dano. A doutrina tem admitido a “pecúnia doloris”, o “schmerzonsgeld”, a indenização pela dor sofrida, mas quando dessa dor decorrer prejuízo patrimonial; se o dano chamado moral, se o sofrimento moral redunda em dano material, será possível a indenização. Não é, entretanto, admissível que os sofrimentos exclusivamente morais dêm lugar a uma reparação, se dêles não decorrer nenhum dano material. O nosso Código Civil, sem dúvida, admite a possibilidade de ser reparado o dano moral, particularmente nas ofensas feitas à honra; não está excluída do nosso direito a possibilidade de se reparado o dano moral, desde que, como salientou V. Ex., em seu voto, apontando, certa corrente doutrinária, êsse dano se converta num prejuízo material.[9]

A dificuldade em entender a possibilidade de indenização por danos morais consistia, exatamente, em razão da função da responsabilidade civil que nada mais era do que assegurar a restituição ao status quo ante. Como fazer retornar à uma situação anterior, se, exatamente, esta situação não houvera sido abalada. Não era possível identificar qualquer tipo de prejuízo, pois este somente era enxergado quando se falava no seu aspecto econômico. Restituir o que? Essa era a pergunta que todos os julgadores se faziam naquele momento. A noção de dano moral era negativa: é o que incide apenas na personalidade moral da vítima, consiste numa dor que não tem qualquer repercussão no patrimônio do lesado.

A diferença, portanto, ficava no momento do prejuízo financeiro. Sendo este presente, falar-se-ia de dano material. Sendo futuro, o prejuízo seria transformado em “dano moral”. Como exemplo, pode-se citar o RE 82466/RJ de relatoria do Min. Rodrigues Alckmin, publicado em 31/08/1976 que afirmava que o dano moral decorrente da morte de um menor em acidente de veículo somente ocorreria em razão da perda da perspectiva futura de sua colaboração com a economia da família.[10]

Não se conseguia, ainda, enxergar direitos não patrimoniais como sendo passíveis de serem indenizados pela exata medida de que estes não causavam prejuízos econômicos e, por conta disso, não haveria como sustentar uma das bases da responsabilidade civil, qual seja, a restituição.

A guinada de pensamento decorre, como dito, a partir do término da Segunda Guerra Mundial, que trouxe consigo a necessidade de proteção do ser humano como um indivíduo. A blindagem contra agressões a direitos e bens economicamente mensuráveis não é mais suficiente para sedimentar a segurança jurídica tão desejada pelas pessoas. A inserção do espectro não-patrimonial trouxe uma nova perspectiva a ser garantida. A visão patrimonialista existente outrora deu lugar à valorização do ser humano como centro de todo o ordenamento.

O individualismo ora vigente, com suas estruturas clássicas, ruiu. No seu lugar, emerge uma tutela ampla da pessoa, a partir de uma perspectiva solidarista. A antiga proteção agregada exclusivamente ao agrupamento de bens pertencentes a cada um passa a ser deixada de lado, e o sistema direciona sua atenção para a pessoa na sua peculiar condição de ser humano. Com isso, dimensões antes inimagináveis são insertas e passam a ocupar espaço em todo arcabouço jurídico, como na sistemática destinada ao dano moral.

A velha forma encontra falhas na sua rede protetora, o que conduz a uma provável insegurança jurídica que somente será sanada pela mudança, ainda que gradativa, de pensamento. “Há um novo sistema a ser construído, ou, pelo menos, há um sistema já existente que reclama transformação, pois as soluções teóricas e jurisprudenciais até aqui desenvolvidas, e ao longo de toda a história da humanidade, encontram-se em crise, exigindo revisão em prol da mantença do justo.”[11]

O antigo e consolidado dano material passou a dividir espaço com o surgimento de novas formas de prejuízo. Os “novos danos” são fontes de revoluções jurídicas. Hoje é possível, por exemplo, observar demandas envolvendo filhos que se queixam da ausência da atenção dos pais, do ulterior casal apaixonado em razão do rompimento do noivado.[12]

O transcorrer do tempo demonstrou que os defensores da necessidade de proteção aos direitos da personalidade não eram utópicos. Os caminhos trilhados pelas relações contemporâneas demonstram que o ser humano pode ser atingido não apenas no patamar material, mas também em nível imaterial, o que faz urgir a necessidade de uma tutela mais alongada do ordenamento jurídico do que aquela à qual todos estavam acostumados tempos atrás.

A pressão pela inserção da responsabilidade civil por dano moral tornou-se tão evidente que as barreiras que mantinham o pensamento clássico protegido e incólume foram rompidas. Apesar da existência de um caminho bastante tortuoso com inúmeras críticas ferrenhas, o Direito brasileiro passou a aceitar no âmbito legal a sua existência, ainda que tardiamente.

Nos dias atuais, a possibilidade de indenização em decorrência de dano moral é algo pacificado no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro. A própria Constituição Federal tomou para si a previsão acerca da possibilidade de proteção jurídica a agravos imateriais. Ademais, apesar dessa condição, o instituto ainda é fonte de muitas situações que deixam doutrina e jurisprudência vacilantes quanto à atitude a ser adotada para pôr termo às lides que em seu cerne possuem questões atinentes a esse instituto.


IV. DANO MORAL, QUEM É VOCÊ?

Apesar do direito brasileiro conviver com o dano moral há mais de três décadas – se for contar a partir do início das decisões emanadas pelos Tribunais Superiores -, não se pode afirmar que o assunto encontra-se consolidado e isente de dúvidas. Numa análise científica, a identificação do dano moral se mostra vacilante, na medida em que tribunais, como por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça, ainda não puseram uma pá de cal nas divergências internas quanto ao tema.

Toda a tranquilidade que permeia a matéria dos prejuízos imateriais rompe-se quando se coloca à mesa uma simples pergunta: O que é o dano moral? Qual o conceito de Dano moral? Neste momento, abre-se um abismo entre os estudiosos e três correntes se apresentam com fundamentos e argumentos que seduzem qualquer neófito no tema.

Aliás, não é de hoje que identificar o que, realmente, venha a ser um dano moral é apresentada como uma missão complexa. Apesar de toda a evolução com os inúmeros estudos sobre o tema, ainda há divergência quanto a identificação do dano moral em parâmetros bastante similares com aqueles oriundos de épocas clássicas. Ao tratar do tema, Wilson Melo da Silva já trazia conceitos que, em tese, podem transparecer díspares já que afirma que o dano moral

São lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.

Jamais afetam o patrimônio material, como o salienta DEMOGUE. E para que facilmente os reconheçamos basta que se atente não para o bem sobre que incidiram, mas sobretudo, para a natureza do prejuízo final.

Seu elemento característico é a dor, tomado o termo em seu sentido amplo, abrangendo tanto os sofrimentos meramente físicos como os morais propriamente ditos.[13]

A doutrina que se dedicou ao estudo inicial do dano moral - quando apresentado à necessidade de conceituá-lo – buscou identificá-lo a partir de um comparativo com o dano material. A este era resguardada a necessidade de indenização do ofendido com o seu retorno ao status quo ante à ofensa. Por sua vez, quando a ofensa não apresentava reflexos no âmbito patrimonial, estaria de frente a um dano moral.

A simplicidade da identificação do dano moral a partir daquela indenização imputável a ato que, simplesmente, resulta em ofensa a direito sem percepção econômica do ofendido não é adequada diante da complexidade que as relações sociais se revestem nos dias atuais. Isso porque haveria situações em que a prática de um ato só resultaria em ofensa aos dois patrimônios: o material e o extrapatrimonial.

O dano moral ainda continuava preso e subordinado ao dano material. Existindo este, não haveria razão para se falar em indenização por conta daquele, afinal, o foco central da norma jurídica já estava devidamente assegurada. Nesta época, como mencionado alhures, o menoscabo imaterial ainda era visto de maneira disforme, sem os contornos apresentados nos dias atuais.

Silvio Rodrigues[14], em edições mais antigas, também apontava no sentido de que o dano moral seria apenas aquele que ofendesse exclusivamente a esfera extrapatrimonial da vítima. Havendo resquícios de danos que resultasse em diminuição de valores, estaria diante do dano material. Diante destas dificuldades, este autor afirmava que a matéria em estudo era identificada a partir da dor, do sofrimento, da mágoa, da tristeza imposta pelo ofensor ao ofendido.

A partir de então, inicia-se uma segunda vertente doutrinária que traz consigo a necessidade de identificação de algum tipo de perda para que se possa falar em dano moral. Há uma lista de grandes juristas que sustentam a tese segundo a qual somente seria possível falar neste tipo de ofensa quando houvesse reflexo no âmago da pessoa, que seriam exteriorizados a partir da dor, do sofrimento, da humilhação e outros mais que possam compor este leque de sentimentos negativos. Neste sentido, cita-se, mais uma vez, os ensinamentos de Maria Celina Bodin de Moraes, para quem:

O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhes sensações e emoções negativas. Neste último caso, diz-se necessário, outrossim, que o constrangimento, a tristeza, a humilhação, seja intensos a ponto de poderem facilmente distinguir dos aborrecimentos e dissabores do dia-a-dia, situações comuns a que todos se sujeitam, como aspectos normais da vida quotidiana.[15]

Estabelecer que o dano moral se configuraria a partir da ocorrência de um sentimento negativo, de alguma mágoa, não é injustificado. Durante décadas, o direito brasileiro conviveu sob a égide de uma responsabilidade civil patrimonialista onde somente seria possível se falar em indenização e, por consequência, em dano quando houvesse a identificação de algum tipo de perda. A redução patrimonial era necessária e fundamental para desenhar o dano material.

Ocorre que, quando se fala em dano moral, esta perfeita silhueta não consegue ser vestida com tamanha exatidão. Como assegurar a ideologia da perda sob um direito que refuta redução patrimonial, exatamente, por ser extrapatrimonial? Se há a indenização por algo, o valor a ser pago deve ser para repor alguma diminuição, sob pena de se chancelar a percepção de valores de forma indevida, o que desaguaria no enriquecimento sem causa do ofendido em toda e qualquer hipótese onde fosse possível incidir a matéria em análise.

Se objetivo é demonstrar uma redução, no caso dos danos extrapatrimoniais, esta diminuição se verterá para a tranquilidade espiritual, daí a necessidade de identificação dos sentimentos negativos para a sua configuração. A indenização, então, seria por conta da quebra da paz interna. Apesar de bastante sedutora, esta linha de raciocínio deve ser analisada com bastante reserva. A facilidade e a atração com que lhe oferecem a maçã pode esconder o veneno ali existente e lhe retirar do paraíso.

Sustentar apenas a existência da dor ou do sofrimento como aspecto básico para a configuração do dano moral é reduzir a importância do instituto perante a interação social moderna. Mesmo assim, apesar desta advertência, a jurisprudência pátria ainda perfilha neste sentido, resistindo às advertências quanto a deformidade do tratamento dado à identificação do dano moral, o que, sem sombra de dúvidas, resultará em insegurança jurídica, conforme será demonstrado, o tratamento conferido à situações similares pelo mesmo Tribunal não segue um pensamento uníssono, causando conflitos evidentes, de acordo com o que segue delineado.

A Jurisprudência brasileira segue reluzindo a expressão dor – e os demais sentimentos negativos – quando se trata de danos morais. É muito fácil encontrar menções que indicam que a indenização por dano moral é devida em face da tristeza ou da humilhação sofrida pela vítima. Somente a título de exemplo, cita-se jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

DANO MORAL: Hipótese que não é apta a ensejar a pretendida indenização por dano moral. Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação intensa e duradoura que, fugindo à normalidade, cause aflições, angústia e desequilíbrio ao bem-estar. Sentença mantida. RECURSO NÃO PROVIDO. (224223320098260590 SP 0022422-33.2009.8.26.0590, Relator: Renato Rangel Desinano, Data de Julgamento: 29/11/2012, 36ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/11/2012)

Prestação de serviços. Telefonia Interrupção do serviço - Ação indenizatória - Danos morais Repetição em dobro da importância paga a título de recarga, determinada na origem Dano moral não configurado - Inexistência de ato que acarrete sofrimento intenso Sentença mantida - Recurso desprovido. Mero descumprimento de contrato, sem desdobramentos graves e sem abalo ou sofrimento, não induz dano moral.  (9118494842008826 SP 9118494-84.2008.8.26.0000, Relator: Reinaldo Caldas, Data de Julgamento: 08/08/2012, 26ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/08/2012)

No patamar paralelo à esta corrente doutrinária da dor, existe aqueles que entendem ser o dano moral uma ofensa à direitos da personalidade. Não haveria, portanto a necessidade de identificação de qualquer alteração subjetiva, mas apenas a identificação da agressão ao âmbito de um complexo de direitos inerentes à pessoa pela simples condição de “ser humano”.

Ao seguir a teoria segundo a qual o dano moral seria uma ofensa a direitos da personalidade, resta questionar o que seriam, na realidade, tais direitos. Para esta pergunta, observa-se que a doutrina bifurca-se em dois grandes grupos.

O primeiro deles, e mais clássico envolve a questão do direito da personalidade como sendo aqueles legalmente previstos. Conhecida como corrente atomista dos direitos da personalidade, esta linha de raciocínio limita tais direitos a apenas aqueles que foram taxativamente descritos pelo Legislador. Há, neste caso, forte influência dos preceitos civis clássicos que, sob a influência do direito francês, somente aceitaria como algo tutelável pela norma jurídica aquilo que fosse previsto nos Códigos.

É evidente que um pensamento restritivo como o desenvolvido por esta corrente passaria a perder força com a evolução dos institutos jurídicos e da necessária proteção ao indivíduo como um ser detentor de direitos. A inserção da cláusula de proteção geral do ser humano advinda pela inserção expressa pela Constituição Federal do princípio da Dignidade da Pessoa Humana foi o marco decisivo para a guinada da doutrina[16].

Atualmente, por consequência, ganha cada vez mais força a corrente de pensamento que afirma acerca da existência de uma cláusula geral de tutela da pessoa humana. Segundo esta linha de raciocínio a defesa do sistema à pessoa deve ser de tal forma ampla que não haveria espaço para a manutenção da proteção apenas ao direito da personalidade expressamente previsto em lei. A sua cadeia protetiva se estenderia a situações diversas, devendo apenas haver a ofensa a interesses existenciais da pessoa humana. Neste sentido, pode-se citar Pietro Perlingieri, árduo defensor de uma linha de raciocínio mais ampliativa da tutela aos direitos da personalidade:

A tutela da personalidade não pode ser fracionada em isoladas fattispecie concretas, em autônomas hipóteses não comunicáveis entre si, mas deve ser apresentada como problema unitário, dado o seu fundamento representado pela unidade do valor da pessoa. Este não pode ser dividido em tantos interesses, em tantos bens, em isoladas ocasiões, como nas teorias atomistas.[17]

Rompendo-se a barreira do “legalmente previsto”, o leque protetivo ganha novos contornos. Amplia-se a rede de tutela inserida sobre o âmbito das ofensas ao direito da personalidade. A mutabilidade, atualmente, é característica deste “novo” sistema da responsabilidade civil. O que antes era restrito apenas ao aspecto fixo e imutável da ofensa patrimonial, ganha, hoje, novos contornos que são amorfos, já que não haveria um limite daquilo que seria considerado como juridicamente protegido. A borda do direito estaria muito mais fina.[18]

Apesar de esta ser a linha de raciocínio que, atualmente, ganha maior respaldo dentre aqueles que estudam a temática, é comum encontrar na doutrina e jurisprudência quem, ainda, mescle os estes dois parâmetros para conceituar o dano moral[19]. Seria, portanto, uma ofensa a direitos da personalidade, como, por exemplo, a honra, sendo que tal agressão deveria resultar em sentimentos negativos.

Não é difícil encontrar quem defenda este ponto de vista. Aliás, a própria jurisprudência do STJ ainda é vacilante quanto a este tema. É possível observar naquele Tribunal acórdãos que apontam no sentido de ser o dano moral ofensa a um dos direitos da personalidade[20], enquanto que outros Ministros optam por afirmar que eles seriam condutas que resultam em sentimentos negativos, simplesmente[21]. Partindo-se para uma análise mais acurada, verifica-se que a tendência é no sentido de reconhecer o dano moral como ofensa a direitos não patrimoniais, sendo ele uma defesa à tutela geral da pessoa humana.


V. O DANO MORAL E A RESPONSABILIDADE CIVIL RESSARCITÓRIA.

O que era meramente econômico ficou para trás. A proteção apenas ao patrimônio deixou de ser suficiente para atender aos anseios da sociedade. As relações que antes eram vistas apenas a partir de um singelo ponto de vista passou a ser observado por um caleidoscópio de novas cores. Efetivamente, os direitos da personalidade não podem ser deixados de lado.

Com a inserção da ofensa aos direitos da personalidade no âmbito da proteção advinda da responsabilidade civil, percebeu-se que tais direitos eram atacados num patamar muito maior do que se imaginava. Inúmeros “novos danos” foram observados o que acabou por resultar num volume muito maior de indenizações arbitradas pelo Poder Judiciário.

Ocorre que, exatamente, neste quesito da quantificação é que surge novos problemas que colocam em xeque a função meramente ressarcitória dos danos morais. O principal ponto de questionamento, a partir de então, resumia-se em saber o que ressarcir: quanto vale a honra de uma determinada pessoa? E a do seu vizinho? O mesmo valor? Como retornar ao status quo ante mediante o pagamento de um valor em pecúnia? Seria então possível afirmar que pagamento de determinado valor eliminava os prejuízos decorrentes de ofensa a direitos da personalidade?

Tais questões tormentaram – e ainda continuam a causar transtornos – os estudiosos mais clássicos da responsabilidade civil. Aquele pensamento antes incólume do seu caráter restituitório passava a ruir diante dos olhos da sociedade jurídica brasileira.

Já que não dá para ressarcir uma ofensa a um direito tão caro quanto os da personalidade, a jurisprudência e a doutrina passou a utilizar a expressão “compensatório”. A responsabilidade civil, portanto, decorrente, de ofensa ao complexo de direitos extrapatrimoniais do sujeito resultaria não numa restituição – até por conta da impossibilidade -, mas sim numa compensação. O sujeito agressor era obrigado a pagar ao ofendido uma quantia em dinheiro para compensar o seu comportamento abusivo.

Usa-se a expressão “compensatórios” para qualificar uma responsabilidade civil que não encontra perfeita adequação com a linha de pensamento originária. Já que não é possível haver a reintegração à situação jurídica anterior e, também, não de pode deixar sem efetividade o princípio do nemen leadere, a indenização pecuniária decorrente dos danos morais teriam essa singela eficácia, qual seja, compensar pelo prejuízo experimentado.

A quantificação do dano moral sempre se apresentou como uma grande interrogação no desenvolvimento da matéria. Muitos se questionam sobre a possibilidade de assegurar tal medida ao julgador de forma exclusiva. Isso, portanto, acabaria por conduzir a uma flagrante insegurança jurídica já que não se saberia o valor de uma futura condenação decorrente desta responsabilidade civil.

O caráter compensatório dos danos morais, desenvolvido pela doutrina clássica, tornava esse temor mais suportável, na medida em que conduz a um entendimento de que o valor a ser arbitrado pelo Juiz não deveria ser muito grande a ponto de ultrapassar, ou até mesmo atingir o valor máximo a ser conferido pela ofensa a, por exemplo, imagem da pessoa. Seguindo esta linha de raciocínio, ao compensar, deveria o Julgador apenas conceder um montante para que a ofensa não restasse incólume.

Em sua obra, Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze Gagliano sustentam a ideia de que, para os danos morais, aplica-se a reparação e não a indenização. Isso porque, enquanto a segunda agrega uma ideia de ressarcimento do prejuízo causado ao ofendido em razão de descumprimento de obrigação contratual ou prática de ato ilícito, a primeira é acompanhada pelo sentido de compensação pelo dano sofrido no sentido de atenuar as consequências oriundas da lesão.

Quando a vítima reclamar a reparação pecuniária em virtude do dano moral que recai, por exemplo, em sua honra, nome profissional e família, não está definitivamente pedindo o chamado pretio doloris, mas apenas que se lhe propicie uma forma de atenuar, de modo razoável, as consequências do prejuízo sofrido, ao mesmo tempo em que pretende a punição do lesante.[22]

É facilmente observável na doutrina do STJ a utilização da expressão “compensatório” para justificar o valor da indenização por danos morais. O Ministro Edson Vidigal, por exemplo, quando da relatoria do Resp. 239973/RN, em 16.05.2000 afirmou que:

A jurisprudência é unânime em remeter ao prudente arbítrio judicial a fixação do quantum para a composição do dano, no que o regimento positivo não reconhece quaisquer restrições ou limitações, haja vista a determinação constitucional no sentido de que a indenização respectiva seja proporcional ao agravo e a inexistência de balizamento ali preestabelecidos (CF, art. 5º, V e X).

[…]

A indenização, nestes casos, não visa reparar, no sentido literal ,a dor, a alegria, a honra, a tristeza ou a humilhação; são valores inestimáveis, mas isso não impede que seja precisado um valor compensatório, que amenize o respectivo dano. Prudente, desta forma, seja fixada com base me elementos informativos como a gravidade objetiva do dano, a personalidade da vítima, sua situação familiar e social, a gravidade da falta, ou mesmo a condição econômica das partes.[23]

Pede-se desculpas àqueles que defendem este ponto de vista, mas afirmar que o dano moral tem apenas um aspecto compensatório espelha uma noção muito próxima à esmola; a algo diminuto sem qualquer preocupação, na realidade, com a preciosidade dos direitos ofendidos. Estar-se-ia, então, diante de uma crise do sistema da responsabilidade civil.

Muitos autores passam a sustentar este fato, ou seja, a inserção do dano moral no sistema brasileiro acabou por resultar numa guinada de fundamentos para a responsabilidade civil. Seria necessário abandonar a linha de pensamento anteriormente existente para costurar novos caminhos, ou, como afirma Giselda Hironaka,

Se o caso for o de observar um horizonte histórico de responsabilidade civil, este instituto contemporâneo é um instituto que hoje, exige uma reformulação de concepção e clama por uma concepção ético-política, vale dizer uma concepção que vá além da sua singela compreensão dogmática ou burocrática. A compensação e a reparação,  porque são formas concebidas contemporaneamente para o reequilíbrio da vida social, não podem simplesmente procurar restabelecer um mesmo estado anterior de pouca cidadania. Clama também por obrigação e responsabilidade civil, mas pode – ou melhor, deve – fazer da responsabilidade civil um instrumento para garantia de direitos sociais e de exercício de direitos civis por todos os cidadãos, inclusive o direito à propriedade.

Se, todavia, se pretender apenas considerara responsabilidade civil como um simples instituto jurídico – que pode simplesmente ser reduzido à condição de ser uma garantia da propriedade – certamente a sociedade brasileira poderá deixar de contar com mais uma excepcional vertente endereçada a uma substancial alteração de uma cultura de violência e de exclusão social.”[24]

Simpático a este pensamento, Humberto Theodoro admite que aquele mal causado, por exemplo, ao nome, à intimidade, à honra, ou seja, ao patamar mais íntimo da pessoa, é irreversível. A indenização, portanto, é uma contraprestação com bordas muito mais amplas do que a restituição. Nela, pode ser inserida a atualização do valor do bem no transcorrer do tempo e outros montantes destinados a situações economicamente impossíveis de ser auferidas[25].

Claro se torna que restituição diz respeito a uma forma de sanção imposta pelo ordenamento jurídico exclusivamente sobre os danos patrimoniais, uma vez que é absolutamente impossível sua verificação na seara dos danos extrapatrimoniais. Apesar de alguns autores[26] aduzirem a possibilidade de uma prestação in natura para os danos morais – o exemplo da retratação em caso de notícia inverídica –, entende-se que a expressão com melhor técnica a ser aplicada seja “indenização”, para tratar dos danos morais. Diz-se isso porque, conforme já foi explanado, esta expressão não agrega uma ideia de retorno ao status quo como é conduzido o leitor ao mencionar reparação.

Esta barreira a uma mera restituição da situação anterior começou a trazer certa inquietação a parte da doutrina que buscou em sistemas alienígenas a possibilidade de assegurar uma maior efetividade para a responsabilidade civil quando se fala em danos morais. O mais disseminado atualmente é oriundo do direito americano e trata do punitive damages.


VI. MESMO SEM PUNITIVE DAMAGE, A INDENIZAÇÃO É PUNITIVA.

Como mencionado acima, a identificação do dano moral, atualmente, passa por dois grandes grupos de teóricos: aqueles que o considera como uma ofensa que resulte em dor, humilhação, tristeza, ou qualquer outro sentimento negativo; e outros pensadores que incluem os danos morais como ofensas diretas a direitos da personalidade e, por consequência, à proteção inerente a todo ser humano.

A existência de conceitos abertos e de uma carga subjetiva nos seus fundamentos faz com que o instituto da agressão a bens imateriais apresente-se como uma boa oportunidade para tentativas de estipulação de parâmetros disforme com os objetivos desejados. A cada dia, torna-se mais rotineira nos corredores dos fóruns e na comunidade jurídica a utilização deste instituto distorcendo-o da sua verdadeira funcionalidade, o que acarreta no seu completo descrédito social.

Certamente, influenciado por seguimentos que tentam divulgar a ideia de que a agressão por dano moral decorre necessariamente em pagamento de valores astronômicos, muitas pessoas passam a pleitear este suposto direito em situações que não devem ser cotejadas. São embaraços, aborrecimento e outros pequenos constrangimentos corriqueiros e cotidianos que são trazidos para as salas de audiência, abarrotando ainda mais a prestação muitas vezes ineficiente do Estado.

Baseado nesta rotina, começam a surgir posicionamentos que defendem a mitigação na sua aplicação em decorrência de uma suposta “industrialização do dano moral”. O insuperável J. J. Calmon de Passos figura como um dos adeptos dessa corrente ao afirmar que:

assim sendo, é da própria essência do dano esse acréscimo de desconforto e quebra de normalidade em nossa vida. Será este o dano moral indenizável? (...) Seriam eles não danos morais, sim um consectário inerente a todo dano material, devendo ser estimados em função desses mesmo danos materiais.” (...) “Para ressarcir esses danos, deveríamos ter ao menos a decência ou a cautela de exigir a prova da efetiva dor do beneficiário, desocultando-a.” (...) “Não se indaga se aquele que se enche de furor ético porque teve recusado um cheque de sua emissão teve, por força disso, forte abalo emocional, ou é simplesmente um navegador esperto no mar de permissividades e tolerância que apelidamos de ousadia empreededora.[27]

É inegável que a Constituição Federal sepultou de vez a discussão antes existente acerca da possibilidade de mensuração econômica dos danos não-patrimoniais. Abriu-se, então, um leque de possibilidades, que aliado à facilitação do acesso à Justiça, gerou um volume nunca antes esperado de ações.

Nesta esteira, em artigo publicado no site Consultor Jurídico, o advogado Marcelo Di Rezende Bernardes noticia que no Estado de Goiás os juízes afirmam que “o número de processos de indenização por danos morais cresceu tanto que são chamados de ‘batatas fritas’, pois veem como acompanhamento de ações na Justiça”[28]. Da mesma forma, o “boom” também ocorre nas ações consumeristas, onde, sob o manto da condição de “parte mais frágil” na relação jurídica muitos consumidores possuem a errônea ideia de que qualquer desvio por parte do empresário, por menor que seja, deriva numa agressão a direitos imateriais.

No Brasil há uma forte resistência quando se fala na aplicação do punitive damages – também denominado no direito pátrio como “teoria do desestímulo”[29]. Os que apresentam posicionamento contrário afirmam que se trata de um mecanismo de enriquecimento sem causa e que a chancela deste mecanismo de cálculo irá transformar o Poder Judiciário numa loteria que resultará, como consequência direta, num incremendo desenfreado de novas demandas e, indiretamente, no estabelecimento de uma sociedade ávida por danos e numa insegurança judicial sem precedentes.

Asseguram que a responsabilidade civil não pode ultrapassar o patamar meramente ressarcitório. O objetivo deste instituto é apenas restituir o ofendido, quando possível, ao seu status quo ante e não viabilizar qualquer tipo de ganho pecuniário, sob pena de se chancelar o enriquecimento sem causa.

O STJ, por exemplo, apesar de usar, em diversos casos, a expressão “desestímulo”, não permite a incidência de uma indenização em valores elevados, capazes de, efetivamente, desestimular o ofensor. Há, inclusive, publicações em sites especializados[30] que apontam para uma espécie de tabelamento tácito dos valores arbitrados à título de danos morais por aquele Tribunal.

Tanto cuidado na quantificação, por sua vez, não vem se apresentando quando se fala na própria incidência do dano moral. Ainda que se adote o caráter misto a partir da mescla das duas teorias, verifica-se que a jurisprudência tem utilizado o dano moral como uma forma de punição para algumas práticas que, na estrita análise do instituto não resultaria em qualquer adequação com os meandros do dano moral.

Um dos exemplos que pode ser citado no presente caso versa sobre o atraso na entrega de produtos adquiridos. A partir de uma pesquisa jurisprudencial, é possível perceber que pouco importa qual o produto, podendo ser desde uma simples compra via internet a aquisição de um veículo. Em caso de demora no recebimento do bem pelo adquirente, este último deverá ser indenizado por danos morais.

No curso desta pesquisa, encontrou-se decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul na qual o Desembargador Marcelo Cezar Muller, ao Relatar a Apelação Cível 70050678507, reconheceu o dever de uma empresa que vendia produtos via Internet em indenizar por danos morais a sua cliente em razão do atraso na entrega do bem por ela adquirido sob a justificativa de que:

Com efeito, a conduta que submete outrem à situação incômoda deixa de ser um mero dissabor tolerável da vida cotidiana e passa a configurar dano de ordem moral, passível de compensação civil pela via indenizatória. Nesse momento, cumpre divagar sobre a funcionalização dos institutos do direito privado, especialmente no que respeita à função social do dano moral. A reparação do dano moral deve ter escopo compensatório e pedagógico, com o intuito de não apenas compensar a vítima do dano, mas de punir o ofensor que deu causa.[31]

Em outro acórdão do mesmo Tribunal, o Desembargador Leandro Raul Klippel reconheceu o direito a perceber danos morais a uma consumidora que adquiriu um veículo e a empresa demorou para entregar o bem. Segundo o Relator, o dano moral foi decorrente do tratamento conferido à esta consumidora que entrou em contato diversas vezes com a concessionária para saber do seu veículo, sem qualquer sucesso[32].

Mais interessante é o acórdão da Desembargadora Marta Borges Ortiz, também do Tribunal de Justiça Gaúcho que reconheceu o dever de indenizar de uma loja em razão do rompimento de um ziper do vestido da noiva minutos antes do início da cerimônia de casamento. Para justificar a sua decisão, a Relatora[33] afirmou que:

Embora se possa depreender que ambos tenham vivenciado situação de plena angústia junto à noiva, a eles não se pode conferir indenização, porquanto não participaram da relação contratual de aluguel, muito embora se presuma tenham contribuído e participado de todos os preparativos da cerimônia e da festa de casamento.

Ademais, a noiva foi quem utilizou o vestido com defeito, o qual permaneceu com o zíper aberto, sendo seguro – de modo precário - apenas por “joaninhas”, somente se podendo conferir a ela o sentimento de constrangimento, insegurança e tensão na data de seu casamento, quando as expectativas positivas para a data são extremas.

Outro exemplo que pode ser citado vem do Tribunal de Justiça de São Paulo que reconheceu o dever de indenizar de um determinado Shopping Center em razão da queda de um de seus clientes no estacionamento quando estava indo até o seu veículo. Segundo se observa no voto, o local onde o carro se encontrava estacionado era na área descoberta do abrigo de veículo e havia certa umidade no piso. Apesar disso, o estabelecimento comercial não providenciou a sinalização do local, o que acabou resultando na queda do seu cliente. Diante deste fato, o Desembargador Claudio Godoy assim concluiu:

Mas fato é que, no caso, esse defeito sem dúvida se evidenciou. Falhou a segurança, o cuidado ao réu afeto, corolários da boa-fé objetiva com que se deve portar, que permeia mesmo as relações de consumo (art. 4o, III, do CDC) e que, na sua função supletiva, dentre as várias que desempenha no sistema, cria os chamados deveres anexos ou laterais, que gravitam em torno da prestação principal e enriquecem o vínculo obrigacional, impondo às partes standard de conduta ética, cooperativa. São deveres de comportamento leal, em que se põe a segurança e o cuidado, a cautela que, na espécie, faltaram.

Sabida a contingência da umidade do piso do estacionamento do terceiro andar, porque descoberto, ao réu incumbia providenciar medidas de segurança e de prévio aviso aos consumidores, a fim de evitar acidentes tal qual o ocorrido. Aliás, são comuns, nessas hipóteses, e só para citar um exemplo, as placas indicativas de chão molhado, bem a denotar quão corriqueiras são providências de especial cautela e cuidado com que se trata o consumidor. Nada do que se comprovou na hipótese sucedido.[34]

Com isso, percebe-se, portanto, que o dano moral atualmente ganha contornos muito mais elevados do que uma mera indenização a título ressarcitório por um dano sofrido. Seu contorno permeia o caráter punitivo, a partir do momento em que se verifica a ocorrência da prática de um ato ilícito que não seja abrangido pelo dano material.

Tal situação é bastante evidente quanto se trata de perda de uma chance. A indenização prevista para este instituto – de origem francesa – é observada como dano moral. Ocorre, porém que, analisando os critério clássicos qualificadores do instituto, não se observa qualquer uma das teorias como justificadoras para a sua incidência.[35]

A perda de uma chance é um instituto introduzido no país a partir de estudos recentes dos pensadores da responsabilidade civil. Não é uma invenção brasileira, pois sua viabilidade já vem sendo observada pela jurisprudência estrangeira há tempos atrás.

A jurisprudência francesa foi a primeira a aponta neste sentido. Segundo afirma Rafael Peterffi da Silva, foi no século XIX que se registrou a ocorrência mais antiga acerca do tema quando a Corte de Cassação determinou o pagamento de indenização em face do comportamento de um oficial ministerial “que extinguiu todas as possibilidades de a demanda lograr êxito mediante o seu normal procedimento” [36].

No Brasil o tema ainda é observado com alguma reserva por certos tribunais. A sua aplicabilidade mostra-se bastante tímida, pois há um leque de exigências que devem ser necessariamente exauridas. Poucos são aqueles causídicos que buscam a incidência deste instituto para seus clientes. Porém, quando conseguem configura-lo pleitearão a indenização devida pelo agressor à título de danos morais.[37]

Ocorre que analisando a situação em questão, percebe-se que tal indenização por danos morais não abraça nenhuma das teorias ora em vigor no direito brasileiro. Ao estabelecer tal indenização, na realidade, o que se busca é um mecanismo para assegurar os prejuízos decorrentes daquela conduta. Trabalha-se, portanto, com uma espécie de dano futuro, no qual o sujeito agressor deverá arcar com prejuízos esperados ao ofendido em razão da sua conduta.

Esta conclusão é alcançada a partir da compreensão do conceito doutrinário quanto à perda de uma Chance que, segundo Sérgio Savi, “o termo perda de uma chance utilizados pelos franceses significa em sentido jurídico probabilidade de obter um lucro ou evitar uma perda. No vernáculo, a melhor tradução para o termo chance, seria, em nosso sentir, oportunidade.”[38]

Como se percebe, a teoria da perda de uma chance  - perte d'une chance -, tem como objetivo responsabilizar o agente causador de um dano. Ocorre que a doutrina qualifica este dano, não como sendo um dano emergente, ou um lucro cessante, pois neste caso estar-se-ia dentro do âmbito do dano material. Esta ofensa, na realidade, encontra-se num patamar intermediário entre ambos, ou seja, a quebra de uma probabilidade de uma situação mais favorável a ser alcançada caso o ilícito não houvesse sido praticado. É, portanto, um dano específico, com identidade própria.

Com isso quer-se deixar claro que, no caso da perda de uma chance, não há que se falar em, necessariamente, dor, sofrimento, ou ofensa a direitos da personalidade. Nestes casos, a jurisprudência tem utilizado o dano moral, como uma espécie de sanção ao agressor que privou o ofendido de uma expectativa de ganho. Por não ser um prejuízo material real, não se enquadra no âmbito do dano patrimonial, sendo, portanto guinado para a seara do dano moral.

Outro caso que demonstra que o caráter sancionatório está muito mais inserido no âmbito da responsabilidade civil do que se imagina foi noticiado há pouco tempo pelo site do STJ quando afirmou que uma determinada indústria automobilística tinha sido responsabilizada a pagar danos morais coletivos em razão de uma ação civil pública que o Ministério Público tinha ingressado sob a alegação de ocorrência de propaganda enganosa. É evidente que não há ai a representação de nenhuma das teorias, mas a demonstração de que o dano moral deve ser utilizado como um caráter sancionador.


VII. CONCLUSÃO

O presente ensaio foi realizado com o objetivo de demonstrar que, atualmente, a responsabilidade civil não se resume apenas ao aspecto sancionador tradicionalmente existente. Ultrapassa-se esta singela situação para aceitar uma responsabilidade civil mais agressiva, mais direcionada, na busca por sancionar o ofensor.

A partir do momento em que se observou a necessidade de mudança de paradigma filosófico abandonado o aspecto meramente patrimonial e partindo-se para um âmbito mais subjetivo, com a valorização de direitos inerentes às pessoas, percebeu-se que as interações sociais feriam uma gama muito maior de direitos do que se imaginava.

Os direitos inerentes à pessoa humana eram fulminados rotineiramente e esta situação demandava um comportamento diferenciado daquele adotado desde o direito clássico. Sendo assim, a partir do término da segunda guerra mundial, abre-se espaço para a proteção do individuo, fazendo nascer não apenas uma indenização por danos materiais, mas, também, no seu aspecto moral.

A importância do direito a ser protegido conduziu à conclusão de que para a configuração do dano moral não é preciso que seja comprovada a lesão, mas a simples situação na qual esteja envolvida a vítima já é suficiente para configurar a sua existência. Em contrapartida, na sua análise, também se deve ser observada a distinção entre o dano propriamente dito e o mero aborrecimento. Somente com a reunião destes dois requisitos é que será esculpida diante do julgador a figura da agressão a direitos não-patrimoniais, ensejando, por sua vez o direito à respectiva prestação pecuniária devida.

Este turbilhão de inovações jurídicas fez com que o pensamento clássico da responsabilidade civil a partir de paradigmas meramente ressarcitórios passassem a ser questionados. A necessidade de uma adoção mais rígida passa a ser o foco da responsabilidade civil e a busca por uma situação de indenizabilidade ao ofendido demonstra que o dano moral veio como um mecanismo muito mais sancionatório do que compensatório como a doutrina e a jurisprudência costumam deixar em evidência.

Há, como demonstrada, inúmeras situações em que o arbitramento do dano moral não obedece a qualquer das teorias que buscam a sua configuração no ordenamento jurídico brasileiro. A sua aplicabilidade serve, então, muito mais como um mecanismo de reprimenda do que, efetivamente, como um ressarcimento, o que deixa clara a nova tendência da responsabilidade civil brasileira.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. Atual: TEPEDINO, Gustavo. Vol 10, rev. atual. Rio de Janeiro: GZ, 2012, p. 03.

[2] Ainda citando Caio Mário da Silva Pereira destaca-se o seguinte ensinamento: “Esta equivalência (talio) da punição do mal com o mal (Lei do Talião) esboça a perspectiva de uma composição entre a vítima e o ofensor, uma vez que ao membro quebrado se faça o mesmo no causador do dano (talio esta) na falta de um acordo (ni cum eo pacit). Ai já se apresenta uma composição voluntária, inserida na solução transacional: a vítima, ao invés de imposição de igual sofrimento ao agente, recebia a título de poena uma importância em dinheiro ou outros bens. A ela segue-se a composição legal, em que, segundo Girard, puniam-se um tanto timidamente as ofensas físicas à pessoa da vítima: membrum ruptum (ruptura de um membro) os fractum (fratura de um osso), injuria (ofensas ordinárias) como violências leves, bofetadas, golpes. Não se encontra, portanto, na Lei das XII Tábuas, um princípio determinante da responsabilidade civil, senão a cogitação de casos concretos. O último passo, segundo Girard consiste em “considerar o Estado interessado não somente na repressão das infrações dirigidas contra ele, mas também dirigidas contra os particulares”. Quando cogita do que é concedido ao particular ofendido, não vê propriamente uma reparação, porém uma poena, em dinheiro, destinado à vítima. À medida, entretanto, que a pena privada perde o caráter de punição, toma corpo a ideia correlata de reparação. A partir de quanto a autoridade pública assegura a punição do culpado, “o aspecto civil se dissocia do penal” (Op. Cit, p. 04-05).

[3] Expressão muito utilizada por Luiz Edson Fachin em sua obra intitulada Teoria Crítica do Direito Civil para designar situações que não eram abraçadas pelo sistema codificado do Direito Civil oitocentista, mas que, mesmo assim possuíam forte demanda social. Por conta do sistema fechado existente, o jurista, em muitos casos, encontrava-se amordaçado para mencionar o direito nestes casos. (FACHIN, Luiz Edson. Toeria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003)

[4] Ao comentar sobre o tema, José Aguiar Dias ressalta que “certos fatos põem em ação somente o mecanismo recuperatório da responsabilidade civil; outros movimentam tão-somente o sistema repressivo ou preventivo da responsabilidade civil e a penal, pelo fato de apresentarem, em relação a ambos os campos, incidência equivalente, conforme os diferentes critérios sob que entram em função os órgãos encarregados de fazer valer a norma respectiva. Reafirmamos, pois que é quase o mesmo, o fundamento da responsabilidade civil e da responsabilidade penal. As condições em que surgem é que são diferentes, porque uma é mais exigente do que a outra, quanto ao aperfeiçoamento dos requisitos que devem coincidir para se efetivar. E não pode deixar de ser assim. Tratando-se de pena, atende-se ao princípio nulla poena sine lege, diante do qual só exsurge a responsabilidade penal em sendo violada a norma compendiada em lei; enquanto que a responsabilidade civil emerge do simples fato do prejuízo, que viola também o equilíbrio social, mas que não exige as mesmas medidas no sentido de restabelecê-lo, mesmo porque outra é a forma de consegui-lo. A reparação civil reintegra, realmente, o prejudicado na situação patrimonial anterior (pelo menos tanto quanto possível, dada a falibilidade da avaliação); a sanção penal não oferece nenhuma possibilidade de recuperação ao prejudicado; sua finalidade é restituir a ordem social ao estado anterior à turbação.” (DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade civil. Vol 1. 10 ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 09)

[5] RESPONSABILIDADE CIVIL - NÃO PROVADA A CONTRIBUIÇÃO DE MULHER PARA SUSTENTO DA PROLE DO CASAL, NÃO HÁ COMO CONSIDERAR TAL MATÉRIA EM INDENIZAÇÃO POR ACIDENTE DE QUE LHE RESULTOU A MORTE. (RE 9504, Relator(a):  Min. AFRANIO COSTA, julgado em 09/12/1952, ADJ DATA 11-01-1954 PP-00079 EMENT VOL-00147-02 PP-00310)

[6] Fábio Conder Comparato lembra que: “Ao emergir da 2ª Guerra Mundial, após três lustros de massacres e atrocidades de toda sorte, iniciados com o fortalecimento do totalitarismo estatal nos anos 30, a humanidade compreendeu, mais do que em qualquer outra época da História, o valor supremo da dignidade humana. O sofrimento como matriz da compreensão do mundo e dos homens, segundo a lição luminosa da sabedoria grega, veio aprofundar a afirmação histórica dos direitos humanos. A Declaração Universal, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, e a Convenção Internacional sobre a prevenção e punição do crime de genocídio, aprovada um dia antes também no quadro da ONU, constituem os marcos inaugurais da nova fase histórica, que se encontra em pleno desenvolvimento. Ela é assinalada pelo aprofundamento e a definitiva internacionalização dos direitos humanos” (COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 55-56)

[7] Lembra Wesley de Oliveira Louzada Bernardo que “a responsabilidade moral diz respeito à infringência de um dever de consciência, que, uma vez violado por um mero pensamento, que colida com suas convicções pessoais, morais ou religiosas, dá ensejo a essa espécie de responsabilidade que se torna uma noção puramente objetiva, apurada segundo a investigação do estado de espírito do agente: se há pecado, há responsabilidade; já para se estabelecer a responsabilidade jurídica, necessário se faz que ocorra um prejuízo, senod meros pensamentos ou mera intenções de causar prejuízo a outrem incapazes de estabelecê-la.( BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Dano Moral: Critérios de Fixação de Valor. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 40)

[8] “Os direitos fundamentais são a sintaxe da liberdade nas Constituições. Com eles o constitucionalismo do século XX logrou sua posição mais consistente, mais nítida, mais característica. Em razão disso, faz-se mister introduzir talvez, nesse espaço teórico, o conceito do juiz social, enquanto consectário derradeiro de uma teoria material da Constituição, e sobretudo da legitimidade do Estado social e seus postulados de justiça, inspirados na universalidade, eficácia e aplicação imediata dos direitos fundamentais. Coroam-se, assim, os valores da pessoa humana no seu mais elevado grau de juridicidade e se estabelece o primado do Homem no seio da ordem jurídica, enquanto titular e destinatário, em última instância, de todas as regras do poder” (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 602).

[9] Este voto é da relatoria do Min. Hahnemann Guimarães e foi publicado em 07.11.1950 com a seguinte ementa: NÃO E ADMISSIVEL QUE OS SOFRIMENTOS MORAIS DEEM LUGAR A REPARAÇÃO PECUNIARIA, SE DELES NÃO DECORRE NENHUM DANO MATERIAL.  (RE 11786, Relator(a):  Min. HAHNEMANN GUIMARAES, Segunda Turma, julgado em 07/11/1950, DJ 19-01-1951 PP-00567 EMENT VOL-00029-01 PP-00271 ADJ DATA 01-09-1951 PP-02544)

[10] RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE MENOR. INDENIZAÇÃO. E INDENIZAVEL O ACIDENTE QUE CAUSE A MORTE DE MENOR, AINDA QUE NÃO EXERCA TRABALHO REMUNERADO (SÚMULA 491). "A CONSTRUÇÃO JURISPRUDENCIAL DO STF, NO SENTIDO DA INDENIZAÇÃO PELA MORTE DE FILHOS MENORES, EM DECORRÊNCIA DE ATO ILICITO, INSPIROU-SE NO PRINCÍPIO DE REPARAÇÃO DO DANO MORAL", AINDA QUE SE CONSIDERE, TAMBÉM, O DANO ECONOMICO POTENCIAL. NÃO CABIMENTO DE MAIS OUTRA INDENIZAÇÃO, A TÍTULO DE REPARO DO PURO DANO MORAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. (RE 82466, Relator(a):  Min. RODRIGUES ALCKMIN, Primeira Turma, julgado em 31/08/1976, DJ 12-11-1976 PP-09823 EMENT VOL-01042-02 PP-00367)

Neste mesmo sentido, destaca-se outro julgamento do STF: DANO MORAL - SE REPERCUTE NA ECONÔMIA PARTICULAR, CAUSANDO PREJUÍZOS, HÁ QUE O RESPONSÁVEL RESPONDER PELAS INDENIZAÇÕES DE DIREITO. (RE 42723 embargos, Relator(a):  Min. HENRIQUE D'AVILLA - CONVOCADO, Tribunal Pleno, julgado em 08/01/1960, DJ 16-01-1960 PP-00748 EMENT VOL-00418-02 PP-00645)

[11] HIRONAKA, Giselda Maria F. Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 2.

[12] Lembra André Schreiber: “na França, ganhou ampla repercussão o chamado affaire perruche, em que a Cour de Cassation reconheceu a um adolescente o direito de ser indenizado pelos danos derivados do seu “nascimento com grave deficiência física” decorrente de rubéola contraída por sua mãe durante a gravidez, muito embora a genitora houvesse expressamente declarado em contratos celebrados com seus médicos seu desejo de interromper a gestação caso o diagnóstico de rubéola viesse a ser confirmado” (SCREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2007, p. 91).

[13] SILVA, Wilson Melo da. O dano moral e sua reparação. Rio de Janeiro: Forense, 1955, p. 11

[14] RODRIGUES, Silvio. Responsabilidade civil. Vol 4. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 1981.

[15] MORAES, Maria Celina Bodin. Dano à Pessoa Humana: uma leitura Civil-Constitucional dos danos morais. São Paulo: Renovar, 2003, p. 157/158

[16] Lembra SARMENTO que: “o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, inciso III, CF), e que costura e unifica todo o sistema pátrio de direitos fundamentais, ‘representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas também toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil e no mercado’” (SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 85-86)

[17] PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil – Introdução ao Direito Civil Constitucional. Rio de Janeiro, Renovar, 2007, p. 155/156

[18] Neste mesmo sentido, Wesley de Oliveira Louzada Bernardo afirma que: “A personalidade é, portanto, não um direito, mas um valor (o valor fundamental do ordenamento), e está na base de uma séria aberta de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela. Tais situações subjetivas não assumem necessariamente a forma do direito subjetivo e não devem fazer perder de vista a unidade do valor envolvido. Não existe um número fechado de hipóteses tuteladas: tutelado é o valor da pessoa sem limites, salvo aqueles colocados no seu interesse e naqueles de outras pessoas. A elasticidade torna-se instrumento para realizar formas de proteção também atípicas, fundadas no interesse à existência e no livre exercício da vida de relações.” (BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Dano Moral: Critérios de Fixação de Valor. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 31/32)

[19] Ainda citando a doutrina de Wesley de Oliveira Louzada, o autor menciona que: “Assim, no momento atual, doutrina e jurisprudência dominantes têm como adquirido que o dano moral é aquele que, independentemente do prejuízo material, fere direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, entre outros. O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita do seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhações na vítima, trazendo-lhes sensações e emoções negativas. Neste último caso, diz-se necessário, outrossim, que o constrangimento, a tristeza, a humilhação, sejam intensos a ponto de poderem facilmente distinguir-se dos aborrecimentos e dissabores do dia-a-dia, situações comuns a que todos se sujeitam como aspectos normais da vida cotidiana” (BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Idem, p. 78)

[20] Como exemplo dos Ministros que seguem a linha de raciocínio segundo a qual os danos morais são ofensas a direitos da personalidade, destaca-se os seguintes julgados:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANO MORAL. PARTO GEMELAR. UM NATIMORTO. DESAPARECIMENTO DO CADÁVER. RESPONSABILIDADE DO NOSOCÔMIO PELA GUARDA DOS RESTOS MORTAIS. IMPOSSIBILIDADE DE SEPULTAMENTO. OFENSA MORAL. VALOR DA REPARAÇÃO. REDUÇÃO. CABIMENTO. EMBARGOS DECLARATÓRIOS NA APELAÇÃO. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. AFASTAMENTO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. O dano moral decorre não somente de lesões de ordem psíquica causadas à vítima - dor, sofrimento, angústia -, mas, sobretudo, da violação de direito de personalidade ou mesmo do direito à dignidade, garantidos constitucionalmente (CF, art. 1º, III).

2. A violação do dever de guarda do cadáver de natimorto, extraviado, gera responsabilidade por dano moral passível de reparação, tendo em vista que provoca nos familiares dor profunda com a ausência dos restos mortais, a impossibilitar o sepultamento de ente querido, além de violar o direito à dignidade da pessoa morta.

3. Deve o valor da reparação a título de danos morais ser reduzido a patamar razoável e proporcional à ofensa, o que autoriza seu excepcional reexame na via estreita do recurso especial.

4. O simples fato de haver o litigante utilizado recurso previsto em lei não caracteriza a litigância de má-fé. Isso, porque esta não pode ser presumida, sendo necessária a comprovação do dolo da parte, da intenção de obstrução do trâmite regular do processo, nos termos do art. 17 do Código de Processo Civil.

5. Recurso especial parcialmente provido.

(REsp 1351105/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 06/06/2013, DJe 20/06/2013)

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACIDENTE EM OBRAS DO RODOANEL MÁRIO COVAS. NECESSIDADE DE DESOCUPAÇÃO TEMPORÁRIA DE RESIDÊNCIAS. DANO MORAL IN RE IPSA.

1. Dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento, sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana.

2. A violação de direitos individuais relacionados à moradia, bem como da legítima expectativa de segurança dos recorrentes, caracteriza dano moral in re ipsa a ser compensado.

3. Por não se enquadrar como excludente de responsabilidade, nos termos do art. 1.519 do CC/16, o estado de necessidade, embora não exclua o dever de indenizar, fundamenta a fixação das indenizações segundo o critério da proporcionalidade.

4. Indenização por danos morais fixada em R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia de efetivo afastamento do lar, valor a ser corrigido monetariamente, a contar dessa data, e acrescidos de juros moratórios no percentual de 0,5% (meio por cento) ao mês na vigência do CC/16 e de 1% (um por cento) ao mês na vigência do CC/02, incidentes desde a data do evento danoso.

5. Recurso especial provido.

(REsp 1292141/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/12/2012, DJe 12/12/2012)

[21] Seguindo os Ministros que adotam o dano moral como uma conduta que causa sofrimentos negativos, cita-se, meramente à título de exemplo o seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DANO MORAL. INEXISTÊNCIA. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. OCORRÊNCIA.

1.- Para se presumir o dano moral pela simples comprovação do ato ilícito, esse ato deve ser objetivamente capaz de acarretar a dor, o sofrimento, a lesão aos sentimentos íntimos juridicamente protegidos, o que não ocorreu no caso.

2.- A devolução em dobro dos valores pagos a maior só é cabível em caso de demonstrada má-fé, o que não ficou caracterizado na hipótese dos autos.

3.- Correta a decisão que reconheceu a existência de sucumbência recíproca na hipótese em que o autor pleiteou a declaração de inexistência da obrigação entre as partes, o cancelamento do contrato, a devolução, em dobro, do valor indevidamente cobrado e a condenação do recorrido em danos morais, sendo, ao final, o pedido julgado parcialmente procedente apenas para declarar inexigível o valor da cobrança não reconhecida pelo consumidor e determinar a devolução das quantias já pagas, de forma simples.

4.- Agravo Regimental improvido.

(AgRg no REsp 1346581/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/10/2012, DJe 12/11/2012)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR MORTE DE IRMÃO EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. CABIMENTO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 333, I DO CPC e 927 DO CC. INOCORRÊNCIA. DANO MORAL. VALOR DA CONDENAÇÃO. RAZOABILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. No caso, não se trata de errônea valoração da prova. Na realidade, o que se pretende é que se colha das provas produzidas nova conclusão, incabível na via especial por incidência da Súmula 7/STJ.

2. Os irmãos têm direito à reparação do dano moral sofrido com a morte de outro irmão, haja vista que o falecimento da vítima provoca dores, sofrimentos e traumas aos familiares próximos, sendo irrelevante qualquer relação de dependência econômica entre eles (AgRg nos EDcl no Ag 678435/RJ, Relator Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 15/08/2006, DJ 11/09/2006, p. 289).

3. Indenização por danos morais. Valor razoável: nos termos da jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal de Justiça, a revisão de indenização por danos morais só é possível em recurso especial quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo, de modo a afrontar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Ausentes tais hipóteses, incide a Súmula 7 do STJ, a impedir o conhecimento do recurso.

4. Agravo regimental improvido.

(AgRg no Ag 1255755/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/05/2011, DJe 13/05/2011)

[22] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. vol III. Saraiva: São Paulo, 2003, p. 87.

[23]. Parte integrante do Resp.239973 / RN , cuja a ementa é a seguinte: ADMINISTRATIVO. MILITAR. LESÃO INCAPACITANTE PARA O SERVIÇO ATIVO. NEXO DE CAUSALIDADE COM AS ATIVIDADES CASTRENSES. REFORMA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. REDUÇÃO DO VALOR. POSSIBILIDADE.

1. Adotando nosso sistema processual civil o princípio do livre convencimento motivado, não está o Juiz adstrito ao laudo pericial apresentado em juízo, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.

2. Reconhecido motivadamente pelo Tribunal de origem a presença do nexo etiológico entre a lesão sofrida pelo militar e as atividades a que habitualmente era submetido dentro da corporação, bem como a incapacidade permanente para o exercício da atividade militar, infirmar essa conclusão exige o revolvimento de matéria fática, inviabilizado na via eleita pelo óbice da Súmula 07/STJ. Reforma que deve ser mantida.

3. Segundo precedentes desta Corte, "em face dos manifestos e freqüentes abusos na fixação do quantum indenizatório, no campo da responsabilidade civil, com maior ênfase em se tratando de danos morais, lícito é ao Superior Tribunal de Justiça exercer o respectivo controle" (Resp 215.607/RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, DJ 13/09/1999).

4. A indenização, em caso de danos morais, não visa reparar, no sentido literal, a dor, a alegria, a honra, a tristeza ou a humilhação; são valores inestimáveis, mas isso não impede que seja precisado um valor compensatório, que amenize o respectivo dano, com base em alguns elementos como a gravidade objetiva do dano, a personalidade da vítima, sua situação familiar e social, a gravidade da falta, ou mesmo a condição econômica das partes.

5. Arbitrado sem moderação, em valor muito superior ao razoável, imperiosa a redução do valor devido à título de danos morais, dentro dos critérios seguidos pela jurisprudência desta Corte.

6. Recurso conhecido e parcialmente provido.

(REsp 239.973/RN, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, QUINTA TURMA, julgado em 16/05/2000, DJ 12/06/2000, p. 129)

[24] HIRONAKA, Giselda Maria F. Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey. 2005, p.346

[25] Quando se fala em dano materiais, atualmente, é mais fácil de visualizar a aplicação da restituição. A situação econômica na qual vive a sociedade brasileira faz com que desvalorizações econômicas sejam situações raras, o que permite que o valor referente ao bem no momento da agressão, muitas vezes, assemelhe-se àquele pago ao tempo da imposição judicial. Porém, quando se trata de danos morais, é inviável falar em restituição. Nesses casos a terminologia correta seria indenização.

[26] Por todos eles, vide Antônio Jeová dos Santos, em sua obra O Dano Moral Indenizável. 4. ed. rev., amp. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

[27] PASSOS, J. J. Calmon de. O imoral nas indenizações por dano moral. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2989>. Acesso em: 1 set. 2013

[28] BERNARDES, Marcelo di Rezende. Enriquecimento fácil: mero aborrecimento vira indenização na indústria do dano. Disponível em:         http://conjur.estadao.com.br/static/text/37145,1; acessado em: 01 de set. de 2013

[29] Inspirado no Direito Inglês, o instituto da responsabilidade civil americana traz consigo o instituto do punitive damage que consiste, em síntese, na incidência de um valor a maior na condenação a fim de punir o sujeito agressor. Lá, as ofensas decorrentes de danos morais são observadas a partir de um prima muito mais severo do que aquelas que resultam em ofensas meramente patrimoniais. Em muitos casos, o Poder Judiciário americano acaba por imputar ao sujeito agressor valores consideravelmente altos para, além de, compensar a ofensa sofrida, punir o agressor, desestimulando-o à reiteração da conduta ofensiva.

Para os americanos, o instituto em apreço refere-se a indenizações especiais e altamente excepcionais determinadas por um tribunal contra um acusado, em que o ato ou omissão por ele praticado era de natureza particularmente odiosa, maliciosa ou arbitrária.[29] São, portanto, sanções impostas pelo ordenamento ao causador do dano em razão de peculiaridades inerentes nesta conduta. “Punitive damages, as the name would indicate, are designed to punish. In this, they constitute an exception to the general common law rule that damages are designed to compensate the injured, not to punish the wrongdoer.” (DUHAIME.ORG. Disponível em: <http://www.duhaime.org/LegalDictionary/P/Punitivedamages.aspx>. Acesso em: 01 set. 2013. Em tradução livre: Punitive Damages, como o próprio nome já indica, são projetados para castigar. Nisto, eles constituem uma exceção à regra de direito comum geral que são voltados a compensar o ferido, em vez de castigar o malfeitor.)

[30] O site Conjur (www.conjur.com.br) publicou a seguinte tabela referente às indenizações por danos morais arbitradas pelo STJ: Inscrição indevida em cadastro restritivo ou devolução indevida de cheques e situações similares 50 salários mínimos; Manutenção do nome de consumidor em cadastro de inadimplentes após quitação de débito 15 salários mínimos; Inscrição indevida na Serasa 50 salários mínimos; Entrega indevida de talonários de cheques a falsário 150 salários mínimos; Devolução indevida de cheque 50 salários mínimos; Falha na entrega de conta telefônica com inclusão de cliente em órgão de restrição ao crédito 10 salários mínimos; Doméstica injustamente acusada de furto em supermercado 25 salários mínimos; Exoneração indevida 50 salários mínimos; Extravio de bagagem 50 salários mínimos; Vítimas fatais de acidente aéreo 500 salários mínimos; Atropelamento com culpa concorrente 100 salários mínimos; Detenção indevida, efetuada por lojista, por suspeita de furto 300 salários; Perda precoce de filho em razão de acidente com transporte urbano 500 salários mínimos; Tetraplegia resultante de queda em supermercado 1.000 salários mínimos; Notícia ofensiva à honra de magistrada 100 salários mínimos; Várias publicações ofensivas a um ex-candidato à Presidência 101 salários mínimos por publicação; Matéria injuriosa publicada por rede nacional de televisão contra modelo 500 salários mínimos; Ofensa veiculada na imprensa 400 salários mínimos; Publicação de foto vexatória e não autorizada de atriz R$ 50.000,00.

[31] RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. COMPRA DE PRODUTO PELA INTERNET. ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA. DANO MORAL CARACTERIZADO. O atraso injustificado, por parte da ré, na entrega de produto adquirido pela internet, caracteriza falha na prestação do serviço da qual decorre o dever de indenizar. Dano moral in re ipsa. O valor do dano moral deve ser estabelecido de maneira a compensar a lesão causada em direito da personalidade e com atenção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Sentença mantida. Negativa de seguimento ao apelo. (TJ-RS - AC: 70050678507 RS , Relator: Marcelo Cezar Muller, Data de Julgamento: 08/11/2012, Décima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 21/11/2012)

[32] RECURSO INOMINADO. CONSUMIDOR. ATRASO NA ENTREGA DO PRODUTO. DANO MORAL EXCEPCIONALMENTE CONFIGURADO. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA Dano moral excepcionalmente configurado, tendo em vista o descumprimento do prazo de entrega do produto, sem que a ré fornecesse explicação razoável, bem como as inúmeras tentativas de solução do problema, todas elas infrutíferas, denotando total desconsideração para com o consumidor. Cabe frisar que nas tentativas de obtenção do produto logrou a autora nova promessa de entrega que, igualmente, foi descumprida, ao passo que permaneceram sendo cobradas as... (TJ-RS - Recurso Cível: 71003865086 RS , Relator: Leandro Raul Klippel, Data de Julgamento: 15/08/2012, Primeira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 17/08/2012)

[33] RESPONSABILIDADE CIVIL. ALUGUEL DE VESTUÁRIO. VESTIDO DE NOIVA. PRIMEIRO ALUGUEL. ROMPIMENTO DO ZÍPER DO VESTIDO MOMENTOS ANTES DA CERIMÔNIA. PRAZO DECADENCIAL NÃO OPERADO. DANO MORAL EM RELAÇÃO À NOIVA CONFIGURADO. DANO MORAL EM FAVOR DO NOIVO E MÃE DA NOIVA AFASTADO. RESTITUIÇÃO PARCIAL DO VALOR PAGO PELO ALUGUEL.

1. Decadência. Aplicável o prazo de 90 dias para reclamar pelos vícios constatados no vestido, conforme o art. 26, inc. II, do CDC. Entre a data do aluguel e o ingresso da demanda não transcorreu o período de 90 dias, razão pela qual acertado o afastamento da preliminar.

2. Incontroverso o rompimento do zíper do vestido alugado pela autora Letícia, a noiva, momentos antes da cerimônia religiosa. Dever da ré de indenizar, porquanto inegável o defeito no fecho do vestido que se rompeu pouco tempo depois da noiva vesti-lo. Culpa exclusiva da autora não evidenciada. Ainda que tenha a autora experimentado o vestido e não avistado inicialmente qualquer defeito, verifica-se que o zíper encontrava-se com defeito, pois se rompeu com pouco tempo de uso, sendo evidente que esse não é o prazo de duração de qualquer zíper. O vestido deveria permanecer em condições de utilização e com os ajustes postulados pela consumidora ao mínimo até o final de sua festa.

3. Dano moral. Evidente o abalo subjetivo da noiva, uma vez que o vestido se abriu na parte de trás, momentos antes da cerimônia religiosa de seu casamento, causando na mesma sensação de tensão, insegurança constrangimento e tristeza, uma vez que o vestido foi parcialmente abotoado por “joaninha”, as quais seguravam o vestido de modo precário.  Quantum indenizatório fixado em R$ 7.000,00 que não merece reparos dadas as circunstâncias e gravidade do fato.

4. Dano moral em relação ao noivo e mãe da noiva afastado. Muito embora seja evidente o constrangimento e a angústia diante da situação vivenciada pela autora/noiva, ao noivo e a genitora da noiva não cabe indenização, uma vez que sequer participaram da relação contratual, muito embora estivessem envolvidos com a preparação da cerimônia e festa do casamento. Ademais, o abalo propriamente dito somente cabe a autora, quem de fato utilizou o vestido com defeito. 

5. Restituição do equivalente a um terço do valor pago pelo aluguel do vestido, sob o argumento de que utilizado mesmo com reparos improvisados que se mantém à míngua de recurso da autora.

RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.  (TJ-RS - Recurso Cível: 71003239381 RS , Relator: Marta Borges Ortiz, Data de Julgamento: 12/04/2012, Primeira Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 16/04/2012)

[34] Responsabilidade civil. Queda em estacionamento de shopping. Obrigação ressarcitória não se vincula à demonstração de culpa. Teoria do risco. Ausência de culpa exclusiva ou concorrente da vítima, bem assim de fortuito externo. Indenização bem quantificada. Não comprovados lucros cessantes. Dano moral arbitrado de maneira adequada. Sentença mantida. Recursos desprovidos. (TJ-SP - APL: 994060161219 SP , Relator: Claudio Godoy, Data de Julgamento: 26/10/2010, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 09/11/2010)

[35] ADMINISTRATIVO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TÉLEGRAFOS (ECT). EXTRAVIO DE CORRESPONDÊNCIA. DANO MORAL CONFIGURADO. INSCRIÇÃO EM SELEÇÃO PARA REALITY SHOW (BIG BROTHER BRASIL, 8ª EDIÇÃO). PERDA DE UMA CHANCE. 1. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços (CDC, art. 14). 2. Pela jurisprudência desta Corte, a ECT responde objetivamente pelo extravio de correspondência, por falta do serviço, mesmo que o remetente não tenha declarado o conteúdo da encomenda. 3. Frustrada a expectativa de inscrição da apelante em seleção de programa televisivo no qual são oferecidos prêmios de valores vultosos, devido ao extravio de sua correspondência pela ECT, é adequada a fixação da indenização por danos morais em R$ 2.000,00. Precedente. 4. Parcial provimento à apelação, reformando-se a sentença, a fim de condenar a ré a indenizar a apelante, por danos morais, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais). (TRF-1 - AC: 538 MG 0000538-78.2008.4.01.3801, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, Data de Julgamento: 13/03/2013, QUINTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.68 de 25/03/2013)

[36] SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade Civil pela perda de uma chance. Rio de Janeiro: Atlas, 2007, p. 10

[37] ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUE EQUIVOCADAMENTE CONCLUIU PELA INACUMULABILIDADE DOS CARGOS JÁ EXERCIDOS. NÃO APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. HIPÓTESE EM QUE OS CARGOS PÚBLICOS JÁ ESTAVAM OCUPADOS PELOS RECORRENTES. EVENTO CERTO SOBRE O QUAL NÃO RESTA DÚVIDAS. NOVA MENSURAÇÃO DO DANO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL A QUO.

1. A teoria da perda de uma chance tem sido admitida no ordenamento jurídico brasileiro como sendo uma das modalidades possíveis de mensuração do dano em sede de responsabilidade civil. Esta modalidade de reparação do dano tem como fundamento a probabilidade e uma certeza, que a chance seria realizada e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo. Precedente do STJ.

2. Essencialmente, esta construção teórica implica num novo critério de mensuração do dano causado. Isso porque o objeto da reparação é a perda da possibilidade de obter um ganho como provável, sendo que "há que se fazer a distinção  entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. A chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização.

3. Esta teoria tem sido admitida não só no âmbito das relações privadas stricto sensu, mas também em sede de responsabilidade civil do Estado. Isso porque, embora haja delineamentos específicos no que tange à interpretação do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, é certo que o ente público também está obrigado à reparação quando, por sua conduta ou omissão, provoca a perda de uma chance do cidadão de gozar de determinado benefício.

4. No caso em tela, conforme excerto retirado do acórdão, o Tribunal a quo entendeu pela aplicação deste fundamento sob o argumento de que a parte ora recorrente perdeu a chance de continuarem exercendo um cargo público tendo em vista a interpretação equivocada por parte da Administração Pública quanto à impossibilidade de acumulação de ambos.

5. Ocorre que o dano sofrido pela parte ora recorrente de ordem material não advém da perda de uma chance. Isso porque, no caso dos autos, os recorrentes já exerciam ambos os cargos de profissionais de saúde de forma regular, sendo este um evento certo sobre o qual não resta dúvidas. Não se trata de perda de uma chance de exercício de ambos os cargos públicos porque isso já ocorria, sendo que o ato ilícito imputado ao ente estatal implicou efetivamente em prejuízo de ordem certa e determinada. A questão assim deve continuar sendo analisada sob a perspectiva da responsabilidade objetiva do Estado, devendo portanto ser redimensionado o dano causado, e, por conseguinte, a extensão da sua reparação.

6. Assim, afastado o fundamento adotado pelo Tribunal a quo para servir de base à conclusão alcançada, e, considerando que a mensuração da extensão do dano é matéria que demanda eminentemente a análise do conjunto fático e probatório constante, devem os autos retornarem ao Tribunal de Justiça a quo a fim de que possa ser arbitrado o valor da indenização nos termos do art. 944 do Código Civil.

7. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta extensão, provido.

(REsp 1308719/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/06/2013, DJe 01/07/2013)

[38] SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade Civil pela perda de uma chance. Rio de Janeiro: Atlas, 2007, p. 3


Autor

  • Salomão Resedá

    Salomão Resedá

    Mestre em Direito Privado pela Universidade Federal da Bahia - Ufba. Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito - Ufba. Professor da Unifacs (Universidade Salvador). Assessor do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Autor de Livros.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESEDÁ, Salomão. A função sancionatória da responsabilidade civil. Uma nova realidade frente aos danos morais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5112, 30 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58851. Acesso em: 25 abr. 2024.