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A redefinição do espaço público como pressuposto para articulação de respostas políticas efetivas à crise ambiental

A redefinição do espaço público como pressuposto para articulação de respostas políticas efetivas à crise ambiental

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Em tempos em que a questão ambiental ganha relevo essencial à sobrevivência da raça humana, é preciso retroceder e reconhecer que a atual crise ambiental é apenas uma das facetas de uma crise política e, antes ainda, de uma crise cultural.

INTRODUÇÃO

O discurso proferido pelo então Presidente Uruguaio José Mujica[1] durante a Convenção das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável – mais conhecida por Rio+20 – em junho de 2012, aponta para o fato de que a atual crise ambiental mundial e a sombria ameaça de extinção da raça humana decorrem, antes de tudo e muito mais, de uma crise política e cultural que de uma crise propriamente ambiental.

Partindo do alerta feito por Mujica, que muito bem traduz a angústia vivenciada pela autora deste artigo quanto ao estudo do Direito Ambiental,  o presente artigo se propõe a dialogar o pensamento do sociólogo polonês Zygmunt Bauman e da filósofa Hannah Arendt, especialmente no ponto em que denunciam a desintegração do espaço público.

Para tanto, inicialmente far-se-á a distinção entre as categorias domínio público, domínio privado e esfera social, no contexto do pensamento arendtiano, temperando a definição de domínio público com o pensamento de Bauman, com a declarada finalidade de contemporizar as reflexões de Arendt. Isto porque há de se considerar que Arendt faleceu em dezembro de 1975, muito antes da revolução levada a cabo - e ainda em curso - pela internet, bem como da intensificação da velocidade nas relações sociais e políticas, bem assim de uma série de outros eventos políticos marcantes na pós-modernidade – a exemplo da queda do muro de Berlim.

Em seguida, far-se-á uma breve incursão num ponto crucial e estruturante do pensamento de Bauman: a categoria liquidez, para então relacionar a referida categoria com a categoria espaço público – tratada no primeiro tópico – e a dificuldade de se fazer política na pós-modernidade e, por fim, as dificuldades que isso representa quando se trata de tentar implementar uma agenda política minimamente eficaz no que toca ao direito ambiental.


MAS AFINAL, O QUE É ESPAÇO PÚBLICO?

Inicialmente, cabe ressaltar que muitos autores tratam sobre a questão dos limites entre o público e o privado, especialmente com o alargamento do Estado, a partir do século XV, e a ingerência que passou a pretender na dita esfera privada dos cidadãos. Dentre os mais renomados está o alemão Jüngen Habermas, cujas formulações, contudo, não serão consideradas para elaboração deste artigo. Importa esclarecer, desde logo, que será somente o pensamento e as elaborações de Arendt que serão aqui tidos em conta.

Outro ponto que se coloca como relevante para a elaboração deste artigo se relaciona com a dúplice relevância que o tema assume: a tentativa de compreensão do que seria a esfera pública se relaciona não apenas com a evidente necessidade de frenagem e contensão do Estado frente aos particulares[2], mas também com a noção de que é o espaço público uma condição de existência da ação - entendida aqui como a atividade que ocorre entre homens sem mediação da matéria: a atividade política por excelência[3].

A cientista política Hannah Arendt aborda a questão em vários volumes de sua obra; mas é nos capítulos iniciais de A Condição Humana que ela sistematiza com maior rigor as categorias domínio público, domínio privado e esfera social. Deve-se também aclarar desde logo que o que Bauman designa por espaço público e espaço privado, Arendt chama domínio público e domínio privado; Arendt ainda identifica uma outra dimensão, que chama esfera social.

Para Arendt, a distinção entre as esferas privada e pública da vida corresponderia aos domínios da família e da política, que, pelo menos desde o surgimento da antiga cidade-Estado, existem como entidades distintas.

O principal traço distintivo entre os dois domínios na Antiguidade seria o de que na esfera privada do lar os homens vivam juntos compelidos pela necessidade: o fator determinante para que vivessem juntos era a vida, que, requeria a companhia dos outros para sua manutenção, bem como para a sobrevivência individual e para a continuidade da espécie. O domínio público, a seu turno, representava a esfera da liberdade; a superação das necessidades da vida, operada no âmbito do lar, era condição para a liberdade na pólis.

Arendt expõe que enquanto o lar era o centro das desigualdades, a pólis era lugar dos iguais. Ser livre para os antigos tinha, portanto, dúplice significação: não estar sujeito às necessidades da vida, nem ao comando de outro; mas, também, não comandar. O domínio público pressupunha igualdade entre aqueles que dele participavam; essa noção de igualdade, contudo, não guarda qualquer relação com o conceito moderno de igualdade: “significava viver entre pares e ter que lidar somente com eles, e pressupunha a existência de ‘desiguais’ que, de fato, eram sempre a maioria da população na cidade”[4]. A igualdade se colocava como a própria essência da liberdade e significava ser isento da desigualdade, ou seja, não governar nem ser governado.

A propriedade privada é colocada pela autora como limite a demarcar as fronteiras entre os domínios; o que teria resguardo a vida privada dos cidadãos  da invasão da pólis “(...) não foi o respeito à propriedade privada tal como a concebemos, mas o fato de que, sem possuir uma casa, um homem não podia participar dos assuntos do mundo porque não tinha nele um lugar propriamente seu”[5]. Assim, ao mesmo tempo em que a propriedade era pressuposto para o ingresso na vida política desenvolvida no domínio público, era o limite a marcar o fim do público e o início do privado.

A significação do termo privado - e o próprio conteúdo da privacidade - tinha, para os antigos, um sentido de desapossamento, de impedimento de assunção de posse. O que se tolhia do sujeito que somente experienciava a vida do e no lar, sem ascender à esfera pública, era a parte da própria humanidade. Tomando por pressuposto a noção dos antigos de que a vida do lar se prestava à satisfação de necessidades e que os que viviam apenas para satisfação de necessidades eram tidos como animais, como meros exemplares da espécie humana (concebida como uma espécie animal qualquer), compreende-se melhor a razão pela qual o confinamento na vida privada tornava o sujeito menos humano.

Para Arendt, os domínios público e privado seriam como duas faces da mesma moeda e só podem subsistir em forma de coexistência. A autora destaca que por mais suportável que pudesse ser a vida privada em família na Antiguidade – que oferecia então espaço para atividades que contemporaneamente classificamos como superiores à atividade política, como o acúmulo de riqueza ou a devoção às artes e a ciência -, tanto em Roma como em Atenas, ela nunca poderia ser mais que um substituto para a vida pública.

Parece ser justamente por estarem tão intimamente conectados os domínios público e privado que a ameaça de um signifique também a do outro. É nesse contexto que Arendt situa a discussão sobre a posse privada da propriedade. Ela assevera que

(...) a palavra “privada” em conexão com a propriedade, mesmo em termos do pensamento político antigo, perde imediatamente o seu caráter privativo e grande parte de sua oposição ao domínio público em geral; aparentemente, a propriedade possui certas qualificações que, embora situadas no domínio privado, sempre foram tidas como sendo da máxima importância para o corpo político. [6]

Nesse sentido, mesmo o domínio privado teria, na Antiguidade, uma feição não privativa; não o conteúdo desse domínio, mas a sua aparência seria importante para a cidade, já que ele aparecia no domínio da pólis por meio dos limites entre uma casa e outra.

A lei, que era, segundo Arendt, originalmente identificada com uma noção espacial de fronteira/linha divisória, teria, em certa medida, destinado-se exatamente a separar os domínios um do outro:

É verdade que a lei da pólis transcendia essa antiga concepção da qual, no entanto, retinha seu significado espacial original. A lei da cidade-Estado não era nem o conteúdo da ação política (a ideia de que a atividade política é fundamentalmente o ato de legislar, embora de origem romana, é essencialmente moderna e encontrou sua mais alta expressão na filosofia política de Kant), nem um catálogo de proibições (...). Era bem literalmente uma muralha, sem a qual poderia existir um aglomerado de casas, um povoado (asty), mas não uma cidade, uma comunidade política. Essa lei-muralha era sagrada, mas só o recinto amuralhado era político. Sem ela, seria tão impossível haver um domínio político como existir uma propriedade sem uma cerca que a delimitasse; a primeira resguardava e circundava a vida política, enquanto a outra abrigava e protegia o processo biológico vital da família. [7]

De toda essa exposição Arendt conclui que a propriedade privada, antes da era moderna, era a condição de admissibilidade no domínio público, e, mais do que isso era o lado escuro e oculto do domínio público.

A distinção mais elementar entre os domínios público e privado equivaleria à distinção entre o que deveria ser exibido e o que deveria ser ocultado. Segundo Arendt, historicamente o que precisou ser escondido foi sempre a parte corporal da existência humana, tudo o que se ligava de alguma maneira ao processo vital; todas as atividade a serviço da subsistência do indivíduo e da sobrevivência da espécie.

Nesse contexto, trabalhadores, mulheres e escravos permaneciam escondidos e o fato de a era moderna tê-los emancipado quase que concomitantemente, se consubstancia, para Arendt, “entre as características de uma era que já não acreditava que as funções corporais e as preocupações matérias deveriam ser escondidas”[8].

Para Arendt a razão de ser da política é a liberdade:

Freedom, moreover, is not only one among the many problems and phenomena of the political  realm properly speaking, such as justice, or power, or equality; freedom, wich only seldom – in times of crisis or revolution – becomes the direct aim of political action, is actualluy the reason that men live together in political organization at all. Without it, political life as such would be meaningless. The raison d’être of politics is freedom, and its field of experience is action. [9]

A existência da liberdade, a seu turno, necessita da criação de um espaço durável, que transcenda a duração da vida de homens mortais; a criação desse espaço, que é justamente o espaço público, só seria possível por meio da política:

Só a existência de um domínio público e a subsequente transformação do mundo em uma comunidade de coisas que reúne os homens e estabelece uma relação entre eles dependem inteiramente da permanência. Se o mundo deve conter um espaço público, não pode ser construído apenas para uma geração e planejado somente para os que estão vivos, mas tem de transcender a duração da vida de homens mortais. Sem essa transcendência em uma potencial imortalidade terrena, nenhuma política, no sentido restrito do termo, nenhum mundo comum bem domínio público são possíveis. (...). [10]

Anote-se que ao investigar a “essência” da política, Arendt identifica uma precondição à sua existência: antes de ser livre o homem precisa se libertar de suas necessidades vitais, além de não estar sob o domínio de outrem[11].

O termo “público” na concepção da autora denota dois fenômenos distintos; primeiro, denotaria “que tudo que aparece em público pode ser visto e ouvido pelos outros”[12]. Para ela, a aparência, consistente no que é visto e ouvido pelos outros e por nós mesmos, e constitui a realidade. A presença de outros, que veem e ouvem o mesmo que nós, garantiria a realidade do mundo e de nós mesmos. Arendt afirma que o senso de realidade depende totalmente da aparência e, bem por isso, da existência de um domínio público no qual as coisas possam emergir “da treva de uma existência resguardada”[13].

Para a autora, existiriam muitas coisas que não podem suportar a intensa luz que a constante presença dos outros representa no domínio público, o qual só pode abrigar o que é considerado relevante. Isso não significaria, contudo, que todas as questões privadas sejam irrelevantes, mas apenas que alguns assuntos muito relevantes só poderiam sobreviver no domínio privado.

Em segundo lugar, o termo “público” significaria, para Arendt, o próprio mundo, “na medida em que é comum a todos nós e diferente do lugar que privadamente possuímos nele”[14].

“Mundo” no pensamento arendtiano não coincide com a Terra ou com a natureza, enquanto condição da vida orgânica; primeiramente, se relaciona com o artefato humano:

Conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo de coisas interposto entre os que o possuem em comum, como uma mesa se interpõe entre os que se assentam ao seu redor; pois, como todo entre-espaço [in-between], o mundo ao mesmo tempo separa e relaciona os homens entre si. O domínio público, enquanto mundo comum, reúne-nos na companhia uns dos outros e, contudo, evita que caiamos uns sobre os outros, por assim dizer. [15]

Mundo significaria o entre-espaço objetivo (ou físico) capaz de, ao mesmo tempo, separar e relacionar os homens entre si; esse mundo se interpõe fisicamente entre os homens e é dele que provém os interesses humanos.

Arendt alerta, ademais, para a existência de uma segunda realidade, por assim dizer; um entre-espaço subjetivo intangível, constituído pelo falar e pelo agir dos homens, que se sobrepõe ao mundo objetivo das coisas, ao qual ela denomina “teia” das relações humanas:

(...) o espaço-entre físico e mundano, juntamente com seus interesses, é recoberto e, por assim dizer sobrelevado por outro espaço-entre inteiramente diferente, constituído de atos e palavras, cuja origem se deve unicamente ao agir e ao falar dos homens diretamente uns com os outros. Esse segundo espaço-entre subjetivo não é tangível (...). Damos a essa realidade o nome de “teia” das relações humanas.[16]

Essa realidade intersubjetiva pode ser concebida mesmo como uma segunda significação para “mundo” no pensamento de Arendt: o mundo como espaço para a política[17].

Como se disse acima, o espaço público, na definição de Arendt, destinar-se-ia à edificação e manutenção de um mundo objetiva e subjetivamente comum que transcenda a duração das vidas de homens mortais:

O mundo comum é aquilo que adentramos ao nascermos e que deixamos para trás quando morremos. Transcende a duração de nossa vida tanto no passado quanto no futuro, preexistia à nossa chegada e sobreviverá à nossa breve permanência nele. É isso que temos em comum não só com aqueles que vivem conosco, mas também com aqueles que aqui estiveram e com aqueles que virão depois de nós. Mas esse mundo comum só pode sobreviver ao vir e ir das gerações na medida em que aparece em público. [18]

O domínio público – e a publicidade a ele inerente – seria lugar onde os homens poderiam preservar as coisas que eventualmente quisessem por a salvo da ruína natural do tempo.

Arendt coloca que a pólis[19] era para os gregos uma garantia contra a futilidade da vida individual; os homens ingressavam no domínio público por desejarem que algo seu durasse mais que suas vidas terrenas. Arendt pontua que “talvez a mais clara evidência  do desaparecimento do domínio público na era moderna seja a quase completa perda de uma autêntica preocupação com a imortalidade”[20].

A importância de ser visto e ouvido pelos outros derivaria do fato de que as pessoas veem e ouvem de lugares diferentes de modo que a realidade se constituiria da soma total dos aspectos de um objeto capturados por uma multidão de espectadores: “Somente quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, em uma variedade de aspectos, sem mudar de identidade, (...) pode a realidade do mundo aparecer real e fidedignamente”[21].

A realidade, para Arendt, seria garantida pelo fato de que, apesar das diferenças de posição e da consequente variedade de perspectivas, há interesse num mesmo objeto – e não pela natureza comum de todos os homens. A destruição do mundo comum, assim, significaria a indistinção de um objeto comum e acabaria por tornar os homens inteiramente privados, “isto é, privados de ver e ouvir os outros e privados de ser vistos e ouvidos por eles. São todos prisioneiros da subjetividade de sua própria existência singular, que continua a ser singular ainda que a mesma experiência seja multiplicada inúmeras vezes”[22].

Importa ainda mencionar que a definição do domínio privado é apresentada por Arendt como estreita e intimamente relacionada à definição da dupla significação do domínio público:

Viver uma vida inteiramente privada significa, acima de tudo, estar privado de coisas essenciais a uma vida verdadeiramente humana: estar privado da realidade que advém do fato de ser visto e ouvido por outros, privado de uma relação “objetiva” com eles decorrente do fato de ligar-se e separar-se deles mediante um mundo comum de coisas, e privado de realizar algo mais permanente que a própria vida. [23]

O domínio público, importa ressaltar afinal, é o locus adequado para a ação e que tem por condição a pluralidade humana. Seria esse o espaço adequado para que os homens se relacionem entre si e, a despeito de suas diferenças, encontrem soluções para coexistir e garantir a liberdade.

Antes de concluir o presente subtítulo, cabe a breve problematização do que Arendt designa por esfera social; para a autora a esfera social turvou fronteiras que antes eram muito bem delineadas – e como se disse, protegidas pela propriedade privada, que marcava o fim do público e o início do privado - e o que hoje chamamos “privado” seria uma esfera de intimidade cujas peculiaridades eram desconhecidas antes da era moderna:

Hoje não pensamos mais primeiramente em privação quando empregamos a palavra “privatividade”, e isso em parte se deve ao enorme enriquecimento da esfera privada por meio do moderno individualismo. (...) a privatividade moderna, em sua função mais relevante, a de abrigar o que é íntimo, foi descoberta não como o oposto da esfera política, mas da esfera social, com a qual é, portanto, mais próxima e autenticamente relacionada. [24]

A ascensão do social é relacionada por Arendt ao declínio da família enquanto instituição; isso se daria em razão da absorção do grupo familiar por grupos sociais correspondentes.

Novamente aproximando a organização do lar da organização da sociedade, a autora afirma que a sociedade exclui a possibilidade de ação que antes se excluía do lar doméstico: “Ao invés da ação, a sociedade espera de cada um dos seus membros certo tipo de comportamento, impondo inúmeras e variadas regras, todas tendentes a ‘normalizar’ os seus membros, a fazê-los comportarem-se, a excluir a ação espontânea ou a façanha extraordinária”. [25]

A vitória da igualdade[26] no mundo moderno se colocaria, para Arendt, como o reconhecimento jurídico e político do fato de que a sociedade conquistou o domínio público e de que a distinção e a diferença tornaram-se assuntos privados do indivíduo. Para a autora, isso implicaria no reconhecimento de que, se na Antiguidade, o espaço público era o palco em que grandes ações eram ensaiadas, perseguidas e realizadas e permitiam ao indivíduo distinguir-se dos demais e galgar a imortalidade, o advento do social tornou a diferença tema afeto à intimidade do indivíduo.

Outra implicação do surgimento da esfera social, seria e elevação da economia – arregimentada pelo seu principal instrumento técnico, a estatística – ao papel de ciência social por excelência; ela se fundaria, pois, na suposição de que os homens se comportam ao invés de agirem em relação aos demais. Arendt aduz que as leis da estatística somente seriam válidas quando se lida com grandes números e longos interstícios temporais, de modo que atos e eventos passariam a aparecer estatisticamente como desvios ou flutuações. Com isso, cada aumento populacional significaria um aumento da validade das análises estatísticas e uma diminuição dos “desvios”.

Arendt afirma que, politicamente, isso significa que quanto maior a população de um corpo político

(...) maior é a probabilidade de que o social, e não o político, constitua o domínio públicoOs gregos cuja cidade-Estado foi o corpo político mais individualista e menos conformista que conhecemos, tinham plena consciência do fato de que a pólis, com a sua ênfase na ação e no discurso, só poderia sobreviver se o número de cidadãos permanecesse restrito. Grandes números de pessoas amontoadas desenvolvem uma inclinação quase irresistível na direção do despotismo, seja o despotismo de uma pessoa ou do governo da maioria; e embora a estatística, isto é, o tratamento matemático da realidade, fosse desconhecida antes da era moderna, os fenômenos sociais que possibilitaram esse tratamento – grandes números justificando o conformismo, o behaviorismo e o automatismo nos assuntos humanos – eram precisamente o que no entendimento dos gregos, distinguia da sua a civilização persa. [27]

A uniformidade estatística é vista por Arendt como um ideal político declarado de uma sociedade que, imersa na rotina do cotidiano, “aceita pacificamente a concepção científica inerente à sua própria existência”[28].

O domínio privado do lar era, como foi visto, para os Antigos, o local onde as necessidades da sobrevivência individual e da continuidade da espécie eram atendidas e garantidas. Isso teria feito com que os Antigos nutrissem certo desprezo pela esfera da privatividade, pois ali o homem existia somente como exemplar da espécie animal humana.

O advento da sociedade, da dependência mútua em prol da vida, teria transformado a humanidade numa grande família e o espaço público, antes ocupado pelo político – enquanto lugar destinado à ação entre homens -, passou a ser colonizado por atividades relacionadas com a mera sobrevivência. Arendt denuncia que o processo de satisfação das necessidades vida, antes restrito à esfera do lar, teria sido canalizado para o domínio público.

O advento da sociedade significou, para Arendt, a admissão das atividades domésticas e da administração do lar no domínio público; a principal característica desse novo domínio seria “uma irresistível tendência a crescer, a devorar os domínios mais antigos do político e do privado, bem como a esfera da intimidade, instituída mais recentemente”[29].

A sociedade seria a forma na qual a dependência mútua visando a satisfação das necessidades adquire importância pública e na qual as atividades relacionadas com a mera sobrevivência escapam do domínio privado e aparecem em público.

Muito embora seja ainda possível falar-se da existência de um domínio público, não se poderia mais dizer que seu conteúdo seja político. Pode-se dizer, até mesmo, que o espaço público, enquanto espaço para a política, desde uma concepção arendtiana, encontra-se inviabilizado; uma das principais razões para tanto - tomando em conta o acima exposto de que as esferas pública e privada são interdependentes - talvez seja a exposição pública que os assuntos privados e íntimos vem recebendo nas últimas décadas. Não existe mais distinção entre o que deve aparecer em público e o que deve ser ocultado na privatividade.

Para Bauman, temos que o domínio público hoje se destina mais ao compartilhamento de angústias afetas à intimidade – fenômeno este agravado com o advento da internet e, mais recentemente, das redes sociais. Ele não teria, portanto, um conteúdo político, mas seria apenas um espaço público onde somos vistos e ouvidos pelos outros, sem que consigamos construir zonas de consenso sobre os assuntos que realmente importam. Bauman vai mais longe e afirma que, hodiernamente, não se consegue abstratizar os problemas suficientemente para que se tornem comuns/públicos e se tornem objeto de política.

Sob ambas as perspectivas, o espaço público, enquanto espaço para a política encontrar-se-ia inviabilizado. Se historicamente buscou-se defender a esfera privada da ameaça representada pelo poder público (veja-se: não pelo espaço público), atualmente a batalha parecer ser mais no sentido de defender o espaço público da ameaça que a esfera social e a intimidade representam.

Pela exposição empreendida pode-se concluir, portanto, que o espaço é o lugar onde somos vistos por nossos pares – e também onde vemos os outros com quem compartilhamos o mundo; é o lugar a todos comum e onde tratamos de temas que interessam a todos os homens e sobre os quais qualquer decisão afeta a vida de todos os homens.

Tendo por base essa premissa, e considerando que Arendt enxerga no mundo (entendido aqui como o próprio Planeta Terra) a condição mais elementar de sermos humanos, tem-se que o direito ambiental, tomado pelo viés de necessário à preservação da vida humana, pode colher frutos positivos ao beber da teoria arendtiana para se articular teórica e praticamente.


BAUMAN E A LIQUEFAÇÃO DA POLÍTICA

Bauman, que há muito se debruça sobre a problemática abordada pelo Presidente Uruguaio, José Mujica, denunciando a liquidez da sociedade moderna (que ele denomina de modernidade líquida, em oposição à modernidade sólida[30]).

Sobre a definição de modernidade, Hespanha expõe que pré-modernidade, modernidade e pós-modernidade são termos que representam temporalmente a compreensão do mundo humano no último milênio. Ele afirma, ademais, que a modernidade é o conceito chave que, por contraposição, fez surgir os outros dois (pré-modernidade e pós-modernidade:

Pré-modernidade, modernidade e pós-modernidade são termos correntes na teoria social contemporânea para designar – embora com indecisões e discrepâncias temporais e conceituais – grandes épocas de autocompreensão do mundo humano, pelo menos durante o último milênio. (...) interessa caracterizar (...) a modernidade, pois este é o conceito a partir do qual os outros surgiram, por contraste. A típica visão moderna do mundo é a de uma sociedade ordenada segundo um plano global, acessível, melhorável. O plano do mundo humano é, por isso, também um projeto humano, racional e otimista; embora, como coisa artificial, tenha de ser imposto. No plano intelectual, pela verdade da ciência. E, no plano político, pela vontade científica do Estado. (...) O modernismo é um progressismo, uma crença na modernização e na sua bondade. Sendo um progressismo, em que a história caminha num sentido certo, incorpora também a crença na possibilidade de conhecer o fim da história e os valores finais para que se evolui – o bem”. [31]

A metáfora da liquidez é assim explicada por Bauman:

'Fluidez' é a qualidade de líquidos e gases. O que os distingue dos sólidos, como a Enciclopédia britânica, com a autoridade que tem, nos informa, é que eles “não podem suportar uma força tangencial ou deformante quando imóveis” e assim “sofrem uma mudança de forma quando submetidos a tal tensão. [32]

Para Bauman, a liquidez é a principal metáfora para a compreensão e descrição do atual estágio da era moderna. Ele explica que os líquidos não gozam da estabilidade de que gozam os sólidos e, por isso, não mantém sua forma com facilidade. Enquanto os sólidos, por conta dessa estabilidade sofrem menos impacto do fluxo do tempo, “os fluídos não se atêm a qualquer forma e estão constantemente propensos à mudá-la; assim, para eles, o que conta é afinal o tempo, mais do que o espaço que lhes toca ocupar; espaço, afinal, que preenchem apenas por um momento”[33].

O autor sugere que o projeto moderno foi, desde o começo, um processo de “liquefação”, de “derretimento dos sólidos”. Segundo Bauman, o pensamento moderno enxergaria a sociedade moderna como sofredora de uma estagnação crônica, uma solidez patológica (aqui em nítida referência a “primeira modernidade”); o “espírito” para poder ganhar o atributo de “moderno”, segundo Bauman, deveria almejar a emancipação da realidade da “mão morta” da história, o que só poderia ser feito derretendo os sólidos (que por definição gozam de estabilidade maior e, por isso, são menos afetados pela passagem do tempo).

A tarefa de derretimento dos sólidos impunha o destronamento do passado e da tradição[34] – que representa o sedimento do passado no presente; “clamava pelo esmagamento da armadura protetora forjada das crenças e lealdades que permitiam que os sólidos resistissem à liquefação”[35].

A modernidade via a tradição, enquanto característica da pré-modernidade, com maus olhos; a pré-modernidade era vista como “arcaica”, “selvagem”, “tradicional”. A tradição seria uma das principais razões de as estruturas das sociedades pré-moderna repetirem-se, sem que houvesse uma intencionalidade, tal como os ambientes selvagens. As comunidade pré-modernas “São comunidades tradicionais, respeitadoras da ordem das coisas e dos tempos, avessas das mudanças aos projetos, a qualquer forma de engenharia social”[36].

E se inicialmente o desejo de liquefação dos sólidos se destinava à possibilitar a substituição dos antigos sólidos por novos - que não mais careceriam de substituição -, acabou por acarretar à progressiva libertação da economia das tradicionais amarras de ordem política, ética e culturais; levou à sedimentação de uma nova ordem[37], definida principalmente em termos econômicos.

Sobre essa nova ordem, Bauman traça a seguinte análise:

Essa nova ordem deveria ser mais “sólida” que as ordens que substituía, porque, diferentemente delas, era imune a desafios por qualquer ação que não fosse econômica. A maioria das alavancas políticas ou morais capazes de mudar ou reformar a nova ordem foram quebradas ou feitas curtas demais ou fracas demais, ou de alguma forma inadequadas para a tarefa. Não que a ordem econômica uma vez instalada, tivesse colonizado, reeducado e convertido a seus fins o restante da vida social; essa ordem veio a dominar a totalidade da vida humana porque o que quer que pudesse ter acontecido nessa vida humana tornou-se irrelevante e ineficaz no que diz respeito à implacável e contínua reprodução dessa ordem. (BAUMAN, 2001, p. 11).

Nesse contexto, um dos principais paradoxos da sociedade líquida moderna é que, ao mesmo tempo que os subsistemas da nova ordem[38] foram (e hoje se definem por) liquefeitos e afrouxados, isoladamente ou em conjunto, o modo como são trançados rígido: “Essa rigidez é o resultado de 'soltar o freio': da desregulamentação, da liberalização, da 'flexibilização', da 'fluidez' crescente, do descontrole dos mercados financeiro, imobiliário e de trabalho (...)”[39] (BAUMAN, 2001, p. 11/12).

Bauman aponta, por fim, que a construção de uma nova e melhor ordem não está mais na agenda do domínio da ação política. O “derretimento dos sólidos” foi redirecionado a um novo alvo, a saber: “dissolução das forças que poderiam ter mantido a questão da ordem e do sistema na agenda política” [40].

Um dos maiores e mais inusitados problemas apontados por Bauman no contexto do forjamento dessa nova ordem se situa no âmbito da desintegração do espaço público, como lugar de encontro e discussão sobre problemas privados e questões públicas.


A DESINTEGRAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO E O DIREITO AMBIENTAL

Para Bauman, se historicamente se viveu sob a ameaça de domínio e subjugação da vida privada pela esfera pública, o desafio contemporâneo é defender o domínio público, “ou, antes, reequipar e repovoar o espaço público que se esvazia rapidamente devido à deserção de ambos os lados: a fuga do 'cidadão interessado' e a fuga do poder real para um território que, por tudo que as instituições democráticas existentes são capazes de realizar, só pode ser descrito como um 'espaço cósmico'”[41]

No diagnóstico do sociólogo polonês, o espaço público passou a ser um lugar de socialização e compartilhamento das aflições privadas, sem que sejam abstratizadas suficientemente para se tornarem efetivamente questões públicas. O espaço público teria, assim, passado a ser o lugar em que se faz a confissão de segredos e intimidades privados [42].

Ainda para o autor, o aumento da liberdade individual coincidiria com o aumento da impotência coletiva, uma vez que as pontes entre o público e o privado vem sendo destruídas; “ou, colocando de outra forma, uma vez que não há maneira óbvia e fácil de traduzir preocupações pessoais em questões públicas, e, inversamente, de discernir e apontar o que é público nos problemas privados”[43].

Para Bauman, a arte da política democraticamente construída tem um aspecto dúplice, e quase paradoxal: deve ao mesmo tempo desmontar os limites da liberdade individual dos cidadãos e buscar a autolimitação: “libertar os indivíduos para capacitá-los a traçar, individual e coletivamente,  seus próprios limites individuais e coletivos”[44].

Importa, ainda, recordar que, contemporaneamente, a maioria das decisões politicamente relevantes vem sendo tomadas longe do espaço público politicamente institucionalizado, sem que sejam controladas por instituições políticas democráticas. A desregulamentação aqui ganha destaque como uma das principais causas da apatia política e também como obstaculizadora de qualquer agenda política minimamente séria no que diz respeito ao direito ambiental.

Questiona-se, sem qualquer perspectiva de resposta, sobre como seria possível a implementação de uma “agenda de sustentabilidade multidimensional”, nos moldes propostos por Juares de Freitas[45], sem que haja (muita) vontade política para tanto? Não há saída, principalmente quando se pensa que o Congresso Nacional é hoje colonizado por uma bancadas como a do agronegócio ou frente parlamentar evangélica; a primeira, defendendo interesses nitidamente opostos à implementação de uma agenda política com forte viés ambientalista (basta olhar para os termos Novo Código Florestal, aprovado em 2012); a segunda, mais interessada em discutir temas como o conceito de família, objetivando definir legalmente como família aquela constituída por homem e mulher casados ou convivendo em união estável (PL n. 6.583/13, mais conhecido por Estatuto da família), em nítido retrocesso ao entendimento já consolidado pelo STF no que toca à união homoafetiva.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como visto anteriormente, o advento da esfera social (socialização de aflições privadas; salientando que a socialização dessas questões não as torna menos privadas) inicia um processo de difusão entre os domínios público e privado, de modo que no mundo experienciado hoje distinguir entre os dois domínios é tarefa, senão inexecutável, ao menos bastante árdua.

Ao mesmo tempo, uma separação mínima entre essas esferas é pressuposto para qualquer discussão sobre política. A urgência de políticas sobre recursos esgotáveis, manutenção da qualidade ambiental e recuperação de ambientes degradados tem se tornado cada vez mais urgentes, uma vez que – como alertava Arendt – o mundo (Planeta Terra) e o fato de vivermos nele – mundanidade – é pressuposto da humanidade como a conhecemos.

Como se expôs no último item do desenvolvimento (intitulado ‘A desintegração do espaço público e o direito ambiental’), contudo, qualquer pretensão de articulação de respostas efetivas à crise ambiental perpassa pelo reconsideração sobre o modo de ser fazer política no Brasil – aqui optou-se por deixar de lado questões afetas à colonização do espaço político internacional e sua (des)regulamentação. É preciso repensar o exercício da democracia em termos políticos e, além disso, consolidar juridicamente a sustentabilidade como paradigma vinculante (o que depende, em muito, de se repensar a formação dos juristas). Sem isso, não parece possível pensar em soluções minimamente efetivas para a crise ambiental que inegavelmente vivemos.


NOTAS

[1] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zsOGZKRVqHQ. Acesso em 10 de abril de 2015.

[2] Trata-se de tema de fundamental importância para a história, o direito, a política etc.: foi a reivindicação da Burguesia pela limitação estatal que deu origem, no contexto europeu continental do século XVIII, aos direitos fundamentais como hoje os conhecemos; essa necessidade de frenagem e contensão Estatal renova-se e readquire destaque com o advento das tecnologias da informação e da democratização das comunicações interpessoais: como advento e a democratização da internet as pessoas passaram a viver e agir também numa esfera virtual. Muitas das interações humanas, sejam atinentes a atividades políticas ou eminentemente privadas (como relacionamentos amorosos e correspondências entre amigos e familiares), agora se desenrolam on-line e a forma como o mundo globalizado lidará com os desafios impostos por essa nova realidade reside no futuro (remain to be seen). Recente escândalo internacional, trazido a público pelo ex-analista da NSA (sigla em inglês que significa Agência de Segurança Nacional - dos Estados Unidos), Edward Snowden, denunciando um programa de espionagem em massa mantido pelo Governo dos Estado Unidos da América (incluindo espionagem doméstica de civis, civis estrangeiros e Chefes de Governo de países amigos, a exemplo da Presidente do Brasil, Dilma Rousseff) a partir de comunicações de dados (internet) e telefônicas, apenas se prestam a corroborar a dimensão e a relevância e as novas roupagens da problemática na atualidade.

[3] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 8.

[4] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 39/40.

[5] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 35.

[6] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 75.

[7] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 78, grifo meu.

[8] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 90.

[9] ARENDT, Hannah. Between Past and Future. New York: Penguin Classics, 2006, p. 145, sem grifos no original. Tradução livre: “Liberdade, além disso, não é apenas mais um entre os muitos problemas e fenômenos do domínio político propriamente dito, como a justiça, o poder ou a igualdade; liberdade, que só raramente, de tempos em tempos – em tempos de crise ou revolução – torna-se o objetivo direto da ação política, é na verdade o motivo pelo qual os homens vivem juntos em organizações políticas. Sem a liberdade a vida política não teria sentido. A razão de ser da política é a liberdade, e seu campo de experiência, a ação ”.

[10] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 67.

[11] MACHADO, Felipe Daniel Amorim. Arendt e Schmit: diálogos sobre política. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2013, p. 96.

[12] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 61.

[13] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 63.

[14] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 64.

[15] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 64/65.

[16] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 226/227.

[17] “O que resta? Resta a língua”: uma conversa com Günter Gaus. In: ARENDT, Hannah. Compreender. Formação, exílio e totalitarismo. Tradução Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008, p. 47.

[18] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 68.

[19]  Arendt esclarece que a pólis não é a cidade-Estado em sua localização física, mas a organização das pessoas resultante do agir e falar em conjunto, e o seu verdadeiro espaço situa-se entre as pessoas. ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 246.

[20] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 68. Logo no primeiro capítulo de A Condição Humana existe um subtítulo inteiramente dedicado à diferenciar a imortalidade da eternidade; a diferença entre as duas categorias é colocada pela autora como uma das melhores maneiras de ilustrar a diferença entre ação e contemplação. Imortalidade significaria continuidade no tempo, permanência neste mundo sem a morte. A preocupação dos gregos com a imortalidade adviria da sua experiência com uma natureza imortal e de deuses imortais (os deuses do Olimpo, que tinham a mesma natureza dos homens, mas não a mesma forma; que eram imortais, mas não eternos em clara distinção com um deus eterno e transcendental situados além do tempo e do espaço). Inserida em um universo onde tudo era imortal, a mortalidade teria se tornado o emblema da natureza humana. A mortalidade, assim, seria o que faz dos homens humanos. Apesar de a imortalidade (permanência) da espécie humana se garantir pela procriação, não se pode garanti-la para o indivíduo. A capacidade humana de realizar feitos imortais permitiria que os homens deixem atrás de si vestígios imortais, a despeito de sua mortalidade individual. A ação, atividade integrante da vita activa que exige a presença de outros, ou seja, tem como condição a pluralidade e como locus o domínio público, seria a forma de os homens atingirem a imortalidade e mostrarem seu caráter “divino”. Veja-se que a noção é aqui retomada justamente ilustrar o declínio do domínio público.

[21] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 70.

[22] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 71.

[23] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 72.

[24] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 46/47, sem grifos no original.

[25] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 49/50.

[26] Em Origens do Totalitarismo Arendt aduz que a igualdade pode ser concebida em dois planos: o social e o político; a igualdade política implicaria o fato de os indivíduos serem considerados iguais entre si independentemente de quaisquer outras características, e, como tal, gozarem dos mesmo direitos perante a lei; já a igualdade social implicaria na criação de um padrão de normalidade concebida como “qualidade inata de todo indivíduo, que é ‘normal’ se for como todos os outros, e ‘anormal’ se for diferente”, de forma que indivíduos que se julguem iguais formam grupos fechados que relutam em reconhecer no outro a igualdade (política), surgindo então as mais variadas formas de discriminação. Conferir ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo. São Paulo: Companhia de bolso, 2012, p. 85-86.

[27] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 52/53.

[28] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 53.

[29] ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Tradução Roberto Raposo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p. 56.

[30] Importa, aqui, expor a ideia de ruptura dentro da modernidade que foi descrita pelo sociólogo alemão Ulrich Beck. Ele apresenta a problemática por meio de uma analogia histórica: “(...) assim como no século XIX a modernização dissolveu a esclerosada sociedade agrária estamental e, ao depurá-la, extraiu a imagem estrutural da sociedade industrial, hoje a modernização dissolve os contornos da sociedade industrial e, na continuidade da modernidade, surge uma outra configuração social. (...) Se no século XIX foram os privilégios estamentais e as imagens religiosas do mundo que passaram por um desencantamento, hoje é o entendimento científico e tecnológico da sociedade industrial clássica que passa pelo mesmo processo – as formas de vida e de trabalho, na família nuclear e na profissão, os papéis-modelo de homens e mulheres etc. A modernização nos trilhos da sociedade industrial é substituída por uma modernização das premissas da sociedade industrial, que não estava prevista em qualquer dos manuais teóricos ou livros de receitas políticas do século XIX. É essa iminente oposição entre modernidade e sociedade industrial (em todas as suas variantes) que atualmente nos confunde em nossos sistema de coordenadas, a nós que estávamos até a medula acostumados a conceber a modernidade nas categorias da sociedade industrial” (BECK, 2011, p. 13). É possível afirmar que, para Beck, o advento dos riscos decorrentes da tecnologia (dentre as quais se destaca a nuclear) representa um ruptura dentro da própria modernidade: “O reverso da natureza socializada é a socialização dos danos à natureza, sua transformação em ameaças sociais e econômicas e políticas sistêmicas da sociedade mundial altamente industrializada. Na globalidade da contaminação e nas cadeias mundiais de alimentos e produtos, as ameaças à vida na cultura industrial passam por metamorfoses sociais do perigo: regras da vida cotidiana são viradas de cabeça para baixo. Mercados colapsam. Prevalece a carência em meio à abundância. Caudais de demandas são desencadeados. Sistemas jurídicos não dão conta das situações de fato. (...) Cuidados médicos falham, edifícios ruem. Governos tombam. (...) Esse é o fim do século XIX, o fim da sociedade industrial clássica, com suas ideias de soberania do Estado Nacional, automatismo do progresso, classes, princípio do desempenho, natureza, realidade, conhecimento científico etc.” (BECK, Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. 2. ed. Tradução: Sebastião Nascimento. São Paulo: Editora 34, 2011, p. 10).

[31] HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura jurídica europeia: síntese de um milênio. Almedina: Coimbra, 2011, p. 91/92.

[32] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 7.

[33] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 8.

[34] A modernidade via a tradição, que é  uma característica da pré-modernidade, com maus olhos: “Esta visão moderna do mundo social rompia com a visão pré-moderna, que os modernos classificavam de ‘selvagem’, ‘primitiva’, ‘arcaica’, ‘tradicional’. As culturas pré-modernas reproduzir-se-iam a cada nova geração sem uma intenção consciente, ou sem reflexão. Tal como os ambientes silvestres (ou selvagens), as comunidade da pré-modernidade reproduzem-se segundo equilíbrios naturais, próprios de cada ambiente particular, não planeados globalmente e apenas dependentes de condições estabilizadas e de hábitos estabelecidos. São comunidades tradicionais, respeitadoras da ordem das coisas e dos tempos, avessas das mudanças aos projetos, a qualquer forma de engenharia social” (HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura jurídica europeia: síntese de um milênio. Almedina: Coimbra, 2011, p.93).

[35]  BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 9/10.

[36] HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura jurídica europeia: síntese de um milênio. Almedina: Coimbra, 2011, p. 93.

[37] A noção de ordem implica uma ideia de organização; de pertença; de lugar adequado. Se para os antigos a ordem das coisas era ditada por essencialidades naturais (natureza), para os pré-modernos a força ordenadora da vida vem manifesta na figura do Criador (HESPANHA, Antônio Manuel. Cultura jurídica europeia: síntese de um milênio. Almedina: Coimbra, 2011, p. 98).

[38] Por ‘nova ordem’ fica implícita a ideia de nova organização, novo lugar, das coisas do mundo; a nova ideia de ordem tem um fundo, portanto, economicista; logo a ordem de importância das coisas passa a se relacionar com noções como lucro, consumo etc. Essa neo noção de ordem está arraigada no imaginário da segunda modernidade e é o alicerce que fundou a construção (ou desconstrução) da política e do direito como hoje os conhecemos e vivemos.

[39] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 11/12.

[40] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 13.

[41] BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 54.

[42] Nesse sentido ver: BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 54; e BAUMAN, Zygmunt. 44 Cartas do Mundo Líquido Moderno.  Tradução: Vera Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 38.

[43] Bauman, Zygmunt. Em busca da política. Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 10.

[44] Bauman, Zygmunt. Em busca da política. Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 2000, p. 12.

[45]  FREITAS, Juarez. Sustentabilidade. 2. ed. Belo Horizonte: Forum, 2012, cf. especialmente Cap. 4.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Flavia. A redefinição do espaço público como pressuposto para articulação de respostas políticas efetivas à crise ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5124, 12 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59037. Acesso em: 19 abr. 2024.