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Aposentadoria e nova investidura em cargo público

Aposentadoria e nova investidura em cargo público

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Parecer Jurídico elaborado a pedido do Recursos Humanos do Município de Naviraí-MS.

PARECER JURÍDICO


1 - Relatório.

Trata-se de solicitação encaminhada a esta Procuradoria Jurídica, qual tem a presente finalidade de análise referente à legalidade de nomear e empossar a candidata aprovada no concurso público, considerando que esta é aposentada pela Administração Pública Municipal, bem como foi aprovada no cargo idêntico ao que anteriormente exercia.


2 - Fundamentação.

Para a investidura no cargo público é necessário, após a aprovação no concurso, o preenchimento de diversos requisitos básicos, conforme previsto no Edital nº 001/2016 do Município de Naviraí, dentre eles o item 1.5, alínea “h”:

EDITAL nº 001/2016

1.5.

São requisitos básicos para investidura em qualquer dos cargos/funções:

(....)

h) não exercer cargo, emprego ou função pública e não acumular proventos de aposentadoria na administração pública federal, estadual ou municipal, salvo as exceções previstas na Constituição Federal;

Além de constar no Edital, esta impossibilidade é taxativamente prevista na Constituição Federal, no seu artigo 37, §10º, vejamos:

“§ 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração”.

Assim também é seguido pela doutrina de DIÓGENES GASPARINI, em Direito Administrativo. 11ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006, pág.203:

“È vedado também em razão da regra do parágrafo 10 do art. 37, da CF, a percepção de remuneração ou subsidio do cargo, emprego ou função cumulada com proventos advindos de qualquer regime previdenciário (art. 40, 42 e 142), salvo os casos de acumulação constitucionalmente permitida, os cargos eletivos e os cargos de comissão, declarados por lei, de livre nomeação e exoneração”.

Para a análise do caso, buscou-se a vida funcional da ex servidora, revelando que esta é servidora aposentada do quadro municipal no cargo de técnico em laboratório, no Município de Naviraí (Portaria nº 031/2014-NAVIRAIPREV e Portaria nº 771/2014).

No sítio eletrônico do Município de Naviraí, a ex servidora foi aprovada no concurso público de 2016, em primeiro lugar para o cargo de técnico em laboratório, conforme divulgação de resultado, classificação e homologação pelo Poder Executivo.

Nessa toada, em regra, a Constituição Federal dispõe sobre a impossibilidade de a servidora pública acumular a aposentadoria com remuneração de cargo público (art. 37, §10º CF), ressalvando as hipóteses nos cargos arrolados no inciso XVI, alínea “a” a “c” do art. 37 da CF, vejamos:

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

Para uma perfeita elucidação da matéria é necessário que se compreenda o alcance dos conceitos “profissionais da saúde”, pois interpretadores podem querer estender tal benefício para “profissionais da área da saúde”, eis que, em regra, a Constituição Federal prevê hipóteses restritivas, não comportando interpretação ampliativa.

Desse modo, o último (área da saúde) trata-se de pessoas que trabalham onde o serviço é prestado, o que inclui os servidores da área administrativa, já os profissionais taxados na Carta Magna, são aqueles que possuem atribuições de prestar atividade de saúde propriamente dita, exigindo, para tanto, qualificações e conhecimentos específicos.

Nessa toada, a interpretação restritiva da Constituição apenas deve abranger as profissões que exigem qualificações e conhecimentos específicos, atrelado à regulamentação da profissão.

A regulamentação da profissão é ato privativo da União (art. 22, [1]XVI, CF), ou seja, ela legisla sobre as condições para o exercício de profissões dos brasileiros, ressalvando que a Carta Magna consagra a liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, facultando, apenas, a possibilidade de se restringir o acesso a determinadas profissões tendo em vista qualificações profissionais estabelecidas em lei (art. 5º, [2]XIII, da CF).

Consoante o edital do concurso público para o cargo de técnico em laboratório é exigível do candidato que ostente nível médio, habilitação profissional e registro no respectivo conselho.

O cargo técnico em laboratório é profissão regulamentada e fiscalizada por entidade de classe (Conselho Regional/Federal de Farmácia), consoante Resoluções do respectivo Conselho e Lei Federal nº 3.820/60, bem como pela própria imposição do edital.

A jurisprudência é no mesmo sentido:

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROFISSIONAL DE SAÚDE. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. POSSIBILIDADE. REMESSA NECESSÁRIA IMPROVIDA. 1. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, inciso XVI, alínea ‘c’, assegura a cumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, desde que haja compatibilidade de horários, sem, contudo, limitar a jornada de trabalho. 2. O técnico em laboratório tem a sua profissão devidamente regulamentada pela Resolução nº 485 do Conselho Federal de Farmácia, órgão de classe competente para orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício profissional, mostrando-se irrelevante que a regulamentação da atividade seja por intermédio de lei formal, pois a Constituição Federal não faz tal exigência.3. Remessa oficial improvida.” (TJDF - Acórdão n. 743271, 20120110333836RMO, Relator: JOÃO EGMONT, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 11/12/2013, Publicado no DJE: 16/12/2013. Pág.: 109)

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PRIVATIVOS DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE. TÉCNICO EM LABORATÓRIO. REGULAMENTAÇÃO PROFISSIONAL PELO CONSELHO DE FARMÁCIA. COMPATIBILIDADE CONSTITUCIONAL. I. De acordo com o artigo 37, inciso XVI, alínea c, da Lei Maior, a acumulação de cargos para os profissionais de saúde está adstrita unicamente à compatibilidade de horários e à regulamentação profissional. II. A normatização da profissão de Técnico em Laboratório, por meio da Lei 3.820/60 e da Resolução 485/2008, do Conselho Federal de Farmácia, atende à exigência constitucional de regulamentação profissional. III. Não se tratando de regulamentação da própria Lei Fundamental, caso em que seria indispensável a edição de lei em sentido estrito, a regulamentação profissional pode ser empreendida por norma jurídica de patamar inferior, desde que condizente com o direito positivo. IV. O servidor público que preenche os requisitos constitucionais e legais tem direito líquido e certo à cumulação de cargos. V. Remessa de ofício e apelação conhecidas e desprovidas. (TJDF – Acórdão nº 746.802. Apelação/Reexame necessário 20120110293970APO, Relator Desembargador JAMES EDUARDO  OLIVEIRA, julg. 11.12.2013)

DIREITO CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. APELAÇÃO CÍVEL. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. TÉCNICO EM LABORATÓRIO. PROFISSIONAL DE SAÚDE. REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO. ATOS NORMATIVOS. LICITUDE DA CUMULAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. CONCESSÃO DA ORDEM MANDAMENTAL. - A Carta Magna, visando proteger os interesses da atividade administrativa, estabelece a impossibilidade de acumulação remunerada de cargos públicos, admitindo, excepcionalmente, o seu exercício simultâneo, quando se tratar de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas (inteligência do artigo 37, inciso XVI, alínea 'c', da CF). O cargo de Técnico em Laboratório possui natureza eminentemente privativa de profissional de saúde, sobretudo porque se mostra notória a exigência de conhecimentos técnicos e especializados relativos à área de saúde para o seu desempenho. O exercício da profissão não prescinde do atendimento de requisitos, na forma em que prescritos e ordenados pelos atos normativos específicos que regulamentam a profissão, estabelecendo critérios essenciais e disposições próprias ao seu desempenho. - A regra constitucional que impede a acumulação de cargos públicos em favor dos profissionais da área de saúde possui caráter excepcional, não podendo sofrer interpretação restritiva, sendo, portanto, incabível o estabelecimento de outros limites. Precedente do STJ. - Não há se falar em irregularidade na acumulação dos cargos de Técnico em Laboratório, que é privativo de profissionais de saúde e cuja profissão está devidamente regulamentada. (TJDF - APC 20100112097572, 3ª T., rel. Des. Otávio Augusto, DJe 16/10/2012).

Assim, a ex servidora é profissional da saúde, bem como o exercício de ambos os seus cargos (técnico em laboratório) é devidamente regulamentada - tanto que trata-se de imposição para investidura no concurso público – vide edital, enquadrando-se, desta forma, nas hipóteses de exceção prevista na Constituição Federal.

Portanto, a nomeação não possui nenhum impedimento legal, opinando o caso estar diante da regulamentação constitucional de acumulação de aposentadoria e remuneração.


3 - Conclusão.

Ante o exposto, este subscritor opina pela legalidade da nomeação da aprovada no concurso público, e por fim, seja remetido o presente parecer ao setor competente para conhecimento e providências necessárias.


Notas

[1] XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;

[2] XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;



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