Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/59529
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Os crimes do presidente

Os crimes do presidente

Publicado em . Elaborado em .

O atual presidente, sucessor da presidenta deposta, tornou-se o primeiro mais alto mandatário do País a ser denunciado por cometimento de crime comum, mais precisamente por corrupção passiva. E não fica por aí. O Ministério Público Federal vislumbra a possibilidade de denunciá-lo pelo cometimento, no mesmo cenário, de outras ilicitudes comuns.

INGRATA SUPRESA           

O povo brasileiro assiste pasmo o imbróglio em que estão envolvidos os pilares da República Federativa do Brasil – o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário.

Não é novidade alguma o cometimento pelos três Poderes da União de atos atentatórios aos preceitos constitucionais ao longo de nossa história. Hodiernamente, o conhecimento das mazelas cometidas no âmbito desses poderes não mais é privilégio de poucos. Os principais destinatários dos atos praticados pelos poderes constituídos não ficam mais adstritos à divulgação superficial, e às vezes tendenciosa, da mídia convencional. Os meios tecnológicos postos à disposição dos mesmos tornaram-se impedientes para que os outorgantes dos poderes a eles conferidos não fiquem à margem de acontecimentos que lhes dizem respeito, em especial ao fiel cumprimento do mandato a eles outorgados. Não há como se negar a utilidade das transmissões das sessões do parlamento e do judiciário pelas emissoras estatais de rádio e televisão. Não há que se dizer, é claro, que obstam peremptoriamente decisões de interesses escusos e contrárias ao sentimento de justiça do povo. Mas que dão um freiozinho dão, pois sabem os parlamentares e magistrados que seus trabalhos estão sendo expostos ao vivo, em tempo real, à aferição de seu verdadeiro patrão, o povo brasileiro.    

Ultimamente, “como jamais visto na história deste país”, o assunto que tem tomado conta das manchetes da mídia brasileira é o ostensivo combate à corrupção empreendido pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal e pela Justiça Federal em todas as instâncias. Esta, alicerçada nos zelosos trabalhos empreendidos pelos outros dois citados atores, para desgosto de antigos e contumazes dilapidadores do erário, tem proferido destemidas e surpreendentes decisões que os tem levado à prisão e ao ressarcimento dos danos causados ao patrimônio público.

Casos houve em que supremos mandatários da nação brasileira foram depostos por cometimento de crimes de responsabilidade, como foi o do Fernando Collor de Mello e, mais recentemente, da Dilma Rousseff. Por cometimento de crime comum não temos conhecimento que tenha havido algum. Pois bem, não é que o atual presidente, sucessor da presidenta deposta, tornou-se o primeiro mais alto mandatário do País a ser denunciado por cometimento de crime comum, mais precisamente por corrupção passiva. E não fica por aí. O Ministério Público Federal vislumbra a possibilidade de denunciá-lo pelo cometimento, no mesmo cenário, de outras ilicitudes comuns.


O MINISTÉRIO PÚBLICO E O EXERCÍCIO DE SUAS PRERROGATIVAS

O Ministério Público, a nível federal e estadual, por inexplicáveis razões, por muito tempo deixou a desejar quanto ao uso das prerrogativas que lhe foram atribuídas pela nossa Carta Constitucional. O ingresso na carreira de jovens sem vícios e, portanto, com os ensinamentos familiais e sentimentos de justiça que lhes foram lapidados nos bancos acadêmicos incólumes, deu a dinâmica que se esperava do órgão a quem a Constituição Federal delegou a incumbência de defender a ordem jurídica, o regime democrático de direito e os interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da C.F.). Mas isso não foi - e não é - do agrado de muitos, especialmente da promiscuída classe política nacional. As mais tímidas incursões do Ministério Público para cumprir o múnus que lhe compete, especialmente aquelas situações que envolvem figurões e – por laço corporativo - até figurinhas do enlameado meio político nacional ensejam insurreições. Por incrível que possa parecer, essas oposições encontravam, e ainda encontram, inconformismo no seio do Poder Judiciário. Do Poder Judiciário sim; até na mais Alta Corte de Justiça do Brasil se constata essa oposição e tentativa de ingerência na atuação do Ministério Público, a quem a Constituição confere o poder de exercer o seu mister com total independência. Reza o § 1º do retro citado art. 127: § 1º: “São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”.

O povo brasileiro é um povo bom, digno da misericórdia Divina. Para o bem de todos e felicidade geral da Nação” o Ministério Público – a nível Federal e Estadual - até então vem desempenhando suas funções com galhardia, com destemor, não se deixando abater pelos histéricos gritos daqueles que, para a consecução de fins egoístas e, acima de tudo, ilícitos, olvidam os interesses e as necessidades da grande maioria dos brasileiros.


O CENÁRIO E AS CONDUTAS CENSURÁVEIS DO PRESIDENTE

Como antes dito, vem sendo uma constante nas manchetes midiáticas nacional a corrupção. Todo santo dia uma decepção. Aquela figura que se nos apresentava como de conduta ilibada, de quem jamais se esperaria qualquer dúvida quanto à sua retidão, especialmente no trato com a coisa pública, de uma hora para outra nos é apresentada como portadora de predicados inimagináveis; sua até então elogiável biografia deixava de sê-lo. Essas descobertas já não nos tomava de surpresa. Mas a última exibição da mídia causou surpresa e impacto em todos. E não era pra menos: o envolvimento do senhor Michel Miguel Elias Temer Lulia acusado de corrupção em pleno exercício do cargo de Presidente da República Federativa do Brasil.

Como antes dissemos, hoje há um implacável combate à corrupção em que está mergulhada a administração pública em todos os seus níveis. Os envolvidos nas maquinações contra o erário estão “de orelha em pé”. Sabem, ou pelos menos presumem, que mais cedo ou mais tarde “a casa cairá”.

A vexatória situação em que está envolvido o Presidente da República, que já é do conhecimento do povo em geral, não valendo a pena, pois, aqui reproduzi-la nos mínimos detalhes, ainda motivará, segundo a Procuradoria Geral da República, duas outras denúncias - já em elaboração e “com forte materialidade”, mas que para robustecê-las a PGR está à espera de elementos provenientes de esperadas delações inéditas: uma denúncia por obstrução da justiça e a outra por formação de organização criminosa.

Se a forma como se conduziu o Presidente da República no diálogo que manteve com o empresário Joesley Batista naquela noite de 07 de março do corrente ano foi estranha, inconcebível é que a comprometedora conversa tenha sido travada e gravada - sem conhecimento do Presidente, no porão do Palácio do Jaburu, o espaço reservado (por opção dele, Presidente, já que se recusou a ocupar o Palácio da Alvorada) a agasalhar o Chefe de um dos pilares da República Federativa do Brasil.

Era do conhecimento público que a JBS – grupo liderado pelo empresário Joesley Batista - estava sendo investigada pela “Força Tarefa Anti Corrupção”. Segundo a PGR, na certeza de que suas falcatruas estavam ao alcance dos investigadores, os empresários Batista, de posse do passaporte (a conversa gravada) a eles concedido pelo Presidente, procuraram a “Força Tarefa” para oferecer colaboração condicionada, o que, à vista da imputação criminosa feita contra o Presidente da República e do teor do material por eles apresentado, foi aceita, sendo o entabulamento posteriormente homologado pelo STF. O quanto estabelecido no acordo sofreu e continua sofrendo severas críticas, com o que, “permissa vênia”, não concordamos, pois celebrado em condições “sui generis”: os delatores não se encontravam presos e os crimes por eles levados ao conhecimento do Ministério Público não eram pretéritos. Mesmo com a efetiva atuação da “Força Tarefa Anti Corrupção” estavam sendo acintosamente levados adiante e precisavam, mesmo que a custo alto, ser obstados. Não poderia a Procuradoria Geral da República fazer “ouvido de mercador” à vista do que lhe foi exposto, sob pena de prevaricar. O interesse público reclamava sua atuação para evitar o prosseguimento da delinquência. Para salvaguardar bens e interesses nacionais a PGR teve que se curvar à contrapartida imposta pelos delatores.

Cremos que o que também motivou os empresários Batista a fazerem o acordo de delação premiada foi o fato de já estarem fartos das extorsões praticadas por inescrupulosos políticos. Diante da sangria de seus cofres, certamente presumiram, ver-se-iam sem condições de até mesmo patrocinarem suas defesas nas ações penais e civis reparatórias de danos que inevitavelmente haveriam de enfrentar, como realmente estão enfrentando aqui e no exterior.


A REAÇÃO E AS DESCABIDAS JUSTIFICATIVAS DO PRESIDENTE

Queremos aqui deixar claro que nestas mal traçadas linhas não existe nenhuma opinião de conotação político-partidária; que não somos simpatizantes de qualquer agremiação política; que, a bem da verdade,  se em algum dia alimentamos esperança em ver este País administrado por brasileiro com sentimento altruísta hoje não mais existe em nós o nutriente desse sonho; e, por último, dizemos, que se não se conseguir ver este escrito como um trabalho jurídico, contentamo-nos com o simples fato de ser visto como uma manifestação  de indignação

Essa situação embaraçosa em que se envolveu o Presidente da República nos fez chegar, infelizmente, a conclusões decepcionantes, especialmente por se tratar ele de pessoa que – embora não tivéssemos apreço (nem desapreço) - não nos dava margem a por em dúvida sua idoneidade moral e, especialmente, intelectual, pelo que até então não o víamos como indigno de exercer o múnus de Gerente da Nação brasileira. Mas divulgado o teor da conversa gravada pelo empresário, essa imagem que até então tínhamos caiu do pedestal. A cada declaração que dava para justificar o injustificável mais se via envolto na teia de aranha em que foi apanhado. Foram manifestações desesperadas.

Sua primeira reação foi: "Não renunciarei. Repito, não renunciarei”. Não agiu o Presidente com a serenidade que se era de esperar. Foi um rebate próprio de tirano; de uma pessoa prepotente sedenta de poder, como outrora já demonstrara lhe ser próprio. Isso ficou muito evidente nas eleições de 2010, quando não sendo da preferência nem de Lula nem de Dilma, se impôs como o candidato único do PMDB a vice-presidente na chapa petista. Essa sua postura o faz ser visto não como um estadista, mas, sim, como uma “Temeridade” na condução do destino da nação brasileira.

Nesse mesmo passo diz: ”Sei o que fiz e sei a correção dos meus atos. Exijo investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro. Essa situação de dubiedade ou de dúvida não pode persistir por muito tempo”. Desde então não é o que se tem visto. Tem usado de expedientes antiéticos para que esses seus atos não sejam submetidos à apreciação do Poder Judiciário, no caso o Supremo Tribunal Federal, a quem a Constituição concedeu o poder para aferir “essa situação de dubiedade ou de dúvida” e, por fim, através de veredicto, concluir por sua inocência ou não – “para os esclarecimentos ao povo brasileiro”.  Cônscio da sua inocência, que não se esperasse um licenciamento do cargo até a apuração dos fatos; mas sua imprópria ingerência na manifestação de vontade de deputados, contrariando a vontade dos outorgantes dos mandatos aos mesmos conferidos, é deplorável. Claramente, depreende-se que é de seu interesse que o povo brasileiro não tenha os devidos esclarecimentos e que ‘essa situação de dubiedade ou de dúvida’ persista por muito tempo, ou nunca fique esclarecida.

Em seguida admite: “Ingenuidade. Fui ingênuo ao receber uma pessoa naquele momento”. Caros eventuais leitores, essa maravilha de pronunciamento foi feita pelo senhor Michel Miguel Elias Temer Lulia, bacharel em Direito, advogado, ex Procurador de Justiça do Estado de São Paulo, ex Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, professor de Direito Constitucional, escritor de obras jurídicas de cunho constitucional, ex Deputado Federal  - por três (3) vezes (foi Deputado Constituinte), ex Vice-Presidente da República por duas vezes (2) vezes e, agora, Presidente da República.

O § 3º do art. 14 da Constituição Federal estabelece:

 “São condições de elegibilidade, na forma da lei: ...;

VI - idade mínima de: a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; ...”.

 Da leitura do retro citado dispositivo conclui-se que só é admitido a ocupar o cargo de Presidente e Vice-Presidente da República e Senador pessoas maduras, dotadas de discernimento o bastante para entender as responsabilidades inerentes a essas instituições. Sobre os ombros do Presidente da República recai o encargo de administrar os destinos da nação. O próprio Presidente Michel Temer, reconhecendo-se ingênuo, desqualificou-se para ocupar o cargo mais cobiçado no Brasil.

Não temos dúvida de que o Presidente Temer assinou sua sentença de morte para a política. A melhor saída seria a renúncia, como o aconselhou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O povo não o perdoará. Mas nós, sinceramente, acreditamos na sua ingenuidade, na sua imaturidade, na sua falta de preparo para assumir um cargo de tamanha significância. Ele só reconheceu gravidade no ato de “receber uma pessoa naquele momento”, o que na realidade não configura transgressão legal. Consubstanciou-se a infração ao deixar ele de observar as cautelas recomendadas para a segurança da instituição Presidência da República. .

Deixamos claro: para o exercício do cargo de Presidente da República não se concebe que seja o seu detentor ingênuo. Navegando no mar das hipóteses, se na Presidência da República tivesse tomado assento, o Excelentíssimo Senhor Deputado Francisco Everardo Oliveira Silva (Tiririca), pelo deslize, maior probabilidade teria de ser perdoado pelo povo, E com muita  razão, pois grande parte de sua vida dedicou ao entretenimento de crianças ingênuas em picadeiros de circos e, em época mais recente, auditórios de televisão, e com as quais por algum tempo se fez confundir. Não teve chance de alisar bancos acadêmicos. Mas conseguiu por duas vezes eleger-se deputado federal pelo Estado de São Paulo: a primeira vez, claramente, por votos majoritários de protesto contra a podridão política; mas a segunda vez por votos conscientes que lhe reconheceram amadurecimento, discernimento e qualidade o bastante para vê-lo diferenciado na podridão política reinante no País. Nessas mesmas águas, acreditamos, não teria a mesma sorte o Presidente Temer. Conspiraria contra si o grande e rico currículo.

Os esperneios do Presidente foram verdadeiros desastres e o levou a se embaraçar cada vez mais na teia de aranha. Em passo seguinte, tomando por base precária análise de perito contratado por um periódico, arguiu: “Essa gravação clandestina foi manipulada e adulterada com objetivos nitidamente subterrâneos”. “Incluir (isso) no inquérito sem a devida e adequada averiguação levou pessoas ao engano induzido e trouxe grave crise ao Brasil”.  Ora, ele ouviu a gravação logo que publicada. Por que não fez tal protesto incontinenti?

Essa tardia manifestação foi também agasalhada em sua defesa, que visa obstinadamente obstar o encaminhamento da denúncia para apreciação pelo STF. No tópico 6 da peça é arguida a “Ilicitude decorrente de gravação ambiental clandestina”. Seu patrono argumenta que a gravação da conversa entre Joesley e o Presidente Temer foi feita de forma clandestina “sem aquiescência ou mesmo conhecimento” do presidente, ferindo as “garantias da intimidade e da vida privada, que possuem status constitucional”. O causídico pondera que não se trata de “intimidade e privacidade de qualquer”, mas da do presidente da República, que envolve “questões de segurança nacional”. Por esse motivo, entende ele que deve ser considerada como prova ilícita. Não vemos como prosperar essa arguição. Ora, se o STF já admitiu que gravações que tais, promovidas por um dos interlocutores e que não envolviam questões de segurança nacional, devem ser havidas como válidas, com maior razão deve admiti-la em questão que envolva a segurança nacional.

 Repetimos: de início não se viu ou ouviu, em momento algum, o Presidente contestar o teor da conversa por ele mantida com o empresário; vimos, sim, reconhecer que, por ingenuidade, o recepcionou no Palácio Jaburu na calada da noite. E justificou essa recepção: "Mas veja bem. Ele é um grande empresário. Quando tentou muitas vezes falar comigo, achei que fosse por questão da Carne Fraca. Eu disse: 'Venha quando for possível, eu atendo todo mundo'". E, em seguida reforçou a justificativa: “Recebi, sim, o maior produtor de proteína animal do mundo. Descobri o verdadeiro Joesley, o bandido confesso, junto com todos brasileiros, quando ele revelou os crimes que cometeu ao Ministério Público”.

Se a prepotência do Presidente não chega ao ponto de dispensar assessoramento, vislumbra-se um total desentrosamento entre ele e sua equipe de assessores. As jogadas não foram bem ensaiadas. Como visto acima, disse o Presidente que imaginou que o empresário delator pretendia falar consigo “por questão da Carne Fraca”. Imediatamente a mídia notou a inconsistência da declaração, chamando a atenção para o fato de que a operação “Carne Fraca” foi desencadeada no dia 17 de março e, portanto, não poderia o empresário pretender falar com ele no dia 07 de março a respeito daquela operação.

O Presidente asseverou que descobriu o verdadeiro Joesley junto com todos os brasileiros. Não Presidente! Terminantemente, não Presidente! Sobre esse trecho da gravação, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República divulgou uma nota afirmando que "o presidente Michel Temer não acreditou na veracidade das declarações. O empresário estava sendo objeto de inquérito e por isso parecia contar vantagem". "O presidente não poderia crer que um juiz e um membro do Ministério Público estivessem sendo cooptados". Outrossim, em seu segundo pronunciamento, o Presidente asseverara: “Joesley é conhecido falastrão exagerado”. Percebe-se mais uma jogada mal treinada. Fica  claro, pois, que o Presidente sabia muito bem de quem se tratava o empresário.

A gravação da conversa e a superveniente denúncia atingiram o Presidente como que um soco cruzado desferido por um lutador de boxe peso pesado. Cambaleante vociferou: "Reinventaram o Código Penal e criaram uma nova categoria: a denúncia por ilação". Beijando a lona, grogue, desequilibrado e talvez delirando em decorrência do nocaute, e, pois, irresponsavelmente – já que fora do seu juízo normal -, por ilação, contragolpeou o vento, pensando atingir o Procurador Geral da República: “Pela nova 'lei da ilação', ora criada nessa denúncia, poderíamos concluir nessa hipótese que os milhões em honorários não viessem unicamente para o assessor de confiança que deixou a procuradoria. Mas não farei ilações. Tenho a absoluta convicção de que não posso denunciar sem provas nem fazer ilações. Não posso ser irresponsável”. O que fez o Presidente senão uma irresponsável ilação com referência ao Procurador Geral da República? A denúncia a que ele chama de ilação foi feita com base em sólidos indícios, os quais tenta impedir que sejam apreciados pelo STF. A acusação que ele fez ao Procurador Geral da República é uma ilação desesperada, que fez sem qualquer indício de veracidade; feita por mera represália. Foi irresponsável, sim.


O INCONTROVERSO CONVENCIMENTO DA PGR E SUA ESTRATÉGIA

O conteúdo das gravações e dos desastrados pronunciamentos do Excelentíssimo Senhor Presidente da República Federativa do Brasil, nos levaram a crer no acerto da Procuradoria Geral da República em reconhecer o cometimento dos crimes de corrupção passiva, obstrução da justiça e formação de organização criminosa pelo Mais Alto Mandatário do País.

A Procuradoria Geral da República tem sofrido muitas críticas pelo fato de não ter reunido em única denúncia os crimes atribuídos ao Presidente da República; de “fatiar” a denúncia com propósitos políticos. Assim não entendemos a condução adotada pelo Ministério Público Federal. É uma inteligente estratégia para alcançar seu objetivo. A equipe da PGR não é ingênua. Frente às agressões que vem sofrendo tem se mostrado sabiamente elegante, serena. Enganam-se aqueles que a subestimam, que a veem passiva, acovardada, diante dos impropérios que lhe são dirigidos. Age com inteligência; com cautela, pois sabe perfeitamente com quem estão lidando. Está, por enquanto, na retaguarda, mas pronta para desferir golpes contundentes contra seus detratores.

Não estamos aqui fazendo defesa da PGR, mesmo porque não concordamos com a estratégia que presumimos está ela adotando – mais adiante externaremos nossas razões. Mas entendemos plenamente justificável eleger o crime de corrupção passiva como o primeiro a ser apreciado em uma das denúncias contra o Presidente da República. Temos quase certeza de que a PGR “fatiou" a denúncia e ingressou com a representação só por cometimento de crime por corrupção passiva porque viu esgotadas as chances de obter provas ou mesmo mais indícios que robustecessem o pleito para apuração dos fatos. Ora, quem chuta mais vezes tem maior probabilidade de fazer um gol. Passo atrás dissemos que a Procuradoria Geral da República, segundo ela própria, pretendia oferecer duas outras denúncias - já em elaboração e “com forte materialidade” -, mas que para consubstanciá-las ainda mais estava à espera de elementos provenientes de delações condicionadas inéditas: uma denúncia por obstrução da justiça e a outra por formação de organização criminosa. Portanto, justificável e prudente é esperar as melhores oportunidades para oferecer as denúncias. Não logrando êxito nessa primeira investida, tem mais duas chances para tentar marcar o gol.


PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

A pessoa investida no cargo de Presidente da República se despe, parcialmente, da individualidade que lhe é atribuída pela legislação civil; deixa, temporariamente, de ser havido como uma simples pessoa física; enquanto no exercício do cargo personifica a instituição Presidência da República,

Reza o art. 76 da nossa Carta Magna: “O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, ...”. Essa personificação é vinculativa. No palácio, no teatro, no cinema, na rua, na praia, no estádio de futebol,..., ele é o Chefe de um dos pilares da República Federativa do Brasil; é, como antes dito, a personificação da instituição Presidência da República, é o mais Alto Mandatário do País.

“Ingenuidade. Fui ingênuo ao receber uma pessoa naquele momento”. "Mas veja bem. Ele é um grande empresário. Quando tentou muitas vezes falar comigo, achei que fosse por questão da Carne Fraca. Eu disse: 'Venha quando for possível, eu atendo todo mundo'".

Ingênuo? Não é crível! Uma pessoa com o invejável currículo que tem o Excelentíssimo Senhor Presidente Michel Temer e que o fez se vangloriar quando chamado pela mídia a prestar esclarecimentos sobre a denúncia?  Nem um verdadeiro ingênuo (como aquela criança entretida pelo palhaço Tiririca) acreditaria nessa assertiva. Foi, sim, irresponsável ao extremo; disto não sobeja qualquer dúvida; sua irresponsabilidade foi desmedida e, acima de tudo, inconcebível e criminosa.


COMETIMENTO DE CRIMES DE RESPONSABILIDADE

Não só as conversas gravadas que convenceram a PGR da necessidade de se apurar os crimes imputados ao Presidente da República no exercício do cargo mais ambicionado do País nos fizeram crer que, indubitavelmente, do lamentável acontecimento se extrai fatos que, num país sério, jamais ficariam sem ser devidamente apurados. As esfarrapadas, desesperadas e comprometedoras justificativas do Presidente após a divulgação da gravação e sua defesa apresentada à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados em muito contribuíram para isso.

Não há como se deixar de reconhecer que com o promíscuo quadro político que se nos apresenta hoje nas Casas Legislativas do País os caminhos para se fazer chegar à apuração de crimes e, se for o caso, punição de crimes cometidos pelo Presidente da República são bastante tortuosos.

 Reza o art. 86 da Constituição Federal:

“Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”.

 Cremos que essa sinuosidade do caminho para se chegar a um julgamento do Presidente da República fez com que a Procuradoria Geral da República tivesse uma visão oblíqua da situação em que está envolvido o Presidente Michel Temer. Em vista disso traçou a estratégia que, embora louvável, repetimos, não concordamos. Vislumbrou nas investigações tão somente cometimento de crimes comuns - Crimes de Corrupção Passiva, de Obstrução da Justiça e de Organização Criminosa. Certamente vislumbrou maior probabilidade de que o oferecimento de denúncia pelo cometimento de infrações penais comuns contra o Presidente da República, por ser o julgamento de competência originária do STF, ultrapassadas as esperadas manobras da Câmara dos Deputados, teriam maior chance de serem apreciados com maior brevidade, como também com isenção (nem tanto) de paixões e interesses escusos. Mas com isso, no nosso modesto entendimento, pecou. E é contra essa visão torta da PGR que nos insurgimos.  

Não percebeu a PGR que o Presidente da República cometeu vários crimes de responsabilidade. E para constatá-los e tipificá-los não se faz necessário maiores esforços, pois se extrai as provas das gravações e das declarações públicas do Presidente da República, que, “sponte propria”, as corroborou – enfatize-se, sem indução de quem quer que seja. E não parou nesses crimes, como adiante restará demonstrado.

Fora o estado de terror por que foi tomada a PGR ao saber dos tenebrosos acontecimentos e do local – o porão do palácio em que foram feitas as gravações, e se não houve essa falta de percepção, só podemos concluir que o Ministério Público imaginou que se oferecesse uma denúncia por cometimento de crime de responsabilidade, a ser submetido, após superadas as nada surpresas falcatruas da Câmara dos Deputados, a julgamento pelo Senado, o pretendido esclarecimento dos fatos, sem qualquer sombra de dúvida, delongar-se-ia por inimaginável lapso de tempo e, ao final, ver-se-ia proclamada a impunidade. Mas essa opção, na nossa modesta embaçada visão, não seria o menos pior caminho para se chegar aos fins pretendidos pela PGR. Modestamente, entendemos que de bom alvitre seria que ele fizesse denúncias por cometimento de crimes comuns e, concomitantemente, de responsabilidade. As parcas probabilidades de sucesso no seu intento aumentariam.

Estabelece o art. 85 da Constituição Federal:

“São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e  dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.           


CRIMES CONTRA O EXERCÍCIO DOS DIREITOS POLÍTICOS, INDIVIDUAIS E SOCIAIS

Prescreve o art. 7º da Lei nº 10.079, de 10 de abril de 1950:

“São crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais:

  1. impedir por violência, ameaça ou corrupção, o livre exercício do voto; ...”.

Com o concurso de asseclas – deputados objetos de investigações, o Presidente da República montou verdadeiros balcões de negócios nos palácios, onde, para se ver livre das investigações por ele clamadas com tanta veemência, de forma explícita, acintosa, covarde, humilhante, vergonhosa, está a negociar votos pela negativa de admissão da denúncia por corrupção passiva em troca de cargos e liberação de emendas parlamentares e, quem sabe, de dinheiro vivo. O crime está em curso, e a ele, Presidente, aos seus copartícipes sobeja falta de escrúpulos; se expõem a toda hora na mídia enfatizando as represálias a serem adotadas contra aqueles que não se dispuseram a compactuar com os malfeitos. Crime gravíssimo, pois o povo, involuntariamente, através dos votos dos parlamentares que não têm firmeza de caráter, acabará dando respaldo a uma eventual negativa de encaminhamento da denúncia à devida apreciação pelo Supremo Tribunal Federal.


CRIME CONTRA A SEGURANÇA INTERNA DO PAÍS

Não há motivos para se fazer censura ao fato de o Presidente da República, no exercício de suas funções e, pois,  no interesse da Nação brasileira, atender quem quer que seja, em qualquer lugar, em qualquer dia e em qualquer hora.  

Ao Presidente da República o povo proporciona conforto e mordomias que nem todo grande empresário brasileiro goza e, com toda certeza, segurança que nem um ouro brasileiro tem ao seu dispor – estão à sua disposição nada mais nada menos do que as Forças Armadas do Brasil.

É o Presidente da República o Mais Alto Mandatário do País, Mas isso não quer dizer que esse poder de mando deva ser exercido ao bel prazer de quem esteja no exercício do cargo. No mesmo instrumento, a Carta Constitucional, que lhe concede os poderes estão estabelecidas normas de conduta que se por ele inobservadas podem levá-lo a ser não só destituído do Poder, mas também a ser processado no termos das legislações penal e civil pátrias.

O inciso IV do art. 85 da Constituição Federal, supra transcrito, diz que são crimes os atos do Presidente da República que atentem contra a segurança interna do País. A Lei nº 1.079, de 10 abril de 1950, no seu art. 8º, reza:

 ”São crimes contra a segurança interna do país: ...;

 4 - praticar ou concorrer para que se perpetre qualquer dos crimes contra a segurança interna, definidos na legislação penal”; ...;”.

Ao Presidente da República o povo proporciona conforto e mordomias que nem todo grande empresário brasileiro goza e, com toda certeza, segurança que nem um ouro brasileiro tem ao seu dispor – estão à sua disposição nada mais nada menos do que as Forças Armadas do Brasil.

Como dito, nada obsta a que o Presidente da República atenda quem quer que seja, no local e hora que bem desejar, sejam eles mandatários e representantes de nações, parlamentares nacionais, empresários probos, empresários investigados, prostitutas, amantes, criminosos, enfim “todo mundo”, Contudo não pode usar dessa faculdade olvidando as normas de conduta que lhe são estabelecidas pela Lei Maior do País, a quem deve obediência prometida em solene juramento.

Para deixar claro o fio da meada repetimos: "Mas veja bem. Ele é um grande empresário. Quando tentou muitas vezes falar comigo, achei que fosse por questão da Carne Fraca. Eu disse: 'Venha quando for possível, eu atendo todo mundo'".

“Palavras da salvação”, melhor dizendo, da autoincriminação. Proferidas por quem? Pelo Presidente da República Michel Miguel Elias Temer Lulia. A quem ele se referia? Ao empresário Joesley Batista. Até esse ponto denota-se algo de anormal? Não. Depreende-se um pedido de audiência e uma disposição do Presidente de atender a solicitação feita quando bem desejasse o solicitante. Bem, no dia 07 de março do corrente ano foi possível ao solicitante ir ao encontro do Presidente da República para a realização da audiência solicitada. Como lhe prometera, o Presidente o recebeu. Vislumbrou-se algo de anormal até então? Não.

Contudo, divulgada a gravação da conversa que teve o empresário com o Excelentíssimo Presidente da República, veio à tona o fato de que aquele malfadado encontro foi marcado por anormalidades jamais ocorridas na República – se porventura ocorreu nunca chegou ao conhecimento público.


ENCONTRO FURTIVO

Em tópico anterior já falamos do cenário em que ocorreu a conversa gravada entre o Presidente da República e o empresário Joesley Batista. Aqui voltamos ao tema para elucidarmos a circunstância que vemos de irresponsabilidade tamanha ao ponto de não podermos deixar de enxergá-la criminosa.

Teve o empresário acesso ao Palácio do Jaburu sem que fosse identificado pela segurança palaciana. Dissera ele que sua ida ao palácio estava, inicialmente, programada para ser feita em companhia do deputado Rodrigo Santos da Rocha Loures, que de última hora alegara impedimento para acompanhá-lo, mas que lhe dissera que sua ausência não seria impediente para a realização do encontro marcado com Presidente; que para ter acesso ao palácio bastaria ir com o automóvel cuja placa já teria sido informada à segurança do portão de entrada. Assim o fez: parou o carro frente ao portão, declinou o nome Rodrigo, sem que nada lhe fosse perguntado, e lhe foi permitido o acesso ao palácio. Foi recebido pelo Presidente e por ele levado ao porão do palácio onde se desenvolveram as conversas gravadas.

Caros eventuais leitores, o Procurador Geral da República, disse que ficou estarrecido ao ouvir o conteúdo das gravações. Não era pra menos; hoje todos sabem: gravíssimo. Confesso-vos, só a descrição do cenário, pra nós particularmente, foi de causar assombro. Desde que dele tomamos conhecimento, não conseguimos desvincular Brasília da Transilvânia; o Palácio do Jaburu do castelo do “Conde Drácula”; e, o porão do Palácio do Jaburu do porão do castelo onde o vampiro se fazia recolher ao raiar o sol.

   O povo brasileiro sustenta uma estrutura colossal chamada, hoje, de Gabinete de Segurança Institucional – GSI, de custo elevadíssimo, cujo chefe possui “status” de Ministro de Estado e que - dentre outras essenciais e imprescindíveis finalidades - tem por mister realizar a segurança pessoal do Presidente da República, do Vice-Presidente da República e de seus familiares e, quando determinado pelo Presidente da República, dos titulares dos órgãos essenciais da Presidência da República e de outras autoridades ou personalidades, como também dos  palácios presidenciais e das residências do Presidente da República e do Vice-Presidente da República, sendo-lhe sempre assegurado o exercício do poder de polícia. Vê-se pois, um aparato altamente especializado e treinado para salvaguardar as instituições e edificações importantes para a segurança nacional. Seu corpo é integrado por pais de família e jovens de futuro promissor, preparados para, se necessário, darem a vida para cumprirem a missão que lhes é confiada.

O Excelentíssimo Senhor Presidente da República não só se deu ao pretenso direito de por em risco a si, pessoa física, e a instituição por ele ora representada, como também de expor e por em dúvida a credibilidade da instituição a quem, em nome da segurança nacional, cabe a obrigação de, a todo custo, preservar sua integridade. Permitiu o acesso do senhor Joesley Batista ao Palácio de Jaburu de forma sorrateira. Proporcionou-lhe um acesso que ninguém, hoje, com o clarão do dia, tem a um prédio residencial, por mais simples que seja. Um acesso que não tem um censor do IBGE, devidamente identificado, ao prédio em que reside o homem Michel Temer. Ao Presidente não é dado fazer dos Palácios e das Residências Oficiais “Casa de Noca”.

"o presidente Michel Temer não acreditou na veracidade das declarações. O empresário estava sendo objeto de inquérito e por isso parecia contar vantagem". “Joesley é conhecido falastrão exagerado”.

O Presidente da República sabia muito bem que não estava lidando com o Anjo Gabriel. Recebeu no Palácio do Jaburu um homem que já vinha sendo investigado e que era um conhecido falastrão. Ora, é de se imaginar que uma pessoa falastrona seja de caráter duvidoso. E de um mau caráter, objeto de inquérito e, pois, na iminência de ser preso e perder grande parte de seu patrimônio e, ainda e por cima de tudo, cansado de extorsões, pode-se  ter a expectativa de inesperadas reações. Pergunta-se: o homem Michel Temer correu risco de morte? A instituição Presidência da República esteve ameaçada? O Gabinete de Segurança Institucional teve sua credibilidade desgastada, ou até mesmo posta em dúvida sua utilidade?


CRIME CONTRA A PROBIDADE NA ADMINISTRÇÃO

Reza o art. 37 da nossa Carta Magna:. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: ...”.

“Recebi, sim, o maior produtor de proteína animal do mundo. Descobri o verdadeiro Joesley, o bandido confesso, junto com todos brasileiros, quando ele revelou os crimes que cometeu ao Ministério Público”.

O que está acima transcrito é suficientemente claro; e são palavras do Excelentíssimo Presidente Michel Temer, um dos interlocutores.

Pois é, pacientemente, talvez sorvendo um cálice de bom vinho – vocês podem até não acreditar, mas não conseguimos nos apartar da Transilvânia; agora mesmo estamos imaginando o Conde Drácula degustando sangue tipo O- em uma taça de cristal reluzente - ouviu  a confissão do senhor Joesley Batista em que revelava o cometimento de vários crimes. Nas gravações, em momento algum se percebe que os fatos a si narrados o tenham constrangido; pelo contrário, suas intervenções monossilábicas deixam transparecer que aprovava os relatos do empresário bandido.

Prevaricação

Prescreve o art. 9º da Lei nº Lei nº 1.079, de 10 abril de 1950:.

“ São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração: ...;

 7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decôro do cargo”.

O Código Penal pátrio, no art. 319 do TÍTULO XI - DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CAPÍTULO I - DOS CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL, assim define o crime de prevaricação: “.

“Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

“Permissa vênia”, entendemos que o Presidente da República encabeça – sendo, assim, o mais importante - a lista de funcionários públicos da Administração Geral. Não se concebe, pois, que dele partam ações ou se esperem omissões que atentem contra a Administração em Geral.

Insistimos, o Presidente ouviu do senhor Joesley Batista o relato de inúmeros crimes, respeitantes, principalmente, à Administração Pública e nada fez. Não demonstrou qualquer indignação com o relato dos fatos, o que, se houvesse ocorrido, o mínimo que se esperaria seria o convite para que “o bandido confesso” se retirasse espontânea e imediatamente do Palácio. Caso se recusasse a fazê-lo, não precisaria, como todo brasileiro, se valer de ligação para o 190 para se ver socorrido por força policial. Bastaria um simples tilintar daquele sininho que sempre se encontra em castelos e palácios e ver-se-ia, como num passo de mágica, cercado da polícia palaciana pronta para cumprir suas determinações. Mas não; preferiu prevaricar. E essa omissão do Presidente o coloca, a nosso ver, em cena como conivente, copartícipe dos crimes; não como simples ”caro ouvinte”. Prevaricou e, pelo cometimento do crime, deve merecer a respectiva punição.


UM FIO, FORTE,  DE ESPERANÇA

”Sei o que fiz e sei a correção dos meus atos. Exijo investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro. Essa situação de dubiedade ou de dúvida não pode persistir por muito tempo”.

Palavras do Presidente. Mas o que fez ele desde então para que o imbróglio em que se envolveu fosse esclarecido. Nada! Aliás, tem feito de tudo para que o Supremo Tribunal Federal não aprecie a denúncia contra si apresentada pela Procuradoria Geral da República. Ouviu-se, sim, muitas bravatas que, como aqui já demonstrado, à medida em que eram pronunciadas, cada vez mais o embaraçaram. Cônscio da insustentabilidade de seus inconsistentes argumentos restou-lhe tão somente contar com a venalidade das consciências de deputados federais para que não autorizem o encaminhamento da denúncia por corrupção passiva para a apreciação pela Egrégia Superior Corte de Justiça do País. As manobras para a consecução de seu propósito chegam a ser imorais. Chega ao ponto de querer incutir na mentalidade do povo brasileiro que a improbidade deve prevalecer sobre a honra. Ledo engano, o povo brasileiro é um povo que muito estima a honra; preferirá enfrentar a crise econômica, o desemprego a que já está acostumado, a não ver esclarecido o episódio em que ele está envolvido. O povo brasileiro está saturado; não suporta mais conviver com a impunidade de políticos desonestos, com a promiscuidade na política.

Vale a pena aqui transcrever novamente o art. 86 da Constituição Federal:

“Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”.

 O legislador Constituinte ao condicionar a admissão de libelo acusatório contra o Presidente da República à aprovação de dois terços (2/3) da Câmara dos Deputados jamais imaginou a possibilidade de essa proporção – ou mais, ser composta de indivíduos de idoneidade moral duvidosa; pelo contrário, fez com a convicção de que a Câmara, na sua quase totalidade, seria preenchida por pessoas de condutas ilibadas, e que, em defesa da Constituição e, especialmente, em respeito ao voto popular e ao que a Instituição Presidência da República representa, a apreciação de acusações contra o ocupante do cargo de gestor do País fosse feita pelo livre convencimento de cada membro da Casa e à luz da letra da Carta Magna, a quem, quando da diplomação, juram respeito e obediência.

Mas a Assembleia Nacional Constituinte, tendo à frente da coordenação dos trabalhos o saudoso deputado Ulysses Silveira Guimarães - o maior de todos de todos os tempos -, foi de prudência elogiável. Para conter eventuais abusos de prerrogativas por ela própria concedidas, estabeleceu no seu art. 102: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamentea guarda da Constituição, cabendo-lhe: ...” (grifos nossos).

Pois é, em nenhum momento de nossa história o Poder Constituinte brasileiro delegou ao Supremo Tribunal Federal a nobre atribuição de velar, de salvaguardar, nossa Lei Maior. Facultou-lhe para tal fim, se necessário, o emprego das Forças Armadas nacionais (Marinha, Exército e Aeronáutica) – art. 142.

E não lhe delegou só a guarda; determinou-lhe como função precípua essa guarda. Isso nada mais nada menos significa do que atribuir-lhe a primazia para o controle de constitucionalidade de nossas leis. Tem, pois, o Supremo Tribunal Federal como função primeira fazer respeitar os princípios estabelecidos na Carta Constitucional; reconhecer a constitucionalidade ou não de nossos diplomas legais e, também, de obstar quaisquer atos de seus jurisdicionados, sem exceção - aí, pois, incluídos os demais Poderes,  que atentem contra a ordem jurídica nacional, mantendo com isso a paz social.

Portanto, essa prerrogativa da Câmara dos Deputados para encaminhamento de denúncias contra o Presidente da República para apreciação pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Senado Federal, se abusiva, encontra limitações. Não podem, pois, prosperar negativas de encaminhamento de denúncias visivelmente inadmitidas contrariando preceitos constitucionais ou de legislação derivada.  Isso ocorrendo pode e deve o Supremo Tribunal Federal, a contragosto daqueles que por interesses escusos não se dispuserem a contribuir com seus votos para o esclarecimento de fatos graves de interesse público denunciados, avocar a apreciação da denúncia. Verifica-se com relativa facilidade o acerto desta assertiva ao estabelecermos a hipótese, que, com toda sinceridade, jamais queremos ver concretizada, de numa reunião formal o Presidente Michel Temer, achando-se traído pelo participante deputado Rodrigo Maia, tomado por violento rancor, saca um revólver e – à vista de ministros de Estado, dezenas de parlamentares e da imprensa - contra o mesmo atira, provocando sua morte imediata. Pergunta-se: admitir-se-ia a negativa de encaminhamento da denúncia por cometimento de crime de homicídio pelo Presidente da República para a apreciação pelo Supremo Tribunal Federal. por mero capricho e interesses escusos da Câmara dos Deputados? Similar hipótese pode ser levantada no que diz respeito ao cometimento de crime por responsabilidade.

Certos estamos de que o  Supremo Tribunal Federal, hoje em grande parte renovado, com magistrados retos, que à luz da lei formam seu livre convencimento e não se deixam levar por tendenciosos pareceres de pares contaminados, e muito menos por influências externas, cônscio do “sui generis” poder que lhe foi outorgado pelo constituinte de 1988, dessa prerrogativa fará uso em defesa do princípio da moralidade pública, da probidade. É o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL nosso fio, forte, de esperança.. 


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.