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Prerrogativa de foro ou foro privilegiado em favor do Presidente do BACEN?

Inconstitucionalidades da Medida Provisória nº 207

Prerrogativa de foro ou foro privilegiado em favor do Presidente do BACEN? Inconstitucionalidades da Medida Provisória nº 207

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A Medida Provisória nº 207, que deu status de ministro ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, foi editada em agosto deste ano e cria foro especial nos casos de ações penais contra o presidente do BC. Ele passou a ter o direito de ser julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Contudo, tal ato normativo veio eivado de inúmeras inconstitucionalidades, perceptíveis "ictu oculi", conforme se segue:

1- A estruturação do Banco Central do Brasil, já que integra o Sistema Financeiro Nacional, exige a edição de Lei Complementar e, como está expresso na CF, Medida Provisória não pode versar matéria afeta à disciplina dedicada exclusivamente à Lei Complementar;

2- Tal Medida Provisória estatui a competência originária para o julgamento do Presidente do Bacen junto ao Supremo Tribunal Federal; contudo, a CF veda a edição de MP disciplinando matéria processual penal, como é o caso da Competência Jurisdicional em sede de lides penais;

3- Não é dado à Lei Infraconstitucional, seja da espécie que for, a fortiori Medida Provisória, ampliar competência originária traçada taxativamente na CF. Não se pode interpretar a CF tomando como base lei infraconstitucional, já que esta é que extrai fundamento de validade do Texto Magno e não o revés. Ademais, a competência originária é norma constitucional excepcional e, como já dizia o hermeneuta, excepcionalidades do sistema não admitem ampliação interpretativa;

4- O Banco Central, como é cediço, é uma autarquia federal que fiscaliza e exerce polícia administrativa junto ao Sistema Financeiro Nacional. Assim sendo, é pessoa jurídica de direito público interno que integra e aparelha a Administração Pública Indireta, para a consecução de seus serviços públicos, sua estruturação, e portanto, encerra poderes meramente instrumentais submetidos à regência do Direito Administrativo, difere-se então da cúpula da Administração Pública Direta que exerce poder político de condução dos negócios públicos, escorados diretamente na Constituição Federal (trata-se de poderes políticos propriamente dito). Ora, embora a investidura do Presidente do Bacen seja política seu cargo reclama atuação predominantemente executiva, ao colocar em prática as Políticas ditadas pelos Ministérios, é palmar a distinção de funções entre orgãos de Chefia de autarquias federais e Ministros e Estado, daí o equívoco da malfadada equiparação. Neste diapasão, abre-se então um precedente para que todo o cargo de chefia da autarquia federal tenha seu foro por prerrogativa de função junto ao STF, em respeito ao Princípio da Isonomia.

5- Ademais, ainda que se quisesse alterar o Texto Constitucional, ampliando a norma competencial do art. 102, via proposta de Emenda Constitucional, seria a norma também inconstitucional, neste caso em particular estaria havendo ofensa à cláusula pétrea consistente no Juiz Natural ao se criar um Tribunal de Exceção Ex Post Factum, só para apreciar a conduta de um cidadão em um determinado caso já ocorrido. Por conseguinte, é evidente que não se quer criar um foro por prerrogativa de função, mas sim um foro privilegiado em favor de uma pessoa.

6- Tal Medida Provisória, quando investigada substancialmente, fere o Princípio da Moralidade, já que a atuação estatal não se orientou em prol do interesse público, e sim a favor de interesses privados de uma pessoa física. A atuação pública de todos os Poderes do Estado deve se mover em benefício do interesse público, é patente, no caso em exame a finalidade de obter impunidade de um membro do alto escalão do governo, com a sua inserção em um Tribunal que lhe ofereça as vantagens um julgamento político;

7- Acrescente-se ainda, que a Medida Provisória ofende o Princípio da Impessoalidade, porquanto, beneficia a pessoa física investida na função pública, e não o próprio cargo (Presidência do Banco Central), que sequer em tese, merece tamanha estatura hierárquica que tal providência instituiu.

8- É patente a ausência dos pressupostos constitucionais formais para a edição da MP, quais sejam relevância e urgência, já que uma alteração estrutural desta envergadura requer maior reflexão e debate democrático em seu ambiente adequado, ou seja, dentro do Congresso Nacional, imerso à um devido processo legislativo constitucionalmente garantido.

9- Por fim, a Medida Provisória é um arremedo de ato normativo, haja vista que vem desprovida de qualidades imanentes à toda e qualquer espécie de comando jurídico, quais sejam a generalidade, abstração e impessoalidade, já que a norma instituída beneficia uma única pessoa em seus interesses privados e ainda lhe distingue desarrazoadamente de seus pares.


NOTA DE ATUALIZAÇÃO (do Editor)

A Medida Provisória nº 207/2004 foi aprovada pela Câmara dos Deputados, e será apreciada pelo plenário do Senado Federal no dia 07/12/2004.
          > Andamento na Câmara dos Deputados
          > Andamento no Senado Federal



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARTEIRO, Rodrigo Lemos. Prerrogativa de foro ou foro privilegiado em favor do Presidente do BACEN? Inconstitucionalidades da Medida Provisória nº 207. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 517, 6 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6030. Acesso em: 27 abr. 2024.