Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/6188
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Investigação preliminar

Polícia Judiciária ou Ministério Público

Investigação preliminar: Polícia Judiciária ou Ministério Público

Publicado em . Elaborado em .

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO; 1.INQUÉRITO POLICIAL, 1.1 Características do Inquérito Policial, 1.2 Princípios Constitucionais, 1 O Devido Processo Legal, o Contraditório e a Ampla Defesa, 1.2.2 Presunção de Inocência, 1.2.3 Prisão, 1.2.4 Defesa Negativa, 1.2.5 Identificação dos Responsáveis pela realização da Prisão e do Interrogatório, 1.2.6 Reserva Legal, 1.2.7 Habeas Corpus; 2. PROVAS, 2.1 Conceito, Origem e Evolução, 2.2 Constrições à Produção de Provas, 2.3 Confissão, 2.4 Provas no Procedimento Policia, 2.5 O Valor Probante do Inquérito, 2.6 Provas Ilícitas; 3. SISTEMAS INVESTIGATÓRIOS (DIREITO COMPARADO, 3.1 Investigação Policial (inquérito, 3.1.2 Polícia Judiciária Gaúcha – Dados Estatísticos, 3.3 O Juiz Instrutor, 3.3 Parquet Investigador; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

A proposta de realizar este trabalho deu-se, num momento em que a violência que assola nosso país, cresce em proporções assustadoras, ruindo a estrutura estatal. Neste mesmo passo, surgem inúmeras propostas para combate-la, todas, até o momento, ineficazes.

Uma parcela de políticos e juristas atribui a gravidade da situação ao INQUÉRITO POLICIAL, taxando-o de arcaico e ineficaz no combate a este drama social, que, efetivamente, chegou em nosso Estado, não sendo mais uma exclusividade de Rio e São Paulo.

Versará, este trabalho, sobre o sistema investigativo brasileiro, como procedimento extraprocessual, abordando sua eficácia como sistema perscrutório e condutor de provas.

Todavia, para tanto, buscar-se-á suas raízes históricas, sua evolução e, centrar-se-á, com maior afinco, a partir das inovações constitucionais de 1988, uma vez que trazem uma enorme gama de direitos processuais que, em muito se afirma, são dissonantes do inquérito.

Outro tema a ser abordado, a fim de dar o suporte necessário para discorrer acerca do instituto policial, será a prova, pois, como certas provas são renováveis e outras não o são, em juízo, existe uma grande polêmica a respeito de seu valor probante no tocante a condenação do acusado.

No último capítulo desta monografia, será efetuada uma breve incursão sobre os sistemas investigatórios, hodiernamente em uso, no mundo, a fim de obter-se as diferenças e poder contabilizar, qual dos três sistemas, teria maior efetividade na consecução de sua tarefa fim, ou seja, identificar a autoria e fornecer elementos para a responsabilização do culpado e ainda, contribuir efetivamente para a transparência de tranqüilidade (prevenção geral) que a sociedade exige.

Optamos pela presente pesquisa, por entendermos que se trata de assunto de grande relevância, pois, o que está em discussão não é tão-somente o modelo inicial do processo, mas sim, o combate a violência, consubstanciando-se, tais assertivas, na preservação do, quiçá, maior bem jurídico do homem, à vida e quando um bem tão valioso está em jogo, tem-se que relegar a segundo plano as questões ideológicas ou de estima pessoal e partir para uma discussão fulcrada em pesquisa científica, embasada por estatísticas.

Procurar-se-á demonstrar, neste trabalho, através de pesquisa doutrinária, jurisprudencial, com inserção de estatísticas que o inquérito policial é um procedimento tradicional e, de posse de mecanismos que lhe aportem condições, pode ser um instituto que pode servir com eficiência ao seu objetivo, qual seja, formar a opnio delictis do parquet, sem, no entanto, ser um procedimento atentador aos direitos fundamentais, levando-se em conta, como se verá no corpo do trabalho, a dificuldade de exercer uma excelente atividade perquiritória sem qualquer, por menor que seja, estigmatização ao suspeito.

Obviamente, não se está aqui fazendo apologia à constrições aos direitos fundamentais positivados na Carta Política.

Também far-se-á uma pequena inserção do fator violência ser uma tendência humana, que, naturalmente é desregrado e egoísta, como sustentava Hobbes e atualmente denomina-se de biopssicosocial.

As questões finais, a que nos propomos a responder são as seguintes:

1.É o inquérito policial uma peça ultrapassada e arcaica?

2.É o procedimento policial o grande responsável por impunidades e o conseqüente aumento da criminalidade?

3.È o inquérito policial, com suas características, presidido pela Autoridade Policial, o grande vilão do Processo Penal Brasileiro?

Por óbvio, para responder a tais indagações, far-se-á necessário enfrentar outras situações, como avaliar e procurar dissuadir as principais críticas ao procedimento administrativo, como a falta das garantias constitucionais; demonstrar a importância do inquérito policial durante a perseguição de um crime, seja como meio materializador e identificador do delito e de sua autoria, respectivamente, como uma prevenção geral do crime e na preparação do jus puniendi; apresentar, embasado em estatísticas, as dificuldades estruturais e humanas enfrentadas pelo Órgão titular da persecutio criminis inicial o que se caracteriza num entrave a uma mais eficiente elaboração do inquérito e, averiguar os três sistemas investigatórios utilizados atualmente, trançando um paralelo dos mesmos, a fim de verificar suas diferenças e posicionar-se sobre cada um deles, tentando descobrir se existe um mais eficiente.

O método a ser adotado no desenvolvimento da presente pesquisa será o histórico-crítico, a partir de uma perspectiva analítica e comparativa, abordando os temas dentro de uma concepção dialética e, procurando dar tratamento localizado no tempo ao conteúdo objeto do estudo, que é o inquérito policial.

Em termos de fonte de investigação, serão averiguadas e pesquisadas, inúmeras obras referentes ao assunto, bem como jurisprudências e artigos de revistas e internet, além de procurar obter estatísticas junto a Polícia Civil.

No primeiro capítulo serão trabalhadas as garantias constitucionais e a posição do inquérito.

Já no segundo, será discorrido sobre as provas e sua posição no inquérito e no processo, bem como a questão da prova ilícita.

No terceiro capítulo, será feita uma incursão sobre os sistemas investigatórios existentes, que são três, o inquérito policial, o juizado de instrução e o promotor investigador, onde procurar-se-á demonstrar as diferenças e vantagens de um ou outro.

Foi escolhida tal metodologia, porque, como o inquérito é taxado de arbitrário, fazendo-se uma exegese extensiva do termo inquisitorial, pareceu-nos mais adequado e didático, mostrar as garantias constitucionais, as provas e os demais sistemas pré-processuais e traçar um paralelo com a pragmática policial, mostrando que a polícia trabalha, ex vi legis, dentro do princípio da legalidade.


1 O INQUÉRITO POLICIAL

No momento em que ocorre uma infração penal, nasce para o Estado o jus puniendi. Nas palavras de Beccaria "Eis, então, sobre o que se funda o direito do soberano de punir os delitos: sobre a necessidade de defender o depósito da salvação pública das usurpações particulares" (1997, p. 28).

Todavia, o Estado somente poderá punir com o due process of law, consecutado em juízo, o que chama-se de ação penal.

Ocorre que, para que a ação penal, que nasce com a denúncia do Promotor, o Estado deve dispor de um mínimo de elementos, para que se possa materializar o delito e conhecer sua autoria e o instrumento legal, embora não exclusivo [1] é o Inquérito Policial.

Como advoga Filho:

Exceto o caso da Polícia Federal, quanto à Polícia Judiciária da União, o princípio que rege a atividade policial é o da não-exclusividade, ou seja, admite-se que mais de um órgão apure infrações penais, o que, ademais, é de interesse público. (apud Lima, 1997, p. 55)

Posicionando-se contrariamente a exclusividade policial judiciária atribuída, pela Constituição, à Polícia Federal, Weingartner, afirma que "não se nega o sentido técnico da exclusividade conferida, porém ela não subsiste sem que sofra reparos da moderação, através da interpretação". (apud Freyesleben, 1993, p. 135)

No mesmo sentido, todavia, por outra faceta, assevera Lima:

Por outro lado, leis ordinárias especiais, recepcionadas pela nova ordem constitucional, admitem inquéritos conduzidos por outros órgãos que não a Polícia Judiciária, ou os substituem por elementos outros, a saber: na Lei de Falência (inquérito judicial), Lei de Imprensa (exige somente cópia do escrito ou a notificação à emissora), Lei 4.898 (basta a representação), crimes contra a Saúde Pública (inquéritos por autoridades administrativas alfandegárias), e no caso de detecção de prática de crimes em sindicâncias administrativas, cujas cópias deverão ser enviadas ao Ministério Público, para formação de opinio delicti, existindo ainda o inquérito civil, presidido pelo parquet, que v.g., em seu bojo apurar crimes contra o meio ambiente. (1997, p. 56)

Moreira (1992) informa da existência de outros inquéritos, como o judicial, parlamentar, administrativo, trabalhista, entre outros, mostrando, porém, que todos são posteriores ao inquérito policial e, por óbvio, nele inspirados.

Segundo Silva (1996), o inquérito policial tem por escopo a apuração dos fatos, suas circunstâncias e definir sua autoria, com vistas a servir de base à Ação Penal e às providências cautelares.

O Inquérito Policial surgiu em nossa legislação em 20 de setembro de 1871, pela Lei nº 2033, regulamentada pelo decreto-lei nº 2.824, de 28 de novembro de 1871. Está previsto no Código de Processo Penal de 1941, em seu artigo 4º, onde é claramente manifestado que o Órgão encarregado de sua realização é a Polícia Judiciária [2], que será exercida pelas Autoridades Policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

A atividade perscrutória não é uma invenção da modernidade, uma vez que se tem notícia, que desde a remota antigüidade, já existia um processo perquiritório para apuração de delitos, suas circunstância e autoria.

A história registra, segundo o pontificador Coulanges, que "entre os antigos atenienses já se esboçava uma espécie de inquérito para apurar a probidade individual e familiar daqueles que eram eleitos magistrados, dez dos quais – chamados de estínomos – eram encarregados do serviço policial" (apud Mehmeri, 1992, p. 03)

No direito romano, também existia um procedimento investigatório para se apurarem as circunstâncias do crime e identificar e localizar os criminosos, salientando o eminente doutrinador Mehmeri (1992) que tratava-se de uma delegação de poderes feita pelo magistrado à própria vítima ou parentes, que se transformavam em acusadores.

Mais tarde, com a plena publicitação do jus puniendi, é que essa função passou a ser exclusiva de agentes públicos, formalmente revestidos de poderes legais. A partir daí, surgiu o reconhecimento, pelo Estado, que deveria existir um autocontrole, ou seja, limites ao poder de punir. Assim, passou a aceitar a aplicação de uma pena, somente depois de submetido o indiciado a um procedimento, mais ou menos formal, para apuração dos fatos. Como sentencia Mehmeri, (1992) era o amadurecimento da inquisitio.

Em 1882, uma comissão de juristas ilustres, encarregada de elaborar projeto de nova estrutura administrativa da Justiça, propõe, no artigo 18 do projeto, a abolição do Inquérito Policial, com a alegação de que tal peça gerava abuso de autoridade e dificultava mais ainda a defesa do indiciado.

Com a república, restaurou-se o Inquérito Policial, sem no entanto, na década de 30, sofrer, a peça policial, duro golpe, pois, iniciou-se uma campanha para a implantação do juizado de instrução, em substituição ao procedimento administrativo.

Todavia, com a promulgação do nosso Código de Processo Penal, através do decreto-lei nº 3.689, de 3.10.1941, mantém-se a peça policial, como se extrai da exposição de motivos do código instrumental

A justificativa para manutenção do Inquérito, na exposição de motivos do Código de Processo foi argumentada da seguinte maneira:

O preconizado juízo de instrução, que importaria limitar a função da autoridade policial a prender criminosos, averiguar a materialidade dos crimes e indicar testemunhas, só é praticável sob a condição de que as distâncias dentro do seu território de jurisdição sejam fácil e rapidamente superáveis. Para atuar proficuamente em comarcas extensas, e posto que deva ser excluída a hipótese de criação de juizados de instrução em cada sede do distrito, seria preciso que o juiz instrutor possuísse o dom da ubiqüidade"....... "É ele (o inquérito policial) uma garantia contra apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação oral causada pelo crime ou antes que seja possível uma exata visão de conjunto de fatos" (Código de Processo Penal, 2001, ed. Saraiva)

O projeto do CPP, de 1983, mantém o Inquérito Policial nos arts. 211 e seguintes, trazendo algumas inovações, como a criação de uma espécie de instância intermediária, conforme Mehmeri (1992), uma vez que proporciona um trabalho inquisitorial pelo parquet, que poderia inquirir o indiciado, vítima e testemunhas. Hodiernamente, tal concessão está alçada a nível constitucional, já que o Ministério Público, através da Lei Complementar n. 40 de 14.12.1981, possui tal prerrogativa.

Em consonância, doutrina o membro do parquet, Lima, "obviamente, não sendo a Polícia Judiciária detentora de exclusividade na apuração de infrações penais, deflui que nada obsta que o Ministério Público promova diretamente investigações próprias para elucidação de delitos". (1997, p. 84)

No mesmo sentido, consoante magistério de Mirabete, citando vários autores, "tem o Ministério legitimidade para proceder a investigações e diligências conforme determinarem as leis orgânicas estaduais" (apud Lima, 1997, p. 87)

Ainda, há falar nas hipóteses diversas, quando o inquérito policial é dispensado, como nos casos de representação direta ao Ministério Público, pelo ofendido ou pelo juiz, oportunidades em que o MP prescinde do inquérito para denunciar

Todavia, como assevera o doutrinador Mehmeri:

conclui-se que são diversas e peculiares as situações em que a ação penal pode ser deflagrada, seja através de denúncia, seja de queixa, sem que haja necessidade do inquérito policial. Mas em nenhuma hipótese ele é proibido, por isso que nada impede ao denunciante ou queixoso que recorra a ele, se sentir necessidade disso, para fortalecimento das peças acusatórias de convicção. Alguns ilustres doutrinadores chegam mesmo a considerar recomendável que assim se proceda. Outros, até mais exagerados, chegam a sugerir a imprescindibilidade da peça policial". (1992, p. 11)

Corroborando esta citação, Morais, ostentando estatística, afirma que:

Um procedimento básico para a ação penal, pois, tratando-se de peça que carreira os elementos suficientes para a denúncia, não pode o Ministério Público dele prescindir para tal mister (embora alguns "doutrinadores", desavisados, procurem argumentar ao contrário, com exceções, quando a realidade jurídico-forense mostra que mais de 95% (noventa e cinco) dos processos criminais nasceram de inquéritos bem feitos, número que só veio a diminuir recentemente, com a Lei 9.099/95 (art. 77, § 1º). (3) (p. 259, 1999)

Na mesma linha:

Ademais, segundo as estatísticas, constatamos que 99,9% dos condenados pelo Poder Judiciário, em todo o Brasil, tiveram o início pela information delict, oferecida pelo inquérito Policial. A veracidade de tal assertiva poderá ser constatada em qualquer fórum do país. No texto legal observamos que o legislador sabiamente escreveu a palavra base e não, mero. (Bernardo e Santana, 1994, p. 86)

É de fácil percepção que o inquérito policial funciona como um filtro processual, o que lhe traz grande importância, livrando diversas pessoas de uma estigmatização social, um longo e árduo processo penal, como bem assevera Lopes júnior:

A função de filtro processual contra acusações infundadas incumbe, especialmente, à chamada fase intermediária, que serve como elo de ligação entre a investigação preliminar e o processo ou o não-processo. Sem embargo, esse é apenas um momento procedimental em que se realiza um juízo de valor, mais especificamente, de pré-admissibilidade da acusação, com base na atividade desenvolvida anteriormente e no material recolhido. É inegável que o êxito da fase intermediária depende inteiramente da atividade preliminar, de modo que transferimos a ela o verdadeiro papel de evitar as acusações infundadas. (2001, p. 46)

No mesmo sentido:

As finalidades do inquérito policial sob nosso prisma são três: preparatória, preservadora e acautelatória. É preparatória, quando colhe, através da investigação policial, os vestígios, indícios e as provas indiciarias apontando a autoria, e servindo de base à ação penal pública ou privada. É preservadora porque o inquérito preserva o cidadão contra acusações infundadas, protegendo o Poder Judiciário de possíveis erros ou falhas judiciais. É preservadora da "inocência e da justiça", no dizer do mestre em processo penal Joaquim Canuto Mendes de Almeida"

É mais fácil corrigir uma eventual falha no inquérito policial do que tentar sanar um erro judiciário, em razão da inquisitoriedade desse fito legal. Nas marchas e contra-marchas de uma investigação, com o intuito de apurar a verdade real, a autoridade policial e seus agentes muitas vezes tem que direcionar as diligências em outros sentidos. Evitando-se, com isso, o indiciamento prematuro de cidadãos inocentes que poderiam, se não fosse o inquérito policial, com seu caráter inquisitivo, ser levados à barras dos tribunais, causando-lhes constrangimentos irreparáveis, atentatórios à sua dignidade como pessoa humana.

Por outro lado, é uma das mais importantes formas de evitar o descrédito da justiça e os dissabores de um processo criminal infundado contra um cidadão inocente.

A terceira finalidade do inquérito policial é a função acautelatória. Diz respeito as prisões (Bernardo e Santana, 1994, ps. 87-88)

É possível, também, inferir que o inquérito é um procedimento antigo, passível, quiçá, de modificações, porém, indubitavelmente, perfeitamente cumpridor de sua missão, qual seja, de coletar e fornecer subsídios ao promotor, a fim de formar sua opnio delictis, isso, em sentido lato, vez que, estritamente, o inquérito policial, ao carrear provas, até mesmo as chamadas irrepetíveis ou irrenováveis, forma a convicção do promotor. Senão vejamos:

Aliás, encontramos alicerce de sustentação em nossa tese de que o procedimento investigatório preliminar não é mera ou comum peça informativa, mas sim, básica, pois no curso ou no final de uma investigação policial poderá a autoridade representar pela decretação da prisão preventiva do indiciado ao juiz competente. E a autoridade judiciária decidirá pela decretação ou não da referida prisão, tomando por base as fundamentações contidas no inquérito policial. (Bernardo e Santana, 1994, p. 87)

1.1 Características do Inquérito Policial

O Inquérito é um procedimento escrito, consoante artigo 9º do CPP, sigiloso, conforme artigo 20 do mesmo diploma legal, o que significa, no dizer de Mehmeri,

O processo do inquérito Policial deve ser relativamente secreto, para que a autoridade policial tenha a máxima liberdade para agir no desempenho das suas funções, o mais completo possível, e não veja a sua ação burlada pela publicidade e tolhida pela intervenção de estranhos (1992, p. 18);

Ainda é indisponível, como citam Silva e Duarte, "no caso do inquérito policial em que se apura crimes de ação pública, o Delegado de Polícia não pode deixar de instaurar o Inquérito Policial. Ou seja, ele não pode dispor do direito de fazer ou não fazer. Ele deve instaurar o Inquérito Policial". (1996, p.49)

Todavia, quiçá, sua maior crítica, é que o Inquérito é um procedimento eminentemente inquisitório, não admitindo-se falar em contraditório, ampla defesa e devido processo legal, pelo menos formalmente, apesar de existir, em seu curso, no intuito de melhor obter provas concretas, um simplório procedimento contraditório dialético, onde se colhe uma prova e, para melhor acusar o suspeito, faz-se esta espécie de contraditório dialético, bem como escreveu Tovo, em artigo intitulado o Inquérito Policial em sua verdadeira dimensão, "....Em suma, para efeitos incriminatórios, sempre que possível, a verdade há de ser buscada por confrontação dos opostos, ainda que na fase preparatória da ação penal". (p. 322)

Inicialmente, para poder posicionar-se a tal respeito, mister faz-se verificar, doutrinariamente, o que, efetivamente, são esses dispositivos.

Capez, referindo-se ao contraditório, pontifica que :

caracteriza-se como inquisitivo o procedimento em que as atividades persecutórias concentram-se nas mãos de uma única autoridade, a qual, por isso, prescinde, para a sua atuação, da provocação de quem quer que seja, podendo e devendo agir de ofício, empreendendo, com discricionariedade, as atividades necessárias ao esclarecimento do crime e da sua autoria. (1998, p. 69, 70)

A própria Constituição Federal, mantendo essa mesma linha de restrição, exclui o inquérito policial das peças contraditórias, tratadas no inc. LV do art. 5º. "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". (1998, p. 10)

Como se vê, o texto legal somente fala em acusados, e, apesar de alguns doutrinadores defenderem que a garantia é extensiva ao Inquérito, não há unanimidade, pois, na fase policial, somente se fala, inicialmente em suspeito, posteriormente em indiciado. Neste mesmo sentido, advoga Mehmeri,

A menção a acusados em geral exclui o indiciado, posto que no inquérito policial, como já se disse, não há ainda acusação, mas tão-só apuração dos indícios, daí ser o suspeito denominado indiciado, e não acusado. Esta última denominação ficou restrita ao uso nos processos contraditórios" (1992, p. 14).

Neste mesmo prisma, Bernardo e Santana pontificam que "Não podemos esquecer os ensinamentos de Birchmeyer, quando diz que na fase policial da persecutio criminis o réu é simples objeto de um procedimento administrativo, e não sujeito de um processo juridicionalmente garantido" (1994, p. 85)

No mesmo sentido, Bastos pontifica que:

Já sob a Constituição anterior não faltavam aqueles que consideravam extensíveis a esta modalidade de apuração policial os institutos do contraditório e da ampla defesa. Os melhores autores sempre estiveram contudo com a tese oposta.

Sendo o Inquérito Policial um meio de apuração, é muito cedo para que se possa falar em acusados. Aliás, a atividade investigadora sempre deverá partir de alguma pista ou de alguma suspeita. Sobre algumas pessoas mais que sobre outras, recairão as atenções policiais. Haverá por vezes necessidade de ouvir certas pessoas e não outras. Ora, esta mera aragem de suspeição que envolve determinadas pessoas, na fase do procedimento policial, não pode ensejar a utilização dos meios constitucionais de defesa, sob pena de inviabilizar-se a própria atividade policial. (1989, p. 268)

O Inquérito Policial reveste-se de caráter inquisitorial, eis que, a autoridade policial promove, por iniciativa própria ou mediante requisição, as investigações necessárias à elucidação do ilícito penal. Coligidos os primeiros elementos, procede a uma espécie de instrução preliminar, em que ouve as partes, as testemunhas e ainda determina, quando possível, vistorias, exames periciais, etc.

O doutrinador Mehmeri pontifica que:

essas medidas, de iniciativa da autoridade, além de serem expressamente orientadas pelo legislador, limitam-se a ser reunidas, reduzidas a escrito ou datilografadas e encaminhas à justiça como peça de base para deflagração da ação penal. Nega-se-lhe, destarte, o caráter de contraditório. Isso significa que ela não pode investir-se de peça de acusação, e, em conseqüência, não cabe aí qualquer defesa. (1992, p. 12)

No mesmo sentido, advoga Salles Júnior:

O inquérito policial é inquisitivo porque a autoridade comanda as investigações como melhor lhe aprouver. Não existe um rito preestabelecido para a elaboração do inquérito ou andamento das investigações. Estas têm seqüência dependendo das determinações da autoridade em face da necessidade de realização desta ou daquela diligência. O inquérito representa simples informação sobre o fato criminoso e também sobre a identidade do seu autor. Não se sujeita ao chamado princípio do contraditório, próprio do processo penal, em que se apresentam acusação e defesa. (1998, p. 6)

Em consonância, Lima pontifica que:

Não importa que se trate de inquérito policial ou outra investigação criminal, já que o procedimento investigatório sempre poderá se revestir de caráter sigiloso, inexistindo, na espécie, contraditório.

Entretanto, consoante José Antônio Paganella Bosch, ‘o sigilo do inquérito, no interesse público da descoberta do criminoso e da sua responsabilidade penal, não ofende ao princípio constitucional da ampla defesa.

Inexiste aqui restrição à defesa, vez que se trata somente de investigação, sendo que, mesmo na vigência da anterior Constituição, o contraditório era garantido a acusados e não indiciados. (1997, p. 78)

Confirmando esta posição, citamos esta jurisprudência:

A inaplicabilidade da garantia do contraditório ao procedimento de investigação policial tem sido reconhecida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência dos Tribunais RT 522/396), cujo magistério tem acentuado que a garantia da ampla defesa traduz elemento essencial e exclusivo da persecução penal em juízo (STF, RT, 689:439)

Conclui-se, diante destas assertivas, que no momento em que ocorre um delito, nascendo aí, para o Estado, o jus puniendi, este mesmo ente abstrato, através do órgão competente, ou seja, a polícia, larga em desvantagem, pois necessita investigar e colher provas para materializar o delito e identificar sua autoria. Nada mais correto de que o procedimento inicial do processo seja inquisitório, servindo de sistema de freios e contrapesos, equilibrando a sociedade ao anti-social no transcorrer da persecutio criminis, bem como, colaborar na manutenção da "aparente" tranqüilidade social, vez que, através da presença da polícia repressiva nas ruas, ao, incontinenti, chegar nos locais de crime, estará operando a prevenção geral ou controle social.

Para Zaffaroni e Pierangeli, "o controle social se exerce, pois, através da família, da educação, da medicina, da religião, dos partidos políticos, dos meios de massa, da atividade artística, da investigação científica". (1999, p. 61)

Por outro lado, como bem demonstrado, através das citações, alvo está que, em sendo inquisitivo o inquérito, em nada afeta as garantias processuais constitucionais e nem qualquer direito fundamental do ser humano.

1.2Princípios Constitucionais

1.2.1 O devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa

O Inquérito Policial, apesar de ser considerado integrante de uma fase extraprocessual, não deixa de seguir ritos estabelecidos pela Constituição, como o princípio da legalidade, inscrito no artigo 5º, II [4], e tantos outros, positivados, também no Código Instrumental, todavia, não há falar em devido processo legal no inquérito, justamente por ser um procedimento inquisitivo e ainda não existir um efetivo processo penal.

Tais garantias, insculpidas no artigo 5º, LIV [5] e LV [6] da Carta política, são, por alguns doutrinadores, tratadas em conjunto, procedimento que será seguido neste trabalho, para fins didáticos.

Apesar de estarem colocados juntos no imperativo constitucional (art. 5º LV da CF), os doutrinadores classificam separadamente a ampla defesa e o contraditório, sendo este a oportunidade de dar ciência, oportunizar que uma parte contradicte a outra em todos os atos processuais. Bastos leciona que:

O contraditório, por sua vez, se insere dentro da ampla defesa. O contraditório é pois a exteriorização da própria defesa. A todo ato produzido caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou ainda de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. (1989, p.267)

Marques, comentando as novas garantias processuais constitucionais, dá a justa medida destas inovações. Diz ele:

Todavia, malgrado todas essas reformas em que o direito de defesa acabou bastante reforçado na fase preparatória e instrutória (basta dizer que o defensor do réu pode assistir a diversos atos da instrução), a instrução preliminar continua predominantemente inquisitiva, visto que nem mesmo na "instrução formal" existe o contraditório" (apud Bastos, 1989, p. 261).

O Princípio do Ampla Defesa traduz-se, então, na necessidade de se dar às partes a possibilidade de exporem suas razões e requererem a produção das provas que julgarem importantes para a solução do caso penal, em suma, é a bilateralidade das controversas processuais. Melo advoga que

Por ampla defesa deve-se entender o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade. É por isso que ela assume múltiplas direções, ora se traduzirá na inquirição de testemunhas, ora na designação de um defensor dativo, não importando, assim, as diversas modalidades, em um primeiro momento. Por ora basta salientar o direito em pauta como um instrumento assegurador de que o processo não se converterá em uma luta desigual em que ao autor cabe a escolha do momento e das armas para travá-la e ao réu só cabe timidamente esboçar negativas. (apud Bastos, 1989, p. 266)

Já, Bernardo e Santana (1994), asseveram que faculta a Lei à Autoridade Policial, agir com certo arbítrio, e não com arbitrariedade, isto é, com poderes discricionários.

Os mesmos doutrinadores afirmam:

Diante disso, a autoridade policial, com ânimo de neutralidade, eqüidistante das partes envolvidas na ocorrência policial, apreciará os fatos narrados, formando a sua convicção jurídica, se o fato adequa-se à norma penal, se estão presentes os requisitos Constitucionais e processuais à prisão em flagrante.

A autoridade policial diligente primará, quando da apresentação de um indivíduo preso em flagrante, pela observância, se a prisão não ocorreu de forma ilegal, irregular, arbitrária, sob coação psicológica ou física (com abuso de autoridade).

Dentro do poder discricionário da autoridade policial, esta algumas vezes, não encontrando elementos de prova indiciaria, deixará de indiciar, remetendo ao poder Judiciário o inquérito policial nos termos da lei.

Em assim agindo, a autoridade policial estará assegurando a cidadania contra arbitrariedades e constrangimentos. (Bernardo e Santana, 1994, p. 103)

O devido Processo Legal, assegurado na Constituição, no artigo 5º, inciso LIV, assegura a todos o benefício de somente ser processado de forma justa, embasado na lei, a qual disciplina todos os atos processuais, dando maior segurança ao acusado. Como bem ensina Moraes:

O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal). (1997, p. 100)

O doutrinador Pinto, em artigo escrito à revista IBCCrim, ao afirmar que a Polícia Judiciária tem por objetivo a busca da verdade real, advoga que,

Tal busca não pode estar obstaculizada, sendo uma rocha a contrapor a investigação, dentre outras, a implantação, na forma vista no processo judicial, do contraditório e da ampla defesa na fase inicial da persecutio criminis. O inquisitivo há de predominar nesse primeiro momento (1999, p. 255)

Na mesma linha, abstrai-se de uma publicação de Dotti:

A tentativa de transformar a investigação policial em instrumento que atendesse também a garantia constitucional do contraditório, desnaturou a função essencial do inquérito e trouxe conseqüências altamente negativas para a administração da justiça. O exemplo marcante desse desvio se contém na Lei n. 4.611, de 2 de abril de 1965. (Dotti, p. 132)

Continua o autor, "a experiência com esse tipo de inquérito, portanto, revelou-se frustrante quanto aos pretendidos resultados de agilização e eficiência da justiça penal nos ilícitos de circulação" (ibidem, p. 133)

Portanto, como se depreende destes excertos, o inquérito policial não infringe norma constitucional da ampla defesa, haja vista, dirigir-se esta ao processo judicial.

1.2.2 Presunção de inocência

A presunção de inocência, estampada pelo inciso LVII do artigo 5º, ao afirmar que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, dita como regra, de suma importância, que toda pessoa é considerada inocente deste a investigação policial até o final de um processo, quando então, somente será considerado culpado e responsabilizado, caso uma sentença o determine.

Já há muitos anos, ainda em época de absolutismo, Beccaria posicionava-se a respeito, escrevendo que:

Um homem não pode ser chamado culpado antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada. Qual é, pois, o direito, senão o da força, que dá ao juiz o poder de aplicar pena ao cidadão, enquanto existe dúvida sobre sua culpabilidade ou inocência? (1997, p. 61)

A questão da presunção da inocência, obviamente é extensiva ao procedimento policial, paradoxalmente ao contraditório e a ampla defesa, que são inexistentes no Inquérito, mas, neste sentido, advoga Canotilho:

Chama a atenção para o fato de que o rigorismo de interpretação levaria à concussão da própria inviabilidade da antecipação de medidas de investigação e cautelares (inconstitucionalizando a instrução criminal) e à proibição de suspeitas sobre a culpabilidade". (apud Bastos, 1989, p. 277)

Todavia, investigar, ou até mesmo processar uma pessoa, não significa afrontar a este princípio, como indica o magistério de Bastos:

De fato, embora alguém só possa ser tido por culpado ao cabo de um processo com este propósito, o fato é que, para que o poder investigatório do Estado se exerça, é necessário que ela recaia mais acentuadamente sobre certas pessoas, vale dizer: sobre aquelas que vão mostrando seu envolvimento com o fato apurado" (1989, p. 277)

No mesmo sentido, pontifica Moraes, "Dessa forma, há necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal. (1997, pg. 107)

Como bem demonstra Bastos, embora alguém só possa ser considerado culpado no momento em que transitar em julgado um sentença penal condenatória, o fato é que, para que o poder investigatório do Estado se exerça, faz-se mister que se atue de maneira mais saliente sobre certas pessoas, a medida em que vão sendo envolvidas pela própria investigação.

Daí surge uma suspeição que obviamente não pode ser ilidida por medida judicial requerida pelo suspeito, com fundamento na sua presunção de inocência. Esta não pode, portanto, impedir que o Poder Público cumpra a sua tarefa, qual seja: a de investigar, desvendar o ocorrido, identificar o culpado e formalizar esta acusação.

1.2.3 Prisão

Os incisos LXI [7] e LXII [8] trata da questão da prisão, admitindo somente a prisão em flagrante [9] ou por ordem escrita da autoridade, que é o Juiz.

Como ensina Bastos:

O texto constitucional anterior falava tão-somente em autoridade para referir-se ao agente capaz de ordenar a prisão. O texto atual deixa claro que a autoridade há de ser a judiciária. Ficam excluídas, portanto, as prisões para averiguações. É dizer, aquela modalidade de constrição física consistente em ser o mero suspeito levado à delegacia, lá permanecendo preso até que as autoridade policiais levem a cabo a formação da sua convicção. Esta modalidade de prisão está excluída do nosso direito (1989, p. 291/192)

Existe a prisão legítima, sem dúvida. Fundamenta-a muito bem Ferreira Filho:

A sociedade, todavia, para se defender precisa cercar a liberdade física dos que atentam contra as normas essenciais de convivência, prendendo-os. Para atender a essa necessidade cumpre não desvestir o indivíduo de sua segurança. Por isso a prisão somente há de caber em duas hipóteses: a do flagrante delito e a da ordem de autoridade (apud Bastos e Martins, 1988/89, p. 603).

Em consonância:

Explica-se: é uma necessidade. Ou, como dizia Flamand, é um mal necessário. Não se trata de medida arbitrária, mas "que atende ao impulso natural do homem de bem, em prol da segurança e da ordem". Basileu Garcia preleciona que, permitindo a lei se detenha o criminoso no momento em que delinqüi ou acaba de fazê-lo, o Direito sanciona e legitima um impulso natural e necessário de defesa da coletividade, determinado pelo sentimento de repulsa ao procedimento violador das normas de coexistência social. (1997, p. 421)

Em que pese o artigo 301 do Código de Processo Penal Brasileiro autorizar a execução da prisão em flagrante, por qualquer do povo, o que, comumente ocorre, são as prisões efetuadas pelas polícias.

Sob o mesmo ângulo, discorre Costa ao asseverar que:

A Polícia é, indubitavelmente, um dos órgãos pelos quais o Estado exterioriza o poder. É o único setor da Administração Pública autorizado pelo ordenamento jurídico a utilizar a força. (........) O monopólio da força também está com a Polícia, que executa ações determinadas pelo Poder Judiciário, único poder qualificado para determinar, em concreto, constrangimento a alguém. ( 1999, p. 213)

Em consonância com o exposto, a constituição outorga duas espécies, a prisão em flagrante, lavrada pela autoridade Policial e homologada pelo Juiz e a prisão por determinação judicial. Em nada, contrapõe-se o inquérito, uma vez que a prisão em que a Polícia mais pratica atos "processuais" é a do flagrante, permitida constitucionalmente, e a judicial, somente, adstringe-se a cumprir ordem da autoridade competente.

Toda a prisão deverá ser comunicada ao juiz e aos familiares, preceito positivado na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LXV [10], amplamente utilizado no inquérito Policial, o qual, sempre que ocorre uma prisão em flagrante, além de remessa dos autos ao juiz, demonstrando a consecução das formalidades legais, e somente assim há a homologação, ainda, em prazo estipulado no Código de Processo Penal, é o procedimento remetido ao Poder Judiciário. Toda forma de constrição da liberdade física há de ser comunicada ao juiz competente. Este é quem verificará se a prisão ou detenção foi regularmente realizada. É obvio que se tiver ocorrido alguma ilegalidade, o magistrado deverá relaxar a prisão imediatamente. É uma questão estritamente Constitucional, uma vez que o inciso LXV, estipula exatamente esse procedimento.

Senão vejamos

Ao juiz cabe determinar a soltura daquele que, de qualquer forma, for ilegalmente preso. A prisão, aqui compreende tanto a reclusão quanto a detenção. O que cumpre examinar é quando a prisão é ilegal. A resposta vem dada pelos arts. 674 e s. do Código de Processo Penal, que disciplinam os requisitos que devem ser atendidos para a efetuação da prisão (Bastos, 1989, p. 296).

Toda forma de constrição da liberdade física há de ser comunicada ao juiz competente. Este é o que verificará se a prisão ou detenção foi regularmente realizada. É obvio que se tiver havido alguma ilegalidade o magistrado deverá relaxá-la imediatamente.

1.2.4 Defesa negativa

O inciso LXIII [11] do artigo 5º da Constituição Federal autoriza que o preso permaneça calado. Tal direito constitui-se na chamada autodefesa negativa, preconizada por Lopes Júnior

O direito de calar também estipula um novo dever para a autoridade policial ou judicial que realiza o interrogatório: o de advertir o sujeito passivo de que não está obrigado a responder as perguntas que lhe forem feitas. Se calar constitui um direito do imputado e ele tem de ser informado do alcance de suas garantias, passa existir o correspondente dever do órgão estatal a que assim o informe, sob pena de nulidade do ato por violação de uma garantia constitucional. (2001, p. 319)

No mesmo sentido, doutrina Bastos que "O interrogatório do réu constitui, como mais adiante se verificará, só eventualmente meio de prova, erigindo-se ao nível de meio de defesa, sendo, destarte, perfeitamente lícito ao acusado valer-se do direito ao silêncio". (1989, p. 295)

O inciso LXIII, faculta ao preso, ficar calado, ser assistido por um advogado e familiares, preceito amplamente assente no inquérito, uma vez que é invalido o flagrante lavrado sem a presença de advogado e caso, a família deixar de ser comunicada, provavelmente, serão nulo os atos, e o preso, por determinação judicial, certamente será solto.

Advoga Bastos:

O único prejuízo que do silêncio pode advir ao réu é o de não utilizar a faculdade de autodefesa que se lhe abre através do interrogatório. Mas quanto ao uso desta faculdade, o único arbítrio deve ser sua consciência, cuja liberdade há de ser garantida em um dos momentos mais dramáticos para a vida de um homem e mais delicado para a tutela de sua dignidade" (1989, p. 296)

Obviamente que a peça policial respeita tal garantia, até porque, é assente na doutrina que a confissão trata-se apenas de uma prova de valor relativo, devendo, portanto, os investigadores fulcrarem seus trabalhos na obtenção da prova material, deixando, para segundo plano, o depoimento do suspeito.

1.2.5 A identificação dos responsáveis pela realização da prisão e do interrogatório

Pelo inciso LXIV [12], o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório Policial.

Trata-se de dispositivo com o propósito claro de facilitar ao preso meios para uma eventual responsabilização por abuso de poder dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial. Pontifica Bastos que:

A redação do texto admite duas modalidades. Uma consistiria no direito de requerer à autoridade superior a revelação dos nomes dos agentes responsáveis pelos atos referidos, mas muitas vezes o abuso não parte da autoridade superior. Essa mesma poderá estar mal informada. A identificação ganharia um outro significado: tratar-se-ia do direito do preso ver exibidos os agentes possíveis da prática do ato para que ele próprio identificasse visualmente o responsável. Aliás, uma modalidade não exclui a outra. Mas a conveniência de uma lei para resolver de antemão a dúvida seria, inequivocamente, de grande valia. (1989, p. 298 e 299).

Salles Júnior, em sua obra, advoga que:

Especificamente, no ato do interrogatório policial, tem o preso direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório (LXIV). É evidente que a norma constitucional dirige-se a prevenir prisões arbitrárias, bem como interrogatórios com emprego de métodos condenáveis, como a tortura. Em última análise, fica garantida a identificação daquele que procedeu ao interrogatório ou à prisão, para o caso de eventual apuração de ilícito nessa prática. (1998, p. 61)

Como o próprio preceito já estipula, ao falar em interrogatório policial, esta imposição deverá ser observada na confecção de um flagrante e/ou do próprio inquérito, fato, quotidianamente, empregado nas Delegacias de Polícia. Inobstante, toda pessoa chamada a depor num órgão Policial, além de receber uma intimação com o nome do servidor, ainda, nos termos de declarações, sempre consta o nome do responsável pelo interrogatório.

Como vislumbra-se do exposto, não há qualquer hipótese legal, em que a peça policial viole esta garantia.

1.2.6 O princípio da reserva legal

Outra importante garantia constitucional, estampada em nossa Carta magna é o princípio da legalidade ou da anterioridade penal, previsto no artigo 5º, inciso II, bem como no artigo 1º do Código Penal Brasileiro [13].

Tem por escopo, dar garantia a todo homem, uma vez que, somente deverá fazer ou deixar de fazer algo, em virtude de lei anterior e, em hipótese alguma, ao cometer qualquer fato, ser, neste momento, criada uma lei para punir tal pessoa, nullum crimen, nulla poena sine praevia lege.

Nesse sentido, pontifica Delmanto:

Do enunciado do artigo 1º do Código Penal resultam duas regras fundamentais: 1. Da reserva legal (ou legalidade). Somente a lei, elaborada na forma que a Constituição permite, pode determinar o que é crime e indicar a pena cabível. Deve, portanto, ser lei federal, oriunda do Congresso Nacional. 2. Da anterioridade. Para que qualquer fato possa ser considerado crime, é indispensável que a vigência da lei que o define como tal seja anterior ao próprio fato. Por sua vez, a pena cabível deve ter sido cominada (prevista) também anteriormente (2000, p. 4)

Como pontifica Sznick, "(...)Ou seja, pelo princípio da anterioridade a lei baliza o comportamento do cidadão mesmo antes de este se verificar, traçando normas e balizando a sua conduta. A conduta está, portanto, prevista, predeterminada pelo legislador antes mesmo de sua ocorrência" (1993, p. 19)

Corroborando os doutrinadores, interessante a citação de Jurisprudência oriunda do Tribunal de São Paulo.

Fora dos termos formais da lei inexiste crime, pois não se pode concluir, por indução, pela existência de alguma figura penal, sem que a lei a defina expressamente. (TACrSP, Julgados 87/244)

Para que não haja dúvidas quanto a aplicação do princípio em epígrafe, mister é que as leis sejam bem elaboradas, gerando o mínimo possível de margem para exegeses.

Ainda sobre o princípio da anterioridade advoga Sznick que:

Consagra a nova Constituição – a exemplo das anteriores e dentro da tradição brasileira – o princípio da reserva legal, ou ainda, da legalidade que, a nosso ver, nada mais é do que o princípio da anterioridade penal. Reza a Constituição Federal: "Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia criminação legal. (1993, p. 39).

Assim, não há a menor possibilidade do inquérito policial colidir com este pressuposto constitucional, até, pode-se afirmar, muito pelo contrário, o procedimento administrativo não tem o condão de "criar uma lei" e, caso ocorra algo semelhante, evidentemente, estaremos diante de uma arbitrariedade.

A sua abrangência é bastante lata, pois do termo legalidade deflui, desde logo, o fato de a lei preexistir ao comportamento criminoso do indivíduo, e o Inquérito só é instaurado em virtude de ter ocorrido um burlamento à lei, ou seja, segue as determinações impostas pelo legislador.

Pelo princípio da anterioridade a lei baliza o comportamento do cidadão mesmo antes dele se verificar, traçando normas e balizando a sua conduta. A conduta está, portanto, prevista, predeterminada pelo legislador antes mesmo de sua ocorrência.

Mas, por outro lado, o princípio da legalidade prevê o primado da lei em relação às demais fontes e dá primazia, em matéria penal, à lei.

Neste sentido,

É a taxatividade – que, por brevidade, chamaremos pelo clássico nome de princípio da tipicidade – mas que – ao lado de prever em uma fórmula legal a conduta do agente, necessita ter clareza jurídica, ou seja, o princípio da legalidade só pode ser atendido se as normas tiverem clareza, isto é, não contiverem cláusulas genéricas, abrangentes e não devidamente descritivas de condutas criminais (Sznick, 1993, p. 19).

Consagra a nossa Constituição [14], a exemplo das anteriores, e dentro da tradição brasileira, o princípio da reserva legal, ou ainda, da legalidade que, a nosso ver, nada mais é do que o princípio da anterioridade penal.

Dentro desse princípio surge clara, desde logo, uma conclusão: a lei é a única fonte de direito penal. Tem ela precedência sobre as demais, como o costume, a analogia, os princípios gerais do direito, que são inadmissíveis, a não ser favoráveis ao réu.

Advoga Sznick

Do princípio genérico – da legalidade -, defluem o sine praevia lege, da anterioridade; sine lege scripta, ou seja, o primado da lei, o da reserva legal; sine lege stricta, o primeiro consectário é o princípio da taxatividade ou da tipicidade e o outro mais recente, é o princípio da certeza e claridade jurídica, um derivado do princípio da taxatividade.. (1993, p. 24 e 25).

Faz-se mister observar que, como ensina Sznick (1993) a reserva legal não se trata só da lei, mas para maior garantia da lei escrita. É o primado da lei. Tendo a lei um primado em relação às demais fontes, decorre, portanto, como um consectário lógico, a vedação, de um lado, ao costume (mesmo como fonte histórica) e, de outro, à analogia (permitida em bonan part).

A reserva de lei atribui a função de editar lei só ao Legislativo. Exclui, pois, qualquer outra fonte que não a lei.

O Inquérito Policial baseia-se, sem sombra de dúvidas, nos princípios acima expostos, ou seja, na legalidade e na reserva legal, que englobam os demais. Não é cabível e até diria, inimaginável, a Polícia confeccionar um procedimento sem que tenha ocorrido um fato que atinja um imperativo legal, os quais, necessariamente, devem estar tipificados no Código Penal ou nas leis esparsas.

Entendemos que o sistema investigativo vigente, não atentando contra os consagrados princípios constitucionais, ao contrário do que afirmam os críticos, é um bom mecanismo colocado a serviço da perseguição penal, obviamente, necessita ajustes, como adiante comentaremos.

Neste sentido, destaca Moraes:

Na sistemática do Direito Brasileiro, sem a Polícia Judiciária realizando os inquéritos, raríssimas seriam as ocasiões em que os infratores penais prestariam contas à justiça criminal. (está referindo-se as ponderações descritas na exposição de motivos do CPP, com a extensão do território, dificuldades de acesso, etc.) (apud, Mehmeri, 1992, p. 20).

1.2.7.O habeas corpus

Introduzido no Brasil por Dom João VI, em 1821, portanto, aproximadamente cinqüenta anos antes do inquérito, erigindo-se a garantia constitucional em 1891.

Atualmente, constitucionalizado no inciso LXVIII [15], do artigo 5º, de nossa Carta Política, utilizado sempre que houver e se estiver na eminência de algum tipo de cerceamento ilegal da liberdade.

O texto Constitucional não especifica quem pode requerer o habeas corpus. Assim sendo, andou bem a legislação infraconstitucional ao dar uma amplitude quase absoluta ao tema, na dicção do artigo 654 [16] do Código de Processo Penal.

Em conseqüência, pode requerer a medida o próprio paciente ou qualquer pessoa mesmo destituída de capacidade postulatória. Destarte, não importa se nacional ou estrangeira, física ou jurídica, em seu próprio nome ou no de outrem, qualquer um pode impetrar medida de habeas corpus.

A jurisprudência confirma a aplicabilidade do writ, no inquérito, senão vejamos:

Constrangimento ilegal – inocorrência – paciente intimado a depor em inquérito policial – pretendia ausência de justa causa para a instauração do mesmo – inadmissibilidade – Decisão que denega habeas corpus mantida – Inteligência do art. 648, n. I, do Código de Processo penal. A intimação para o inquérito policial não constitui constrangimento ilegal (RT, 424:364).

Constrangimento ilegal – Inexistência – Acusado que se recusa a comparecer à Polícia e prestar declarações em inquérito contra si instaurado – Ameaça de condução coercitiva – Admissibilidade – habeas corpus cassado. No poder legal dos delegados de polícia, iniludivelmente se encontra o de interrogar pessoa indiciada em inquérito, para tanto podendo mandá-lo conduzir à sua presença, caso considere indispensável o ato e o interessado se recuse a comparecer (RT, 482:357).

Vislumbra-se, portanto, que o Habeas Corpus é pacificamente aplicado ao Inquérito, obviamente, por concessão do Juiz, sempre que estiver na eminência ou ocorrer cerceamento, à liberdade, injustamente, de qualquer cidadão, ou seja "defende-a na sua liberdade de locomover-se em razão de violência ou coação ilegal" (Bastos, 1989, p. 312). O remédio é perfeitamente aplicável para trancar inquéritos sem justa causa, consoante, doutrina e jurisprudência acima exposta.


2 Provas

2.1 Conceito, Origem e Evolução:

Outra questão, bastante polêmica, que passaremos a abordar, doravante, é a prova, todavia, mais uma vez, trataremos inicialmente, o conceito do objeto proposto.

Para Capez,

prova é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros, destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação. (1998, p. 237)

Avolio conceitua a prova como sendo o "elemento integrador da convicção do juiz com os fatos da causa, daí sua relevância no campo do direito processual" (1995, p. 20).

Explica Tourinho Filho:

Somente os fatos que possam dar lugar a dúvida, isto é, que exijam uma comprovação, é que constituem objeto de prova. Desse modo, excluem-se os fatos notórios. Provar a notoriedade é tarefa de louco, já se disse. Tanto a evidência como a notoriedade não podem ser postas em dúvida. Ambas produzem no Juiz o sentimento da certeza em torno da existência do fato. Explica Manzini: se um fato é evidente, não pode o Juiz desconhecê-lo, pois sua discricionariedade na valoração da prova se exercita no terreno da dúvida, não se podendo admiti-la no da certeza (1997, p. 222 e 223)

Paradoxalmente, Fernandes, comentando o sistema de Justiça Penal Português, assevera:

Arrancando justamente dessa premissa, também no ordenamento jurídico português o problema angustia, sendo proposta uma adequada composição entre os interesses do argüido e a tutela dos interesses da sociedade representados pelo poder democrático do Estado, a partir do limite intransponível da proteção da dignidade humana. Por outro lado, em se tratando de interesses individuais que não contendam diretamente com a garantia da dignidade da pessoa, ainda que surjam como emanações de direitos fundamentais, admissível é que possam ser limitados em proveito do interesse da funcionalidade. (2001, p. 14)

Avólio, realizando escorço sobre a antigüidade do instituto, afirma que "no sistema da prova legal, a lei deveria determinar concreta e pontualmente os fatos a serem provados, e de que modo, carecendo o juiz de liberdade para julgar, pois só lhe era dado aplicar um mero raciocínio lógico". (1995, p. 20)

O mesmo autor, ensina que a evolução da liberdade dos povos nos regimes políticos, tornou este sistema superado pelo da prova livre, que, a priori, se afigurava mais adequado às novas concepções filosóficas, apresentando, contudo, como assinala Lopes, dois inconvenientes.

Quanto aos meios de prova, nem todos reputam-se lícitos: a dignidade humana e o respeito aos direitos fundamentais deveriam servir de freio às exacerbações probatórias. Por outro lado, no que toca ao momento de valoração da prova, exige-se uma maior preparação em todos os níveis, exatamente para evitar que a liberdade erroneamente utilizada possa conduzir a uma tirania do Judiciário. (apud Avolio, 1995, p. 21)

Se o escopo do direito de ação e de defesa é o de dar ao interessado uma adequada oportunidade de interferir sobre o desenvolvimento e o êxito do julgamento, pareceria evidente que o exercício concreto desse direito seja essencialmente subordinado à efetiva possibilidade de servir-se dos instrumentos apropriados, as provas, com as quais se procura verificar aquele determinado evento.

Nesse sentido, pontifica:

O direito à prova como direito das partes de propor os meios de prova, a que se denominou rechtliches Gehor é fruto de uma decisão proferida em 18.06.57, e concernente a um procedimento civil de natureza inquisitória, proferida por uma corte alemã, destacando, ainda, Avolio, que o "poder atribuído ao Juiz de produzir provas ex officio, não exclui nem torna supérfluo um direito autônomo das partes de propor, por sua vez, meios de prova. (Avolio, 1995, p. 25)

Em julgamento realizado na Itália:

A Corte Constitucional foi chamada a declarar a inconstitucionalidade de normas que colocavam os interessados na impossibilidade de provar a existência ou inexistência de fatos, de cuja verificação dependia o reconhecimento judicial de algumas situações. Como mostra o exemplo de Avolio "a Corte Constitucional italiana, outrossim, preocupou-se não apenas com que não fosse negado ou restasse precluso de maneira absoluta o direito das partes de submeter ao juiz os elementos de prova, também zelando para que tal direito não sofresse limitações ou restrições, "desarrazoadas" ou injustificadas. (Avolio, 1995, p. 28)

No mesmo sentido, cita Avolio, em sua obra:

No intuito de assegurar às partes um papel ativo no processo, a Corte parecia, em substância, orientar-se pelo seguinte princípio geral: "a tutela jurisdicional das situações jurídicas garantidas pelo ordenamento é inconstitucionalmente rejeitada ou limitada ao suprimir-se ou limitar-se à parte o poder processual de representar ao juiz a realidade dos fatos que lhe sejam favoráveis, ou ao negar-se ou restringir-se o direito de exibir os meios representativos daquela realidade". (1995, p. 28)

Princípio assente no direito penal é o princípio da verdade real, pelo qual se deve reconstruir a história, com o intuito de demonstrar a existência do crime e de sua autoria.

Em consonância, o magistério de Tourinho Filho:

Vigorando no Processo Penal o princípio da verdade real, é natural não deva, em princípio, haver qualquer limitação à prova, sob pena de ser desvirtuado aquele interesse do Estado na justa atuação da lei. A atitude do Juiz no cível, doutrina Dellepiane, é, em certo modo, passiva, e a prova reveste, então, o caráter de uma confrontação. No juízo criminal é diferente. Não se achando em presença de verdades feitas, de um acontecimento que se lhe apresente reconstruído pelas partes, está obrigado a procurar, por si mesmo, essas verdades. (1997, p. 226)

2.2 Constrições à produção de provas

Apesar de não existir constrições a produção das provas, pode-se afirmar que o princípio da liberdade probatória não é absoluto, como ensina Capez:

No código de Processo Penal, vislumbram-se, dentre outras, as seguintes limitações ao princípio da liberdade dos meios de prova: art. 155, que manda observar as mesmas exigências e formalidades da lei civil para a prova quanto ao estado das pessoas (casamento, morte e parentesco são situações que somente se provam mediante as respectivas certidões); art. 158, que exige o exame de corpo de delito para as infrações que deixarem vestígios (não transeuntes), não admitindo seja suprimido nem pela confissão do acusado; art. 406, § 2º, que proíbe a produção de prova documental na fase de oferecimento das alegações escritas, no procedimento do júri; art. 475, vedando, durante os debates em plenário, a produção ou leitura de qualquer documento, ainda que essencial, se não tiver sido cientificado à parte contrária com, no mínimo três dias de antecedência; e a inadimissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos - CF, art. 5º, LVI – (1998, 245)

Tourinho Filho ensina que:

(.....) Logo, não há qualquer impedimento à produção de outras provas além daquelas indicadas nos arts. 158 a 250 do estatuto processual penal. O veto às provas que atentam contra a moralidade e dignidade da pessoa humana, de um modo geral, decorre de princípios constitucionais e, por isso mesmo, não pode ser olvidado. (1997, P. 227)

Temos no Direito Penal o ônus da prova, e não a obrigatoriedade, uma vez que a parte produz se quiser, ou, caso contrário, deixar de produzir, não estará transgredindo qualquer norma, no máximo estará obtendo, voluntariamente, um prejuízo processual. Todavia, tais considerações não devem ser confundidas com a obrigação do acusado defender-se, como ensina o magistério de Capez :

Questão interessante refere-se ao fato da lei penal obrigar o acusado a se defender. Contudo, em que pese essa exigência, não tem o condão de desfigurar o ônus probatório, uma vez que os atos defensórios necessários, como a presença às audiências, alegações finais etc., não se confundem com a faculdade de produzir provas, até porque é perfeitamente possível que a inércia seja a melhor estratégia de defesa". Portanto, continua o mesmo doutrinador, "a prova da alegação (onus probandi) incumbe a quem a fizer (CPP, art. 156, 1ª parte). Exemplo. Cabe ao Ministério Público provar a existência do fato criminoso, da sua realização pelo acusado e também a prova dos elementos subjetivos do crime (dolo ou culpa); em contrapartida, cabe ao acusado provar as causas excludentes da antijuridicidade, da culpabilidade e da punibilidade, bem como circunstâncias atenuantes da pena ou concessão de benefícios legais. Caso o réu pretenda absolvição com fulcro no art. 386, I, do Código de Processo Penal, incumbe-lhe ainda a prova da "inexistência do fato" (1998, p..243)

2.3 Confissão

Em matéria de prova, outra questão bastante controvertida é a chamada confissão, uma vez que pode ser obtida por coações ou até mesmo por questão subjetiva do confitente, o qual, por algum motivo, terá o intuito de assumir a autoria de um delito, ou para centralizar os focos da imprensa, por exemplo, em si, ou para livrar o verdadeiro acusado.

Confissão é a aceitação, pelo réu, dos fatos que lhe são imputados, em um processo penal. Pode também ser a declaração voluntária, feita pelo acusado.

Hoje, o valor da confissão é bastante discutido, principalmente pelas questões acima expostas. Para Silva e Duarte:

O silêncio do acusado não pode ser considerado como prova de responsabilidade penal, pois a Constituição Federal deu a todos os acusados o direito de permanecerem calados. A confissão possui valor como mais um elemento no conjunto da prova; isoladamente é um mero indício. (1996, p. 129)

Sobre a confissão, a Jurisprudência traz o seu valor:

As confissões perante a autoridade policial, desde que em harmonia com elementos probatórios, podem servir de alicerce à convicção do julgador quanto à responsabilidade criminal do confidente, não bastando a retratação pura e simples para invalidá-la. (RT 429:378)

2.4 Provas no Procedimento Policial

Como o objeto central desde trabalho é o Inquérito Policial, por óbvio, não poderia deixar de tecer considerações acerca da prova indiciaria, ou seja, toda circunstância conhecida e provada, a partir da qual, mediante raciocínio lógico, pelo método indutivo, obtém-se a conclusão sobre um outro fato. A indução parte do particular e chega ao geral. Assim, nos indícios, a partir de um fato conhecido, deflui-se a existência do que se pretende provar. Aplica-se o chamado silogismo.

Ensinam, Silva e Duarte, que indício:

É aquele fato que se une a outro em uma relação tão íntima que o julgador chega de um a outro por uma conclusão natural. São os sinais do crime. Sozinhos não podem levar o réu a condenação. (1996, p. 132)

O pontificador Coelho advoga que:

Há que se considerar que o termo "indício" pode ser empregado num sentido amplo e num sentido estrito. Lato senso ele pode assentar-se em qualquer outra prova, como, por exemplo, no ato ou pormenor relatados por uma testemunha; estrito senso, porém, seriam dados objetivamente perceptíveis, como rastro, pegada, impressão digital, mancha de sangue ou qualquer outra peça de convicção ou mesmo circunstância que possa ter relação com o fato probando. (1996, p. 51).

Para Tornaghi " O indício é o sinal demonstrativo do crime (signum demonstrativum delicti); mas para que demonstre algo precisa ser conhecido e provado". (1997, p. 459)

A prova indiciaria está prevista em nossa legislação, especificamente no Código de Processo Penal, em seu artigo 239 [17].

Normalmente os indícios são colhidos pela Polícia Judiciária, encarregada das investigações preliminares, conforme determina o artigo 6º do CPP. Todavia, destes indícios, somente poderá resultar no indiciamento técnico, quando efetivamente existir a prova indiciaria, para, posteriormente, prosseguir-se no processo, com a denúncia e até mesmo, ainda que controvertida, condenação, como acima exposto, baseada em indícios.

De pleno acordo com a assertiva acima exposta, Gomes Filho ensina:

(.....) Na prática, entretanto, as informações colhidas nessa fase administrativa acabam por ser determinantes, não somente para tal finalidade, mas também para o juízo de admissibilidade da acusação, para a adoção de medidas cautelares, e mesmo como subsídio para a condenação ou absolvição do acusado, quando, de qualquer modo, confirmadas na instrução contraditória, sem contar, ainda, que determinadas provas, como as periciais, por sua natureza urgente, já são realizadas definitivamente no inquérito, sujeitando-se apenas a um controle contraditório a posteriori, nem sempre efetivo e suficiente para a garantia da defesa. (1997, p. 144/145)

Se para ocorrer um indiciamento em inquérito policial, os indícios devem ser sérios e veementes, como os classifica Walter Coelho (1996), quando da decretação de cautelares, como prisões e seqüestro, os indícios devem ser graves e veementes.

Pontifica o mesmo autor, já na esfera judicial:

É obvio que, tanto no caso da prisão preventiva, como nas medidas assecuratórias de natureza patrimonial (seqüestro de bens), se suscitadas ou decretadas na fase judicial, nelas dever-se-á atentar para os mesmos critérios probatórios já enfatizados em tais remédios cautelares, quando incidentais na fase policial. Desnecessário, pois, aqui repetir e ressaltar a seriedade e o peso de que deve revestir-se, nessas hipóteses, a prova, inclusive indiciária, que permita alicerçar essas medidas excepcionais. (1996, p. 120)

Corroborando nossas assertivas, quanto a prova carreada no inquérito, ou seja, os indícios, encontramos suporte em matéria publicada no jornal Zero Hora, publicada em 14 de junho de 1993, sob o título "Paulo Lacerda, o caçador de corruptos", de autoria do jornalista Oswaldo Buarim Júnior.

Brasília – A investigação inteligente, amparada em computadores, perícias e documentos obtidos com a quebra do sigilo fiscal e bancário dos acusados é hoje a nova marca da Polícia Federal. O responsável pela mudança de orientação no trabalho é um goiano de fala mansa, criado no Rio de Janeiro, e que nem sempre encarnou o perfil de detetive cerebral eternizado nos romances policiais ingleses. "Paulo Lacerda já encarou muito bandido", testemunha o delegado Mário Cassiano Dutra, coordenador de polícia em Brasília, ao recordar o tempo em que o presidente do inquérito sobre o esquema PC era seu colega na Delegacia de Repressão ao crime Organizado na Baixada Fluminense, no Rio.

Foi nesta época que o delegado Paulo Lacerda, 46 anos, tornou-se um especialista em corrupção. Passou da repressão ao crime organizado a coordenador regional judiciário, encarregado dos processos disciplinares contra agentes federais envolvidos em irregularidades no exercício da profissão. "Policiais corruptos faziam ameaças a Lacerda e à sua família, mas isso nunca o intimidou", lembra Cassiano. Do Rio, o Delegado saiu para encarar outro cargo difícil: foi nomeado superintendente da Polícia Federal em Rondônia, onde o garimpo e o tráfico de drogas misturam-se a invasões às reservas indígenas.

O trabalho sobre o esquema PC resultou em mais de 70 mil páginas de depoimentos e documentos recolhidos. São 34 inquéritos, todos supervisionados por Paulo Lacerda. Deles, 16 já foram concluídos e entregues à justiça, sendo que os envolvendo Collor e a ex-Ministra da Economia Zélia Cardoso de Mello estão no Supremo Tribunal Federal.

Um total de 1.200 volumes e 146 indiciamentos. Paulo César Farias é acusado em 19 dos processos, e seu sócio e piloto Jorge Bandeira de Mello, em 13.

Artifícios – No inquérito que enquadrou o ex-presidente Fernando Collor em crime de corrupção passiva, as pressões não chegaram a importunar Lacerda. Embora algumas autoridades procurassem-no para saber do envolvimento de Collor, o delegado, segundo relata um amigo, safava-se sem grandes dificuldades. Aborrecido mesmo, Lacerda fica com os advogados, que usam todos os artifícios imagináveis para livrar seus clientes da sala do final do corredor do quarto andar, na sede da Polícia Federal em Brasília.

O momento mais tenso para Paulo Lacerda no caso PC foi o início do inquérito. A CPI do Congresso ainda engatinhava e os deputados e senadores recorriam freqüentemente à Polícia Federal para aprofundar as investigações. "O trabalho começou por cima, pelas autoridades, ao contrário dos demais inquéritos", avalia o assessor de imprensa da PF, Paulo Marra. Apaixonado pelo caso, Lacerda recusou o cargo de professor da Escola Superior de Guerra (ESG), em 1990, e mudou-se para Brasília.

Cavalheiro – O trabalho do pessoal que se especializou em corrupção e sonegação de impostos na investigação do caso PC será aproveitado para a criação de um novo setor na Divisão de Polícia Fazendária. "O Know-how de Lacerda será aperfeiçoado. Ele fez um trabalho exemplar que não pode ser perdido", afirma Cassiano. Cerca de 20 agentes e peritos trabalham hoje com Lacerda, que além do inquérito principal supervisiona o trabalho dos demais delegados envolvidos. ""a corrupção é o mal maior do país e este trabalho não pode ser desperdiçado"" afirma o delegado.

Discreto, Paulo Lacerda não dá entrevista e não gosta de ser fotografado. E é respeitado pelas autoridades que acusa, como o advogado Cláudio Vieira, ex-Secretário particular de Collor lembra do episódio em que desmarcou dois depoimentos e depois foi visto participando de uma regata em Fernando de Noronha. Lacerda não se abalou: marcou o depoimento pela terceira vez e efetivou os indiciamentos. (apud Bernardo e Santana, 1994 p.96-97)

2.5 O valor probante do inquérito policial

Capez advoga que:

A prova indiciaria é tão válida como qualquer outra – tem tanto valor como as provas diretas -, como se vê na exposição de motivos, que afirma inexistir hierarquia de provas, isto porque, como referido, o Código de Processo Penal adotou o sistema da livre convicção do juiz, desde que tais indícios sejam sérios e fundados. (1998, p. 287)

Tornaghi sustenta que "No sistema da livre convicção não há regras preestabelecidas para a avaliação da prova indiciaria. O juiz forma seu convencimento normalmente". (1997, p. 463)

Apesar de, aparentemente, o mesmo doutrinador discordar, sustenta, em sua obra, que existem julgados que dão supedâneo a possibilidade de condenação por prova indiciaria, afirmando, Fernando Capez, que tal deve ocorrer, tão somente, excepcionalmente.

Em consonância com tal assertiva, Coelho doutrina:

Numa visão abrangente, pode-se afirmar que três são as maneiras ou caminhos que levam o juiz a alicerçar suas convicções: (.....) 3. Chegando à verdade, por via racional, ao inferir dos fatos conhecidos (indícios) os fatos desconhecidos que carecem de comprovação. (1996, p. 49)

Silva advoga que:

Como ensina Júlio Fabrini Mirabete, em Processo Penal, 1991, Ed. Atlas, p. 77, que dada "a instrução provisória, de caráter inquisitivo, o inquérito policial tem valor informativo para a instauração da competente ação penal. Entretanto, nele se realizam certas provas periciais, que, embora sem a participação do indiciado, contêm em si maior dose de veracidade, visto que nelas preponderam fatores de ordem técnica que, além de mais difíceis de serem deturpados, oferecem campo para uma apreciação objetiva e segura de suas conclusões. Nessas circunstâncias têm elas valor idêntico aos das provas colhidas em juízo. O conteúdo do Inquérito, tendo por finalidade fornecer ao Ministério Público os elementos necessários para a propositura da ação penal, não poderá deixar de influir no espírito do juiz na formação de seu livre convencimento para o julgamento da causa, mesmo porque integra os autos do processo, podendo o juiz apoiar-se em elementos coligidos na fase extrajudicial. Como bem assinala Silvio Di Filippo, de acordo com o princípio do livre convencimento que informa o sistema processual penal, as circunstâncias indicadas nas informações da polícia podem constituir elementos válidos para a formação do convencimento do magistrado. Certamente, o inquérito serve para colheita de dados circunstanciais que podem ser comprovados ou corroborados pela prova judicial e de elemento subsidiário para reforçar o que for apurado em juízo. Não se pode, porém, fundamentar um decisão condenatória apoiada exclusivamente no inquérito policial, o que contraria o princípio do contraditório. (Silva, 1996, p. 57)

Ainda, sobre o valor probante do indício, (1996) advoga que, nos casos do artigo 134 [18] do CPP, basta que os indícios sejam da certeza da infração e não apenas quaisquer indícios de pouca monta ou expressividade.

Já nos casos de pronúncia, ensina o doutrinador que, "curiosamente, neste caso, a lei apenas menciona "indícios de que o réu seja o seu autor, deixando de qualificá-los como veementes, tal como o fazia a antiga legislação processual" (Coelho, 1996, p. 120).

Há que se destacar, que as perícias, como provas não renováveis, sobrevivem à fase preliminar e valem como prova na ação penal. Por isso, advoga Mehmeri (1992) que, alguns doutrinadores não aceitam a tese de que o inquérito seja mera peça informativa, processo administrativo. Dentre eles, cita Moraes:

peça de competência da Polícia Judiciária – diz ele – tem o inquérito policial elementos de inegável efeito judiciário, destacando-se – como bem o demonstra o Prof. Cândido Mendes – os autos de prisão em flagrante delito, os exames de corpo de delito, as prestações de fiança, etc. (apud Mehmeri, 1992, p. 13)

Empolgado com o respaldo que lhe dão ilustres juristas internacionais, prossegue:

Mittermaier, mostrando que a sentença sobre a verdade dos fatos da acusação tem por base a prova, conclui que é sobre esta que versam as prescrições legais mais importantes em matéria de processo criminal. E perguntamos: entre nós, onde são colhidas as provas materiais, em geral, perenes e imutáveis, senão no inquérito policial? (Mehmeri, 1992, p. 13).

Já, Silva (1996), ensina que as provas obtidas no curso da instrução criminal é que servirão de base para a prolação da sentença. Mas, como estas provas são quase as mesmas produzidas no inquérito, somente serão mais acuradamente coligidas e repetidas em juízo, onde é observado as garantias constitucionais.

Moraes (1999), utilizando-se de estatísticas, demonstra que mais de 95% do processos criminais no brasil, resultam de denúncia embasada em inquérito Policial.

Este mesmo doutrinador assevera que:

Daí porque o juiz penal, em muito, se dirige pelos meios de provas constantes do inquérito, ao receber ou rejeitar a acusação; ao decretar a prisão preventiva ou conceder a liberdade provisória; ao determinar o arresto, seqüestro e o confisco de bens, por exemplo. (Moraes, p. 259, 1999)

No mesmo sentido, escreve que:

Pode-se dizer até, tomando por base a realidade jurídico-forense brasileira, que mais de 80% da Justiça Criminal se deve ao elementos constantes no inquérito policial. (Aliás, nos casos de homicídio – envolvendo o que de mais precioso tem o ser humano: a própria vida

-, e também nos casos de crimes graves, como estupro, roubo, furto qualificado, estelionato, tráfico de drogas e contrabando, esse número é de 100%, como provam os arquivos e as publicações especializadas do Judiciário). É só pesquisar a respeito. A ciência não mente. (Ibdem, p. 263)

A Jurisprudência confirma o valor probante do inquérito, senão vejamos:

É perfeitamente admissível que uma condenação criminal se arrime apenas na prova colhida na fase policial, já que o vigente CPP pôs termo à hierarquia das provas, não ficando o juiz subordinado a nenhum critério apriorístico para apurar através delas a verdade material. (RT, 444:409).

Ao cabo de mais este capítulo da presente monografia, cabe fazer uma breve avaliação sobre o valor probante da prova indiciaria, escorrida neste excerto.

Como já mencionado, considerando todo o discorrido, pode-se, seguramente, concluir-se que as condenações penais devem basear-se no conjunto probatório, dentre os quais, os indícios obtidos no inquérito, como bem salienta Coelho, corroborando, com argumento de autoridade, nossa assertiva.

E será da concordância e convergência de todos os indícios (policiais ou judiciais), bem como do derradeiro entrosamento e harmonia com as demais provas coligidas, que se poderá alcançar a almejada verdade fática ou a dúvida invencível (1996, p. 130)

Apesar de muitos pontificadores alegarem que o inquérito está alijado de valor probatório, é possível, também, encontrar diversos autores que discordam de tal posição, eis que, afirmar que o juiz não pode condenar um acusado, baseado em provas coletadas no procedimento pré-processual, nos parece incorreto, pois, a doutrina e a jurisprudência, aceitam que o juiz, baseado no livre convencimento, sistemática adotada pelo Código de Processo Penal, que aboliu a hierarquia das provas, possa um juiz, explorando o conjunto probatório, portanto, valorando a prova inquisitorial, prolatar uma sentença condenatória.

Neste sentido, Nogueira:

(...) não se pode ser extremista, negando validade ao inquérito policial só porque o acusado retratou em juízo sua confissão, ou porque alguma testemunha deixou de confirmar suas declarações policiais. (....) O inquérito policial é, assim, uma peça de relativo valor, que deve ser examinado no seu todo, em face do conjunto probatório, e não apenas com referência a determinada prova" (apud. Mehmeri, 1992, p. 23)

Conclui-se que, apesar de alguns doutrinadores defenderem a existência de uma condenação baseada em indícios, corroborados por jurisprudência, que o ideal seja a harmonização de todo o conjunto probatório, ou seja, a avaliação, no momento da sentença, de todas as provas, para poder obter-se um maior grau de certeza e, consequentemente, justiça na aplicação da sanção.

2.6 Provas ilícitas

Antes de encerrar a questão da prova carreada pelo procedimento policial e levada a esfera judicial, não poderia deixar de referir-se as provas ilícitas, proibidas pela Constituição, previstas no inciso LVI [19].

Obviamente, tal proibição, impõe-se também ao Inquérito. Como já se disse, o Inquérito deve atuar, eminentemente dentro da lei, e assim, jamais poderia produzir provas ilícitas, sem o menor embasamento lógico, o que seria, até mesmo uma afronta a cultura e ao bom censo, tanto dos Policiais, quanto dos demais partícipes do processo penal.

Propício é o ensinamento de Grinover, Fernandes e Filho:

É por isso que a investigação e a luta contra a criminalidade devem ser conduzidas de uma certa maneira, de acordo com um rito determinado, na observância de regras preestabelecidas. Se a finalidade do processo não é a de aplicar a pena ao réu de qualquer modo, a verdade deve ser obtida de acordo com uma forma moral inatacável. O método através do qual se indaga deve constituir, por si só, um valor, restringindo o campo em que se exerce a atuação do juiz e das partes. (1997, p. 128)

Gomes Filho ensina que:

Especialmente na área criminal, em que se cuida de restaurar a ordem violada pelo delito, seria inconcebível que o Estado, para impor a pena, se utilizasse de métodos que não levassem em conta a proteção dos mesmos valores tutelados pela norma material. Semelhante contradição comprometeria o próprio fundamento da sanção criminal e, em conseqüência, a legitimação de todo o sistema punitivo. (1997, p. 99)

Para Bastos (1997) é que o direito não pode ser compartimentado e dividido em blocos estanques. De um lado haveria a geração da prova, arcando o seu responsável com todas as penas resultantes do ilícito praticado, e do outro estaria o interesse processual em descobrir a verdade.

Esta cisão nunca pode ser absoluta porque o direito visa a regular os comportamentos sociais e a defender certos valores, onde quer que eles se encontrem.

Assim, uma prova, por exemplo, obtida de forma violenta, com a utilização, inclusive de tortura, nunca seria aceitável sem que com isto nós estivéssemos de alguma forma convalidando a própria tortura.


3.SISTEMAS INVESTIGATÓRIOS

Direito Comparado

3.1.Investigação Policial (inquérito)

A Polícia Judiciária realiza as investigações, sob o comando de um delegado de polícia, com o intuito de recolher e materializar provas para a formação da opinio delictis do promotor, o qual poderá, após análise do procedimento administrativo, requisitar diligências à autoridade policial ou efetivar a denúncia, ou ainda, requerer o arquivamento.

Após a denúncia, levada a cabo pelo promotor, as provas são repetidas, ou, tecnicamente, judicializadas.

Como bem ensina Lopes Júnior (2001), é a Polícia que praticará, ela mesma, as provas técnicas que julgar necessárias, decidindo também quem, como e quando será ouvido.

Todavia, muito salutar, é a sistemática de representação por medidas cautelares, que deverá ser dirigida ao Magistrado, evitando-se assim, constrições aos direitos fundamentais, o que poderia ocorrer, uma vez que no momento da chegada ao local de crime, ou mesmo durante uma investigação, serve como garantia contra juízos formados quando ainda persiste a trepidação moral causada pelo crime, como salienta Mehmeri (1992).

Pontifica Lopes Júnior que:

É importante destacar que neste sistema a polícia não é um mero auxiliar, senão o titular (verdadeiro diretor da instrução preliminar), com autonomia para dizer as formas e os meios empregados na investigação e, inclusive, não se pode afirmar que exista uma subordinação funcional em relação aos juízes e promotores. (2001, p. 57)

Dentre as vantagens de delegar-se a investigação preliminar à polícia está a economia para o Estado, a celeridade na identificação da autoria dos delitos e a amplitude da presença policial, a chamada prevenção geral ao crime, pois, dúvida não há, que a polícia pode atuar nos mais difíceis confins deste nababesco país, desde os grandes centros até os mais distantes povoados, fato que confere a presença policial, a efetividade da persecução, como o próprio processualista Lopes Júnior inscreve

Em teoria, a atividade policial é mais célere, não só porque a polícia chega mais rápido no local do delito (está em todos os lugares), senão também porque, ao estar "mais próxima do povo", conduz a investigação de forma mais dinâmica". Além do mais, manter Juízes ou Promotores como titulares da investigação, necessariamente, teria-se que manter um efetivo policial, pois, nenhum dos dois pode desenvolver a atividade investigatória sem o auxílio policial". (2001, p. 59)

No mesmo sentido, pontifica Moraes:

Na sistemática do Direito Brasileiro, sem a Polícia Judiciária realizando os inquéritos, raríssimas seriam as ocasiões em que os infratores penais prestariam contas à Justiça Criminal. (apud Mehmeri, 1992, p. 20)

Nestes dias de extrema violência, mesmo com a Polícia presente nas ruas, com certeza, pior seria a situação sem ela, pois, como bem aponta Figueiredo Dias e Costa Andrade, em sua obra, criminologia, "a polícia é o símbolo mais visível do sistema formal de controle da criminalidade, e, em regra, representa a first-line enforcer da norma penal".

Com isto, quer-se dizer, que a Polícia na rua é sinônimo de prevenção, a polícia, ao atender uma ocorrência, está fazendo a prevenção, a polícia, ao chamar alguém na delegacia, está fazendo a prevenção geral, que inicia, mesmo que simbolicamente, pois, para prevenir, basta estar presente, basta a chegada da Polícia no local do delito para obstruir a ocorrência de outros crimes.

Neste sentido:

Por força do art. 219 a Polícia Judiciária "deve, inclusive por iniciativa própria, tomar conhecimento dos crimes, impedir que tenham maiores conseqüências, assegurar-lhes a prova, procurar os culpados e colher todos os elementos que sirvam à aplicação da lei penal"; já na França o Código de Instrução Criminal (Code d’Instruction Criminelle) "é o pai da maioria dos diplomas processuais penais da Europa e mesmo do mundo", permitindo à Polícia Civil a prática de atos de polícia judiciária. (Bernardo e Santana, 1994, p. 82)

Por outro lado, está concretamente provado que, seja qual for o sistema preliminar de investigação, quem perquiri é a polícia. Senão vejamos:

Segundo Armenta Deu, foi constatado em um estudo realizado pelo Instituto Max-Plank, no ato de 1978, que nos países que já adotam a investigação a cargo do promotor, como, por exemplo, Alemanha, na grande maioria dos casos, a instrução preliminar era realizada pela polícia e o promotor só tomava conhecimento do realizado depois da conclusão das investigações policiais. O promotor investiga muito pouco pessoalmente e, na prática, não pode modificar substancialmente o resultado da atuação policial, pois esta já chega concluída – caráter inibitório. Segundo a autora, é um prática habitual que a investigação recaia, quase que exclusivamente, na polícia, limitando-se o promotor a uma mera revisão formal posterior. (apud, Lopes Jr. 2001, p. 88)

Em consonância, com o texto, supra exposto:

Por fim, cumpre destacar que alguns sistemas formalmente judiciais ou a cargo do MP são em realidade levados a cabo pela polícia, ou seja, ocorre uma degeneração que coloca uma vez mais em evidência o conflito entre efetividade e normatividade do direito. (ibdem. 2001, p. 58)

Costa, em excerto publicado, advoga que:

Há atividades tipicamente policiais e muitas vezes imprescindíveis à apuração do crime e da autoria, que não constam das atribuições do MP. Seus membros não foram e não são preparados para elas, não se submetem a provas físicas para ingressar na carreira, não recebem aulas para utilização de armas de fogo. O MP tem poder de requisição, previsto na Constituição e nas leis. Pode investigar, até mesmo em função da titularidade da ação penal de iniciativa pública. Mas precisa da polícia quando necessário abandonar a compreensão intelectual do delito, para alcançar o corpo de delito verificado na realidade. (1999, p. 218)

Além do mais, o Inquérito não é um procedimento exclusivo da nação brasileira, senão vejamos:

Escreve o mestre em processo penal, insigne doutor Bismael B. de Moraes: ‘procedimentos semelhantes ao nosso, para maior segurança da ação penal existem noutros países, embora com denominação diversa: Procedimento Preliminar ou Processo de Investigação (Alemanha); Instrução Preparatório ou Corpo de Delito (Portugal); Averiguação prévia (México); Investigação Preliminar (China). (Bernardo e Santana, 1994, p. 82)

Outra crítica que não pode ser aceita é a de que a Polícia somente investiga, com efetividade, as classes menos abastadas. Como o poderia, se, necessariamente, o Promotor terá vistas ao feito e, caso necessário, poderá solicitar diligências e até mesmo solicitar a responsabilização por algum ato doloso praticado por policiais, na condução de um inquérito, envolvendo pessoas influentes e abastadas.

Também, em nossos dias, é bastante efetivo e procurado pela população, as promotorias, para denunciar possíveis abusos praticados por policiais, os quais, atualmente, em sua maioria, possuem o entendimento de que de nada adianta obter provas ilícitas, confissões forjadas, se não corroboradas pelas verdadeiras provas, além do mais, são bastante conscientes de que poderão vir a ser responsabilizados por atentados aos direitos fundamentais.

As academias de Polícia ministram exaustiva carga horária de temas relativos aos direitos fundamentais, ao direito de defesa do suspeito, positivados na Constituição, como o de permanecer calado e de apresentar-se com advogado, situações fáticas, bastante comuns, atualmente, no interior das Delegacias de Polícia.

Enfim, a Polícia somente pode atuar dentro do princípio da legalidade, não podendo ser arbitrária, tratar as pessoas com desprezo aos direitos humanos, fazer do inquérito um instrumento totalmente abusivo, até mesmo porque sofre o controle dos Promotores, custus legis, dos juízes e das entidades dos direitos humanos e até das próprias partes.

3.1.2.Polícia Judiciária Gaúcha – dados estatísticos

Dados estatísticos, relativos ao ano de 2001, obtidos junto ao DIPLANCO (Departamento de planejamento da Polícia Civil Gaúcha), mostram o desempenho da corporação, bem como as principais dificuldades enfrentadas para a realização de seu trabalho.

Quadro Sinóptico:

Mandado prisão recebidos Judiciário

6.238

Mandados prisão atendidos

3.012

Prisões preventivas decretadas

1.252

Prisões temporárias decretadas

1.196

Inquéritos instaurados

116.980

Inquéritos remetidos

93.301

Inquéritos baixados

8.947

Termo Circ. Instaurados

196.370

Termo Circ. Remetidos

190.743

Termo Circ. Baixados

6.191

PAAI instaurados

21.200

PAAI remetidos

21.118

PAAI baixados

573

Flagrantes elaborados

9.486

Flagrantes homologados

8.412

Total de presos

10.394

Policiais em cartório

1.599

Policiais em investigação

1.108

Policiais em plantão

1.086

Outros setores

870

Total de Policiais

5.584

Total previsto

9.454

3.2 O juiz instrutor

Na atual sistemática brasileira, o juiz, ao conduzir o processo, a rigor, como ensina Capez (1997) não é sujeito processual, mas o Estado-Juiz, em nome do qual atua.

Conduz os procedimentos processuais como sujeito imparcial, cuja razão de estar no processo reside na realização pacífica do direito material penal, que, como se sabe, não pode ser voluntariamente aplicado pelas partes, o juiz coloca-se super et inter partes, isto é, substituindo a vontade destas e dizendo, no caso concreto, qual o direito substancial aplicável. É um terceiro estranho ao conflito.

Segundo o magistério de Capez, o juiz, para desempenhar sua função, tem conferidos a si, diversos poderes, senão vejamos:

a)Poderes de polícia ou administrativos: exercidos por ocasião do processo, consistente em praticar atos mantenedores da ordem e do decoro no transcorrer do processo (.....)

b)Poderes jurisdicionais, exercidos no processo, e que se subdividem em: poderes-meios, dentro dos quais se encontram os ordinatórios, consistentes em conduzir a seqüência dos atos processuais até sentença (.....) e poderes-fins, compreendendo a decisão e os de execução (decretação de prisão provisória, concessão de liberdade (....). (1997, p. 136/137)

Necessário que se explicite que este sistema (juiz instrutor) é extra processual, uma vez que trata-se de sistema preliminar de investigação, a qual é dirigida por um juiz, com poderes, até mesmo de decretar cautelares.

Como no inquérito policial, as provas deverão, em fase posterior, serem judicializadas ou repetidas.

Nesse sistema o juiz é a autoridade máxima, responsável pelo impulso e direção oficial. Conforme assevera Lopes Júnior:

Como protagonista, o juiz instrutor detém todos os poderes para realizar as investigações e diligências que entenda necessárias para aportar elementos de convicção que permitam ao Ministério Público acusar, e a ele decidir, na fase intermediária, pela admissão ou não da acusação" (2001, p. 63)

Originariamente, o juiz de instrução era um inquisitor, atuando como parte, investigando, dirigindo e julgando, vigorando o sistema de que o acusado não podia mentir para sua defesa.

Atualmente o juiz não é mais um mero inquisitor, pois ele não acusa, estando o Ministério Público como titular da ação penal, ou as próprias partes, conforme o modelo adotado em cada país.

O juiz instrutor deverá, por sua própria iniciativa e sem necessidade de qualquer invocação, salvo nos delitos privados, determinar a instauração da investigação preliminar, dirigindo e/ou realizando as investigações. Para tanto, terá a Polícia judiciária para auxiliá-lo, a qual está diretamente subordinada no plano funcional ao juiz instrutor. Este poderá interrogar o suspeito, utilizar medidas cautelares pessoais ou reais, conceder liberdade provisória, realizar inspeções judiciais e ordenar perícias, etc.

Neste sentido:

(.....) Por este sistema, a autoridade policial tem por função apenas indicar as provas ao Juiz-Instrutor, a quem compete colhê-las ouvindo testemunhas e suspeitos. Normalmente, por este sistema, após a colheita de provas com a instrução do processo, o Juiz-Instrutor decide se remete ou não o réu a julgamento ou se determina o arquivamento dos autos. Remetendo a julgamento, outro juiz fica encarregado de presidi-lo. (Medeiros, 1994, p. 17)

A atividade do juiz de instrução é eminentemente diferente da tarefa do juiz do processo, pois, ao passo que o primeira investiga, o segundo leva a cabo as atividades da fase processual.

Lopes Júnior (2001) ensina que na Espanha, por exemplo, originariamente o juiz da investigação não julgava, todavia, posteriormente, no ano de 1967, foi-lhe permitido investigar e julgar, vindo, tal erro, a ser corrigido somente no ano de 1988, através de uma sentença judicial de inconstitucionalidade.

Atualmente existe uma presunção absoluta de parcialidade do juiz instrutor, como explica o eminente processualista, Lopes Júnior (2001), ao salientar que o juiz instrutor está impedido de julgar o processo que tenha instruído, sendo, a prevenção uma causa de exclusão da competência.

Como no inquérito, o procedimento elaborado pelo juiz instrutor é sigiloso, escrito, bem como é contemplado pela ausência da igualdade e do contraditório. Como na peça Policial, seria normal a ausência dessas garantias, todavia, tão somente até esse ponto, mas o problema começa quando se verifica que um mesmo juiz, travando uma batalha perquiritória, muitas vezes apaixonante, tem o poder de opor constrições aos direitos humanos, conquistados de maneira tão sofríveis, como a história nos ensina.

Assevera o professor Lopes Júnior:

O moderno processo penal não pode aceitar a figura do juiz instrutor, simplesmente porque não pode ser uma mesma pessoa quem considere necessário um ato de instrução e ao mesmo tempo valore a sua legalidade. São logicamente inconcebíveis as funções de investigar e ao mesmo tempo garantir o respeito aos direitos do imputado. São atividades que não podem ficar nas mãos de uma mesma pessoa, sob pena de comprometer a eficácia das garantias individuais do sujeito passivo e a própria credibilidade da administração da justiça (2001 p. 74)

Enfim, o modelo do juizado de instrução encontra-se ultrapassado, em extinção, consoante dizer de Lopes Júnior

Tudo isso leva a que se fale atualmente em uma crise da instrução preparatória e do juiz instrutor, pois o modelo é apontado como um dos mais graves impedimentos à plena consolidação do sistema acusatório, por suas predominantes conotações inquisitivas e a lenta administração da justiça que acarreta nos países onde é adotado." (2001, p. 76)

Em que pese, o Ministro Velloso (2000), presidente do Supremo Tribunal Federal, defender a instituição do juizado de instrução, em artigo publicado na internet, o faz de forma diferente da conhecida, propugnando que o promotor faça uma averiguação, com prazo de 30 ou 60 dias e, entendo plausível a ação penal, à proponha perante um juizado de instrução, o qual, passaria a instruir o processo e submeter a decisão a um juiz mais experimentado.

Apesar de pregar esta mudança, afirmou, no mesmo excerto, que "jamais poderíamos abrir mão da técnica policial de investigação" (Velloso, 2000)

Atualmente este sistema está em desuso, como se sabe, os países Europeus o estão substituindo por outros sistemas, principalmente pelo do promotor investigador.

3.3 Parquet investigador

Em nosso sistema processual penal, o Promotor possui uma ampla e variada gama de participação, conforme Mazzili "Basicamente, no processo penal, o Ministério Público ou é autor (na ação penal pública) ou interveniente (na ação penal privada). (2002, p. 710)

Uma de suas atribuições, está na faculdade de investigar ilícitos penais, como ensina Mazzili:

Inexiste impedimento para que o promotor que investigou os fatos ou oficiou no inquérito policial possa ajuizar a conseqüente ação penal ou nela oficiar: "é pacífico o entendimento segundo o qual a atuação do Ministério Público, na fase do inquérito policial, tem justificativa na sua própria missão de titular da ação penal, sem que se configure usurpação da função policial ou venha a ser impedido a que ofereça a denúncia.

Não depende o Ministério Público do inquérito policial para pode agir. Como já o vimos em diversas passagens desta obra, o Ministério Público pode investigar diretamente fatos de interesse institucional, para embasar qualquer uma das ações públicas a seu cargo (2002, p. 711)

Quanto a sua posição no processo, a questão é bastante controvertida, como mostra Mazzili (2002): parte sui generis para Manzini e Tornaghi; parte imparcial para De Marsico e Noronha; parte parcial para Carnelutti; parte material e processual para Frederico Marques; parte formal, instrumental ou processual para Leone, Olmedo e Tourinho; não é parte para Otto Mayer e Petrocelli. Para Mazzili é o Ministério Público parte processual, formal ou instrumental no processo penal.

Já, na esfera do direito comparado, ou seja, o parquet investigador, doutrina Lopes Júnior (2001), na investigação preliminar, a atuação do Ministério Público poderá variar substancialmente, desde um mero auxiliar do juiz instrutor até a posição de titular da instrução.

Passaremos a analisar o último caso, ou seja, o promotor como titular da investigação preliminar.

Nesse sistema o promotor poderá obrar pessoalmente ou por meio da Polícia Judiciária, a qual será subordinada a ele. Os países Europeus estão trocando o sistema do juiz instrutor por esse, como sucedeu, v.g., na Itália em 1988 e em Portugal, em 1995.

No sistema do promotor investigador, ele é o diretor da investigação, cabendo-lhe receber diretamente a notitia criminis ou indiretamente, através da Polícia, como ensina o pontificador Lopes Júnior:

Para isso, poderá dispor e dirigir a atividade da Polícia Judiciária (dependência funcional) ou praticar por si mesmo atos que julgue necessários para formar sua convicção e decidir entre formular a acusação ou solicitar o arquivamento (visto como não-processo em sentido lato), ( 2001, p. 78)

O Ministério Público dependerá de autorização judicial para realizar as medidas constritivas de direitos fundamentais, como prisão, busca e apreensão, as quais serão analisadas pelo juiz da instrução e não o instrutor, chamado de juiz garante, o qual, analisará a legalidade e não a conveniência para a investigação.

Os atos praticados pelo promotor, no curso da investigação, são administrativos e de limitado valor probatório, devendo serem judicializados.

Por outro lado, no campo histórico, como assevera Lopes Júnior (2001), o sistema está associado ao utilitarismo judicial, ao combate a criminalidade a qualquer custo, a uma época em que o Estado pretendia justificar os fins com o uso abusivo dos meios, o que, hodiernamente, nos parece ser a plausível justificativa para preterir o Inquérito e entregar o comando da Polícia aos promotores, eis que, se atribui o aumento desenfreado da violência à crise do Inquérito Policial, olvidando-se, porquanto, dos reais fatores que elevam a criminalidade, v. g., a crise econômica, a questão educacional e egoísmo humano, propagado por Hobbes, consoante citação de sua obra, "de modo que antes da época da sociedade civil, ou em caso de interrupção desta pela guerra, não há nada que seja capaz de reforçar qualquer pacto de paz a que se tenha anuído, contra as tentações da avareza, da ambição, da concupiscência, ou outro desejo forte". (Hobbes, 1979, p. 84),

Neste sentido, como ensina a doutrinadora Ziyade, considerando o fator biopssicosocial do ser humano, transcrevemos citação de seu artigo:

D.W. Winnicott, analisando a tendência anti-social nas crianças, afirma que tal comportamento é fruto das privações que ela sofreu no seu ambiente, o contraste entre as forças boas e más que regem a sua personalidade, na qual deverá se ajustar um bom acompanhamento dos pais, interessados e preocupados na sua recuperação. A criança com comportamento anti-social busca no exterior uma forma de controle de seus impulsos agressivos, o qual não encontra no lar. (apud Bittencourt, 1998, p. 182)

Neste contexto, pode-se perfeitamente associar-se os ensinamentos do doutrinador mexicano, Siches:

Outra de las dimensines funcinales intrínsecas que todo Derecho tiene por esencia es la resolución de los conflictos de intereses por medio de normas de imposición inexorable.

Cada persona tiene una multitud de deseos que anhela satisfacer. Como dice el refrán, cada quien desea poco menos que la tierra entera. Pero mientras que los seres humanos son muchos, en cambio, solamente hay una tierra. Así, los deseos de cada uno, esto es, los intereses de cada cual, frecuentemente caen em competencia o incluso en conflicto com los deseos de sus prójimos. Hay competencia y conflicto entre los intereses de los varios seres humanos. En este sentido se entiende por interés, la demanda o deseo que los seres humanos tratan de satisfacer, bien individualmente, o bien a través de grupos y asociaciones, bien en sus relaciones com los demás. Como la satisfacción de todos los intereses de todos los seres humanos no es posible, por esso hay competencia entre los hombres en cuanto a sus varios intereses concurrentes; y esa competencia da origem muy a menudo a conflictos.

En principio no hay más que dos procedimientos para zanjar los conflictos de intereses: o bien la fuerza – triunfo de quien sea más fuerte, por su vigor muscular, o por las armas que tena, o por su astucia -, o bien una regulación objetiva (es decir, que no derive de ninguma de las partes en conflicto, sino de una instancia imparcial y que sea impuesta a ellas por un igual), la cual sea obedecida por los antagonistas. (1970, p. 226/227)

Como citou Moraes, ruim com a Polícia, pior sem ela; é uma questão de prevenção a Polícia confeccionar o procedimento pré-processual.

Outro perigo a correr, entregando mais este segmento aos promotores é o que Lopes Júnior chama do Império do Ministério Público. Discorre ele:

A partir de então, a operazione mani pulite – inicialmente levada a cabo por sete promotores de Milão e posteriormente por uma ampla equipe – processa, em menos de um ano, seis ministros, mais de uma centena de parlamentares e os dirigentes das mais importantes empresas da Itália. Em 1997, esse número é elevado a cinco mil pessoas, os interrogatórios passam de vinte mil e as cartas rogatórias a outros países superam as quinhentas. São números elevados e preocupantes, não só pelo nível de criminalidade que representam, mas principalmente por que por detrás deles está uma elevada cifra da injustiça (pessoas inocentes injustamente submetidas ao processo). O que parece ser a supremacia da lei reflete na realidade o império do Ministério Público. As cifras indicam não só uma suposta eficácia da perseguição, mas também reais e elevadas cifras dos casos de abuso de autoridade, perseguição política, desnecessária estigmatização e todo tipo de prepotência. (2001, p. 82/83)

Outro problema apresentado pelo mesmo doutrinador, acerca do sistema é:

Outro problema da investigação a cargo do promotor é que além de investigar, podendo transformar a fase extra processual numa atividade puramente voltada para a acusação, com o gravíssimo inconveniente para o sujeito passivo. O modelo causa sérios prejuízos para a defesa e gera a desigualdade das partes no futuro processo, como podemos verificar, se o promotor, no plano do dever ser, deveria ser uma parte imparcial, no plano do ser isso é impossível, pois, como ser humano, é facilmente suscetível de sofrer a paixão pelo poder, pela investigação e, principalmente, pela posição acusadora no processo penal, enquanto que no sistema policial, mesmo que os agentes sofram destas mesmas "vaidades", não farão a acusação, apenas formarão a opinio delicti, assim, terão um fiscal da lei para equilibrar esta possível, desenfreada e desigual acusação do Estado contra o sujeito passivo. Assim, explica Guarnieri, o promotor se sente inclinado a realizar as provas de cargo, olvidando-se das de descargo; buscará fazer servir o material adquirido para o triunfo da tese acusatória que brilha na sua consciência como uma estrela polar orientadora de atos e inspiradora de conjeturas e deduções" (ibdem, 2001, p. 87).

Vislumbra-se, do exposto que o Sistema investigativo a cargo do promotor é muito, para não dizer igual, semelhante ao inquérito, mudando, basicamente, apenas o nome do procedimento e o seu comando, até porque, o promotor, necessariamente, terá que trabalhar com a polícia.

Assim advoga Doval:

Las nuevas atribuciones del Ministerio Público exigen la reestructuración del mismo y la incorporacion a él com facultades de investigación autónomas de funcionarios de menor jerarquía de otras reparticiones que actualmente desempeñam funciones investigativas, especialmente pertenecientes a la Policía Administrativa, sometidos a la estructura de aquel y a su disciplina jerárquica.

Com la experiencia que se recoja se determinará si es necessario ampliar el número de funcionarios policiales adscritos y, eventualmente, la incorporación a su estructura de todos los funcionarios que realicen rareas investigadoras vinculadas a la Justicia, formando yn cuerpo de Policía Judicial bajo su dirección.

La función principal del Ministerio Público há de residir en el procedimiento de investigación preparatoria. A él le há de incumbir realizar, ordenar, dirigir y vigilar las investigaciones. (1990, p.48)

Ora, devido ao grande destaque que tal proposição vem tomando em nosso pais, passa-se a idéia para o público que tal sistema acabaria, incontinenti, com a violência, fato que constitui-se numa leviandade, uma vez que, nem mesmo num país como os Estados Unidos, com avançada tecnologia, onde é um promotor o responsável pela investigação, tal sistema não só, não acabou com a violência, como não é imune a erros, consoante artigo publicado no jornal Zero Hora, em 26.07.01, oportunidade em que duas pessoas foram presas e condenadas por assassinato, permanecendo por 13 anos na cadeia, somente vindo a provar sua inocência, face a confissão do verdadeiro autor a um padre.

Inobstante, nos E.U.A, existir participação do promotor na investigação, a Polícia Judiciária trabalha de forma atuante na perscrutação dos delitos. Entretanto, faz-se mister ficar alvo, que no sistema preparatório deste país, no tocante a polícia, inexiste a figura do delegado de polícia, não possuindo, desse modo, e ao contrário do nosso sistema, a polícia americana, formação jurídica. Vejamos os ensinamentos de Anthony Simon:

Embora o promotor sempre dependa da polícia para uma investigação rigorosa e para um adequado levantamento de provas, os seguintes fatores contribuem para fortalecer o promotor no relacionamento com a polícia: a) não temos a figura do delegado de polícia e não trabalhamos com inquéritos policiais, ou seja, a polícia não tem formação em Direito; b) a polícia não pode efetuar, por conta própria, uma busca ou mesmo expedir uma intimação; para fazê-lo, necessita autorização judicial, que só é obtida por intermédio da atuação do promotor de justiça; c) o promotor sempre pode orientar o policial nos levantamentos das provas; d) o promotor tem plena liberdade para apreciar esses elementos de investigação, ou seja, pela sua formação jurídica, sabe se deve ou não oferecer denúncia, solicitar mais diligências ou simplesmente encerrar o caso. (apud Freyslleben, 1993, p. 70)

Publicou, interessante artigo sobre o tema, o Desembargador Bosch. Vejamos:

Longe de parecer, outrossim, que tais problemas se resolveriam, como num passe de mágica, com a transferência da investigação dos Delegados para os Promotores. Provavelmente a tanto sequer o Ministério Público ousaria chegar, pois a própria instituição já vive hoje a sua própria crise, sobrecarregada em razão das múltiplas e relevantes atribuições que lhe foram conferidas pela atual Constituição.

Bem ao contrário, a autoridade policial precisa ser prestigiada e valorizada. Certamente não é outra a preocupação do Sr. Secretário de Justiça e Segurança. Sendo correto afirmar, de um lado, que a investigação de crimes complexos ou de autoria desconhecida não dispensa realização de inquérito para assegurar a perenização das provas, não é menos correto afirmar, de outro lado, que o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia precisam se aproximar ainda mais e discutir estratégias de simplificação dos procedimentos administrativos destinados à coleta da prova. (Bosch, 1999)

O que deve ocorrer é uma maior aproximação entre as duas Instituições, Ministério Público e Polícia Judiciária, conforme entendimento da doutrinadora Costa "Se a cooperação é essencial na realidade, sob o ponto de vista jurídico deve-se procurar conciliação entre os estatutos e as atribuições legais das instituições Polícia Judiciária e Ministério Público". (1999, 218)

Em nosso entendimento, as discussões deveriam fulcrar-se em descobrir maneiras de aproximar as duas instituições, para que se obtenha um procedimento mais dinâmico e efetivo, que seja eficiente o suficiente para embasar tanto a denúncia, quanto a instrução do processo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado, titular do jus puniendi, deve atuar sempre que ocorre uma infração penal. Ocorre que para tanto, deve possuir meios, ou seja, instituições que cumpram esta dura tarefa de que foi incumbido este órgão, tão logo retirou-se o poder da autotutela das mãos dos particulares, forma como se resolviam os conflitos.

Como a vida em sociedade exige um controle, com o intuito de resolver as diferenças entre as pessoas e, extinta a autotutela, nasceu para o Estado o direito de punir, porém, com o avanço da civilização, a predominância dos Estados democráticos, bem como, com a conquista e valorização dos direitos humanos, deve-se fazer tal punição, observando-se o devido processo legal.

Ocorre que para aplicar este poder/dever, o Estado necessita de instrumentos, que neste caso, no direito brasileiro, inicia-se pelo trabalho investigativo, a cargo da Polícia, em seguida pelo oferecimento da denúncia, a cargo do Ministério Público e, finalmente, pelo processo com sentença, a cargo do Poder Judiciário.

Hodiernamente existem fortes críticas ao procedimento investigativo, realizado pela Polícia, chamado Inquérito Policial, alegando-se que se trata de peça arbitrária, por infringir preceitos constitucionais, bem como ultrapassada, uma vez que não atende as necessidades do processo penal, tudo, embasado na crescente violência que assola nosso país.

No intuito de perquirir, cientificamente, tais argumentações, realizamos esta pesquisa, na tentativa de demonstrar a real situação da peça policial no processo penal brasileiro e sua interferência na violência atual.

O trabalho preliminar desenvolvido pela Polícia Civil não é exclusivo, exceção ao trabalho desenvolvido pela Polícia Federal, que por força da Constituição, tem exclusividade como Polícia Judiciária.

Os promotores, também por força de norma Constitucional, possuem liberdade para investigar, uma vez que são os titulares da ação penal.

Além do mais, existem outros inquéritos, como o judicial, parlamentar, administrativo e trabalhista, todos, é certo, posteriores ao policial.

Esta atividade, hoje considerada extra-processual, não é invenção da modernidade, pois, desde a antigüidade já existiam procedimentos investigatórios, como em Atenas e Roma.

O Inquérito Policial, que surgiu em nossa legislação em 1871, tem por escopo a apuração dos fatos, suas circunstâncias e definir sua autoria, com vistas a servir de base à Ação Penal e às providências cautelares, segundo o ensinamento de Silva (1996).

Em 1882, propôs-se sua extinção, argumentando-se que era um procedimento que dificultava a defesa do acusado. Porém, com o advento da república é restaurado o Inquérito, o qual, na década de trinta, sofre nova campanha para sua extinção.

Em 1941, com a promulgação da Código de Processo Penal, é mantido o Inquérito Policial, no formato que conhecemos, justificando-se, basicamente, pela grande extensão de nosso território, no qual a Polícia, sempre se faz presente.

O procedimento policial é um procedimento escrito, sigiloso, indisponível e inquisitivo, conforme classificação dos doutrinadores.

Quiçá, a maior crítica ao Inquérito seja a falta de contraditório, o que o tornaria inconstitucional, fato, que por sinal, é afirmado por muitos doutrinadores.

No transcurso deste trabalho, pôde-se visualizar que os princípios Constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa não são dirigidos a peça policial, uma vez que o próprio artigo da Constituição exclui de sua dicção a palavra suspeito ou indiciado, afirmando valer tais princípios aos acusados, portanto, já na esfera, eminentemente processual. Este é o entendimento de doutrinadores como Celso Ribeiro Bastos, Adilson José vieira Pinto, Rene Arie Dotti, dentre outros.

Já quanto aos princípios da Presunção de inocência, Prisão, Defesa Negativa, a Identificação do responsável pelo interrogatório, a Reserva Legal e o habeas corpus, não há muita discussão, e, pelo que vislumbra-se deste trabalho, não há qualquer indício de que o sistema policial infrinja-os, pois, caso o fizesse, a efetividade do trabalho estaria comprometida, face a fiscalização dos Promotores e Juízes, vg, quando da homologação dos flagrantes.

No que concerne as provas, questão, também bastante polêmica, chegando alguns operadores do direito, até mesmo a desqualificarem totalmente as provas coletadas no Inquérito, sob o argumento da falta de garantias constitucionais, o que já vimos que não ocorre, pois a inquisitio serve de contrapeso entre o delinqüente e o Estado e, até mesmo, alegando tais críticos, a má-fé e despreparo dos agentes policiais.

Em nosso sistema vigora o sistema da livre convicção do juiz, já tendo sido ultrapassado o sistema da prova legal. Também, nosso Código instrumental aboliu a hierarquia das provas, colocando, desta maneira, os indícios, em igualdade com as demais provas.

Em que pese as citações feitas sobre a evolução da prova, as constrições a sua produção e até mesmo, inferições acerca da confissão, o que, efetivamente interessa para este trabalho é a prova carreada no Inquérito, chamada, comumente, de prova indiciária.

Indícios, para Tornaghi (1997) é o sinal demonstrativo do crime; mas para que se demonstre algo, precisa ser conhecido e provado.

O que ocorre é que os indícios, via de regra, são colhidos pela Polícia, porém, para um indiciamento, deve haver uma robusta prova indiciária, para uma posterior propositura da ação penal e até mesmo uma condenação e, também, para as cautelares.

Doutrinadores, como Tornaghi e Capez, corroborados por jurisprudência, sustentam da possibilidade de condenação baseado em prova indiciária, embasados no livre convencimento do juiz.

No inquérito, normalmente são realizadas perícias, as quais, no processo, não podem ser repetidas, fato que, por si só, desautoriza a dizer que o Inquérito não possui valor probante, desde que, obviamente, não sejam provas ilícitas. Assim entende e ensina Mirabete.

No terceiro capítulo, é feita uma breve comparação entre os sistemas investigativos existentes no mundo. São eles a Investigação Policial, a Investigação a cargo do Promotor e o Juizado de Instrução.

O que pôde constatar-se é que são os três sistemas muito semelhantes, haja vista que, superficialmente, seguem um rito parecido, apenas com comando diferente.

A maior semelhança está entre o inquérito e o sistema do Promotor, havendo diferença, e, por sinal, negativa, no Juizado de Instrução, uma vez que o próprio juiz, ao investigar poderá decretar as medidas cautelares, como a prisão.

Entendemos que é um fato perigoso o próprio investigador, no fervor de uma apaixonante investigação, decretar a constrição da liberdade de uma pessoa.

Ao cabo da presente monografia, podemos concluir que a peça Policial, ao contrário do que afirmam seu ferrenhos críticos, não é arbitrária, pois, como exposto no desenvolvimento, não afronta qualquer dispositivo Constitucional, argumento este, abonado por grandes doutrinadores, citados ao longo deste trabalho.

Não é o Inquérito Policial ultrapassado, haja vista que é o grande responsável pelas condenações penais no Brasil, conforme demonstra Morais, ao informar que 99,9% das condenações tiveram início pelo procedimento Policial e que 95% das denúncias nasceram, também com base neste procedimento. (citações transcritas no corpo deste trabalho)

O Inquérito além dos dados acima expostos, relativos a processos, também serve como filtro processual, contra infundadas acusações, servindo de elo de ligações entre o processo ou não processo.

Este procedimento, por óbvio, não é perfeito e com o crescimento populacional, relacionado a aumento da criminalidade, bem como, as maiores exigências de rápidas respostas as demandas penais da sociedade, o Inquérito necessita de aperfeiçoamentos, como, quiçá, uma maior desburocratização, como ocorreu com o advento da Lei 9099/95.

Todavia, com certeza, para uma maior eficiência do procedimento administrativo, o primeiro passo a ser dado é a qualificação dos Policiais, o que começa a ser feito, com exigência, em nosso Estado, de curso superior para a prestação dos concursos públicos para as carreiras policiais, o que ainda é insuficiente, pois há necessidade de qualificação profissional.

Outro grave problema a ser solucionado é a questão do efetivo policial, fator que está quase a inviabilizar o sistema extra-processual brasileiro, uma vez que existe hoje, em atuação 5.584 policiais, quando o efetivo previsto é de 9.454. Em cartório, apenas 1.599 policiais remeteram ao Poder Judiciário 305.162 procedimento policiais no ano de 2001. (dados fornecidos pelo DIPLANCO – POLÍCIA CIVIL).

Como se nota, a situação relativa ao efetivo policial é precária, quando deveria ser bem ao contrário, a fim de não só atender a demanda da comunidade, relativamente ao andamento dos Inquéritos, como para a realização de uma efetiva repressão.

Enfim, o procedimento policial deve, como todo o Direito, acompanhar a evolução da sociedade, porém, certamente, não se constitui em peça inferior a qualquer outro sistema.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

avolio, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas e gravações clandestinas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.

Bastos, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional, 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

Beccaria, Cesare. Dos Delitos e das Penas; tradução J. Cretella Jr. E Agnes Cretella. 2. ed. São Paulo: Editora RT, 1997.

Bastos, Celso Ribeiro, Martins, Ives Gandra. Comentários a Constituição do Brasil: promulgada em 8 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva, 1988-1989,vol. 02.

Bernardo, Moacir Fermino, SANTANA, Alonir Santana. Perigo do Quarto Poder, Porto Alegre: Sagra DC Luzzatto, 1994.

BITTENCOURT, César Roberto (Org.). Crime e Sociedade. Curitiba: Jiruá, 1998.

Brasil. Constituição: República Federativa do Brasil – 1988. Brasília, Senado Federal/Centro Gráfico, 1988.

Brasil. Código de Processo Penal. São Paulo. 41ª edição. São Paulo: Saraiva, 2001.

Capez, Fernando. Curso de Processo penal. 2 edição. São Paulo: Saraiva, 1998.

COSTA, Paula Bajer Fernandes Martins da Costa. Sobre a Posição da Polícia Judiciária na Estrutura do Direito Processual Penal Brasileiro na atualidade. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: N. 26, p. 213-220, 1999.

Coelho, Walter. Prova indiciária em matéria criminal. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1996.

DELMANTO, C., et al. Código Penal Comentado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2000.

Dotti, René Arie. O Ministério Público e a Polícia Judiciária – Relações Formais e Desencontros Materiais.

DOVAT, Eduardo F. Fernández. La investigación preliminar a cargo del Ministério Público. Revista do Ministério Público. Porto Alegre: N. 23, p. 45-53, 1990.

FERNANDES, Fernando A., Premissa Fundamental para uma reforma global do Processo Penal. Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, São Paulo: n. 102, 2000.

Franco, Paulo Alves. Inquérito Policial, São Paulo: Literárias, 1992.

Freyesleben, Márcio Luis Chila. O Ministério Público e a Polícia Judiciária: Controle externo da atividade policial. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.

Gomes Filho, Antônio Magalhães. Direito à prova no processo penal. São Paulo: RT, 1997.

GRINOVER, Ada Pellegrini, FERNANDES, Antônio Scarance, FILHO, Antônio Magalhães Gomes. As nulidades no processo penal. 6ª ed. São Paulo: RT, 1997.

Hobbes, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Traduzido por João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Mizza da Silva. 2ª ed. Abril Cultural, 1979.

INQUÉRITO DO FUTURO. Zero Hora, Porto Alegre, Porto Alegre, 30 set. 2001. Caderno de Polícia, p. 41.

Lima, Marcellus Polastri. O MP e a Persecução Criminal. Lumem Juris, Rio de Janeiro: 1997.

Lopes Jr., Auri. Sistemas de Investigação Preliminar. Lumem Juris, Rio de Janeiro: 2001.

Luisi, Luis. Os princípios Constitucionais Penais. Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991.

MAZZILI, Hugo Nigro. Estatuto do Ministério Público, comentários. São Paulo: Saraiva, 2002.

Medeiros, Flávio Meirelles. Do Inquérito Policial, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994.

Mehmeri, Adilson. Inquérito Policial: dinâmica. São Paulo: Saraiva, 1992.

Moraes, Alexandre de. Direito Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1997.

Moraes, Bismael. O Inquérito é o vilão no Direito Brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n. 28, p. 255-264, 1999.

PINTO, Adilson José Vieira Pinto. O Inquérito Policial à Luz dos Direitos e Garantias Individuais da Constituição Federal de 1988. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n. 27, p 251 – 264, 1999.

Salles Júnior, Romeu de Almeida. Inquérito Policial e Ação Penal: indagações, doutrina, jurisprudência e prática. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998.

SICHES, Luis Recasens. Tratado General de Filosofia Del Derecho. 4ª ed. Editorial Porrua, S.A.: México, 1970.

Silva, José Geraldo. O Inquérito Policial e a Polícia Judiciária, 2ª ed. Ed. De Direito, 1996.

Silva, Ayres luiz Ferreira da, Duarte, Beatriz Ely. Processo Penal, Estudo Programado. 2ª ed., Porto Alegre: Sagra-DCLuzzato, 1996.

Sznick, Valdir, 1940. Direito penal na nova Constituição:terrorismo, pena de morte, tortura-racismo, confisco-banimento. São Paulo: ícone, 1993.

Tornaghi, Hélio. Curso de Processo Penal. 10ª e. São Paulo: Saraiva, 1997.

Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal, 19ª ed., ver. e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1997, vol. 01.

Tourinho Filho, Fernando da Costa. Processo Penal, 19ª ed., ver. e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1997, vol. 03;

Tovo, Paulo Cláudio. Estudos de Direito Processual Penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.

TREZE ANOS PREZO POR CRIME QUE NÃO COMETEU.. Zero Hora, Porto Alegre, 26.jul.2001.

VELLOSO, Carlos. Velloso defende o fim do inquérito policial. Disponível em http://www.estado.com.br/. Acesso em 24.08.2000.

Zafaroni, Eugênio Raúl, PIERANGELI, José Henrique.Manual de Direito Penal Brasileiro, 2. Ed., ver. e atual., São Paulo: RT, 1999.


Notas

1 Art. 144 CF. A segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

IV- Polícias Civis;

§ 4º Às Polícias Civis, dirigidas por delegados de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

2 O vocábulo polícia, do grego politéia – de pólis (cidade), significou, a princípio, o ordenamento jurídico do Estado, governo da cidade e, até mesmo, a arte de governar. A polícia, com o significado que hoje se lhe empresta, órgão do Estado incumbido de manter a ordem e a tranqüilidade pública, surgiu, ao que parece, na velha Roma. À noite, os larápios, aproveitando a falta de iluminação, assaltavam a velha urbs, e seus crimes ficavam impunes, porque não eram descobertos. Para evitar aquela situação, criaram os romanos um corpo de soldados que, além das funções de bombeiros, exerciam as de vigilantes noturnos, impedindo, assim, a consumação de crimes.

É clássica a divisão da polícia em administrativa e judiciária. O Direito Administrativo já tratou da distinção, como anota Hely Lopes Meirelles. Sempre se distinguiu a polícia administrativa da polícia judiciária. Esta polícia é eminentemente repressiva, pois só atua após o cometimento do delito e visa, precipuamente a identificação do criminoso e de sua condenação penal. Para tanto, o Poder Judiciário é

auxiliado pela polícia civil, cuja missão primordial é investigar os fato e a autoria do delito, para a conseqüente ação penal. (apud Costa, p. 215, 216)

3 Art. 77. Na ação penal de iniciativa pública, quando não houver aplicação de pena, pela ausência do autor do fato, ou pela não-ocorrência da hipótese prevista no artigo 76 desta Lei, o Ministério Público oferecerá ao juiz, de imediato, denúncia oral, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis.

§ 1º. Para o oferecimento da denúncia, que será elaborada com base no termo de ocorrência referido no art. 69 desta Lei, com dispensa do inquérito policial, prescindir-se-á do exame do corpo de delito quando a materialidade do crime estiver aferida por boletim médico ou prova equivalente.

4 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguinte:

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei

5 LIV – ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

6 LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

7 Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

8 A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.

9 Flagrante, do latim flagrans, flagrantis (do verbo flagrare, queimar), significa ardente, que está em chamas, que arde, que está crepitando. Daí a expressão flagrante delito, para significar o delito, no instante mesmo da sua perpetração, o delito que está sendo cometido, que ainda está ardendo.

Advoga Tourinho Filho que compete a autoridade policial a lavratura do flagrante e somente nos casos previstos no art. 307 do CPP, poderia o juiz lavrá-lo.

10 A prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária.

11 O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

12 O preso tem direito a identificação do responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial.

13 Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

Parágrafo único: A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.

14 XXXIX. Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

15 Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;

16 O Habeas Corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público.

17 Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

18 Art. 134: A hipoteca legal sobre os imóveis do indicado poderá ser requerida pelo ofendido em

qualquer fase do processo, desde que haja certeza da infração e indícios suficientes da autoria.

19 São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BITTENCOURT, João Alexandre Netto. Investigação preliminar: Polícia Judiciária ou Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 557, 15 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6188. Acesso em: 25 abr. 2024.