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Ensaio sobre a natureza jurídica da prescrição no Direito Civil

Ensaio sobre a natureza jurídica da prescrição no Direito Civil

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A prescrição é negócio jurídico unilateral receptício de vontade, mediante o qual o obrigado destrói a exigibilidade do direito que lhe é oposto ou oponível e, por conseqüência, se existente, a ação (de direito material) que guarnecia esse direito.

Este trabalho é dedicado a Míriam Sonoda


RESUMO: A prescrição é negócio jurídico unilateral receptício de vontade, mediante o qual o obrigado destrói a exigibilidade do direito que lhe é oposto ou oponível e, por conseqüência, se existente, a ação (de direito material) que guarnecia esse direito. O decurso do prazo – aliado à inércia do titular do direito – tem por efeito não o perecimento do direito, da pretensão ou da ação, mas a criação de um estado de prescritibilidade concreta, caracterizado pelo condicionamento ex lege da exigibilidade do direito subjetivo. Implementado o prazo de prescrição, a exigibilidade do direito, malgrado sobreviva, passa a subordinar-se a um evento futuro e incerto, que corresponde à declaração de prescrição pelo obrigado. Tal declaração insere-se na categoria dos poderes jurídicos, e se exprime na atividade em que o obrigado, cumprindo a condicio iuris, destrói a pretensão que é lhe de fato oposta ou susceptível de oposição.


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I: Objeto da prescrição na doutrina: 1. O direito subjetivo como objeto da prescrição. O problema da extinção do direito pela via reflexa. 2. A ação como como da prescrição. O problema da extinção do direito pela via reflexa. 3. A pretensão como objeto da prescrição. CAPÍTULO SEGUNDO: Eficácia da prescrição na doutrina. CAPÍTULO TERCEIRO: Da natureza jurídica da prescrição. CAPÍTULO QUARTO: O direito positivo em face do objeto, eficácia e natureza jurídica da prescrição: 1. Objeto e feito da prescrição no sistema positivo de Direito Civil. 2. O Código Civil e a natureza jurídica da prescrição. CAPÍTULO QUINTO: Prescrição como negócio jurídico unilateral. 1. Decurso do prazo e prescrição. Prescrição como exceção. 2. Prescrição como negócio jurídico unilateral receptício de vontade. CAPÍTULO SEXTO: Pressupostos do estado de prescritibilidade concreta. CAPÍTULO SÉTIMO: Pressupostos da prescrição. CAPÍTULO OITAVO: Efeitos do estado de prescritibildade concreta. CAPÍTULO NONO: Efeitos da prescrição. CONCLUSÃO.


INTRODUÇÃO

Não há dissenso, entre os doutrinadores, quanto à evidência, há muito sedimentada, de que a inércia do titular do direito, aliada ao decurso do prazo, constitui-se em causa da prescrição.

E discrepância alguma ocorre quando se decide que o fundamento do instituto repousa na estabilidade das relações jurídicas: pela prescrição elimina-se um estado de incerteza que não poderia, a bem da paz social, perdurar indefinidamente.

Mas o consenso pára por aí. Quando se indaga acerca do objeto da prescrição, as divergências se instauram e se aprofundam. Há os que advogam a tese de que a prescrição ataca o direito. Outros se firmam no argumento de que é a ação quem sofre os efeitos da prescrição. Segundo uma vertente, em que se bifurca o argumento da ação como cerne do fenômeno prescritivo, apenas a ação é afetada pela prescrição, deixando incólume o direito; conforme outra, embora a ação seja diretamente atingida, o direito também padece, por via reflexa. E há os que defendem que é a pretensão – sozinha ou conjuntamente com a ação – o que prescreve. Tudo isso em meio a uma verdadeira babel terminológica.

Mas não apenas quanto ao objeto há dissidência. Se não foi possível, no estádio atual da Ciência do Direito, fixar, induvidosamente, o objeto da prescrição, sequer os seus efeitos estão definitivamente estabelecidos. Se há os que dizem que a prescrição tem eficácia extintiva – seja relativamente a direitos, ações ou pretensões, conforme se diga qual é o seu objeto – , há os que vêem na prescrição uma exceção pura: longe de lograr impulso extintivo, a prescrição apenas neutraliza a ação ou a pretensão do titular do direito.

Também não são acordes os autores quanto aos efeitos da implementação do prazo prescricional. Com feito, indaga-se, na doutrina, se a exaustão do prazo opera, de pleno direito, a prescrição, ou se, tão-somente, confere uma exceção ao obrigado. A questão é relevantíssima; é a partir de tal investigação que se descortina a natureza jurídica da prescrição. Sem que se decida quanto a ser, ou não, a prescrição fato jurídico stricto sensu, não se afigura possível a elaboração de teoria geral, intrinsecamente coerente, para o instituto.

O Código Civil, ao disciplinar o instituto, ao invés de lançar um feixe de luz esclarecedor, mergulhou a matéria num recinto de obscuridade. A afirmativa pode parecer estranha a quem apenas perfunctoriamente contemplou o regramento dedicado pelo Código à prescrição. O que dantes parecia evidente põe-se a esmaecer, e se dispersa numa neblina de treva, quando a leitura superficial cede lugar a uma investigação sistemática.

Aqui, o que se pretende é, justamente, a partir da determinação do seu objeto, e da apreensão de seus efeitos, desentranhar a prescrição desse manto de escuridade, revelando-se-lhe a real natureza jurídica, que não é outra senão a de um negócio jurídico, unilateral e receptício de vontade, extintivo da exigibilidade do direito subjetivo.


CAPÍTULO PRIMEIRO

OBJETO DA PRESCRIÇÃO NA DOUTRINA

1. O direito subjetivo como objeto da prescrição.

Segue acesa, na doutrina, a disputa quanto ao elemento jurídico, pertinente ao direito subjetivo, afetado ou extinto pela prescrição.

Assim é que, para um corrente, minoritária, a prescrição atua para extinguir, diretamente, o próprio direito. Dessa forma se manifestam CHIRONI e ABELLO, citados por CARPENTER (1), para os quais "a prescrição é o modo consoante o qual, pelo decurso do tempo e inação do titular, se extingue o direito e com ele a ação donde lhe vinha a natural tutela". Para JOSSERAND (2), a prescrição realiza a extinção de um direito, especialmente o de crédito, pelo tão-só decurso de certo prazo (p. 741).

Tal idéia, porém, não resistindo à severa crítica de ilustres juristas, dentre os quais CLÓVIS BEVILÁQUA, encontra-se, hodiernamente, praticamente abandonada. Partindo da noção, estabelecida por JHERING, de que o direito subjetivo é um interesse protegido pela lei, o catedrático do Recife faz distinguir, no direito, dois elementos. O primeiro concerne à parte nuclear, que se identifica com o interesse; o segundo, um tegumento protetor, que o reveste, "para transfigurá-lo sob o influxo da finalidade social, e para defendê-lo das injustas agressões" (3). A prescrição, pois, afeta justamente este elemento de proteção, inutilizando a garantia social da ação. Assim, não é o fato de não se exercer o direito que lhe retira o vigor, já que é possível que o titular conserve inativas as suas faculdades jurídicas por longo tempo. O que resulta afetado, no direito subjetivo, por arte da prescrição, é o não uso da propriedade defensiva, da ação que o reveste e o protege. O não uso da ação atrofia a capacidade de reação do direito (4).

No mesmo sentido, averba CÂMARA LEAL (5) que, em sendo a inércia do titular a causa eficiente da prescrição, esta não pode atingir, imediatamente, o direito, já que este, quando adquirido, entra, como faculdade de agir (facultas agendi), para o domínio da vontade de quem o titulariza; o não-exercício, que é uma das modalidades externas daquela vontade, não guarda incompatibilidade com a conservação do direito. Contudo, se tal direito é violado, ou ameaçado, instaura-se uma situação antijurídica, remediável pela utilização da ação. Se o titular do direito violado permanece inerte, se não emprega, por longo tempo, os meios defensivos postos à sua disposição pela ordem jurídica, a conseqüência será a destruição do direito de ação, porque milita, em desfavor do sujeito pretensor inerte, o interesse social, de ordem pública, de que a situação de instabilidade não se prolongue indefinidamente.

Assim é que, refutada a eficácia extintiva, in substantia, da prescrição, concentrou-se na ação o seu objeto.

2. A ação como objeto da prescrição. O problema da extinção do direito pela via reflexa.

A identificação da ação como objeto da prescrição não conduziu, porém, a um consenso entre os doutrinadores.

Para uma corrente, integrada por insignes juristas, a prescrição ataca, para destruí-la, a ação e, por via de conseqüência, o próprio direito, já que a coercibilidade é de sua essência (6). Outros permanecem firmes na noção de que, extinta a ação, o direito permanece, visto como susceptível de satisfação pela execução voluntária.

Argumenta-se, pelos primeiros, que a perda do direito à ação, com o desfalque dos meios coercitivos, reconhecidos pela ordem jurídica, para induzir à satisfação do titular, esvazia o vínculo de substância jurídica, de molde a restar, apenas, para o obrigado, mero dever de consciência. Por isso, o dever, que remanesce, não se aloja no terreno do Direito, senão prospera no âmbito dos deveres simplesmente morais. Sendo a tutela judiciária um caráter imanente e essencial do direito – alia RUGGIERO (7) – a perda da tutela induz à perda do próprio direito, em substância.

Em oposição à tese de que o direito perece, pela via reflexa, quando se extingue a ação, difunde-se, a nosso ver com vantagem, a inteligência de que o sistema de direito positivo – porque confere validade à solução de dívida prescrita, tornando o pagamento insusceptível de repetição – outorga uma sobrevida ao próprio direito subjetivo, que, não obstante mutilado das armas defensivas, conserva a natureza anterior. A pensar-se de maneira diferente, o pagamento, nestas circunstâncias, como observa SILVIO RODRIGUES (8), seria sem causa.

Assim não pensa CARPENTER (9), para quem a prescrição, aniquilando a ação, reduz o que fora direito a simples dever moral, destituído de juridicidade:

     "O critério distintivo entre o direito e a moral é, todos o sabem, a coação e a sanção.

     Se o devedor, não cumprida a obrigação, pode ser compelido pelos juízes e tribunais ao cumprimento dela, trata-se de uma obrigação jurídica.

     Se o devedor, não cumprida a obrigação, não tem outra sanção a incomodá-lo que o remorso no foro interno de sua consciência, trata-se de uma obrigação moral.

     Onde não há sanção no foro externo dos tribunais, não há dever jurídico.

     Como pretender sustentar que é alguma coisa mais que mera obrigação de consciência, a obrigação do jogador, a do concordatário, a do sujeito passivo de ação prescrita, às quais acima aludimos?

     Dizer que são obrigações naturais porque, se cumpridas, não tem o devedor direito à repetição é explicação que nada explica, uma vez que assim sucede com todas as obrigações morais, sendo certo que o princípio de direito é que este não se deve rebaixar a ser instrumento de repetição daquilo que foi prestado para satisfação de deveres de consciência.

     O direito é amoral, mas não é imoral. Se há alguém que, por dever de consciência, se sinta na obrigação de prestar alguma coisa, nada tem a ver com isso o direito, que não pode constranger ninguém a cumprir as obrigações morais. Mas, cumprida a obrigação moral, o direito não pode senão aplaudir esse ato, e tais aplausos não lhe seriam dados, se o direito se prestasse a destruí-lo, concedendo repetição.

     E se esse direito aplaude assim aquele que satisfaz meras obrigações de consciência, está claro que, pela óbvia regra de quem pode fazer mais também pode fazer o menos, o direito, que não pode opor-se ao cumprimento de obrigações morais, também não pode opor-se a que alguém transforme em obrigações jurídicas essas obrigações morais, submetendo-as a novação ou garantindo-as com fiança, penhor ou hipoteca.

     De maneira que, em conclusão, nem o fato de não autorizarem a repetio indebiti, nem o fato de poderem ser objeto de novação, são um característico das pretensas obrigações denominadas naturais, uma vez que o mesmo sucede com todos deveres de consciência que tenham um conteúdo econômico".

A nosso ver, o cumprimento de uma obrigação moral, de conteúdo econômico, não é susceptível de realização sem que aquele, que se considera moralmente obrigado, se utilize, necessariamente, do invólucro e do influxo autorizantes do Direito. Ora, o Direito é não apenas a via adequada, senão a única alternativa possível – a via exclusiva, pois –, para consolidar as doações, as remissões, os legados, ou, em síntese, as liberalidades.

Se é regra que ninguém pode ser beneficiado contra a própria vontade – invicto beneficium non datur –, a anuência ao favor moral é condição sine qua non ao cumprimento do dever de consciência. E o que se opera, nestes casos, a partir da cooperação do beneficiário, seja para consentir (como nas doações) , seja para aceitar (como nos legados e na remissão onde houve a inserção de causa liberal), nada mais é que a formação de verdadeiro negócio jurídico, unilateral ou bilateral, conforme o caso, mas sujeito às regras de forma e de fundo impostas e disciplinadas não pela Moral, mas pelo Direito.

A obrigação moral, aqui, não se insere, ou se traslada, na relação de direito instaurada, e nem esta vem a substituir o dever de consciência: este poderá, quando muito, imiscuir-se no âmbito, nem sempre relevante, dos motivos. Não se cuide, pois, que houve transformação do dever moral em relação jurídica, por novação, ou outro motivo. Tal continua moral e subjaz à relação de direito, que não o substitui. O dever moral, que precedera ao jurídico, corre paralelamente a este, e juntamente com este se cumpre. Há uma justaposição de deveres, jamais a convolação de um no outro. A relação de direito é o único meio de que dispõe o moralmente obrigado para cumprir – e se o faz, assim o faz juridicamente – o dever de consciência de cunho patrimonial. E, embora a relação de direito não faça desaparecer o dever moral, aquela o suplanta. A irrepetibilidade e a irretratabilidade do que fora executado, neste caso, não deriva do dever moral, por sua qualidade de moral; muito menos porque o direito deva aplaudir o cumprimento de um dever de consciência. Como se cumpre, no mesmo ato, e juntamente com o dever moral, uma obrigação de direito, é esta, não aquele, que inautoriza a retratação e a repetição.

Sempre, pois, que o dever moral insertar um conteúdo econômico, traduzindo-se, assim, numa liberalidade, o seu cumprimento imprescindirá do influxo do Direito, quer para formar um contrato, quer para dar surgimento a uma declaração unilateral de vontade. Assim faz o homem rico e altruísta que lega vultosa quantia a instituição de caridade; opera credor complacente que remite a dívida de um devedor honesto, porém arruinado; paga o crente o dízimo em benefício dos serviços de sua igreja. E se cumprem um dever moral, o fazem, também, juridicamente. Em tais casos, por óbvio, não há que se falar em repetição.

Ademais, ao Direito não interessam apenas as sanções. Outras conseqüências, que não a coação, dele decorrem, e, nem por isso, perdem em juridicidade ou expressividade. Um motivo de ordem moral, v.g., pode conduzir alguém a doar algo a outrem. O que era meramente moral ganha a especial tutela do direito, a ponto de o próprio Código, no exemplo dado, atribuir ao doador – independentemente de que este queira semelhante proteção – o poder de reaver a coisa doada, por motivo de ingratidão do donatário (art. 555).

Difícil, pois, imaginar, como pretende CARPENTER, o cumprimento, simplesmente no âmbito da Moral, de deveres de consciência de expressão patrimonial. Se tais deveres não se recobrem com a manta jurídica das doações, remissões, legados, ou outras espécies de liberalidade, simplesmente não se cumprem. A interferência do direito é, aqui, indeclinável. Se a conduta exterior só interessa à moral na medida que exprime uma conduta interior (10), a exteriorização da vontade permanecerá no âmbito exclusivamente moral se, da atuação do sujeito, não derivar qualquer ingerência na órbita patrimonial de outrem. Havendo interferência, a questão, sem abandonar a Moral, incorpora-se ao domínio do Direito.

Parece-nos que o processo é bem o inverso do que preconiza o consagrado autor: quem cumpre obrigação moral de conteúdo econômico, cumpre juridicamente. O que é puro dever de consciência, para realizar-se, necessita trafegar pelo domínio do Direito, sem, contudo, tornar-se Direito.

Enquanto que as obrigações puramente morais, de conteúdo patrimonial, precisam exprimir-se juridicamente, na forma de liberalidade, para que sejam cumpridas, as obrigações naturais, ao contrário, já existem no mundo jurídico, e quem as cumpre não pratica liberalidade alguma. Os deveres de consciência podem aí residir, mas por simples contingência.

A obrigação natural – diz o Código Civil libanês (11), art. 2º, segunda parte – é um dever jurídico cujo cumprimento não pode ser exigido, mas cuja execução voluntária tem o mesmo valor e produz os mesmos efeitos de uma obrigação civil.

Para que uma relação de direito exista, é suficiente a presença de um sujeito ativo, a quem assiste o direito à prestação, e de um sujeito passivo, a quem incumbe o dever jurídico de prestá-lo. Não será jurídico apenas o dever que, incumprido, autoriza o emprego das vias coativas, por meio da ação; igualmente jurídico será o dever cujo cumprimento produz lídimos efeitos, reconhecidos e tutelados pela lei, e de sorte a munir o obrigado com uma exceção. Ora, a exceção está no Direito tanto quanto a ação.

O direito à prestação pode ser, ou não, desde já, reclamado. Se pode ser reclamado, terá o sujeito ativo, agora verdadeiro credor, o direito de exigir a prestação, ao passo que se suscita, coetaneamente, ao sujeito passivo – agora devedor –, a obrigação (sentido estrito) de prestá-lo. A obrigação, aqui, não apenas existe, mas é dotada de plena eficácia.

As duas situações não se confundem. Assim, v.g., o sujeito ativo, malgrado tenha direito à prestação, não pode, antes do vencimento, exigi-la. Correspectivamente, o sujeito passivo, embora tenha o dever jurídico de pagar, não estará a tanto obrigado, enquanto não escoado aquele prazo. Contudo, se, ainda assim, realiza o pagamento, não se pode dizer que obrigação não tenha existido, no sentido jurídico da palavra. A solução não admite repetição. Se a obrigação tem por fim imediato uma prestação, esta estará juridicamente satisfeita no exato momento em que o sujeito ativo realiza o seu direito, com o cumprimento, pelo obrigado, de seu dever, pouco importando que o objeto em débito fosse exigível, ou mesmo acionável.

A coercibilidade aparece num terceiro momento. Se o sujeito passivo não cumpre a obrigação exigível, instaura-se, para o credor, o poder jurídico de sujeitar, patrimonialmente, o devedor, invocando, no mais das vezes, a tutela judicial. Mas aí estamos no instante da crise da relação obrigacional. A ação, que visa à coação, penetra no domínio da obrigação apenas como um fenômeno contingente. Daí a propriedade do argumento de GOFFREDO TELLES JÚNIOR (12), mutatis mutandis invocado: a tese de que a coação é um elemento da essência da norma jurídica leva à insustentável e absurda conseqüência de que o Direito voluntariamente cumprido não é Direito, porque não é acompanhado de coação. No plano do direito das obrigações diz-se o semelhantemente: a relação obrigacional não perde o seu caráter jurídico se o sujeito ativo prescinde do exercício do direito de ação para fazer valer o seu crédito, ante o cumprimento voluntário que lhe faz o seu devedor.

O exemplo de SEMY GLANZ (13) é esclarecedor: "se alguém é credor de outrem, por uma dívida líquida, ainda não vencida, como nos títulos de crédito, já tem direito subjetivo ao crédito, mas não pode pretender que o devedor pague antes do vencimento". Mas – acrescemos –, neste caso, pode o devedor cumprir o seu dever, extinguindo a obrigação. "Ocorrido o vencimento – prossegue o ilustre atualizador da obra monumental de CARVALHO SANTOS – já o credor pode pretender o pagamento: nasce a pretensão (exigibilidade). O devedor fica sujeito a cumprir a prestação. Se cumpre, extingue a pretensão e o direito de crédito. Se não cumpre, tem o credor a garantia legal para efetivar o seu direito: a ação de direito material."

As obrigações ditas civis são as que têm a possibilidade de ser, ou já são, exigíveis; e, porque exigíveis, são ou podem vir a ser acionáveis. Mas não se situam alheias ao Direito as obrigações mutiladas, assim consideradas porque desguarnecidas do atributo da exigibilidade, originariamente ou em virtude de um fato jurídico superveniente. Estas são as obrigações naturais.

As obrigações naturais, observa, com pertinência, HUMBERTO TEODORO JÚNIOR (14), com apoio em GIANTURCO, bem poderiam ter o seu cumprimento imposto, coercitivamente, pela lei. A ausência de exigibilidade resulta não da essência do vínculo, mas de uma opção legislativa. É de se registrar, por seu turno, que, se a lei não outorga exigibilidade a tais obrigações, não as deixa, contudo, ao completo desamparo, eis que as protege com uma exceção, que se exprime na solutio retentio.

As obrigações naturais reúnem aqueles elementos mínimos para que se reputem verdadeiras obrigações: há presença de um sujeito ativo, a quem assiste o direito à prestação, e um sujeito passivo, a quem incumbe o dever jurídico de prestá-lo. É aqui que se distinguem das obrigações morais; estas, conforme estabelece GARCÍA MÁYNEZ (15), com lastro em RADBRUCH, são deveres, pura e simplesmente, enquanto que as obrigações naturais têm o caráter de uma dívida para com o titular do direito correlativo. Mas não podem ser exigidas, e, por via de conseqüência, não geram ações. Neste passo, é oportuno registrar que não se afigura correto dizer que as obrigações naturais são aquelas a quem a ordem jurídica nega a ação. Não. O que se lhes nega é a exigibilidade. A ação pressupõe, necessariamente, a existência de um crédito exigível, porém insatisfeito. Se o crédito não pode, sequer, ser exigido, por deficiência ingênita da obrigação, o não pagamento não implica violação qualquer. A noção de ação – cujo nascimento pressupõe, justamente, o malferimento do direito – é, assim, absolutamente estranha às obrigações naturais. A exceção é-lhe, contudo, indissociável: o que as caracteriza como obrigação é justamente, a par da irretratabilidade do pagamento, a solutio retentio. A rigor, deve-se caracterizar a obrigação natural não com o que lhe falta, mas com o que produz ou é susceptível de produzir. Enquanto a obrigação civil produz, ou pode produzir, uma pretensão (e, por conseqüência, uma ação), a obrigação natural é susceptível de produzir uma exceção.

Malgrado não possam ser exigidas, as obrigações naturais, porque obrigações verdadeiras, podem ser cedidas, novadas ou remitidas. E admitem, a fortiori, pagamento, conservando tal solução os efeitos típicos que se obteriam se se tratasse de cumprimento de uma obrigação perfeita.

O devedor, que paga dívida fundada em obrigação natural, jamais pratica liberalidade, antes cumpre um dever juridicamente existente e válido. De sua feita, o credor não pode repetir o que pagou, mas tem direito à quitação regular. Esses efeitos, não se pode negar, são absolutamente alheios ao mundo ético. Respeitam, apenas e exclusivamente, ao universo do Direito.

Ora, se a prescrição tem a virtude de convolar em natural a obrigação civil (16), segue-se que o direito à prestação não desapareceu. O vínculo permanece, malgrado menos intenso. Daí o acerto de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA (17) quando afirma que a solução de uma dívida prescrita pressupõe a existência anterior de um débito, que não podia ser exigido pelo credor, mas que nem por isso deixava de ter corpo e substância.

Se a hipótese é a de pagamento, quando já exaurido o prazo prescricional, mas quando não ainda declarada e recebida a argüição de prescrição, o que se cumpre é uma dívida civil, não uma obrigação natural.

Por seu turno, a solução que se faz em cumprimento de uma obrigação prescrita – e esta muitos crêem não equivaler a uma obrigação natural – não é pagamento indevido. É solução mesmo.

Escreve M. I. CARVALHO DE MENDONÇA (18) que, "se o devedor que tinha a seu favor a prescrição consumada, deixou de alegá-la e pagou o débito, nenhuma obrigação nova criou; pagou débito civil anteriormente existente, reconheceu um direito anteriormente firmado, que nunca deixou de existir."

Pelo mesmo motivo, não pode ser considerado como simples ato de liberalidade a renúncia que faz o devedor aos efeitos da prescrição consumada (rectius: do estado de prescritibilidade efetiva; vide Capítulo Quinto, infra).

Assim, parece-nos induvidoso que extinção da ação não induz, reflexamente, ao perecimento do direito. Preferível, destarte, a doutrina de PLANIOL e RIPERT (19): com a prescrição, o direito não fica extinto, mas modificado, posto que desprovido de ação; a obrigação prescrita sobrevive como obrigação natural, suscetível de pagamento ou de reconversão em civil pela promessa de pagamento.

3. A pretensão como objeto da prescrição.

Autores há que vislumbram na pretensão o objeto da prescrição. Por pretensão deve-se entender, conforme a define ENNECCERUS (20), "o direito de exigir de outra pessoa um ato ou uma omissão". Esta não se confunde com a pretensão processual, ou seja, com a "exigência de subordinação do interesse alheio ao interesse próprio" (21), na clássica definição de CARNELUTTI.

Afirma TORNAGHI (22) que, "quem tem direito pode exigir, pode pretender alguma coisa de outrem; deste se diz que tem dever, isto é, que deve fazer (omitir e tolerar são formas de fazer em sentido amplo). A pretensão, portanto, está para o direito, assim como a prestação está para o dever".

Meditando sobre o assunto, assim se manifesta o ilustre advogado gaúcho JOÃO PAULO FONTOURA DE MEDEIROS (23):

          "No momento em que um direito subjetivo a uma prestação se torna exigível, nasce para o seu titular a pretensão de direito material. Tal pretensão consiste no poder, conferido ao titular do direito subjetivo a uma prestação, de exigir, extrajudicialmente, que a pessoa que se encontra obrigada a satisfazer essa última, por ocasião de uma relação jurídica de direito material que isso lhe impõe, efetivamente o faça. Em suma, consiste a pretensão de direito material no poder que alguém possui de exigir, extrajudicialmente, que outrem satisfaça uma determinada prestação, que é devida por este àquele em virtude da existência de uma relação jurídica entre ambos."

A pretensão distingue-se da ação de direito material .

Em brilhante estudo, o ilustre professor CHARLES ANDRADE FROENLICH, professor da Universidade de Santa Cruz do Sul, estabelece a distinção (24):

          Mas, antes mesmo da conceituação tradicional, há um outro e fundamental erro na lei e na doutrina derivada do CC/16: a redação equivocada do art. 75 do CC/16, ou seja: "a todo direito corresponde uma ação, que o assegura". Conforme festejada doutrina, o referido artigo traduziu muito mal o termo alemão Anspruch, o qual corresponde adequadamente à pretensão, entendida essa, como "o poder de exigir ou a exigência do cumprimento da prestação dependente da vontade do obrigado".

          A mesma doutrina tem lecionado sobre os planos concatenados do direito subjetivo, pretensão e ação de direito material. Assim, o direito subjetivo corresponde aos poderes/faculdades derivados da incidência da norma nos fatos (a juridicização) ou, na feliz síntese de Araken de Assis, equivale a "ter direitos". É uma categoria jurídica estática. Quando se pode exigir o cumprimento da obrigação, temos a pretensão, i.é, o poder de exigir ou a exigência que depende, ainda, do comportamento do obrigado. Pretensão, então, é "poder exigir", "querer", "pretender". Quando o sujeito passivo não realiza sua obrigação ou dever jurídico, teremos uma ação para a satisfação, ação que independe do comportamento do obrigado. A ação é, então, o "agir do titular do direito para a sua realização, independentemente do comportamento do obrigado". Para iluminar a discussão, citamos lição clássica do douto processualista gaúcho Ovídio A. Baptista da Silva:

          Se sou titular de um crédito ainda não vencido, tenho já direito subjetivo, estou na posição de credor. Há o status que corresponde a tal categoria do Direito das Obrigações, porém ainda não disponho da faculdade de exigir que o devedor cumpra o dever correlato, satisfazendo a meu direito de crédito. No momento em que ocorrer o vencimento, nascer-me-á uma nova faculdade de que meu direito subjetivo passará a dispor, qual seja o poder exigir que o devedor preste, satisfaça, cumpra a obrigação. Nesse momento, diz-se que o direito subjetivo – que já existia, embora se mantivesse em estado de latência – adquire dinamismo, ganhando uma nova potência a que se dá o nome de pretensão. (…) A partir do momento em que posso exigir o cumprimento do dever que incumbe ao sujeito passivo da relação jurídica, diz-se que o direito subjetivo está dotado de pretensão.

          A pretensão é meio para fim, mas este fim, na medida em que apenas exijo o cumprimento do dever jurídico, é obtido mediante conduta voluntária do obrigado. O exercício da pretensão, pois, ainda não realiza meu direito subjetivo, uma vez que sua satisfação ficará na dependência da ação do obrigado, prestando, cumprindo, satisfazendo a obrigação. O exigir, que é conteúdo da pretensão, não pode prescindir do agir voluntário do obrigado, ao passo que a ação de direito material (…) é um agir do titular do direito para a sua realização, independentemente da vontade ou do comportamento do obrigado.

A ação de direito material é o poder, tutelado pela ordem jurídica, conferido ao titular de um direito subjetivo violado, de realizá-lo coativamente. A ação material envolve, antes de tudo, uma garantia de satisfação. A lei, portanto, faculta e garante, ao sujeito de direito, o emprego das vias coativas, necessárias e adequadas à satisfação, ao restabelecimento ou à reparação do direito. Assim, exerce ação não apenas o que aciona judicialmente, mas também aquele que, autorizado pela lei, exerce a autotutela. O credor, quando executa uma nota promissória, age. Mas também agem os que, sem recorrer ao Poder Judiciário, coagem validamente. Destarte, age a administração federal quando, retendo o pagamento, procede à reposição, ao Erário, de verbas ilegitimamente auferidas por servidor; age, também, a autoridade de trânsito quando apreende um veículo que trafegava em situação irregular; age aquele que, empreendendo o desforço imediato, mantêm-se na sua posse, repelindo os turbadores; age, finalmente, quem declara a compensação, na hipótese em que esta é voluntária. A ação de direito material, que pressupõe a exigibilidade, consiste, pois, no poder, atribuído ao titular de um direito subjetivo, de empregar, de per si, ou mediante atividade substitutiva do Estado, as vias coativas, postas à sua disposição pela ordem jurídica, com vistas à satisfação, ao restabelecimento ou à reparação do direito vilipendiado. Vê-se, pois, que a ação judicial – esta dita imprescritível, mas, a rigor, absolutamente estranha ao fenômeno prescritivo, porquanto desvinculada de qualquer direito subjetivo ontologicamente existente – pode conter, mas não necessariamente, uma ação de direito material.

É neste sentido que se manifesta PONTES DE MIRANDA (25):

          "A ação exerce-se principalmente por meio de ‘ação’ (remédio jurídico processual), isto é, exercendo-se a pretensão à tutela jurídica, que o Estado criou. A ação exerce-se, porém, de outros modos. Nem sempre é preciso ir-se contra o Estado para que ele, que prometeu a tutela jurídica, a preste; nem portanto, estabelecer-se a relação jurídica processual, na qual o juiz haja de entregar, afinal, a prestação jurisdicional. A ação nada tem com a pretensão à tutela jurídica.

          A coerção jurídica nem sempre é judicial. Há, por exemplo, a compensação, que é jurídica, e não é, de regra, judicial: nela, é evidente o fato de auto-satisfação do credor. Há a excepcional defesa própria (e.g., Código Civil, art. 502), que em verdade é anterior, historicamente, à execução forçada, e o exercício da coerção física que o Código Civil excepcionalmente permite."

A regra está em que, a partir do instante em que o direito pode ser exigido, nasce a pretensão. A ação é contingente e logicamente sucessiva à pretensão: somente quando a pretensão não é satisfeita, por culpa do obrigado, é que surge a ação de direito material.

PONTES DE MIRANDA (26) é, entre nós, um dos que sustentam a prescritibilidade das pretensões, sem negar, contudo, a da ação. Segundo ele, "a prescrição não atinge, de regra, somente a ação; atinge a pretensão, cobrindo a eficácia da pretensão e, pois, do direito, quer quanto à ação, quer quanto ao exercício do direito de cobrança direta, ou outra manifestação pretensional. No definirem a prescrição, alguns autores só se referem a ação. De regra, a prescrição concerne a toda eficácia da pretensão, portanto à pretensão e à ação."


CAPÍTULO SEGUNDO

EFICÁCIA DA PRESCRIÇÃO NA DOUTRINA

A doutrina majoritária atribui eficácia extintiva à prescrição, quer esta ataque os direitos, as ações ou as pretensões.

Mas outra há que, em contraponto, a ela confere efeito simplesmente neutralizante.

No direito alemão, em que o direito subjetivo põe-se a salvo dos efeitos da prescrição (27), a pretensão (Anspruch), consoante fez ver PLANK (28), não é extinta pela prescrição. Contra a pretensão erige-se, apenas, uma exceção, que tem o escopo de paralisar-lhe a eficácia. O efeito da prescrição consumada, averba CROME (29), implica jamais o aniquilamento da pretensão; a prescrição confere ao sujeito passivo da pretensão um direito, que se traduz em um contra-direito contra aquela pretensão.

De par com o direito teutônico, e concebendo a oposição de prescrição como exceção pura – e que, como tal, não pode intervir para extinguir direitos, senão para neutralizar-lhes a eficácia –, PONTES DE MIRANDA (30) ensina que ela, a prescrição, não atinge, de regra, somente a ação. Atua, igualmente, e especialmente, sobre a pretensão (= direito de exigir uma ação ou omissão). O decurso do prazo faz nascer a exceção de prescrição. A partir deste instante, a pretensão, ou esta e a ação, ficam acobertáveis. Em fazendo uso da exceção, mediante declaração de vontade, o sujeito obrigado acoberta a pretensão, ou esta e a ação. A dívida dita prescrita é a dívida que se expõe a ser encoberta; apenas a oposição da exceção da prescrição é que tem o efeito de encobrir, definitivamente, a eficácia da ação ou da pretensão.

A doutrina de PONTES DE MIRANDA é aceita por SEMY GLANZ (31), que nos dá, em breves palavras, uma síntese da teoria do encobrimento (neutralização) da eficácia da pretensão:

          "Admitindo, porém, que seja a dívida civil, por exemplo, os aluguéis de prédio rústico ou urbano, se não os cobra o credor durante cinco anos, o que ocorre? O art. 178 – § 1º do Código Civil fixa neste prazo a prescrição. Mas como se verifica esta? Se o devedor se nega a pagá-los e apenas seis anos após o autor ingressa para cobrá-los em juízo, o juiz manda citar o devedor, de ofício, não pode deixar de fazê-lo (art. 166 do C. Civil). O réu pode (se quiser) alegar a prescrição. Se o fizer e o juiz aceitar como verificado o fato antes da citação, não será o réu condenado a pagar. Ainda, porém, que passe em julgado esta sentença, que reconheceu a prescrição, se o devedor quiser poderá pagar e o credor poderá validamente dar quitação. Ora, se a prescrição extinguisse o direito de crédito, ficaria extinta a obrigação, vele dizer, o direito subjetivo do credor, que não poderia mais receber. Donde se conclui que a prescrição não extingue o direito. O direito fica indiretamente lesado, pela inércia do credor, pois que o Direito não socorre aos que dormem. Mas, se o direito subjetivo não foi atingido, algo o foi pela prescrição. O direito permanece, mas foi atingida a sua pretensão (isto é, exigibilidade). Mas, se no mesmo exemplo, o devedor, podendo, não alega a prescrição e resolve discutir o mérito, vindo a ser condenado, será coagido até a penhora. Pois não cabe ao juiz, de ofício, conhecer da prescrição e só a defesa indireta (exceção) é que paralisa a eficácia da pretensão. Daí dizer PONTES DE MIRANDA que a eficácia da pretensão fica encoberta. Donde podemos conceituar: Prescrição é o impedimento à pretensão não exercida no prazo legal, ante a exceção substancial argüida pelo réu e aceita judicialmente."

A exceção de prescrição, para PONTES DE MIRANDA, encobre a eficácia da pretensão (e da ação). E, por se constituir em exceção peremptória, o faz para todo o sempre, salvo se há, posteriormente, renúncia pelo obrigado. Mas, em sendo a pretensão o poder, reconhecido e tutelado pelo Direito, de exigir-se uma prestação, seria de indagar-se se a própria substância – a essência mesma – da pretensão não estaria arruinada quando paralisada, ad perpetuum, por uma exceção.

Ora, se a pretensão é faculdade jurídica que se exerce positiva e energicamente, é difícil conceber uma pretensão inerte, neutralizada, ineficaz, e, ainda assim, pretensão. Pretensão ineficaz soa-nos como uma contradição in terminis. A exigibilidade já é a emanação da própria eficácia do direito subjetivo ao qual se liga. Pode-se imaginar, de fato, exceções que neutralizem a eficácia do direito subjetivo, inclusive por atingi-lo na pretensão ou na ação. Mas é difícil, senão impossível, encobrir-se a eficácia do que já é, em si mesmo, pura eficácia. E não se abstrai a operatividade da eficácia, senão aniquilando-a. Como a pretensão é a possibilidade de exigir juridicamente, deflui, logicamente, que uma pretensão, que passa, ad aeternum, à não-operatividade, pela alegação de prescrição, se algo o será, já não será em si pretensão. Se se retira da pretensão aquela possibilidade, dela se amputa um elemento essencial à própria conceituação jurídica. Uma pretensão para sempre desfalcada da possibilidade de tornar-se exigência só pode ser explicada se o emprego da exceção, que lhe é oposta, inutiliza radicalmente aquela potência, conduzindo-a, inexoravelmente, à extinção.

Parece-nos que, se a exceção de prescrição apenas paralisa a eficácia da pretensão (ou da ação), neutralizando a força impositiva (ou, por conseguinte, coercitiva) do direito, não o pode fazer ad aeternum, sob pena de negar a própria essência da exigibilidade (e, por conseqüência, da coercibilidade). Mas, se a exceção é apenas transitória, sacada para neutralizar e repelir a pretensão (ou a ação) no momento do exercício, a segurança das relações jurídicas, e a paz social, que justificam o instituto, estariam absolutamente comprometidas. E assim o estariam porque, se a ação e a pretensão não se extinguem, mas são apenas repelidas, por fato de uma exceção, produzida no processo ou fora dele, nada poderia impedir que, ulteriormente, viesse o titular do direito prescrito a exigi-lo ou acioná-lo.

Daí por que se nos afigura difícil conceber a prescrição como exceção pura e, portanto, destituída de qualquer eficácia extintiva.


CAPÍTULO TERCEIRO

NATUREZA JURÍDICA DA PRESCRIÇÃO NA DOUTRINA

Também não há, na doutrina, consenso quanto à natureza jurídica da prescrição. Sustentam não poucos autores que a prescrição é fato jurídico. Esgotado o prazo previsto em lei, a prescrição opera os seus efeitos, independentemente e até mesmo contra a vontade das partes. Assim pensa JOSÉ PAULO CAVALCANTI (32), para quem a prescrição deve incluir-se entre as figuras que acarretam a perda do direito, como conseqüência de uma atitude objetiva considerada pela lei – a fluência do tempo –, sem qualquer consideração pela determinação da vontade do titular. É neste sentido que se movimenta a inteligência de CLÓVIS (33):

          "A prescrição, para cumprir o seu efeito extintivo ou liberatório, não necessita de outro requisito, senão o decurso do tempo.

          [...]

          A prescrição entra na classe das exceções peremptórias, que excluem a intenção do autor [...]"

Para outros, a prescrição – salvo exceção de lei – não opera pleno jure, devendo o interessado argüí-la. Porque exceção ou defesa, "requer invocada pela pessoa a quem aproveita, e só à solicitação da parte pode o juiz decretá-la" (34).

O simples decurso do prazo, por si só, não tem, conforme ponderam os autores que concebem a prescrição como exceção (35), a virtude de afetar o direito, a ação ou a pretensão; possui, contudo, a potência de conferir, ao obrigado, uma exceção, da qual este se poderá valer, utilmente, se e quando o titular do direito o acionar. A alegação do interessado, é, assim, para essa corrente, nas expressivas palavras de ORLANDO GOMES (36), "um requisito configurativo da prescrição."

Não obstante pareçam claros os disjuntos termos em que se estabelece, doutrinariamente, a natureza jurídica da prescrição – fato ou exceção, excludentemente – a verdade é que os autores, embora sustentem essa ou aquela tese, geralmente terminam, no desenvolvimento do tema, por incidir em contradições (37), ao não atentarem para as conseqüências que logicamente derivam do princípio nuclear ao qual aderiram.

A rigor, se o princípio fundamental, que deve presidir à elaboração teórica do instituto, reside em que a prescrição é fato jurídico – opera sine facto homines –, é de se ter, como decorrências inarredáveis, as seguintes conclusões:

          a) o simples decurso do prazo opera a prescrição, independentemente da declaração de vontade do prescribente;

          b) é prescrito o direito (ou a ação ou a pretensão) não exercido no prazo;

          c) se se considera que é a ação (ou a pretensão) o que prescreve, o direito, que sobrevive – e para não poucos como mera obrigação natural –, não pode ser legitimamente exigido ou acionado; se o obrigado presta, não pode ser compelido a repetir;

          d) o juiz pode decretar a prescrição de ofício, quando a encontrar provada nos autos.

Mas, se se parte de um postulado nuclear oposto, que concebe a prescrição como exceção, as conseqüências são outras, a saber:

          a) o decurso do prazo não extingue, ou acoberta, os direitos, as ações ou as pretensões, senão confere uma exceção ao prescribente;

          b) a prescrição somente se configura se o prescribente, ou alguém legitimado, a declara;

          c) se se considera que é a ação (ou a pretensão) o que prescreve, o direito, que sobrevive, pode ser, a despeito do exaurimento do prazo, ainda assim, legitimamente exigido ou acionado; se o prescribente presta, cumpre uma obrigação perfeita;

          d) o juiz não pode decretar, de ofício, a prescrição, porquanto esta resulta de um ato de vontade.

Para nós – ver-se-á oportunamente –, o decurso do prazo nada extingue ou paralisa; condiciona, contudo, a exigibilidade do direito, que passa a subordinar-se ao poder jurídico, coetaneamente suscitado em prol do obrigado, de resolver a pretensão que lhe é oposta ou oponível. A prescrição, que se passa, exclusivamente, no plano do direito material, não é, apenas, meio de defesa. É negócio jurídico unilateral, receptício de vontade, que se realiza em juízo ou fora dele, e que tem por efeito a extinção da exigibilidade do direito que não fora exercido no prazo fixado em lei.


CAPÍTULO QUARTO

O DIREITO POSITIVO EM FACE DO OBJETO, EFICÁCIA E
NATUREZA JURÍDICA DA PRESCRIÇÃO

1. O objeto e eficácia extintiva da prescrição no sistema positivo de Direito Civil.

O Art. 189 do Código Civil dispõe que, "violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206."

O exame do dispositivo retrotranscrito induz, imediata e inelutavelmente, às seguintes ilações:

          a) A prescrição pressupõe a violação do direito;

          b) a prescrição atinge a pretensão, extinguindo-a;

          c) o simples decurso do prazo produz os efeitos extintivos, sine facto homines.

Essas conclusões são imediatas, mas só prevalecem quando se examina o dispositivo em sua solidão. Uma análise sistemática – ver-se-á – conduz a conclusões que parecem divergir da dicção literal da lei.

Primeiramente, tenha-se em conta que o que a lei chama pretensão nada mais é que a própria ação de direito material. Não se trata, evidentemente, da pretensão assimilada à exigibilidade pura. Neste passo, o Código, em que pese divergir na terminologia, acompanha as pegadas do anterior. Logrou, apenas, substituir o termo ação, que vinha no anterior, por pretensão, fazendo-o, decerto, para deixar assente que não é a ação processual o que prescreve, mas o poder jurídico de exigir a reparação do subjetivo, se e quando violado. Veja-se, porém, que o termo "pretensão" é inadequado para exprimir o poder de exigir coercitivamente. Pretensão, na acepção civilística do termo, significa o poder jurídico, tutelado pelo direito, de exigir, de outrem, uma ação ou uma abstenção, independentemente da violação do direito. O credor, quando exige, diretamente ao seu devedor, o pagamento de uma promissória no prazo do vencimento, exerce a sua pretensão. Se o devedor não paga, surge a ação de direito material. E é a esta que o Código se refere ao utilizar o vocábulo pretensão.

O Código prestigia, assim, a doutrina que toma a ação (de direito material) – e não o direito – como o elemento jurídico afetado pelo prazo prescricional. Parece sufragar a tese, defendida por BEVILÁQUA e CÂMARA LEAL, segundo a qual o fato de não se exercer o direito não é bastante para subtrair-lhe o vigor, já que a infruição do direito não é incompatível com a conservação das faculdades jurídicas nele contidas; apenas em caso de violação do direito é que se instaura uma situação antijurídica, removível pelo emprego da ação. É o não uso da via defensiva que atrofia e faz perecer a ação – o tegumento protetor – deixando-se intacto, contudo, o direito subjetivo sobre o qual se operou a prescrição.

Esta última inferência é ratificada pelo que dispõe o art. 940: o credor que demanda além o que lhe é efetivamente devido ficará obrigado a pagar ao devedor o equivalente ao que dele exigiu, salvo se houver prescrição. É dizer: ainda que prescrita a dívida, o direito existe, e a ordem jurídica não proíbe que seja demandado. Permanece a faculdade do titular em fazê-lo. Extinguisse a prescrição, mesmo que por via reflexa, o direito, e a solução seria distinta: haveria a necessidade de pagar-se, ao acionado, a parte fulminada pela prescrição.

Mas o Código, ao invés do que poderia fazer crer o art.189, não descarta, em absoluto, a prescritibilidade das pretensões. Para que se chegue a esta conclusão, é suficiente que se examinem as hipóteses do art. 199, nas quais a lei não alude, em absoluto, à violação do direito como pressuposto da prescrição.

Se pende condição suspensiva, ou não está o prazo vencido, a prescrição, obviamente, não pode correr. E o prazo prescricional não escoa porque, em tais hipótese, não há, ainda, a exigibilidade. O direito não é eficaz. Todavia, uma vez exigível a prestação, passa a prescrição a correr naturalmente, sem que, para tanto, precise cogitar a lei, como o fizera no art. 189, em violação a direito subjetivo.

Se a violação do direito fosse, sempre, pressuposto da prescrição, o art. 199 seria, de todo, ocioso, já que o implemento da condição, ou o advento do termo, por si sós, sem o elemento antijurídico, seriam inábeis a induzir à fluência do prazo.

Mas o que o dispositivo citado está a dizer, sem qualquer cogitação a violação de direito (38), é que, no momento em que advém o termo, ou se cumpre a condição, passa a correr o prazo prescricional, se o titular do direito, cumprindo-lhe o ônus de perseguir a prestação – como é a regra, CC, art. 327 –, permanece inerte. E não poderia ser de outra forma. A pensar-se diferente, dar-se-ia vazão a toda sorte de iniqüidades. Alguns exemplos deixarão clara a nossa idéia.

Imagine-se a hipótese do credor de dívida líquida, constante de instrumento, que, para fazer valer o seu direito, tenha de apresentá-lo ao devedor. Mas, vencido o prazo para a apresentação do título, condição sine qua non ao pagamento, o credor queda-se inerte, e permanece inativo por longo tempo. Indaga-se: transcorrido o prazo de cinco anos, seria obstado ao devedor argüir a prescrição, a pretexto de que o direito do credor não teria sido violado? Intui-se que não. Se quem viola o direito se beneficia da prescrição, por que negar o mesmo favor a quem se coloca em uma situação de conformidade com o direito? Nesta hipótese, o que prescreveu foi a pretensão, não a ação. Esta, no exemplo dado, sequer chegou a nascer.

Imagine-se, ainda, que a dívida seja querabile, mas o locador, que deve procurar a prestação no domicílio do devedor, não se incumbe do encargo. Tenha-se em mente, que, como a consignação em pagamento é simples faculdade, e não dever jurídico, não se pode exigir, do locatário, no exemplo que se ora considera, que deposite a prestação. Transposto o triênio, é de se conferir, ao devedor, o poder de repelir a pretensão tardia do credor. Neste caso, sem que se cogite na violação do direito do senhorio, por fato do locatário, prescrição houve, e esta atingiu a exigibilidade.

Parece-nos que o não uso do direito conspira contra a sua preservação se tal direito é daqueles que, para se fazer valer, requer uma atividade do titular em face sujeito obrigado. A inação do titular instaura, aqui, o mesmo estado de insegurança e incerteza resultante da inatividade de quem teve o direito violado, e que deve ser, de igual forma, suplantado pela prescrição. Disse CARPENTER (39), com estilo, e algum acerto, que "a ação é... o próprio direito violado, em atitude enérgica, clamando pela reintegração". Mas não é, como quer o professor do Rio de Janeiro, em hipótese alguma, "o próprio direito não violado, mas exigível, reclamando pela realização". Aqui temos uma definição exata da exigência, que é a materialização da exigibilidade. Ora, não se pode deixar, indefinidamente, ao alvedrio do credor o momento oportuno para exigir. A segurança das relações jurídicas não o admite. Devem-se conceder prazos para que titular do direito exerça a sua exigência. Se não o faz, a pretensão prescreve.

Urge assim que se trace a linha divisória entre a prescrição da ação e a prescrição da pretensão.

Se o direito existe, mas não é exigido, por inércia do titular, a hipótese é a de prescrição da pretensão, correndo esta a partir do momento em que o sujeito ativo podia pedir a prestação.

Se o direito existe, mas não é exercido, porque o obrigado não entregou a prestação, a hipótese é de prescrição da ação e da pretensão que a contém.

Cabe distinguir:

a) Direitos existem que não são atingidos, substancialmente, quando lesados. Permanecem íntegros, apesar de violados. Tal se verifica nas hipóteses em que há uma pretensão a uma prestação positiva. A pretensão, na hipótese, nasce momento em que o titular pode exigi-la. Se e apenas quando o direito é violado, exsurge a ação. A prescrição conta-se do surgimento da pretensão; ou desta e da ação, se nascem juntas.

b) Mas há aqueles cuja violação, sem acarretar a extinção do direito subjetivo, opera-lhe a degradação moral ou econômica. Há, aqui, a pretensão a uma abstenção. Pode ser pessoal, mas, se oponível erga omnes, sói concentrar-se em determinada pessoa, como no caso de turbação ou ameaça de lesão. A pretensão, em um ou noutro caso, dirige-se a um não-fazer, e a ação não espera pela agressão: nasce com a simples ameaça do direito. Se, contudo, o direito é lesado, a pretensão à abstenção, que se extingue, dá lugar à pretensão à reparação, ou a restituição ao status quo ante, nascendo – assim como a ação –, com a lesão. A partir daí, conta-se a prescrição.

c) E há direitos que, por decorrência da simples violação – ou por conta da intensidade, extensão, ou irreversibilidade dos efeitos da violação –, se extinguem. Neste caso, a pretensão se extingue com o direito e, com ele, igualmente, o tegumento protetor. Mas se instaura, em contrapartida, e em momento logicamente sucessivo, relação outra, cujo objeto consiste no pagamento de uma indenização. Constituído o vínculo havido por sub-rogação legal, nascem, coetaneamente, direito, pretensão e ação.

Desde o preciso instante em que o titular do direito pode exigi-lo, exsurge a pretensão. A ação vem posteriormente, se e quando o direito exigível é violado. Ainda que nasçam no mesmo instante cronológico, a pretensão precede, logicamente, à ação. A pretensão é um prius relativamente à ação. De fato, só pode agir quem pode exigir. Estabelecida a precedência lógica da pretensão, o corolário que se impõe é o de que não há ação que não seja amparada por uma pretensão: quem age, exige. Mas a recíproca não é verdadeira. Pode-se exigir sem agir. A pretensão é susceptível, por conseguinte, prescrever sozinha. O poder de exigir um comportamento alheio pode prescrever sem que se cogite em violação de direitos. Mas, se a pretensão contém uma ação, esta com aquela prescreve. A pretensão, que é pressuposto de existência da ação, prescreve, contudo, em um momento logicamente anterior. A ação prescreve ex consequentia.

2. O Código Civil e a natureza jurídica da prescrição.

A ação (pretensão, conforme a terminologia empregada pelo Código) prescreve com o implemento do prazo. É o que afirma o Código, no art. 189.

Contraditoriamente, o Código declara, no art. 194, que o juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a incapaz.

Difícil, senão impossível, conciliar ambos os dispositivos.

Em um – art. 189 –, afirma-se que a prescrição opera de pleno direito, sine facto homines ("a pretensão [...] se extingue pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts..."). Noutro – art. 194 –, exige-se que a prescrição seja alegada ("o juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição...").

Gritante, pois, a antinomia que se estabelece entre os artigos indicados. Conforme o primeiro dos artigos (art. 189), a prescrição opera ipso juris, pelo tão-fato do transcurso do tempo, o que, por decorrência puramente lógica, tornaria prescindível a argüição em juízo: a prescrição resulta de uma circunstância fática, objetivamente considerada pela lei, independentemente da vontade e do conhecimento das partes. Segundo o outro (art. 194), a mesma prescrição realiza-se não por arte da exaustão do prazo, mas exceptionis ope, não apenas requerendo, mas tornando imprescindível, aquela alegação.

O decurso do prazo, extinguindo a ação, produz a prescrição, proclama o art. 189. O que significa dizer que, verificado o fato, produzem-se os efeitos da prescrição, independentemente de qualquer ato de vontade, por pura decorrência da lei. Se assim o é, pouco importaria, obviamente, para a configuração da prescrição, a declaração do favorecido. A prescrição realiza-se, segundo o artigo invocado, independentemente da vontade do prescribente, e até contra a sua vontade. Opera-se, assim, na consciência das partes, ou fora dela.

Ora, se o implemento do prazo é o fato jurídico, objetivamente considerado pela lei, que extingue a ação (art. 189), não haveria por que se negar ao juiz, garantido o contraditório, o poder de declarar, de ofício, a prescrição, quando esta se encontra provada nos autos. O juiz não agiria de maneira diferente se a hipótese fosse de pagamento, ou de qualquer outro meio extintivo de direitos (40) ou pretensões (41) argüível pela via direta. Se a ação já está extinta por arte do decurso do prazo, e isso se torna evidente, indiscutível, no processo, seria um contra-senso, e mesmo uma iniqüidade, deixar o juiz de decretá-la. Vejamos: consumada a prescrição, pelo decurso do prazo, o titular não mais pode exigir, coercitivamente, a prestação; mas, mesmo assim, o juiz a impõe ao obrigado. O titular do direito subjetivo, que já não tem ação contra o réu, exerce uma poder puramente de fato, com o que o Estado-Juiz submete o réu a uma coação não mais emanante do direito subjetivo e desamparada pelo direito objetivo.

Se se parte do pressuposto de que a prescrição – que é matéria de ordem pública – opera ipso jure, independentemente do querer do prescribente, não se teria por que subordinar a sua decretação à manifestação de uma vontade anódina e inoperante. Contra a argüição de que o juiz não pode declarar a prescrição, porque ela envolve um ato de consciência (42), CARPENTER (43) argumenta, com argúcia, que, "pronunciada ex officio a prescrição, ainda pode o prescribente ou o interessado renunciá-la, dando assim satisfação aos seus escrúpulos de consciência". E se o prescribente não a alega, porque, malgrado evidente a prescrição, pretende provar a ilegitimidade do direito que lhe é pleiteado, a inação judicial implicaria a subordinação da Jurisdição, que visa antes de tudo à ágil solução dos conflitos, e à pacificação social, aos simples escrúpulos de consciência de quem, em assistindo razão, já não mais pode ser, de qualquer forma, constrangido a prestar. A lide permanecerá acesa, e o processo, que poderia ser rápida e convenientemente extinto, desenvolver-se-á, em todas as suas fases e incidentes possíveis, com gastos e dispêndio de energias preciosas, desnecessariamente, para alcançar um mesmo resultado prático. O querer – e mesmo o capricho – do prescribente, em discutir o mérito, por via de defesa, não se concilia, assim, com a seriedade e com o caráter eminentemente público que hoje não apenas se imprime, mas antes consubstancia a atividade jurisdicional.

A vedação à pronúncia ex officio, na prescrição concebida sine facto homines, apresenta-se ainda mais injustificável quando o réu, no dizer de CARPENTER (44), "resiste à demanda com todas as sortes de defesa, ainda as mais pueris, e só não alega a prescrição por erro, ignorância, ou inadvertência". Neste caso, em que não cabe aludir aos "escrúpulos de consciência", restaria ao juiz, ante a resistência do réu, decretar a prescrição já operada ipso juris.

O recusar-se, ao juiz, a decretação, ex officio, da prescrição sine facto homines, conduz, irremediavelmente, a um paradoxo: a prescrição extingue a ação (ou pretensão); mas, se o prescribente não a alega, o titular maneja uma ação (ou pretensão) extinta.

Parasse por aí o legislador, e dúvida não haveria: a prescrição, porque opera de pleno direito ao exaurir-se o prazo assinado pela lei, prescinde da invocação das partes, e pode ser, de ofício, decretada pelo juiz. Mas há o artigo 194, que caminha em sentido diametralmente oposto; ao fazer da alegação uma exigência, e não simples faculdade, nega a lei, paradoxalmente, possa a prescrição realizar-se sine facto homines.

A exigência de argüição, nos termos do recém-citado dispositivo legal, é uma realidade incontestável. O Código, no art. 194, alude ao suprimento da declaração de prescrição pelo juiz. Tal expressão deixa a salvo de qualquer dúvida que, mesmo no caso em que é absolutamente incapaz o prescribente, a argüição da prescrição é imprescindível. Há de ser oposta, sempre, a exceção à ação. Se não se opõe a exceção, a ação prospera. Mas, como prosperar uma ação que, conforme estabeleceu o art. 189, se extinguiu com o prazo? Por que se exigir a declaração de vontade para operar o que o decurso do prazo já exauriu, já o fez completamente?

A imposição de que seja a prescrição suscitada em juízo, e assim necessariamente, só se afina com um embasamento teórico que nega eficácia extintiva ao simples decurso do prazo; o fenômeno prescritivo reclama, aqui, uma postura ativa do prescribente. Mas, vejamos: ou a prescrição opera de pelo direito, e não se faz necessário alegá-la para que ela se configure, ou, ao contrário, a prescrição é produto da vontade, requerendo seja argüida. Se se pensa da derradeira maneira, forçoso será reconhecer que os efeitos da prescrição – sejam estes extintivos ou neutralizantes – só se exaurem se o prescribente, por declaração de vontade, a invoca oportunamente. E a argüição de prescrição terá o efeito constitutivo-negativo se se postula que é a vontade do obrigado, operando por sobre o fator temporal, que extingue a ação. Se, porém, argumenta-se que a argüição de prescrição se insere entre as exceções puras, fica-lhe negado o efeito extintivo; a declaração de prescrição neutraliza a eficácia da ação (ou da pretensão). E, porque concebida, em qualquer dessas vertentes de pensamento, como arma de defesa, para extinguir ou neutralizar a ação, é evidente que o juiz não pode declará-la de ofício, devendo aguardar, sempre, a iniciativa da parte.

Parece, assim, que, nos dispositivos assinalados, o Código civil positivou correntes lógico-doutrinárias não apenas conflitantes, mas entre si excludentes. Como fazer, porém, que habitem no mesmo corpo duas almas, e duas almas antagônicas, que, entre si, disputam não a primazia, mas o domínio sobre o todo?

De tudo o quanto expusemos, apenas uma certeza suscita: segundo a letra do Código, a prescrição atinge a ação, malgrado, implicitamente, admita a prescritibilidade da pretensão. Mas se a prescrição opera ipso juris, ou, do contrário, exceptionis ope; se verdadeiramente extingue ou simplesmente confere uma exceção neutralizante; o Código, por si só, em seus conflitantes termos, não nos permite decidir.


CAPÍTULO QUINTO

PRESCRIÇÃO COMO NEGÓCIO JURÍDICO UNILATERAL

    1. Decurso do prazo e prescrição. Prescrição como exceção.

Declara o Código que, vencido o prazo, a ação se extingue. Se assim o é, a lei deveria admitir, por imperativo de ordem lógica, a decretação da prescrição, de ofício, pelo juiz. Não o fez, contudo. Antes exigiu que o prescribente excepcione.

Ora, se o simples fato do decurso do tempo extinguisse a ação, ficaria sem resposta as hipóteses em que, por não haver a alegação de prescrição, o titular realiza o seu direito. Neste caso, se ação houve, é porque, evidentemente, não se extinguiu com o decurso do prazo.

Daí a constatação de CARVALHO SANTOS (45): nas dívidas cujo prazo prescricional operou, a lei não recusa a ação, senão concede uma exceção de uso facultativo; se o devedor não alega a prescrição, a ação é procedente e, como tal, é executada, produzindo todos os efeitos legais. O que significa dizer que a ação existe enquanto não é alegada a prescrição; mas, uma vez alegada, aí, sim, a ação desaparece.

A linha teórica que preconiza a prescrição como produto exclusivo da fluência do tempo enfrenta sérias dificuldades quando, em suas possíveis conseqüências lógicas, se debruça com o problema da renúncia à prescrição. E tais contratempos lógicos surpreendem tanto os que argumentam pela extinção do direito, quanto os que defendem a ação como objeto da prescrição.

Argüir que o mero decurso do prazo faz perecer, direta ou indiretamente, o direito, significa alijar a renúncia à prescrição à inaceitável condição de uma inexorável impossibilidade jurídica. Se para a extinção dos direitos é, em determinadas hipóteses, suficiente a declaração de uma vontade unilateral – ou mesmo a ocorrência de um fato jurídico extintivo –, para a recriação de um vínculo jurídico, já extinto, não se poderia olvidar a concorrência de vontade das partes interessadas. Não seria possível, ao antigo obrigado, pelo exclusivo influxo de sua vontade, revivescê-lo. Semelhantemente se diga no que tange à ação. Se esta está extinta, nada há que o possa o obrigado fazer, isoladamente, para restabelecê-la. A ação é poder jurídico que dimana, exclusivamente, do direito subjetivo. Não pode o obrigado devolver a outrem uma faculdade que jamais lhe pertenceu.

Tais dificuldades desaparecem se se admite a prescrição como decorrência de um ato de vontade. O decurso do prazo nada extingue; antes confere um poder ao obrigado. E, porque poder – seja vocacionado a paralisar, seja a extinguir direitos, ações ou pretensões –, admite, evidentemente, possa ser aniquilado pela vontade abdicativa de quem o titulariza. A renúncia à prescrição – possibilidade jurídica universalmente aceita e, entre nós, positivada – só é possível em uma construção dogmática que a conceba como produto da vontade, ainda que restrito a simples ato de defesa.

Quando o Código afiança que a pretensão (rectius: ação de direito material) se extingue com o prazo, está a afirmar, em verdade, que ela, a ação, torna-se vulnerável. Fica, portanto, modificada, e não, extinta. O Código, destarte, disse mais que pretendia dizer. A inércia do titular do direito, aliada ao decurso do prazo, tem por efeito a criação de um poder jurídico, atribuído ao sujeito obrigado, de afetar aquela ação (46). E o faz, justamente, pela "alegação de prescrição", aludida no art. 194.

Logo, a prescrição deve, ao menos num primeiro momento, inserir-se nos domínios das exceções lato sensu, assim consideradas as modalidades de defesa que, sem negar o direito, excetuam o seu exercício.

3. Prescrição como negócio jurídico unilateral receptício de vontade

Não negamos que possa a prescrição constituir-se em exceção que se opõe a uma ação (ou pretensão) do titular do direito. Mas cremos que o fenômeno prescritivo merece uma categorização jurídica de maior amplitude.

O decurso do prazo, queremos crer, provoca, inicialmente, uma modificação na pretensão, sem, contudo, destruí-la. Exaurido o prazo de lei, o direito subjetivo continua exigível (e, conforme o caso, acionável, mas não de todo íntegro). Assim é que, não obstante exaurido o prazo, é jurídica – ou seja, conforme o direito – a cobrança, em juízo ou fora dele, que faz o credor de seu crédito. A exigibilidade do direito, porém, nestas condições, fica subordinada a uma condicio iuris de caráter resolutivo.

Sob o ponto de vista do sujeito obrigado, o implemento do prazo prescricional é produtor de direito; ao sujeito obrigado a lei confere o poder de resolver a exigibilidade do direito correspectivo à sua obrigação. Passa o obrigado a munir-se de uma contra-arma, da qual poderá lançar mão, se lhe for da conveniência e oportunidade (47). E esta contra-arma, cremos, tem o escopo extintivo, não apenas neutralizante. Porque pura energia (potencial em origem, cinética em sua finalidade e razão de ser), a exigibilidade não pode ser neutralizada por uma exceção, de efeitos perenes ou eternos, sem que se consuma e deixe de ser o que é. É inconcebível que a energia seja para sempre represada, por uma força contraposta, sem qualquer possibilidade de reação cinética, e continue energia. Tornando-se impossível o ato, suprime-se, obviamente, a potência. É, em síntese, incompossível energia e parálise. A exceção, portanto, não pode neutralizar, ad aeternum, a exigibilidade, sem que esta deixe de ser o que dantes era; pode, porém, extingui-la. A argüição de prescrição conduz ao perecimento da exigibilidade, e, por via de conseqüência, ao da ação. Se pretensão contém uma ação, esta é destruída, não diretamente, mas ex consequentia.

Conclui-se que o implemento do prazo produz duas virtudes: modifica o direito do titular e cria um poder jurídico para o obrigado. Jamais tem eficácia extintiva. A exigibilidade do titular do direito, com o implemento do prazo, passa a viger sob uma condicio juris resolutiva, simplesmente postestativa, a cargo do prescribente. A este é suscitado, pois, o poder de, cumprindo a condicio, resolver a exigibilidade que lhe é oposta (ou oponível).

O poder de resolver a exigibilidade pode ser exercido em juízo ou fora dele. Tradicionalmente, o poder é exercido em juízo, quando assume as características de uma exceção lato sensu. Mas nada impede o exercício do poder resolutivo no âmbito extrajudicial. Pode o devedor da prestação, através de inequívoca manifestação de vontade, destruir a exigibilidade do direito, no momento, ou mesmo antes, que este se lhe seja efetivamente oposto.

O emprego da condicio puramente potestativa consubstancia-se em perfeito negócio jurídico. Há uma declaração unilateral, receptícia de vontade, cujo objeto constitui-se na extinção da exigibilidade de um direito alheio, oponível ou oposto ao declarante. E tal negócio jurídico – não o simples decurso do prazo – é o que consubstancia, verdadeiramente, a prescrição.

A prescrição é, pois, negócio jurídico unilateral receptício de vontade, pelo qual o obrigado destrói a exigibilidade do direito que lhe é oponível e, por conseqüência, se existente, a ação que guarnecia esse direito. O decurso do prazo, aliado à inércia do titular do direito, tem por efeito não o perecimento do direito, da pretensão ou da ação, mas a criação de um estado de prescritibilidade concreta, caracterizado pelo condicionamento ex lege da exigibilidade do direito subjetivo. Implementado o prazo de prescrição, a exigibilidade do direito passa a subordinar-se a um evento futuro e incerto, que corresponde à declaração de prescrição pelo obrigado. Tal declaração insere-se na categoria dos poderes jurídicos, e se exprime na atividade em que o obrigado, cumprindo a condicio iuris, destrói a pretensão que é lhe de fato oposta ou susceptível de oposição.

Cumpre, assim, distinguir a prescrição do estado de prescritibilidade efetiva ou concreta. A prescrição é negócio jurídico que se exaure com a recepção de vontade, provocando extinção da pretensão, e, se existente, a da ação; o estado de prescritibilidade efetiva é situação de fato, objetivamente considerada pela lei – o decurso do prazo –, que, tornando condicional a exigibilidade, autoriza o emprego da condicio. O que se chama de prescrição consumada é, a rigor, pretensão submetida, pela lei, a uma condição resolutiva.


CAPÍTULO SEXTO

PRESSUPOSTOS DO ESTADO DE PRESCRITIBILIDADE CONCRETA

O estado de prescritibilidade concreta é o que se instaura no preciso instante em que se cumpre o prazo para o exercício incondicionado do direito.

Tal prazo começa a correr desde que nasce a pretensão (48). Suponhamos que o credor de dívida líquida e vencida, constante de instrumento, não o apresente ao devedor. Conta-se, a partir da data em que a apresentação poderia ser feita, o prazo de prescrição. Se o credor, na mesma hipótese, antes de exaurido o prazo prescricional, apresenta o título e o devedor não paga, nasce, para o credor, com a violação de seu direito, a ação de direito matéria (pretensão, na equívoca terminologia empregada pelo Código). Mas a ação exsurge, no caso proposto, quando a prescrição já está em curso.

O exemplo dado testemunha que a violação do direito, ao invés do que apregoa boa parte da doutrina, não exerce qualquer influência sobre o fenômeno prescritivo. A pedra de toque é outra. O primeiro pressuposto do estado de prescritibilidade concreta é, em verdade, a existência de uma pretensão, contenha essa, ou não, uma ação. Sem exigibilidade do direito – alinha, com toda propriedade, CÂMARA LEAL (49) –, quando este é ameaçado ou violado, ou quando não é satisfeita a sua obrigação correlata, não há ação a ser exercitada. A ação, pressupondo a pretensão, representa uma pretensão acionável.

O segundo pressuposto é a inércia do titular da pretensão. Vimos que o estado de instabilidade e incerteza prospera não apenas quando se viola o direito; o mesmo ocorre se o titular, por longo tempo, não exige.

O terceiro pressuposto é o não exercício da pretensão – e, conforme o caso, desta e da ação – no prazo fixado em lei (50).

Assim, instaura-se o estado de prescritibilidade concreta quando, exigível o direito, o titular não exerce, no prazo legalmente fixado, a sua pretensão, seja esta ou não acionável.


CAPÍTULO SÉTIMO

PRESSUPOSTOS DA PRESCRIÇÃO

O estado de prescritibilidade concreta – que se instaura com o advento do chamado "prazo prescricional" – prepara apenas uma prescrição futura. Esta – a real prescrição – se realiza no momento em que o titular do direito tem ciência da declaração resolutiva emanada do prescribente. Neste preciso instante, a exigibilidade do direito se extingue e, se existente, a ação nela contida.

As condições elementares da prescrição, são, portanto, as que se seguem:

          a) Existência de um estado de prescritibilidade concreta;

          b) declaração de vontade do prescribente, ou de terceiro interessado, tendente a destruir a exigibilidade do direito que lhe é oposto;

          c) recepção, pelo titular do direito, daquela declaração.

Porque negócio jurídico – resulta de ato de vontade – , a prescrição se submete aos requisitos genéricos constantes do art. 104 do Código Civil. Mas, em não sendo negócio de atribuição patrimonial, a declaração de prescrição só se realiza por ato inter vivos, sendo livre quanto à forma. A prova da prescrição não se submete a um regime especial, aplicando-se-lhe as regras gerais quanto à prova dos negócios jurídicos (art. 212 e s. do CC). Se deduzida a declaração no processo, deverá ser realizada por termo ou petição, devendo ser comunicada, à parte adversa, na forma da lei processual civil. A nulidade da citação, nas ações movidas pelo prescribente, bem assim a da intimação, nas ajuizadas contra este, impedem que a prescrição se realize. O juiz pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, em proveito de absolutamente incapaz. O suprimento equivale à declaração.

A declaração de prescrição pode ser anulada, pelo prescribente, se lhe for de alguma forma prejudicial, nas hipóteses previstas no art. 171 do Código Civil.


CAPÍTULO OITAVO

EFEITOS DO ESTADO DE PRESCRITIBILIDADE CONCRETA

Vimos que o decurso do prazo nada extingue. Antes cria uma um poder jurídico contrário à pretensão do sujeito titular do direito. É a esta situação que houvemos por bem chamar estado de prescritibilidade concreta, em oposição à prescritibilidade possível. De fato, há pretensões que, por conta de sua própria natureza, ou por força de lei, não prescrevem. As que aí não se incluem podem – são susceptíveis – de prescrever: são, portanto, passíveis, genericamente, de prescrição.

A prescritibilidade concreta é a que resulta do transcurso do prazo assinado pela lei. Pertine à prescrição que pode ser, efetivamente, realizada. Afina-se ao poder, atual e plenamente exercível, suscitado em favor do sujeito obrigado, de resolver a exigibilidade do direito que lhe é oposto, ou oponível.

O que se chama de "prescrição consumada" não é, ainda, e em verdade, prescrição. É exigibilidade submetida a uma condicio puramente potestativa, a cargo do obrigado. Assim que se exaure o prazo, passa o obrigado a ter, em suas mãos, o poder de extinguir a exigibilidade do sujeito pretensor. Até aqui, não há efeito extintivo algum. Somente quando o devedor manifesta a vontade de destruir aquela pretensão, e a recebe o sujeito pretensor, é que se consuma a prescrição. O decurso do prazo apenas instaura um estado de preparação a uma prescrição futura, porque, condicionando a pretensão, confere ao obrigado a faculdade – que antes é uma prerrogativa – de realizar a condicio suscitada pela lei em seu favor, destruindo a energia do direito que lhe é exigível.

Distingue-se a prescrição dos pacta de non ptetendo. Enquanto na prescrição a exigibilidade do crédito se condiciona ex vi legis, por conta do puro e simples decurso do prazo (fato jurídico), nos pacta o titular do direito, em prometendo ao devedor não exigir o que lhe é devido (negócio jurídico), confere ao obrigado o poder de extinguir a pretensão, se o credor, contra a fé da convenção, exige-lhe a prestação. A renúncia à exigibilidade, que integra outra classe de negócios jurídicos, embora guarde similitude com os pacta de non petendo, destes se afasta, e bem assim da prescrição, justamente porque faz extinguir a pretensão de pleno direito, sem condicioná-la, e sem conferir ao obrigado poder algum.

Do estado de prescritibilidade concreta derivam alguns efeitos. O fundamental, que exibe uma dupla face, reside, de um lado, em condicionar a exigibilidade do direito em causa; do outro, em atribuir ao sujeito obrigado o poder de realizar a condicio juris, de caráter resolutivo, erigida em seu proveito.

E pode o obrigado fazer-se valer do poder resolutivo em juízo ou fora dele.

Com efeito, nada insta a que o obrigado tenha de aguardar a ação do titular para que faça uso da condicio que o beneficia. Se tal condicio opera para podar a exigibilidade de um direito subjetivo, realizando-se exclusivamente no plano do direito material, é indiferente que seja cumprida judicial ou extrajudicialmente. Inserir-se a declaração de prescrição no âmbito do processo é uma simples contingência, não uma necessidade irrefragável. O processo não é pressuposto da declaração de vontade eliminativa de uma pretensão alheia; é simples cenário, ou mera ocasião. Jamais razão. E não o é, também, porque, a atividade do juiz, em afirmando, para quem não quer crer, a prescrição já realizada, é puramente recognitiva, em nada constituindo situação jurídica já perfeitamente estabelecida. Poderá o obrigado, pois, declarar prescrita a pretensão, tão logo a prestação lhe seja exigida, ou mesmo antes de qualquer atitude positiva do titular do direito (51). Bastante, ao prescribente, que declare, de forma inequívoca, a sua intenção de destruir a exigibilidade do direito contraposto. Recebida, pelo titular do direito, a declaração de vontade, a condição se cumpre, e a pretensão, sucumbindo, fica prescrita. Se a pretensão contém uma ação, juntamente com a exigibilidade a ação se aniquila, ex consequentia.

Poderá o sujeito obrigado, igualmente, posteriormente à declaração extrajudicial de prescrição, ante a renitência do sujeito ativo, promover a ação judicial declaratória, com vistas a obter, do Poder Judiciário, a dicção de que a pretensão está prescrita. Possível, igualmente, o manejo de medidas cautelares, para prevenir ou cessar a cobrança de dívida prescrita.

E poderá mais: transcorrido o prazo, intentará, em o querendo, a ação constitutiva da prescrição. Com a realização da citação, produtora de efeitos materiais que esta é, a pretensão prescreve, e a sentença que sobrevier assim o declarará, definitivamente.

A prescrição pode – e tradicionalmente o é – alegada em juízo, por via de exceção. Os efeitos são os mesmos, independentemente da ocasião em que suscitada: a pretensão e a ação sucumbem, ex nunc, a partir da recepção da declaração de vontade. A sentença, que reconhece a prescrição, é meramente declaratória – a rigor recognitiva –, fazendo, contudo, e vantajosamente, coisa julgada formal e material. O juiz, portanto, não intervém para atribuir o direito de prescrição ou para constituí-la. Tão somente declara que a pretensão do autor, em existindo em si mesma, está extinta.

Torne-se assente que a argüição declaração de prescrição, produzida no corpo de um processo, guarda a mesma natureza de uma declaração realizada fora dele: continua sendo negócio jurídico unilateral receptício de vontade. Apenas aqui atua com uma vantagem: pode o negócio jurídico ser reconhecido e declarado judicialmente, revestindo-se de certeza e imutabilidade irradiáveis da coisa julgada. Mas, em seu cerne, a declaração feita pela parte, quando recebida pela outra, descompreende-se da relação processual. Assim, valerá a declaração de prescrição se o processo é declarado nulo, ou se a parte, posteriormente, desiste. O negócio jurídico prescritivo, uma vez reunindo os requisitos de validade, a par de irretratável, independe da sorte da relação processual.

E não poderia ser diferente: a prescrição opera , exclusivamente, no âmbito do direito material. Qualquer decisão judicial, que reconheça a prescrição, não a consubstancia: simplesmente a declara. E nem precisa a prescrição da chancela judicial, ou do seu mero reconhecimento, para que, em si mesma, exista e produza os seus efeitos aniquilativos. À realização da prescrição, extinguindo a pretensão, é suficiente a declaração da parte a quem ela aproveite, uma vez consumado o prazo de lei. A argüição da prescrição no âmbito do processo é mera contingência – e mesmo uma conveniência de prova e segurança – não uma necessidade invencível.

Como resultado do estado de prescritibilidade concreta (estado jurídico que deriva da consumação do prazo legal) , a energia do direito contrário fica condicionada, mas não extinta. O direito continua, portanto, existente e exigível. Desta constatação derivam as seguintes conseqüências:

a) Os créditos, cujos prazos de prescrição escoaram, continuam, ainda assim, exigíveis; são, portanto, susceptíveis de compensação. Conforme esclarece SORIANO NETO (52), "a prescrição não opera de pleno direito, de sorte que, se a parte a quem ela aproveita, deixa de alegá-la, não há, absolutamente, motivos de ordem jurídica, para se subtrair ao crédito a sua plena eficácia, que lhe permite constituir objeto de compensação".

b) Porque o direito permanece dotado de exigibilidade, não há a convolação da obrigação civil em natural; o sujeito passivo da relação de fundo, enquanto não faz o uso da condição erigida em seu favor, continua obrigado em virtude de uma obrigação civil.

c) Como corolário da inferência anterior, não pode haver dúvida que a obrigação pode ser novada.

d) Poderá o sujeito passivo renunciar ao exercício da condicio que o decurso do prazo suscitou em seu favor. Com isso, anulam-se os efeitos do estado de prescritibilidade concreta. O direito, restaurado em sua exigibilidade, passa a viger como se nunca houvesse sido afetado pelo decurso do tempo. Mas, verifique-se: aquele que renuncia abre mão de um direito ou prerrogativa próprios. E como a renúncia é produtora, apenas, de efeitos eliminativos, jamais jurígenos, os proveitos que o titular do direito experimenta decorrem não da renúncia em si mesma, que se exaure na eliminação de uma prerrogativa própria, mas se estabelecem por via de conseqüência. Postula registrar, ainda, que a renúncia ao exercício da condicio é ineficaz relativamente aos demais interessados, não prejudicando, por exemplo, outros coobrigados enfeixados pelo vínculo da solidariedade. Finalmente, tenha-se presente que a renúncia à condicio pode ser tácita: se, v.g., decorrido o prazo prescricional, o devedor paga parcialmente, devolve a exigibilidade do restante.

e) Porque ainda in obligatione, pode o devedor, se a mora é do credor, consignar em pagamento.

f) O poder de extinguir a exigibilidade não se confina no sujeito passivo, transmitindo-se aos juridicamente interessados. Pode, v.g., fazer cumprir a condição, em nome do obrigado, o co-devedor de obrigação indivisível ou solidária. Ao fiador garante-se a faculdade de opor a prescrição para extinguir a exigibilidade da dívida da fiança.

g) Por decorrência do princípio segundo o qual o acessório segue a regra do principal, o condicionamento da eficácia abrange não apenas a prestação principal, mas também as acessórias – a exemplo dos juros ou da cláusula penal –, ainda que tais prestações tenham prazo prescritivo próprio.

h) Malgrado o estado de prescritibilidade concreta não impeça a fluência de juros, estes são, igualmente, doravante, inexigíveis.

Aos efeitos da declaração de prescrição dedicaremos o capítulo que se segue.


CAPÍTULO NONO

EFEITOS DA PRESCRIÇÃO

A prescrição somente opera se o obrigado, realizando a condicio juris, declara e comunica a sua vontade ao titular do direito oposto ou oponível; a exigibilidade desse direito sucumbe no preciso instante em que o titular recebe aquela declaração. Se a manifestação de vontade é deduzida em juízo, a sentença que decide pela prescrição tem natureza declaratória; o direito prescreve desde o momento em que o titular é citado ou intimado da alegação.

O efeito fundamental da prescrição está em resolver a exigibilidade do direito; se a exigibilidade contém ação, esta é destruída, ex consequentia.

A destruição da exigibilidade do direito – e, se existente, a da ação –conduz às seguintes conseqüências:

a) Os créditos prescritos não podem ser compensados, eis que lhes falta o requisito da exigibilidade.

b) Opera-se a convolação da obrigação civil em natural; o pagamento, portanto, malgrado possível, não autoriza a repetição.

c) Não há renúncia à prescrição realizada. Como o devedor já utilizou a prerrogativa que irradia do estado de prescritibilidade concreta, cumprindo, com a declaração de vontade, a condicio iuris em seu favor suscitada, não mais remanesce faculdade jurídica alguma a ser renunciada. Assim, v.g., se a dívida já está prescrita (= declarada e recebida), e, mesmo assim, o devedor realiza o pagamento parcial, tal atitude não implica renúncia à prescrição, mas consiste em simples cumprimento de uma obrigação natural; por conseqüência, a exigibilidade do restante não se restabelece. O devedor, beneficiado pelo estado de prescritibilidade concreta, tem o poder de não fazer extinta a exigibilidade, abrindo mão da condicio suscitada em seu favor – de uma prerrogativa própria, portanto perfeitamente renunciável; não pode, porém, depois de declarada a prescrição, ressuscitar, unilateralmente, a exigibilidade imanente a um crédito que não lhe pertence. Mas, bilateralmente, como no caso de novação, ou de promessa de pagamento aceita pelo titular, é possível que se conceba o restabelecimento da exigibilidade da dívida prescrita. Neste caso, o sujeito obrigado a nada renuncia: antes se submete a um poder outrora extinto pela mesma vontade.

d) A considerar que já não mais é obrigado, senão detentor de um dever jurídico inexigível, ao sujeito passivo não se confere o poder de consignar em pagamento. O credor de dívida prescrita pode, legitimamente, recusar o recebimento da prestação.

e) A declaração de prescrição aproveita aos garantes e aos demais devedores solidários.


CONCLUSÃO

A considerar as três coordenadas fundamentais ao nosso estudo – objeto, efeito e natureza jurídica –, é possível agrupar as vertentes doutrinárias da prescrição em cinco categorias, conforme o quadro infra:

OBJETO

EFEITO

NATUREZA JURÍDICA

1a. teoria

DIREITO
(E AÇÃO DE DIREITO MATERIAL, POR VIA REFLEXA)

EXTINTIVO

FATO JURÍDICO
OU
EXCEÇÃO

2ª. teoria

AÇÃO DE DIREITO MATERIAL
(SOMENTE ELA)

EXTINTIVO

FATO JURÍDICO
OU
EXCEÇÃO

3ª. teoria

AÇÃO DE DIREITO MATERIAL
(E O DIREITO, POR VIA REFLEXA)

EXTINTIVO

FATO JURÍDICO
OU
EXCEÇÃO

4ª. teoria

AÇÃO DE DIREITO MATERIAL E/OU A PRETENSÃO

NEUTRALIZANTE

EXCEÇÃO (STRICTO SENSU)

5ª. teoria

PRETENSÃO
(E A AÇÃO DE DIREITO MATERIAL , POR VIA REFLEXA, SE EXISTENTE)

EXTINTIVO

NEGÓCIO JURÍDICO

Consoante uma corrente doutrinária, a prescrição atinge o direito, para extingui-lo e, por via de conseqüência, a ação (CHIONI e ABELLO; ORLANDO GOMES). Para uma segunda, a prescrição extingue, unicamente, a ação (PALNIOL e RIPERT). Conforme outra, afeta diretamente a ação, extinguindo, por via de conseqüência, e igualmente, o direito (CARPENTER). E há ainda uma quarta vertente (PONTES DE MIRANDA) que concebe a prescrição como uma exceção pura, sem eficácia extintiva alguma, que atua para neutralizar a ação ( e/ou a pretensão). As três primeiras correntes admitem, no plano teórico, possa a prescrição constituir-se em fato jurídico(CÓVIS) ou exceção lato sensu (CARVALHO SANTOS), já que uma ou outra natureza não é incompatível com o argumento. O quarto argumento não admite, por imposição de ordem lógica, a prescrição sine facto homines.

Para nós – vide a derradeira linha do quadro supra –, a prescrição não se realiza ex officio, e, embora possa constituir matéria de defesa, é negócio jurídico unilateral receptício de vontade, vocacionado a extinguir a pretensão do titular do direito.

O decurso do prazo prescricional, assinalado pela lei, para o exercício incólume dos direitos subjetivos, não tem eficácia extintiva. Ademais, afeta, diretamente, a pretensão e, por via reflexa, a ação.

O seu implemento não surte qualquer efeito extintivo imediato. Antes cria um poder jurídico para o prescribente, correlato e antagônico à exigibilidade do titular do direito. Decorrido o prazo prescricional, o poder de exigir ainda remanesce, mas pode ser aniquilado, por um poder contraposto, se o sujeito obrigado dele quiser se valer.

Acaso tivesse o decurso do prazo efeito extintivo quanto ao direito material, ao poder de exigi-lo, ou à ação que o protegia, não se teria como explicar a sentença que condena o devedor a pagar dívida prescrita, por não ter o devedor feito uso da exceção. Nesta hipótese, exigibilidade houve, e o fenômeno prescritivo, por arte da simples inatividade do obrigado, não alterou a situação jurídica do sujeito pretensor.

O implemento do prazo instaura, assim, um estado de prescritibilidade concreta. Com ele, a exigibilidade, malgrado sobreviva, passa a subordinar-se a uma condicio juris resolutiva, cujo cumprimento fica a cargo a cargo do prescribente. Em alegando a prescrição, a exigibilidade se extingue. A ação, se existente, perece pela via reflexa.

Assim, se o obrigado utiliza aquela faculdade, cumprindo a condicio, anulará, radicalmente, a pretensão. Caso contrário, a exigibilidade ficará inatacada e o direito subjetivo seguirá o seu curso, munido de toda a sua potencialidade, em rumo à realização.

Portanto, o decurso do prazo não opera, de pleno direito, a prescrição; antes cria, para o obrigado, o poder de extinguir a exigibilidade do direito que lhe é oposto. A prescrição se realiza, extinguindo a pretensão – e a ação, se existente –, quando a declaração de vontade do prescribente, cumprindo a condicio legis, erigida em seu favor, chega ao conhecimento do destinatário.

Daí a conclusão: consubstancia-se a prescrição em negócio jurídico unilateral, receptício de vontade, realizável em juízo ou fora dele, que tem por efeito a destruição da exigibilidade de um direito não perseguido no prazo de lei.


NOTAS

(1) Da Prescrição (Artigos 161 a 179 do Código Civil). 3. ed. Rio de Janeiro: Nacional de Direito, 1958, p. 283. Compare-se a opinião de CHIRONI e ABELLO com a de ORLANDO GOMES (Introdução ao Direito Civil. 6. Ed. Rio de janeiro: Forense, 1979, p. 549): "A prescrição é o modo pelo qual um direito se extingue pela inércia, durante certo lapso de tempo, de seu titular, que fica sem ação própria para assegurá-lo".

(2) Derecho Civil: teoría general de las obligaciones. Buenos Aires: Bosch, 1951. v. 1, t. 2, p. 741.

(3) Apud CARPENTER, ob. cit., p. 48 e 252.

(4) CLÓVIS, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro: Rio, 1976, p. 435.

(5) Da prescrição e da decadência. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 10.

(6) Escreve RIPERT: "A lei civil que determina as sanções pode dizer em que condições e por quanto tempo a sanção será concedida. Quando a retira, nada resta da obrigação civil. A distinção entre o direito e a ação é abusiva porque a ação não é mais que o direito em exercício. Suprimindo a ação o legislador, suprime o direito. Quando o devedor opõe, por exceção em juízo, a prescrição ou a concordata, destrói, definitivamente, pelo seu ato a obrigação que o ligava ao credor e é tão incapaz de a fazer reviver por uma execução voluntária, como o credor é incapaz de a manter por um pedido de execução" (A regra moral nas obrigações civis, São Paulo; Saraiva, 1937, p. 371).

(7) Instituições de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 1958. v. 1, p. 355.

(8) Direito Civil: Parte Geral. 10a. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1980. v. 1., p. 321.

(9) Obr. cit., p. 287.

(10) GUSTAV RADBRUCH, Filosofia do Direito, 6ª ed., Coimbra: Armênio Amado, 1979, p. 100.

(11) Apud LIMONGI FRANÇA, Instituições de Direito Civil. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 625.

(12) O Direito Quântico: Ensaio sobre o fundamento da ordem jurídica. 6. ed. rev. São Paulo: Max Limonad, 1985, p. 383.

(13) In CARVALHO SANTOS, Código Civil Brasileiro Interpretado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos. 1982. v . XXXIV, suplemento IX, p. 27.

(14) In ORLANDO GOMES, Obrigações. 13. ed., Rio de Janeiro: Forense. 2000, p. 83.

(15) Introducción al Estudio del Derecho. 29. ed. rev. Cidade do México: Porrua, 1978, p. 233. A lição invocada é a que se segue: "A Escolástica costumava dizer a este respeito que a moral é ab agenti; o direito ad alterum. Por esse motivo precisamente é que em face do sujeito da obrigação jurídica se acha sempre um outro interessado, pretendente ou credor de alguma coisa, enquanto que em face da obrigação moral só simbolicamente pode falar-se na existência dum pretendente ou interessado no seu cumprimento. É o que se passa quando se fala, já de obrigações para com Deus, já de obrigações para com a nossa consciência, para com a humanidade, ou para com a parte melhor de nós próprios, como também se costuma dizer. Nos domínios do "jurídico" pode-se falar de "direitos e obrigações", de "créditos e débitos". Nos da moral, porém, o chamado dever moral não é um débito; não é um dever para com um credor, mas apenas um dever. Até mesmo, inclusivamente, ‘deveres para com o próximo’ não o são no sentido de os outros poderem exigir de nós o seu cumprimento. Os conhecidos preceitos – ‘a quem te der uma bofetada na face direita, oferece também a esquerda’, e ‘àquele que te demandar e te levar o carrasco oferece-lhe também a capa" – não pretendem significar, evidentemente, a existência dum direito dos homens a darem bofetadas nos outros ou roubarem-lhes impunemente o casaco, mas apenas concretizar duma maneira impressiva a inanidade e inutilidade do ponto de vista tanto para um lado como para o outro" (Filosofia do Direito, 6ª ed., Coimbra: Armênio Amado, 1979, p. 101 e 102)

(16) Para nós, o implemento do prazo, por não exercer qualquer efeito extintivo, não convola a obrigação civil em natural. Tal só ocorre após a recepção da argüição de prescrição.

(17) Instituições de Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações. 9. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1988. v.2, p. 25.

(18) Doutrina e Prática das Obrigações. 3. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1938. t. 1, p 740.

(19) Tratado Practico de Derecho Civil Francés: las obligationes (segunda parte). Havana: Cultural, 1945. t. 7, p. 737.

(20) Tratado de Derecho Civil. 3. ed. Barcelona: Bosch, 1981, p. 957

(21) CARNELUTTI, Sistema, v. 1, p. 93. Segundo alguns autores, a exemplo de STOLZE e PAMPLONA (Novo Curso, p.478), o Código estaria a se referir à pretensão no sentido que lhe empresta a citada definição do ilustre mestre italiano. Tal inteligência é equívoca. Se a prescrição incide sobre algo, o faz em algum dos elementos integrantes ou associados ao direito subjetivo. Ora, a pretensão processual não guarda pertinência com qualquer elemento do direito subjetivo. A pretensão de direito processual é uma simples atividade de fato, já que se pode pretender, até mesmo, injustamente. As palavras que se seguem são do próprio CARNELUTTI (obr. cit., v. II, p. 31): "A pretensão é um ato e não um poder, ou seja, algo que o titular do interesse faz, e não algo que tem; uma manifestação e não uma superioridade do seu querer. [...] Tal ato não apenas é direito, mas que nem sequer o supõe. A pretensão pode ser formulada por quem tiver direito, mas também por quem não o tiver: tanto pretensão é a pretensão fundada como a infundada.."

(22) Instituições de Direito Penal, v. 1., p. 333.

(23) Do exercício da pretensão à tutela jurídica e das diferenças existentes entre essa e a pretensão de direito material. Forense on-line. Rio de Janeiro. Disponível em : <http: www.forense.com.br>. Acesso em 28 ago. 2003.

(24) Prescrição e decadência no novo Código Civil (2002). Um novo olhar sobre o critério científico de distinção a partir da classificação quinária das ações. Jus Navigandi. Disponível em <http: 1jus.com.br>. Acesso em 27 ago.2004.

(25) Tratado de Direito Privado, 2. ed. t. V, p.478.

(26) Obr. cit., v. VI, p. 102.

(27) Reza o Código Civil alemão, no art. 194, 1ª. parte: "O direito de exigir de outrem um fato ou uma abstenção (pretensão) sujeita-se à prescrição".

(28) Apud CARPENTER, obr. cit., p. 278.

(29) Idem, p. 282.

(30)) Tratado de Direito Privado. 4. ed. Rio de Janeiro: RT, 1984. t. 6, passim.

(31) Obr. cit., p. 27-28.

(32) Direito Civil: escritos diversos. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p.171.

(33) Obr. cit., p. 437 e 349.

(34) CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA , obr. cit., v. 1, p. 476.

(35) Escreve PONTES: "Prescrição é a exceção que alguém tem, contra quem não exerceu, durante certo tempo, que alguma regra jurídica fixa, a sua pretensão ou ação", obr. cit., v. VI, p. 100.

(36) Introdução, p. 375.

(37) Assim, v.g. CLÓVIS, que, como visto, após enfatizar que o efeito extintivo da prescrição requer apenas o decurso do prazo, a concebe, paradoxalmente, como exceção peremptória, à assertiva de que "deve o direito respeitar o escrúpulo de consciência daquele que não quer liberar-se da dívida, por não ter podido pagar em determinado tempo" (cit, p. 433). Ora, se o autor, em certa passagem, admite que a prescrição extingue o vínculo (p. 439), pelo decurso do tempo, a lógica repudiaria qualificar-se a prescrição como exceção peremptória, já que a exceção atua para neutralizar ou extinguir faculdades jurídicas existentes e atuais, jamais as extintas. As razões invocadas pelo grande mestre cearense, para justificar o óbice de conhecimento, de ofício, pelo juiz, da prescrição de direitos patrimoniais, podem, porém, explicar-se como derrogações que faria a lei de soluções puramente a lógicas, em favor da eqüidade, ao crivo da sublimação de valores éticos. Mas o recuo lógico, preconizado pelo eminente jurista, não tem razão de ser, como faremos ver adiante (Capítulo Quarto, item 2).

(38) A pretensão, a que alude o art. 206, § 1º, II, b, do Código Civil, relativamente ao segurado, é a pretensão mesma, já que o direito nasce com o sinistro, independentemente da recusa de pagamento da indenização pelo segurador. O mesmo se diga no que tange ao prazo prescricional atinente aos títulos de crédito, visto como a prescrição, nos termos do art. 208, § 3º, VII, se conta do vencimento, e não da recusa de pagamento. Vê-se que o legislador emprega o termo pretensão às vezes como equivalente à exigibilidade, às vezes como sinônimo de ação.

(39) Obr. cit., p. 98.

(40) V.g., confusão, remissão.

(41) V.g., renúncia à exigibilidade.

(42) Esta é a opinião de ALMEIDA OLIVEIRA, apud CARPENTER, obr. cit., p. 235. E também, como vimos, a de CLÓVIS BEVILAQUA.

(43) Obr. cit., p. 235-236.

(44) Idem, p. 236.

(45) Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, v. 1, p. 369. Cf., no mesmo sentido, CAIO MARIO, Instituições de Direito Civil: Introdução ao Direito Civil: Teoria Geral de Direito Civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v. 1, p. 478.

(46) A rigor, a pretensão que contém a ação.

(47) Estão aqui pefeitamente preservados, se existentes, os "escrúpulos de cosnciência", sem que seja necessário recorrer-se a artifícios embasados na eqüidade, e em flagrante desafio à lógica.

(48) PONTES, cit., v. VI, p. 148

(49) Obr. cit., p. 11.

(50) A menção a algum fato impeditivo, ou suspensivo, do curso do prazo, conforme averba RENAN LOTUFO (Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 519), aqui não entra, porque implicará "não-tipificação ou mera forma alternativa de contagem de prazo."

(51) Evidentemente que, se acionado, poderá o sujeito passivo demonstrar a realização da prescrição; mas poderá, se lhe for favorável, ou conveniente, simplesmente argüi-la, como se a pretensão não estive, ainda, prescrita.

(52) Da Compensação. Recife: Diário da Manhã, 1933. p. 61.


REFERÊNCIAS

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, José Paulo Soriano de. Ensaio sobre a natureza jurídica da prescrição no Direito Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 569, 27 jan. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6220. Acesso em: 20 abr. 2024.