Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/62526
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A consumação do crime de roubo: um comparativo entre a jurisprudência do STF e do STJ

A consumação do crime de roubo: um comparativo entre a jurisprudência do STF e do STJ

Publicado em . Elaborado em .

O presente artigo faz um comparativo entre a jurisprudência do STF e do STJ acerca do momento consumativo do crime de roubo.

O entendimento jurisprudencial acerca do momento consumativo do crime de roubo próprio passou por longa evolução, merecendo destaque a análise individual da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

Até meados dos anos de 1980 havia uma tendência no Supremo Tribunal Federal em rejeitar o critério da posse mansa e pacífica, entendida pelo Pretório Excelso como sendo sinônimo de locupletamento do ladrão, exigindo, entretanto, que a res furtiva saísse da esfera de vigilância da vítima.

Nesse sentido, confira-se a seguinte ementa:

CRIME DE ROUBO - CONSUMAÇÃO. O CRIME DE ROUBO CONSUMA-SE DESDE QUE A COISA SUBTRAÍDA TENHA SAÍDO DA ESFERA DE VIGILÂNCIA DO DONO, INDEPENDENTEMENTE DO LOCUPLETAMENTO, PELO AGENTE, DO PRODUTO DO CRIME. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. (RE 91105, Relator(a): Min. CUNHA PEIXOTO, Primeira Turma, julgado em 17/11/1981, DJ 11-12-1981 PP-12605 EMENT VOL-01238-02 PP-00374)

O mesmo entendimento pode ser verificado nos seguintes julgados: HC 53335, Min. Cordeiro Guerra, 1975; RE  93133, Min Rafael Mayer, 1980; RE 95040, Min. Firmino Paz, 1981; RE 93099, Min. Néri da Silveira, 1981; RE 97500, Min. Décio Miranda, 1982; RE 96846, Min. Alfredo Buzaid, 1982; RE 96042, Min. Soares Muñoz, 1982; RE 96805, Min Djaci Falcão, 1982; RE 102389, Min. Moreira Alves, 1984; RE 103321, Min Oscar Correa, 1984; RE 103310, Min. Francisco Rezek; 1985, RE 101739, Min. Aldir Passarinho, 1985.

Contudo, a partir de 1987, com o julgamento do RE 102.490/SP, de relatoria do Min. Moreira Alves, o Pretório Excelso passou a dispensar, para a consumação do crime de roubo próprio, o critério da esfera de vigilância. Nesse sentido, o momento consumativo do crime de roubo próprio passou a ser identificado a partir do momento em que o ladrão cessa a violência ou a grave ameaça que exerce contra a vítima, caracterizando assim a inversão da posse e a consequente consumação do delito. Confira-se:

Roubo. Momento de sua consumação. O roubo se consuma no instante em que o ladrão se torna possuidor da coisa móvel alheia subtraída mediante grave ameaça ou violência. - Para que o ladrão se torne possuidor, não é preciso, em nosso direito, que ele saia da esfera de vigilância do antigo possuidor, mas, ao contrário, basta que cesse a clandestinidade ou a violência, para que o poder de fato sobre a coisa se transforme de detenção em posse, ainda que seja possível ao antigo possuidor retomá-la pela violência, por si ou por terceiro, em virtude de perseguição imediata. Aliás, a fuga com a coisa em seu poder traduz inequivocamente a existência de posse. E a perseguição - não fosse a legitimidade do desforço imediato - seria ato de turbação (ameaça) à posse do ladrão. Recurso extraordinário conhecido e provido.(RE 102490, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 17/09/1987, DJ 16-08-1991 PP-10787 EMENT VOL-01629-02 PP-00150 RTJ VOL-00135-01 PP-00161) 

No julgamento do RE 102490/SP, o ministro Moreira Alves nos deu um verdadeiro ensinamento doutrinário com seu extenso voto. A partir da exigência da inversão da posse para a configuração da consumação do roubo, o eminente ministro chega a conclusão de que a noção de posse do direito penal não deve ser diferente do direito civil. Assim, para que haja a inversão da posse no roubo basta que os atos de violência (sentido amplo, incluindo a grave ameaça) sejam cessados, fato este que transforma a detenção da coisa em posse (artigo 1.208 do Código Civil), independentemente desta nova posse ser mansa, pacífica ou desvigiada.

Enquanto não cessados os atos de violência, mesmo que o ladrão tenha a res furtiva em suas mãos, há apenas detenção da coisa, não sendo suficiente para caracterizar o roubo consumado. Já quando a ladrão cessa os atos de violência e passa a fugir com a res furtiva em suas mãos, a detenção da coisa se transforma em posse e o roubo está consumado, ainda que ele venha a ser detido pela própria vítima ou por terceiro após imediata perseguição.

O entendimento adotado no RE 102.490/SP consolidou-se na Corte Suprema e segue como paradigma até os dias atuais, conforme se observa nos seguintes julgados:

EMENTA: HABEAS CORPUS. RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. CABIMENTO (ALÍNEA "C" DO INCISO III DO ART. 105 DA CF/88). CRIME DE ROUBO: MOMENTO DE CONSUMAÇÃO. É firme a jurisprudência desta colenda Corte de que o delito de roubo se consuma no instante em que o agente se torna possuidor da coisa alheia móvel subtraída mediante grave ameaça ou violência. Noutros termos: é de se considerar consumado o roubo, quando o agente, cessada a violência ou a grave ameaça, inverte a posse da res furtiva. Sendo desnecessário que a posse da coisa seja mansa e pacífica. Precedentes: RE 102.490, Relator o Ministro Moreira Alves (Pleno); HC 89.958, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence (Primeira Turma); HC 89.653, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski (Primeira Turma); e HC 89.619, de minha relatoria (Primeira Turma). Por outra volta, não procedem as alegações de que houve reexame de matéria fática (Súmula 7 do STJ) e que não ficou demonstrada a divergência de interpretação, exigida pela alínea "c" do inciso III do art. 105 da CF/88. Habeas corpus indeferido.(HC 89959, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 29/05/2007, DJe-087 DIVULG 23-08-2007 PUBLIC 24-08-2007 DJ 24-08-2007 PP-00070 EMENT VOL-02286-04 PP-00662 RT v. 96, n. 866, 2007, p. 565-569)

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO CONSUMADO. DOSIMETRIA DA PENA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA MAIS GRAVOSO. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. VIABILIDADE. 1. Conforme iterativa jurisprudência desta Corte, o crime de roubo se consuma quando, cessada a violência ou grave ameaça, o sujeito ativo tenha a posse da res fora da esfera da vigilância da vítima, ainda que por breve espaço de tempo e seguida de perseguição ao agente (cf. HC 98162, Min. Cármen Lúcia, DJe 20.9.2012) 2. A dosimetria da pena, além de não admitir soluções arbitrárias e voluntaristas, supõe, como pressuposto de legitimidade, uma adequada fundamentação racional, revestida dos predicados de logicidade, harmonia e proporcionalidade com os dados empíricos em que deve se basear. 3. A determinação do regime inicial de cumprimento da pena deve levar em conta dois fatores: (a) o quantum da reprimenda imposta (CP, art. 33, § 2º); e (b) as condições pessoais do condenado estabelecidas na primeira etapa da dosimetria (CP, art. 59 c/c art. 33 § 3º). Sob essa perspectiva, não há ilegalidade na decisão que aumenta a pena-base em decorrência da existência de circunstância judicial desfavorável e estabelece o regime inicial mais grave, como medida necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime. 4. Recurso ordinário a que se nega provimento. (RHC 133223, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 05/04/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 25-04-2016 PUBLIC 26-04-2016)

O entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 102.490/SP, dispensando para a consumação do crime de roubo próprio a posse pacífica e desvigiada, foi adotado majoritariamente pelo Superior Tribunal de Justiça.

Contudo, em alguns poucos julgados, notadamente da 6ª Turma, exigia-se para a consumação do crime de roubo próprio que a posse da res furtiva fosse desvigiada e tranquila.

Nesse sentido são os seguintes julgados:

PENAL. RECURSO ESPECIAL. ROUBO. SUBTRAÇÃO DA RES FURTIVA, SEGUIDA PRISÃO EM FLAGRANTE. CRIME TENTADO.- O crime de roubo consuma-se no momento em que o assaltante realiza a plena subtração da res furtiva, afastando-a do campo de vigilância da vítima, mesmo que depois venha a ser preso em flagrante presumido.- Na hipótese em que o agente do crime não teve, em nenhum momento, a posse tranqüila dos bens, pois foi preso logo em seguida à prática do delito, houve apenas tentativa.- Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 365.090/MT, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, julgado em 11/03/2003, DJ 07/04/2003, p. 346)

RECURSO ESPECIAL. PENAL. ROUBO. MOMENTO CONSUMATIVO. INVERSÃO DA POSSE. RECURSO PROVIDO.1. O crime de roubo próprio é delito de evento, reclamando para sua consumação efetiva lesão do patrimônio, plenamente compatível com a sua complexidade, na exata medida que tais naturezas não se excluem.2. É indispensável a inversão da posse, que em nada se confunde com o apoderamento, simples relação material do agente com a coisa, e reclama a instauração de fato do poder de disponibilidade do bem, por parte do roubador.3. Recurso provido.(REsp 303.081/SP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 17/06/2003, DJ 04/08/2003, p. 446)

Esse entendimento que exigia a posse desvigiada e tranquila era demasiadamente minoritário no Superior Tribunal de Justiça, sendo que encontramos julgados nesse sentido somente até o ano de 2003, contudo, nos Tribunais Estaduais o entendimento minoritário ainda tinha força.

A consolidação do entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça ocorreu definitivamente com o julgamento do RE 1.499.050/RJ, firmando-se, em sede de recurso representativo de controvérsia, a seguinte tese:

Consuma-se  o crime de roubo com a inversão da posse do bem, mediante  emprego  de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida a perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível  a posse  mansa  e pacífica ou desvigiada. (REsp 1499050/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 09/11/2015)

A redação da tese foi inteiramente adotada na Súmula 582 do Tribunal da Cidadania, pondo fim ao dissídio jurisprudencial nesta Corte e nos Tribunais Estaduais, não se exigindo a posse mansa pacífica ou desvigiada para a consumação do crime de roubo próprio.

Contudo, apesar da semelhança entre a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, dispensando ambos a posse pacífica ou desvigiada, ainda que seguida de imediata perseguição, não podemos afirmar que o entendimento das duas cortes é o mesmo em todos os aspectos.

O Supremo Tribunal Federal exige claramente para a configuração da inversão da posse que a violência ou a grave ameaça tenham sido cessadas, enquanto o Superior Tribunal de Justiça não menciona expressamente sobre a necessidade desse requisito, limitando-se a utilizar a expressão “inversão da posse” e a corroborar do entendimento da Corte Suprema.

Nesse sentido, é de se questionar acerca da interpretação do alcance da “inversão da posse” que se refere o Superior Tribunal de Justiça. Há, para o Tribunal da Cidadania, inversão da posse quando não cessada a violência ou a grave ameaça?

A resposta para esse questionamento pode ser obtida através da análise do REsp 1.351.255/ RJ, de relatoria do Ministro Rogerio Schietti, que coincidentemente foi o responsável também pela relatoria do acórdão que deu origem à tese que ganhou posteriormente status de súmula. No caso em concreto a Corte Superior tratava do seguinte caso, conforme consignou o acórdão recorrido:

Com efeito, como se verifica às fls. 140, o apelante, simulando portar arma de fogo, determinou que a vítima lhe entregasse o telefone celular. Sua ordem foi cumprida. Policiais, atentos, desconfiaram da cena e se aproximaram. A vítima, de início, disse que estava tudo bem, contudo, sentindo-se segura, revelou aos policiais que o apelante, com a mão sob a camisa, para fazer crer estivesse com uma arma de fogo, lhe exigira o telefone. O apelante foi preso e, por dentro de sua cueca, estava o telefone da ofendida. No contexto, o crime e sua autoria são induvidosos.

A hipótese fática acima delineada não está clara, mas ao que tudo indica o ladrão, nesse caso, sequer deu início a fuga, sendo preso por policiais quando ainda exercia atos de violência e grave ameaça contra a vítima. Contudo, o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça foi no sentido de reconhecer o roubo consumado, utilizando-se do argumento de que houve a inversão da posse. Confira-se a ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL. ROUBO. MOMENTO CONSUMATIVO. INVERSÃO DA POSSE DO BEM. MAUS ANTECEDENTES. CONFIGURAÇÃO. RECURSO PROVIDO.1. Conforme decidido pela Terceira Seção deste Superior Tribunal por ocasião do julgamento do Recurso Especial n. 1.499.050/RJ, representativo da controvérsia (de minha relatoria, ainda não publicado), "Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem, mediante emprego de violência ou grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida a perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada".2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que, existentes duas condenações transitadas em julgado contra o acusado, por fatos anteriores ao delito em exame, não há ilegalidade na utilização de uma delas para valorar negativamente os antecedentes do réu - e exasperar a pena-base - e de outra para reconhecer a incidência da agravante da reincidência.3. Recurso provido para afastar a tentativa, reconhecer a valoração negativa dos antecedentes criminais do recorrido e, nesses termos, restabelecer a sentença proferida pelo Juízo de primeiro grau.(REsp 1351255/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/11/2015, DJe 03/12/2015)

Desse modo, há de se convir que o critério da inversão da posse adotado pelo Superior Tribunal de Justiça é diferente do entendimento do Supremo Tribunal Federal, ainda que ambos dispensem a posse pacífica ou desvigiada. Enquanto este requer para a ocorrência da inversão da posse que a violência ou a grave ameaça tenham sido cessadas, aquele entende que a inversão da posse acontece com a simples retirada momentânea da disponibilidade física da res furtiva, ou seja, com a simples detenção.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GADELHA, Gabriel. A consumação do crime de roubo: um comparativo entre a jurisprudência do STF e do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5285, 20 dez. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62526. Acesso em: 19 abr. 2024.