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O acesso à Justiça no âmbito trabalhista

O acesso à Justiça no âmbito trabalhista

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Analisa-se o acesso à Justiça no âmbito trabalhista, à luz das barreiras e das ondas de acesso propostas por Mauro Cappelletti e Bryant Garth.

O acesso à justiça é uma preocupação que tem ganhado cada vez mais força em nosso estudo do Direito, uma vez que o ideal de um sistema jurídico capaz de atender a qualquer indivíduo está em perfeita consonância com os princípios e direitos fundamentais abarcados pela nossa Constituição Federal de 1988, que é conhecida como cidadã. Com essa crescente preocupação, pode-se dizer que, hoje, esse tema alcançou uma maior densidade, o que aprofundou a análise a seu respeito e ampliou a sua problemática, trazendo à tona importantes perspectivas que, antes, sequer eram cogitadas. Neste sentido, o âmbito trabalhista revelou-se como um dos mais envolvidos nesse atual cenário de estudo do acesso à justiça, uma vez que uma das partes da relação de emprego possui enormes dificuldades de realizar o referido acesso, devido, especialmente, à sua hipossuficiência. Dessa maneira, reveste-se de elevada importância a análise desse tema, principalmente porque a esfera judicial trabalhista personifica várias das novas perspectivas levantadas.

Portanto, far-se-á, aqui, uma análise do acesso à justiça, com a sua conceituação, a evolução do seu entendimento, as suas problemáticas e perspectivas atuais, bem como possíveis soluções para tais, dando-se sempre prioridade ao contexto trabalhista, visto que é o que interessa ao presente estudo.

O direito fundamental de acesso à justiça está presente em nossa Constituição Federal. Embora não haja uma previsão expressa do mesmo no rol dos direitos fundamentais elencados pelo Texto Magno, ele pode ser depreendido do seu art. 5º, XXXV, que consagra, a um só tempo, o direito fundamental de ação e o princípio da inafastabilidade da jurisdição, nos seguintes termos: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão a direito”. Além disso, a Lei Maior, em seus arts. 107, § 3º; 115, § 2º; e 125, § 6º, prevê que os Tribunais Regionais Federais, os Tribunais Regionais do Trabalho e os Tribunais de Justiça dos Estados “poderão funcionar descentralizadamente, constituindo Câmaras regionais, a fim de assegurar o pleno acesso do jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo”. Assim, observa-se que a CF/88 privilegia o acesso à justiça e dá-lhe uma importância muito grande, a ponto de trazer em três dispositivos diferentes (além da previsão expressa da inafastabilidade da jurisdição) a preocupação com a sua concretização. Inclusive, “pode-se dizer, pois, sem exagerar, que a nova Constituição representa o que de mais moderno existe na tendência à diminuição da distância entre o povo e a justiça” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 88).

Tradicionalmente, interpretado conforme a sua intrínseca relação com o princípio da inafastabilidade da jurisdição, o acesso à justiça era encarado apenas como a possibilidade assegurada a qualquer indivíduo de provocar uma resposta jurisdicional, sem que fosse necessária a procura anterior por meios extrajudiciais de resolução de conflitos, como as vias administrativas, por exemplo (NEVES, 2011, p. 21). Ou seja, o acesso à justiça possibilita que todos ingressem com uma demanda perante o Poder Judiciário, que estaria disponível de maneira quase1 irrestrita, tal manifestação ocorrendo através do direito fundamental de ação.

Entretanto, atualmente, o acesso à justiça ganhou uma dimensão mais ampla, em consonância com a prevalência de um Direito mais social e efetivo. Hoje, ele é encarado como o “acesso à ordem jurídica justa”, o que se traduz na busca por um acesso à justiça efetivo, capaz de oferecer não apenas uma resposta jurisdicional, mas que ela realmente satisfaça a pretensão das partes de resolver adequadamente o conflito. Assim, não é mais suficiente a simples possibilidade de demandar em juízo formalmente, ou o mero exercício formal do direito de ação, mas sim que o processo proporcione, ao final, um resultado justo e que se revista de real efetividade para as partes (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 39-40). Seguindo esse entendimento, Fredie Didier Jr. (2014, p. 124) expressa que “o direito de ação é o direito a uma jurisdição qualificada; direito a uma jurisdição tempestiva, adequada e efetiva”, o que reforça essa visão mais moderna e demonstra, mais uma vez, a ligação entre o direito de ação e o acesso à justiça. No mesmo sentido:

A visão moderna do princípio, entretanto, não se importa tanto com a relação da jurisdição com as decisões administrativas, mas com a concreta efetivação da promessa constitucional. O que realmente significa dizer que nenhuma lesão ou ameaça a direito deixará de ser tutelada jurisdicionalmente? Trata-se da ideia de “acesso à ordem jurídica justa”, ou, como preferem alguns, “acesso à tutela jurisdicional adequada”. (NEVES, 2011, p. 23)

Essa nova dimensão é resultado da evolução histórica por que passou a interpretação dos direitos fundamentais ao longo do tempo, saindo de uma visão meramente formalista, dogmática, enunciativa dos direitos, sem que houvesse uma preocupação com as diferenças entre os indivíduos (ou seja, uma perspectiva de igualdade apenas formal); para uma visão mais social, substantiva e efetiva dos direitos, que buscava alcançar a igualdade material dos tutelados, inclusive (e principalmente) através de ações concretas tomadas pelo Estado, reconhecendo-se as diferenças existentes entre sujeitos diversos e entre classes sociais diversas. A dita evolução de entendimento marca, também, a paulatina passagem do Estado puramente liberal, típico dos séculos XVIII e XIX, para o Estado de bem-estar social, que começou a surgir no final do século XIX e consolidar-se-ia no século XX.

Reforçando-se o que foi dito acima:

O conceito de acesso à justiça tem sofrido uma transformação importante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo e ensino do processo civil. Nos estados liberais “burgueses” dos séculos dezoito e dezenove, os procedimentos adotados para solução dos litígios civis refletiam a filosofia essencialmente individualista dos direitos, então vigorante. Direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. A teoria era a de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção. Esses direitos eram considerados anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia passivo, com relação a problemas tais como a aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente, na prática.

(...) À medida que as sociedades do laissez-faire cresceram em tamanho e complexidade, o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma transformação radical. A partir do momento em que as ações e relacionamentos assumiram, cada vez mais, caráter mais coletivo que individual, as sociedades modernas necessariamente deixaram para trás a visão individualista dos direitos, refletida nas “declarações de direitos”, típicas dos séculos dezoito e dezenove. O movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades, associações e indivíduos. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 9-10)

Bem definido o entendimento acerca do que representa o acesso à justiça atualmente, que é o de acesso à ordem jurídica justa e efetiva, passa-se, agora, à análise das problemáticas decorrentes de tal compreensão.

Com o reconhecimento de que a busca pelo acesso à justiça efetivo passa por uma interpretação do mesmo em consonância com a igualdade material, resta claro que há grandes diferenças entre os diversos indivíduos dentro da sociedade, que vão desde as disparidades econômicas e sociais, até as educacionais. A partir disso, a principal questão que envolve o alcance do acesso à justiça efetivo é, justamente, a superação dessas diferenças (das mais variadas esferas) entre os litigantes, uma vez que elas atuam como barreiras, obstáculos capazes de impedir a efetividade desejada. O objetivo é estreitar essa distância entre os sujeitos e proporcionar a todos a mesma “igualdade de armas”, tanto quanto possível, para que ninguém seja prejudicado em suas pretensões por questões alheias aos méritos jurídicos. Apesar de ser praticamente impossível a superação total das diferenças, a identificação desses obstáculos é de extrema importância para que se consiga compreendê-los e minimizá-los ao máximo (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 15).

Baseado nisso, Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 15-29), identificam três grandes grupos de barreiras ao acesso à justiça efetivo, esmiuçando, também, suas particularidades: as custas judiciais, as possibilidades das partes e os problemas especiais dos interesses difusos. Discorrer-se-á, brevemente, a respeito de cada um deles a seguir.

O primeiro grupo de obstáculos ao acesso à justiça efetivo identificado pelos referidos autores é o das custas judiciais. O custo econômico de buscar em juízo os direitos é bastante alto, especialmente àqueles que não possuem muitos recursos. O cenário agrava-se à medida que não se tem a garantia de sucesso na demanda, uma vez que a parte sucumbente deve arcar com as custas do processo e os honorários advocatícios da parte vencedora, além dos honorários do próprio advogado contratado2. Além disso, observa-se que as pequenas causas são mais afetadas por essa barreira, devido ao fato de que, por envolverem pequenas quantias, muitas vezes o custo de simplesmente demandar perante o Judiciário é maior do que aquilo que se receberá ao final, tornando tal demanda inútil. Outro fator que eleva o custo de uma demanda é o tempo, pois a demora na resolução do litígio faz com que aqueles que não tenham condições financeiras desistam da ação ou aceitem acordos por um valor muito reduzido (CAPPELLETI; GARTH, 1988, p. 15-20).

Em sequência, o segundo grupo de obstáculos ao acesso à justiça efetivo diz respeito às possibilidades das partes. As possibilidades aqui tratadas envolvem não apenas a questão financeira, mas também quanto às possibilidades educacionais, culturais, jurídicas e sociais. Assim, é necessário notar que determinados litigantes possuem uma posição de vantagem em certos aspectos concernentes a uma relação processual. Claramente, um indivíduo que possui mais recursos financeiros que outro tem a possibilidade de “investir” melhor para alcançar um resultado favorável, como, por exemplo, contratar melhores advogados. Além disso, observa-se que aqueles que possuem um nível educacional melhor estão mais aptos a identificar lesões aos seus direitos e interesses, bem como a melhor forma de solucioná-las. Outro ponto interessante que envolve essa barreira é a diferença entre os litigantes “eventuais” e os “habituais”. Os litigantes “habituais” teriam uma vantagem maior em um processo por terem mais contato com o sistema judicial, fazendo com que eles, dentre outras coisas: tenham uma maior experiência com o Direito, criem uma relação mais informal com os magistrados, testem estratégias diferentes em determinados casos (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 21-26).

Na esfera da Justiça do Trabalho, pode-se verificar a forte atuação negativa dessas duas barreiras, visto que os principais litigantes trabalhistas são hipossuficientes. Dessa maneira, tem-se uma gritante diferença entre o empregado, hipossuficiente, e o empregador, geralmente grandes empresas, que se encaixam na denominação de litigantes “habituais” e, portanto, gozadoras das vantagens que daí decorrem. Assim, observa-se com frequência a sujeição em que o empregado encontra-se no curso de uma demanda judicial, pois, como visto, o litígio é dispendioso e, apesar de o Processo Trabalhista ser mais célere, lento. Tal situação ainda é agravada pela inexistência de uma Defensoria Pública Trabalhista, o que deixa o hipossuficiente com um dilema difícil de resolver: ou litiga sozinho, no exercício do jus postulandi, contra um adversário equipado, muitas vezes, da melhor assistência jurídica disponível (elastecendo ainda mais a diferença entre as possibilidades das partes); ou contrata um patrono que tornará ainda mais custoso o processo para ele. Em decorrência disso, muitas vezes, o empregado vê-se desamparado diante da necessidade de firmar acordos claramente prejudiciais aos seus interesses, funcionando a Justiça do Trabalho como mera “homologadora de verbas rescisórias” e favorecendo a má-fé daqueles que lesam os direitos trabalhistas continuamente.

Por fim, o terceiro grupo de obstáculos ao acesso à justiça efetivo concerne aos problemas dos direitos difusos. A problemática a eles inerente deve-se ao fato de que sua concretização é mais complicada do que a dos direitos individuais, além de que, muitas vezes, eles não estão claramente delineados para os indivíduos. Ou seja, é comum que, individualmente, o sujeito não seja capaz de identificar tal direito como também sendo seu, ou ele não sabe o que fazer para reivindicá-lo, ou, até, a ele não é permitido agir em defesa desse direito. Também é observado que os indivíduos têm dificuldade em reunir-se para que, organizadamente, busquem a efetivação de tais direitos, bem como não lhes é economicamente atraente fazê-lo (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 26-28).

Tal barreira, no âmbito trabalhista, também se manifesta, principalmente em razão da atuação ainda escassa dos sindicatos, legitimado ativo para ajuizar ações coletivas em defesa dos direitos trabalhistas. Essa escassez é reflexo de alguns fatores presentes em nossa realidade: a existência de poucos sindicatos, a dificuldade de acesso daqueles que se encontram em localidades distantes de sedes ou subsedes de sindicatos, a grande falta de conhecimento a respeito dos benefícios da provocação de uma ação por parte das entidades sindicais, a minguada cultura sindical brasileira disseminada na sociedade (PAROSKI, 2010, p. 79-80). Ao lado dessa situação, verifica-se que o Ministério Público do Trabalho, certamente o maior responsável, atualmente, pela tutela dos direitos trabalhistas difusos e coletivos no Brasil, não é capaz de absorver todas as demandas existentes, logicamente, uma vez que possui apenas pouco mais de 7503 membros para atender todo o país.

Em conclusão preliminar à análise dessas barreiras ao acesso à justiça efetivo, os ilustres autores observam que tais obstáculos afetam mais diretamente os litigantes individuais, de pequenas causas e pobres; ao contrário dos litigantes organizacionais, que possuem mais vantagens que desvantagens no sistema jurídico (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 28-29). Dessa maneira, percebe-se que o empregado litigante encontra-se numa situação em que é duramente afetado pelas barreiras ao acesso à justiça efetivo, uma vez que se encaixa nestes parâmetros.

Além disso, observa-se que muitas dessas barreiras são interligadas, não sendo possível a mera eliminação isolada de uma ou outra, pois a extinção de uma pode provocar a ampliação de outra. Esse aspecto será melhor tratado quando da análise da terceira onda de acesso à justiça, mas são cabíveis, por ora, as palavras exatas de Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 29):

Finalmente, como fator complicador dos esforços para atacar as barreiras do acesso, deve-se enfatizar que esses obstáculos não podem simplesmente ser eliminados um por um. Muitos problemas de acesso são inter-relacionados, e as mudanças tendentes a melhorar o acesso por um lado podem exacerbar barreiras por outro. Por exemplo, uma tentativa de reduzir custos é simplesmente eliminar a representação por advogado em certos procedimentos. Com certeza, no entanto, uma vez que litigantes de baixo nível econômico e educacional provavelmente não terão a capacidade de apresentar seus próprios casos, de modo eficiente, eles serão mais prejudicados que beneficiados por tal “reforma”. Sem alguns fatores de compensação, tais como um juiz muito ativo ou outras formas de assistência jurídica, os autores indigentes poderiam agora intentar uma demanda, mas lhes faltaria uma espécie de auxílio que lhes pode ser essencial para que sejam bem sucedidos. Um estudo sério do acesso à Justiça não pode negligenciar o inter-relacionamento entre as barreiras existentes.

A partir da identificação desse três grupos de barreiras ao acesso à justiça efetivo, os referidos autores dividiram em três blocos as medidas semelhantes que foram tomadas para combater os referidos obstáculos, em épocas próximas, nos países estudados, e denominaram os referidos blocos como “ondas de acesso à justiça”. Passa-se, neste momento, à análise delas.

A primeira dessas ondas refere-se à assistência judiciária para os pobres. Como eles são os principais afetados pelas barreiras ao acesso à justiça efetivo, buscou-se proporcionar-lhes serviços jurídicos, uma vez que é essencial, no sistema jurídico atual, o acompanhamento de um profissional capacitado para lidar com toda a complexidade de um processo. Assim, os autores citam diversos exemplos de medidas tomadas neste sentido, como: colocar a assistência judiciária como um direito do indivíduo, advogados pagos pelo Estado para defender causas dos hipossuficientes, criar a figura dos advogados públicos (algo parecido com os Defensores Públicos brasileiros). Entretanto, tais medidas, isoladamente consideradas, não eram (nem são) suficientes para resolver o problema da efetividade do acesso à justiça, pois possuem diversas limitações, tais quais: exige-se um número bastante elevado de advogados interessados na defesa dessas causas; um gasto excessivo para o Estado manter um sistema de advocacia pública capaz de, por si só, atender a todos aqueles que necessitem; essas medidas não serem aptas a resolver as questões referentes aos direitos difusos (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 31-48).

Na esfera trabalhista, a assistência judiciária gratuita é prestada pelos sindicatos, na forma prevista pela Lei n. 5.584, de 1970, que, em seu art. 14 dispõe que “na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da categoria profissional a que pertencer o trabalhador”. Além disso, o mesmo diploma legal, em seu art. 18, enuncia que “a assistência judiciária, nos têrmos da presente lei, será prestada ao trabalhador ainda que não seja associado do respectivo Sindicato”. Contudo, pelas mesmas razões expostas acima para explicitar o porquê da escassa atuação sindical na defesa dos direitos difusos, observa-se que a assistência prestada pelos sindicatos, solitariamente, é insuficiente para que se dê efetividade ao direito fundamental de assistência jurídica gratuita, previsto no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal. O quadro agrava-se com a inexistência de uma Defensoria Pública Trabalhista, órgão que seja especializado em atender as demandas oriundas do Direito do Trabalho, o que resulta em uma reduzida oferta de assistência jurídica efetiva ao empregado hipossuficiente. Dessa maneira, conclui-se que essa primeira onda de acesso à justiça efetivo não se verificou em sua plenitude no âmbito trabalhista.

Na sequência, a segunda onda de acesso à justiça efetivo busca enfrentar o problema dos direitos difusos. A preocupação em resolver os problemas a eles relacionados acabou alterando as bases em que se estruturava o processo tradicional, tocando em conceitos como: legitimidade ativa, citação, direito de ser ouvido e, até, o papel do juiz no processo. Isso se deve ao fato de que a estrutura processual, nesses casos, não pode ter uma visão apenas individual, mas sim uma visão social e coletiva. Algumas medidas tomadas para concretizar esses direitos difusos envolvem a atuação institucional do Estado neste objetivo, por meio de seus órgãos, bem como do Ministério Público, e a atuação privada na efetivação desses direitos, conferindo a determinados grupos, ou indivíduos, a legitimidade para a propositura de ações com esse fim. Porém, também neste ponto há limitações, tais quais: a atuação do Estado muitas vezes esbarra em interesses próprios, além de ser, naturalmente, mais lenta; as carências econômicas que grupos particulares enfrentam para arcar com um processo que envolve inúmeros interessados; a dificuldade em organizar tais grupos (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 49-67).

Quanto aos reflexos dessa segunda onda em relação à esfera trabalhista, reitera-se o que já foi dito acima quando da análise acerca do grupo de barreiras ao acesso à justiça em que se constituem os direitos difusos.

Com base nessas duas ondas de acesso à justiça efetivo, os referidos autores dissertam a respeito de uma terceira onda, muito mais ampla que as anteriores, tratada, também, como “novo enfoque de acesso à justiça”. Essa nova onda engloba as duas anteriores, tratando-as como algumas das possibilidades de medidas a serem adotadas para que se alcance o acesso à justiça efetivo, além de apresentar novas medidas que podem ser tomadas. Assim, o que se propõe é que haja uma correlação entre as diversas opções de atuação para que se combata, efetivamente, as barreiras que obstaculizam o acesso à justiça efetivo, uma vez que esses obstáculos também estão interligados entre si. Além disso, deve-se procurar a identificação de que obstáculo é mais proeminente em determinados casos, a fim de que se possa minimizar os seus danos de uma forma específica, e não genericamente por meio de atitudes padronizadas. Isso se dá pelo fato de que, como anteriormente dito, é possível que uma barreira esteja mais forte em dada situação, demandando uma solução mais adequada àquele caso (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 67-73).

Seguindo essa linha, Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 75-159) oferecem algumas possíveis soluções que seguem a direção proposta por essa terceira onda de acesso à justiça, buscando a correlação entre as diversas medidas possíveis, bem como reformas mais sensíveis no sistema jurídico. Exemplos dessas propostas são as reformas nos procedimentos judiciais em geral; utilização mais ampla de métodos judiciais alternativos, tais como a arbitragem e a conciliação; criação de procedimentos especiais para determinadas causas, como as pequenas causas e a defesa dos direitos difusos; mudanças nos métodos utilizados para a prestação de serviços jurídicos, como o uso dos “parajurídicos” e o desenvolvimento de planos de assistência jurídica mediante convênio ou em grupo; e simplificar o direito, para torná-lo mais compreensível e para que seja, também, mais fácil preencher as condições para exercício dos institutos jurídicos.

Com uma concepção similar à colocada por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, a doutrina brasileira, representada, principalmente, por Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2010, p. 39-41), também anuncia a existência de óbices à efetividade do acesso à justiça, que se transfiguram em quatro pontos sensíveis, aos quais correspondem, igualmente, certas atitudes capazes de proporcionar o acesso à justiça efetivo. Tais pontos sensíveis são: a admissão ao processo (ingresso em juízo), o modo-de-ser do processo, a justiça das decisões, a efetividade das decisões. Far-se-á, a seguir, uma breve análise dos referidos pontos.

A admissão ao processo refere-se à busca pela eliminação das barreiras que impedem ou dificultam o acesso dos indivíduos ao Judiciário, objetivando, assim, o mais amplo ingresso possível em juízo da sociedade como um todo (NEVES, 2011, p. 23). Dessa forma, para a consecução desse objetivo, impõe-se, principalmente, a superação das barreiras econômicas e das barreiras referentes aos direitos difusos e coletivos. Isso se dá através do oferecimento adequado de assistência jurídica integral e gratuita, e também do fortalecimento das tutelas coletivas, como tem ocorrido com ação civil pública e o mandado de segurança coletivo (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 40). Nota-se que este ponto sensível possui conteúdo semelhante ao contido no primeiro e terceiro grupos de barreiras ao acesso à justiça, e nas duas primeiras ondas de acesso à justiça, expostas em linhas anteriores.

O modo-de-ser do processo, segundo ponto sensível, relaciona-se com a observância do devido processo legal, do contraditório e com a efetiva participação do juiz e das partes no decorrer do processo (princípio da cooperação). Isso é uma consequência lógica e concreta da ampla admissão ao processo, uma vez que só se pode considerar que há um amplo acesso ao processo se as partes possuem espaço para participar do diálogo processual e possibilidade de influenciar, de maneira real, o convencimento do juiz e o resultado do processo. Além disso, com a efetiva participação das partes no processo, duas vantagens são observadas: a maior conformação das partes com o resultado final, pois saem com a sensação de que fizeram tudo que poderia ser feito; e a melhor qualidade da decisão a ser proferida, uma vez que baseada em mais elementos fornecidos pela participação efetiva das partes (NEVES, 2011, p. 24).

O terceiro ponto sensível, que é a justiça das decisões, indica a necessidade de as decisões proferidas pelo juiz serem condizentes com o critério de justiça, seja na apreciação das provas, no enquadramento jurídico dos fatos ou na interpretação do Direito. Assim, diante de mais de uma interpretação possível de um texto normativo, por exemplo, o magistrado deve voltar-se, sempre, para aquela que seja mais justa (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 41). Apesar de esse critério de justiça ser um tanto quanto subjetivo, ele deve ser encarado mais como um parâmetro a pautar a ação do juiz, que deve distanciar-se de decisões claramente injustas e que não condigam com os princípios e direitos fundamentais albergados pelo nosso ordenamento jurídico (NEVES, 2011, p. 24).

Por fim, o quarto ponto diz respeito à efetividade das decisões. A ideia por ele transmitida é a de que é necessário que o resultado do processo seja capaz de proporcionar ao vencedor da demanda o bem jurídico pretendido de maneira eficaz e que ainda lhe seja útil. Ou seja, de nada adianta, para o litigante, sagrar-se vencedor no processo, mas não obter exatamente aquilo que pretendia de início, e em tempo hábil (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2010, p. 41). Algumas soluções são propostas para que se enfrente esta questão: a utilização de tutelas de urgência, para que o tempo não seja fatal ao direito do litigante; a ampliação dos poderes do magistrado para que ele efetive diretamente suas decisões; e a observância real do direito fundamental de razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da CF/88 (NEVES, 2011, p. 25).

Conclui-se, da análise dos quatro pontos sensíveis acima expostos, que eles representam um “caminho” a ser seguido dentro de um processo para que se obtenha um acesso à justiça efetivo. Primeiramente, deve-se proporcionar o acesso de todos ao Judiciário, eliminando-se, para isso, as barreiras existentes que o impeçam. Uma vez tendo ingressado com uma demanda, às partes deverá ser observada a participação concreta na condução do processo, com capacidade de interferir no resultado do mesmo, o qual deve ser sempre justo (ou o mais próximo possível disso). Após a obtenção do resultado, deve-se garantir que ele seja realmente efetivo para as partes, assegurando-se a sua eficácia e utilidade. Ou seja, o objetivo é que o acesso à justiça seja efetivo, tanto antes do ajuizamento da ação (através da eliminação das barreiras alheias ao aspecto jurídico), quanto com o andamento da mesma (através da eliminação das barreiras existentes no aspecto jurídico e processual). Nota-se que essas barreiras dentro do processo, na maioria das vezes, são consequência do obstáculo que é a possibilidade das partes, uma vez que este se manifesta com mais força já no decorrer da ação, com base no que foi exposto adequadamente quando se tratou especificamente dele, acima.

Depois de muito se ter discorrido acerca das barreiras e óbices ao acesso à justiça efetivo e as possíveis soluções que podem ser tomadas para reduzi-los, é imprescindível registrar o alerta que Mauro Cappelletti e Bryant Garth deixam para a necessidade de que a busca pelo efetivo acesso à justiça não reduza os direitos conquistados através dos séculos, com o intuito de tornar a relação processual mais simples. Em outras palavras, não se deve “empobrecer” a justiça, mas possibilitar a inclusão de todos, inclusive dos pobres, nesse acesso. Dessa forma, deve-se atentar às limitações inerentes a essa reforma, pois, embora o processo atual seja insuficiente em alguns pontos, em relação a outros ele é bastante eficaz. Ou seja, não se deve modificar aspectos que dão certo, na prática, quanto a alguns institutos e direitos, apenas para que outros ocupem esse lugar. Deve-se procurar, como já foi aqui ressaltado, a correlação entre todos os mecanismos, para que, em conjunto, eles possam proporcionar um efetivo acesso à justiça a todo e qualquer indivíduo (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 161-165).

Portanto, torna-se evidente a necessidade de que se tomem atitudes em relação ao acesso à justiça efetivo pensando-se no sistema jurídico como um todo, e não através de medidas pontuais, que resolvam um ou outro problema e exacerbem os demais. A inteligência de que as diversas barreiras estão interligadas e, consequentemente, necessitam de uma ação integrada é primordial para o alcance da tão almejada efetividade do acesso à justiça. Na esfera trabalhista, tal percepção é ainda mais importante, em razão de ser um ramo do Judiciário com inúmeras diferenças entre as partes adversárias, o que provoca a carência de uma atenção peculiar para que ocorra a diminuição dessas discrepâncias, tão nocivas à efetividade do acesso à justiça. Além disso, não se pode pretender extinguir de maneira total o processo como ele é atualmente, mas sim que haja a implementação de mudanças que caminhem ao lado do que o ordenamento jurídico já tem de positivo a oferecer.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal, de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 16 de dezembro de 2015.

___________. Decreto-Lei nº 5.452, de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em 16 de dezembro de 2015.

___________. Lei nº 5.584, de 1970. Dispõe sobre normas de Direito Processual do Trabalho, altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, disciplina a concessão e prestação de assistência judiciária na Justiça do Trabalho, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5584.htm. Acesso em 06 de janeiro de 2016.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 26. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 16. ed. Salvador: JusPodivm, 2014. v. 1.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 3. ed. São Paulo: Método, 2011.

PAROSKI, Mauro Vasni. Gratuidade e honorários de advogado na justiça do trabalho: elementos teóricos e práticos para uma reflexão crítica da perspectiva do acesso à justiça. São Paulo: LTr, 2010.


Notas

1 O art. 217, § 1º, da CF/88, dispõe que: “O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei”. Como a justiça desportiva é um órgão administrativo, constitui-se essa previsão constitucional em uma exceção (a única em sede constitucional) ao acesso irrestrito ao Judiciário.

2 Ressalta-se que o pagamento dos honorários advocatícios passou a ser a regra na Justiça do Trabalho, a partir da Reforma Trabalhista (Lei 13.467, de 2017), que acrescentou o art. 791-A e parágrafos à CLT.

3 Dado retirado do site do Ministério Público do Trabalho (http://www.mpt.mp.br), acessado em 06 de janeiro de 2016.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Danilo Oliveira Lima. O acesso à Justiça no âmbito trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5468, 21 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/62974. Acesso em: 20 abr. 2024.