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Firma individual x EIRELI: análise jurídica sob o ângulo da responsabilidade

Firma individual x EIRELI: análise jurídica sob o ângulo da responsabilidade

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1.        INTRODUÇÃO

Atualmente, com a demasiada carga de tributação e a desestabilidade financeira nacional, a pessoa natural que pretende empreender e não opte pela forma societária, por meio de um desfortuno, pode arruinar todo seu patrimônio pessoal adquirido com muito esforço.

Na presente pesquisa científica, busca-se a confrontação da Firma Individual com a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada - Eireli, sendo analisadas as vantagens de optar por esta e algumas dificuldades trazidas pelo legislador para sua constituição.

Em princípio, será abordado as sociedades primitivas, onde seus componentes buscavam sempre produzir bens que necessitavam. Nesta seara, foram surgindo os comerciantes, conhecidos no início, como mercadores, identificados como aquelas pessoas que intermediavam as chamadas “trocas” de mercadorias.

Em seguida, mostrar-se-á que essa prática foi perdendo espaço pelo motivo de não ter como suprir todas as necessidades humanas, sendo assim, ocasionou o surgimento da moeda.     

Logo após, será estudado as primeiras normas que adequaram os comerciantes, os denominados “atos de comércio”, com a então denominada teoria de comércio, de origem francesa, que trazia como traço marcante para a verificação do comerciante a ação que este desempenhava. Ante a insuficiência de delinear as atividades de atos de comércio e atos civis, surgiu na Itália a “teoria da empresa”, alargando assim, o âmbito de incidência nas atividades econômicas dos particulares do direito comercial.

Posteriormente à abordagem histórica das atividades comerciais, será apontado as principais características do empresário individual, detalhando sua forma de constituição, pessoas impedidas, a responsabilidade ilimitada, natureza jurídica, a afetação patrimonial e as inseguranças e prejuízos que ela causa para o empresário no campo social e econômico.

Nesse passo, será apontado os requisitos da nova modalidade de empresa, a Eireli, enumerando as características trazidas pelo legislador, como capital social, natureza jurídica, limitação da responsabilidade e, buscando ainda, esclarecer a intenção do legislador de criar as referidas particularidades.

Ao mesmo modo, será observado o motivo e consequências que fizeram o empresário individual ir ao longo do tempo perdendo espaço para as chamadas “Sociedades Fictícias” e ganhando inúmeros desinteressados em sua constituição.

Será contraposto ainda, à luz da responsabilidade limitada, se a mesma contribuirá para o crescimento da confiança em empreender? Ou, haverá um desinteresse em sua constituição, devido ao “desconforto” causado em relação aos seus fornecedores pelo motivo da diminuição do alcance executivo de bens, trazendo uma insegurança para os fornecedores/credores. Será, ainda, apresentada, uma breve discussão da EIRELI Lusitana, que foi o molde para o advento da Lei 12.411 de 11 de julho de 2011.

Desse modo, será esquematizado, após aproximadamente 05 (cinco) anos desde a vigência da Lei 12.411 de 11 de julho de 2011, quais implicações que esse instituto trouxe para o cotidiano empresarial, tendo por intuito viabilizar a intenção do legislador, aprofundando seus pontos que, até hoje, trazem mais dúvidas e polêmicas para o Direito Empresarial.

 E, finalmente, algumas dúvidas oriundas do Princípio da Desconsideração da Personalidade Jurídica, abordando a prática de abuso de direito ou fraude em prejuízo de terceiros

A elaboração da presente pesquisa científica de Monografia pretende ter alguma importância para análise das questões em foco, tanto no campo econômico, quanto no social. O Empresário individual, segundo os dados do Departamento Nacional de Registro e Comércio – DNRC, corresponde por mais da metade das empresas constituídas no país.

Empreender, na opção de Empresário individual, com sua reponsabilidade ilimitada, coloca em risco seu patrimônio pessoal, de modo que, caso aconteça algum infortuno, o empresário estará à deriva com todos os seus bens pessoais adquiridos ao longo do tempo.

 Nesse sentido, mesmo que o empreendedor analise as medidas de proteções possíveis é notório que ao se colocar no mercado estará à mercê de circunstâncias além de seu controle, as quais podem prejudicar ou até mesmo extinguir o desenvolvimento da atividade econômica. Com a possível perda do patrimônio empresarial juntamente com o pessoal, ocasionará uma demasiada alteração no modo de vida de toda sua família.

 No campo social, a responsabilização dos bens pessoais do empresário pode custar a privação de seus filhos de um estudo de qualidade, ou ainda, a possibilidade de casais modificarem seus planos com relação a ter filhos.

 Esse campo será afetado na medida em que o empresário deixe de praticar suas costumeiras atividades ou deixe de fornecer capital para que seus entes familiares às pratiquem. Haverá uma alteração do modo de vida social na família e de algumas pessoas vinculadas a esta, de certa forma. Empregados poderão ser dispensados, ampliando o alcance da gravidade no campo social.

No tocante econômico, mesmo que esteja camuflado, todo esse problema social indicado apresenta uma consequência econômica.  Sendo que, o empresário, seus familiares e possíveis pessoas vinculadas terão seu “poder de compra” reduzido, haja vista o desmoronamento dos pilares econômicos do “ente família”.

 Portanto, a EIRELI trouxe a separação do patrimônio empresarial para com o patrimônio pessoal do empresário. Desse modo, empreendedores que optam pela EIRELI podem restringir as perdas que podem ser causadas por uma possível falência empresarial.

Surge uma confiança para se arriscar no mundo dos negócios, fazendo com que ocasione uma expansão das atividades econômicas produtoras, criando empregos e rendas e, ainda, proporcionando uma segurança para o patrimônio pessoal do empresário.

Não se pode olvidar, que além do crescimento econômico e a não possibilidade de arcar com dívidas da empresa em seu patrimônio pessoal, haverá a erradicação das sociedades fictícias, aquelas que eram criadas apenas para o preenchimento do requisito quantitativo, pois para o surgimento de uma sociedade é necessário no mínimo dois sócios.

Por fim, é importante para demonstrar para a sociedade que essa nova modalidade de empresa surgiu para constituir uma relação mais justa entre empresário e sociedade. Considerando que muitas EIRELI’s serão constituídas apenas para burlar algumas situações tributárias, empresárias e econômicas, será ainda, evidenciado, os requisitos que farão com que essa responsabilidade seja desclassificada, por meio do Princípio da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Essa pesquisa científica tem a função de proporcionar para os leitores o impactante avanço nos fins societários. Elucidará muitas dúvidas na constituição da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada para a sociedade, inclusive delinear a evolução do direito empresarial, abordando alguns atributos da EIRELI e do empresário individual. Sendo assim, pretende a pesquisa elucidar o que é a EIRELI, como se constitui juridicamente, quais seus requisitos e enquadramento, quais eventuais benefícios e prejuízos podem advir da opção por tal modelo - para o empresário, para o emprego e para o país.

Nesse sentido, será feita uma reflexão no objetivo de compreender qual responsabilidade que será melhor avaliada e absorvida pelos empresários. Delineando as dificuldades em se optar pela modalidade limitada e os eventuais prejuízos em se optar pela responsabilidade ilimitada.

Finalmente, haverá uma tentativa elucidar o motivo do legislador ter preferido inserir um novo inciso no art. 44, do Código Civil, desvinculando integralmente a EIRELI das naturezas jurídicas remanescentes.


2.        OBJETIVO GERAL

Proporcionar maior compreensão acerca da responsabilidade limitada e ilimitada.

2.1  Objetivos específicos

  • Demonstrar o avanço no direito empresarial
  • Compreender qual responsabilidade que será melhor avaliada e absorvida pelos empresários
  • Elucidar as vantagens e desvantagens da Eireli


3.        DIREITO EMPRESARIAL

3.1. Surgimento do Comércio

3.1.1. Antiguidade

O direito comercial não se formou em uma só época, nem no meio de um só povo, originou-se de civilizações, quanto aos seus usos, costumes e organização do Estado. Em primeiro momento, inexistia o comércio na antiguidade patriarcal, logo, o chefe totalizada em suas mãos a distribuição do trabalho e os frutos que eram auferidos (FARIAS, 2013).

O patriarca administrava toda a extensão econômica e toda influencia social que a família exercia. Esse, que era o Pai, o Avô, respondia pelas todas necessidades da família ou grupo familiar (FARIAS, 2013).

Mesmo com a predominância da autoridade patriarcal da época, foi inevitável que o “direito comercial” se manifestasse, ocasionando a primeira forma de comércio, o sistema de “trocas”. Essa forma primária de comércio alterou a qualidade de vida de vários grupos humanos, onde certos grupos trocavam mercadorias desnecessárias ou excedentes para si, que eram necessárias e uteis para outros (GUIMARÃES, 2014).

Cada família ou grupo começou a se delimitar a uma certa atividade (pesca ou pecuária ou agricultura). Sendo assim, produziam mais do que consumiam para poder “trocar” com outras famílias. Apesar desse comércio primário ser de inegável avanço econômico e histórico para o direito comercial, foi sucumbido pelas séries de dificuldades surgidas ao passar do tempo. Nem sempre o que era desnecessário para um grupo era útil para outro, portanto essa pratica foi ganhando uma nova qualificação e aspecto, para uma melhor adequação do comércio, criando assim, a moeda (GUIMARÃES, 2014).

A ideia era criar um modelo de referência para dinamizar as “trocas”, buscava-se algo que serviria para pagamento por algum produto, que seria facilmente transportado, não perecia e pudesse ser facilmente dividida. A primeira “moeda” utilizada foi o sal, daí veio a expressão que usamos até hoje: salário. Logo depois, vieram outros produtos como conchas, até surgir o ouro e o dinheiro (GUIMARÃES, 2014).

A moeda viabilizou a compra e venda em grande escala, facilitando a circulação de mercadorias, com isso, essa atividade de colocar em circulação as mercadorias, por meio da compra e venda, ganhou o nome de “comércio”. A compra e depois a venda de mercadorias passou a ser feita por intermediários, também denominados de comerciantes ou mercadores, esses adquiriam bens e mercadorias por um preço menor e os vendiam por preço maior, a fim de auferir lucro (FARIAS, 2013).

Esses intermediários ou comerciante, na evolução dos tempos, passaram a constituir uma classe poderosa, devido a compra de mercadorias por um preço menor e a venda por preço maior, inerentes à ideia de lucro. Porém, não eram os únicos beneficiados, mas os que lhe prestavam o serviço, também remunerados a partir dos lucros, favorecendo o emprego do capital, otimizando a utilização produtiva de bens e amparando o Estado pelo pagamento dos tributos (FARIAS, 2013).  

3.1.2. Teoria dos atos do comércio

No período da Revolução Francesa e império napoleônico, o direito comercial era costumeiro e somente se aplicava para alguns comerciantes, ou seja, aqueles com matrículas nas corporações de ofício, por terem uma estrutura corporativista, tinham força política e econômica necessária para criação de regras para os comerciantes (FARIAS, 2013).

Nesta fase, o comerciante era aquele que se matriculava na corporação de oficio relacionada a sua atividade. As normas comerciais nesse período tinham dois objetivos essenciais. O primeiro era assegurar privilégios a burguesia, representada, pelas corporações de ofício. Já o Segundo, era assegurar o oligopólio nos exercícios de cada profissão (COELHO, 2010).

Por isso que essa fase foi chamada de subjetivista, as regras comerciais dirigiam-se o “olhar” ao sujeito, desde que tivesse matriculados nas corporações, independentemente das atividades praticadas, algo que se opunha ao ideal de igualdade, trazido pela Revolução Francesa (COELHO, 2010).

Dessa forma, teriam que criar normas para o comércio, sem privilegiar alguma classe social especifica, algo ainda inconcebível naquele época. Em 15 de setembro de 1807, promulgado por Napoleão, foi criado o primeiro código comercial, o chamado código napoleônico. Esse, retirou o foco de proteção de uma só classe e os transferiu para a natureza comercial propriamente dita, ou seja, o direito comercial passou, a partir de então, a conceituar a aplicação de determinados atos, não determinadas pessoas (COELHO, 2010).

O intuito do código comercial era alterar esse modo subjetivista, onde os comerciantes (mercadores, artesões, etc.) eram aqueles matriculados nas corporações de oficio para o modo objetivista, abrangendo o enquadramento em comerciante a todos que praticam atos de comércio (COELHO, 2010).

Com a criação do Código Comercial Napoleônico, qualquer pessoa capaz que explorasse o comércio, praticando atos de comércio de forma habitual e profissional, poderia ser qualificada como comerciante, mesmo que não fosse previamente aceita como membro da corporação de comerciantes (FARIAS, 2013).

Sobre a influência dessa época se construiu o Código Comercial Brasileiro de 1850, estabelecendo quais eram os atos comerciais por natureza ou profissionais. Atribuía-se ao conceito comerciante quem praticava-se atos de comércio, essa definição era meramente de exclusão, ou seja, atos não considerados atos civis, eram atos de comércio, pois a lei não os disciplinavam ainda. (FARIAS, 2013).

3.1.3. Teoria da empresa

Superada a fase dos atos de comércio, do Sistema Francês, desapareceu a dicotomia de atos civis/atos de comércio, passando a ser analisado tão somente por ser empresarial ou não empresarial. Em 1942, na Itália, o direito comercial deixa de recair sobre atos de comércio e passa a recair sobre a empresa (FARIAS, 2013).

Na Itália, governava o ditador Mussolini, surgindo assim uma ideologia fascista, onde o maior expoente da teoria da empresa foi o italiano Asquini. Esse, defendeu a desvinculação entre o sujeito e o objeto do direito comercial, arguindo que seria possível que o objeto (empresa) sobrevivesse independentemente do destino do sujeito (empresário). Defendia ainda, que a proteção do direito comercial deve recair tão somente sobre a empresa, que significa atividade empresarial, com fim lucrativo, organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços (FARIAS, 2013).

Asquini criou a Teoria Poliédrica da Empresa, afirmando que esta poderia ser estudada por vários ângulos ou aspectos, analisando a atividade empresarial em bloco. (FARIAS, 2013).

O primeiro ângulo é o perfil subjetivo, caracterizado por aquele que exerce a empresa, ou seja, o empresário. Este, exerce em nome próprio uma atividade econômica organizada, que produza e circule bens e serviços, de forma profissional (FARIAS, 2013).

 O segundo é o perfil funcional, no qual a empresa confunde-se com a própria atividade econômica, sendo sinônimo de empreendimento. O terceiro é o perfil objetivo ou patrimonial, sendo a empresa vista como um patrimônio, um estabelecimento empresarial que é um complexo de bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos, utilizados pelo empresário para exercer sua atividade.

 O quarto e o último é o perfil corporativo ou institucional, tal como a família, que busca reunir empresário e empregados com objetivos comuns, no qual a empresa é considerada um resultado da organização do pessoal, constituída pelo empresário e por seus colaboradores (FARIAS, 2013).

A teoria dos atos do comércio possui um sistema Francês de comerciante, era todo aquele que pratica com habitualidade e profissionalismo atos de comércio, não implicando o conceito subjetivo que determinava a qualidade do comerciante, já, na teoria da empresa não se considerava a atividade do comerciante que intermediava a produção e nem os atos definidos como comerciais, mas a qualidade daquele que exerce a atividade empresarial (FARIAS, 2013).

Com teoria da empresa, houve uma mudança até mesmo na nomenclatura do direito, o então chamado direito comercial começou a ser denominado direito empresarial, pois esta é uma expressão mais abrangente que engloba outros setores da atividade econômica, não se mantendo apenas no comércio, como por exemplo o setor da prestação de serviços (FARIAS, 2013).

O Código Civil de 2002, influenciado pelo Sistema Italiano, trouxe a identificação do empresário, como “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

3.2. Do Empresário

Atualmente os empresários são definidos em lei, são os que optam por exercer atividade individual, sem a colaboração de sócios, sendo que esses, formam sociedades. Sobre esse assunto, Fabio Ulhoa Coelho, discorre:

Deve-se desde logo acentuar que os sócios da sociedade empresária não são empresários. Quando pessoas (naturais) unem seus esforços para, em sociedade, ganhar dinheiro com a exploração empresarial de uma atividade econômica, elas não se tornam empresárias. A sociedade por elas constituída, uma pessoa jurídica com personalidade autônoma, sujeito de direito independente, é que será empresária, para todos os efeitos legais. Os sócios da sociedade empresária são empreendedores ou investidores, de acordo com a colaboração dada à sociedade (os empreendedores, além de capital, costumam devotar também trabalho à pessoa jurídica, na condição de seus administradores, ou as controlam; os investidores limitam-se a aportar capital) (COELHO, 2010).

Portanto, o empresário, referencia-se por si só, pois as pessoas que unem esforços, com “Affectio Societatis” para e exploração de uma atividade empresarial não são consideradas empresárias e, simplesmente empreendedores de capital. Entretanto, a sociedade criada por estes, será empresária. Os empresários individuais contemplam a necessidade da pessoalidade para poder gerir e administrar sua atividade, ou seja, deve-se haver o efetivo exercício, ao contrário dos sócios da sociedades empresárias que não é necessário exercer a atividade do objeto empresarial.

Os que irão ser tratados no presente trabalho são os empresários individuais. Esses, são constituídos por pessoas naturais que exercem atividade empresarial de forma individual. Não são considerados pessoais jurídicas, sendo assim, possuem Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas-CNPJ meramente tributário (ABRÃO, 2015).

 O empresário individual forma-se em uma conceituação definida na lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), no seu art. 966 “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. (Lei n.º 10.406, de 10/01/2002)

O caráter profissional do conceito refere-se a exploração da atividade de forma reiterada, permanente e não eventual. Já, com relação a atividade organizada, é necessário a presença de fatores de produção (capital, insumos, mão de obra e tecnologia), sendo que a ausência de qualquer um desses elementos indica que a atividade não tem caráter empresarial, portanto esse profissional não será considerado empresário (ABRÃO, 2015).

E por fim, a exploração permanente da atividade econômica organizada deve haver a o intuito de lucro, não bastando o empresário exercer a atividade com a ideia de apenas oferecer bens ou serviços na intensão de “empatar” seu capital.

3.3. Dos impedimentos às atividades empresariais

No que tange ao interesse público, o veto aos exercícios de certas pessoas para a pratica de atividade empresarial são por motivos éticos.  A ética é a ciência do certo e errado, está ligada aos valores do ser humano, tornando assim, incompatível com algumas funções. Por isso que as profissões em geral têm códigos de ética, para orientar o profissional para o exercício da função a benefício do ser humano e da sociedade (MARIANI, 2015).

A três espécies de impedimentos: I) os legais; II) judicial e; III) o convencional. Os impedimentos legais, por sua vez, desdobram-se em impedimentos legais amplos e impedimentos legais restritos.

3.3.1 Impedimentos legais amplos

3.3.1.1 Falidos

É de interesse público, na finalidade de proteger terceiros e a economia. Esta inabilitação consiste na proibição para ao exercício da atividade empresarial, desde a decretação da falência até a sentença de extinção das obrigações ou até a reabilitação criminal (MARIANI, 2015).

O falido fica proibido de exercer a atividade empresarial, esse feito perdurará até que o falido obtenha sua reabilitação por meio da sentença de extinção das suas obrigações. Contudo, é necessário verificar se o falido foi submetido a pena acessória de inabilitação, em razão de condenação por crime falimentar. Nesta hipótese, haverá dupla inabilitação, a primeira decorrente da sentença que decreta a falência, a inabilitação cível e, a outra decorrente da condenação acessória, a inabilitação criminal, em razão de crime falimentar (MARIANI, 2015).

3.3.1.2. Leiloeiros

Os leiloeiros tem a função de vender, mediante oferta pública, de mercadorias que lhes são confiadas. Essa função é exercida mediante matrícula concedida pelas Juntas Comerciais, de acordo com as disposições do Decreto Federal n° 21.981, de 19 de outubro de 1932, art. 32 da Lei 8.934/94 e da Instrução Normativa nº 113, de 28 de abril de 2010, do DNRC – Departamento Nacional de Registro do Comércio.

 Neste caso, por gozarem de fé pública e desempenharem atividade auxiliar do comércio estão proibidos de exercerem a atividade empresarial (MARIANI, 2015).

3.3.1.3. Condenados

As pessoas condenadas não poderão exercer atividade empresarial nem administrar empresa, cuja pena vede acesso a cargo, emprego ou função pública ou, por crime de prevaricação, falência fraudulenta, peita ou suborno, concussão, peculato, contra propriedade, a fé pública e a economia popular, em conformidade com o art. 1.011, §1º, do Código Civil combinado com o art. 37, inciso II, da Lei 8.934/94 (MARIANI, 2015).

3.3.1.4. Servidor público

Embasado no art. 117, inciso X, da Lei 8.112 de 11 de dezembro de 1990, é proibido ao servidor público, “participar de gerência ou administração de sociedade privada, personificada ou não personificada, exercer o comércio, exceto na qualidade de acionista, cotista ou comanditário”

A norma acima pretende resguarda o servidor público, para que não se distraia com administração empresarial e deixe de atentar-se com os deveres de seu cargo público, tendo ainda, o motivo de manter intactos certos cargos públicos, ou seja, imagine uma eventual falência, poderia comprometer a dignidade e o prestigio o servidor e de seu cargo ocupado (MARIANI, 2015).

Todavia, cada impedimento depende de previsão no respectivo estatuto, cabendo, então, verificar caso a caso.

3.3.1.5. Magistrados

Os Magistrados não podem exercer cargo de direção ou sociedade simples, associação ou fundação, de qualquer natureza ou finalidade, salvo de associação de classe e, sem remuneração, de acordo com o art. 36, inciso II, da Lei Complementar 35 de 14 de março de 1979 (MARIANI, 2015).

A função jurisdicional do magistrado é incompatível com o intuito de angariar lucros e clientela, fatores que decorrem da atividade empresarial. Portanto, a norma impedi o desempenho da atividade empresarial para proteger o prestigio e a imparcialidade do magistrado (MARIANI, 2015).

3.3.1.6 Militares na ativa

Com previsão no art. 29, da Lei 6.880 de 09 de dezembro de 1980, “Ao militar da ativa é vedado comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista, em sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada”. Dessa forma, esses são proibidos de exercer atividades empresarial, participar de gerencia ou administração, podendo apenas ser acionista ou cotista, de sociedade anônima ou sociedade limitada, respectivamente. Ademais, é configurado crime para o exercício de comercial, de acordo com o art. 204, do Decreto-Lei 1.001, de 21 de outubro de 1969 (MARIANI, 2015).

3.3.1.7 Cônsules nos seus distritos           

Agente oficial de um país em território estrangeiro, encarregado de promover a proteção de indivíduos e empresas que sejam nacionais daquele Estado. Atua na órbita dos interesse privados de seus compatriotas. Estão impedidos nos respectivos distritos, salvo os não remunerados, de acordo com o Decreto 3259 de 1889 (MARIANI, 2015).

3.3.2 Impedimentos legais restritos

Desdobram-se em: a) determinado setor econômico; e b) determinada pessoa.

3.3.2.1 Determinado ao setor econômico           

Os Médicos não podem exercer, simultaneamente, a farmacologia e farmacêuticos da medicina, de acordo com o Conselho Nacional de Medicina, no seu art. 98, preceitua o seguinte:

Exercer a profissão com interação ou dependência de farmácia, laboratório farmacêutico, ótica ou qualquer organização destinada à fabricação, manipulação ou comercialização de produtos de prescrição médica de qualquer natureza, exceto quando se tratar de exercício da medicina do trabalho (MARIANI, 2015).

Fato este, que protege a possível vantagem indevida que alguns médicos poderiam obter, ministrando remédios tão somente de suas próprias farmácias ou laboratórios.

Atinge de igual modo os seguinte setores da economia nacional: a) de pesquisa e de lavra de recursos minerais e de energia hidráulica, onde as empresa devem ser pelo menos constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no país, ou seja, opõe restrição as empresas estrangeiras, de acordo com o art. 176, §1º, da Constituição Federal; b) de transporte aquático de mercadorias, onde as embarcações estrangeiras devem cumprir requisitos estabelecidos em lei, tanto a navegação de cabotagem (costeira) quanto a navegação interior, de acordo com o art. 178, parágrafo único da Constituição Federal; e c) de jornalismo e de radiofusão sonora e de sons e imagens, onde as empresas devem ser pelo menos constituídas sob as leis brasileiras e, em qualquer caso, pelo menos 70% (setenta por cento) do total do capital social e votante deve ser de brasileiros, de acordo com o art. 222 e §1º da Constituição Federal (MARIANI, 2015).

3.3.2.2 Determinada a pessoa

Esse impedimento atinge de forma parcial os deputados e senadores, que a partir da posse, não poderão ser donos, controladores, e diretores de empresa que gozem de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público. Contudo, a lei não veda exercer atividade empresarial de pessoa jurídica de direito privado que não convencionado ou contrata com a administração pública (MARIANI, 2015).

3.3.3. Impedimento Judicial   

O Código Civil traz no seu art. 972, que só podem exercer atividade de empresário as pessoas que tiverem pleno gozo de sua capacidade civil e não forem legalmente impedidas. Sendo assim, um incapaz não poderá constituir firmal individual ou ser sócio em sociedade empresária, mesmo que devidamente representado.

Acontece, que o legislador no art. 974, do Código Civil, trouxe uma curiosidade, onde a pessoa com plena capacidade civil é empresária e, por alguma circunstância, torna-se incapaz ou não consegue mais exprimir sua vontade. Nesse caso, embasado no princípio da continuação da empresa, poderá este, por meio de representante, continuar a exercer a atividade empresarial (MARIANI, 2015).

3.3.4. Impedimento convencional       

Esse impedimento restritivo é relacionado geralmente em território demarcado. Um exemplo dessa restrição é quando o empresário vende seu estabelecimento comercial para um terceiro e inclui no contrato de venda uma cláusula de exclusividade. Essa cláusula limitará o comprador, a um prazo de cinco anos, podendo ser reduzido ou justificadamente ampliado, a desempenhar a atividade em questão (MARIANI, 2015).

Essa cláusula de exclusividade não é unânime do direito empresarial, pois agride o princípio da livre iniciativa e concorrência.

3.4. Atividades Intelectuais

O Código Civil por sua vez prescreveu que não considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza cientifica, literária ou artística, mesmo que estas seja de forma organizada (concurso de auxiliares e colaboradores), salvo se o exercício constituir elemento de empresa.

Existem algumas teses sobre o elemento de empresa. Uma delas se prende a dimensão da atividade desenvolvida. Por exemplo, uma pequena clínica médica não exerceria papel de empresa, ao passo que um empreendimento de natureza idêntica e de grande porte, seria considerado empresarial.

A segunda tese se prende na impessoalidade, ou seja, um médico que ao desempenhar sua atividade em uma clínica, onde todos o procuram pelo seu demasiado grau de conhecimento no exercício da medicina, não é considerado empresário, mesmo que este esteja sendo auxiliado por colaboradores ou empregados. Entretanto, caso esse médico, com o passar do tempo, almejando o crescimento, alugue algumas salas de sua clínica para outros médicos do mesmo ramo, este, neste momento, exercerá o papel de empresário, haja vista que pessoas irão procurar o exercício do ramo de atividade médica no local, não mais aquela pessoa individualmente intelectual.

As mencionadas teses passaram a ser diretrizes para a caracterização de elemento empresa, sendo prioritário a observação da atividade-fim, na pratica dos atos empresarias. Se um artista plástico, pinte e exponha apoiado com organização, não seria empresário, porém, se a partir do desenvolvimento do trabalho ele promovesse a reprodução em série para distribuição no mercado, seria empresário.

3.5 Regularização do empresário

O registro do empresário individual na Junta Comercial não é requisito para sua caracterização. Sendo assim, o inicio de atividade de um empresário irregular é condição única para considerar-se-á na qualidade de empresário. Registro esse, depois de consignado, será forma declaratória de regularidade empresarial (REQUIÃO, 2009).

Esclarecendo que o empresário, mesmo sem sua devida regularização estará sujeito a falência e, por estar irregular, haverá indícios de crime falimentar, por falta de escrituração. A regularização do empresário individual dará publicidade a seus atos e documentos constitutivos perante terceiros.

A falta de registro na Junta Comercial do Estado importa sanção de natura fiscal e administrativa. Sendo assim, o descumprimento dessa obrigação acarretará a impossibilidade de inscrição da pessoa jurídica no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), nos cadastros estaduais, municipais e impossibilitará ainda a matrícula do empresário no Instituto Nacional da Seguridade Social.

O empresário que desenvolve a atividade sem a devida regularização, inclusive o CNPJ, dará ensejo a incidência de uma multa pela inobservância de obrigação tributária instrumental, restringindo forçadamente sua economia na esfera informa.


4.        RESPONSABILIDADE ILIMITADA

4.1 O Empreendedorismo             

Não existe o verbo empreender sem que esteja ligado há um certo risco de capital. O empresário que empreende em nova atividade se prende na tentativa de enumerar suas chances e delinear as probabilidades. No caso do empresário individual essas probabilidades terão que certamente ser previamente analisadas, tendo em vista que com um possível fracasso seu patrimônio pessoal estará à mercê das dívidas.

Quanto maior a probabilidade do empreendimento fracassar, maior o risco. O coerente é realizar cálculos para prever se a probabilidade é alta ou baixa e, consequentemente, qual o impacto que ocasionará esse fracasso.

Para o empreendedor, sempre é preciso saber qual o impacto de um eventual fracasso no mundo dos negócios. Considerando que o impacto de um fracasso é a diferença entre o que se ganha e o que realmente pode-se perder.

Nesse passo, é errado achar que o empreendedor é um aventureiro, que assume todos os riscos do negócio de maneira inconsequente, pelo contrário o empreendedorismo é ponderar os prós e contras, fazendo uma análise da probabilidade de o negócio progredir e do impacto que terá na sua vida, se caso fracassar.

 A probabilidade de um piano cair na sua cabeça ao andar na praia é baixíssima, embora o impacto seja muito alto. Entretanto, a probabilidade de tropeçar andando no escuro é alta, porém o impacto é baixo.

Muitas vezes, devido à falta de informação, você não pode determinar alguns riscos, portanto, a incerteza é o maior inimigo dos empresários no momento de constituir um negócio.

4.2 Patrimônio do Empresário

Haverá para o empresário individual a reponsabilidade ilimitada por sua atividade direta e indireta. Nesse passo, o patrimônio de seu empreendimento se confundirá com seu patrimônio pessoal. Um exemplo da confusão patrimonial é o comerciante que vai para sua mercearia com todo dinheiro no bolso esquerdo e, armazena no bolso direito, todo dinheiro pessoal. Durante as atividades regulares do dia a dia, o bolso esquerdo fica sem “trocados”, diante desse fato, o empresário retira do bolso direito (patrimônio pessoal) para suprir atividades empresariais (CHAGAS, 2015)

O presente exemplo é um pouco grosseiro, mas detalha de forma peculiar o que realmente acontece com o empresário individual. Não há como separar esses patrimônios, de modo que é inevitável a responsabilização ilimitada (NEGRÃO, 2013).

Essa responsabilidade ilimitada é uma forma que garante a terceiros segurança para cobrar dívidas feitas pelo empresário no desempenhar de suas atividades empresariais, ou, dívidas relacionadas a vida civil. Entretanto, traz para o empresário muitas dificuldades de empreender.

O empresário individual ao desempenhar a atividade fará com que seu patrimônio pessoal esteja indiretamente assumindo todos os riscos de seus atos empresariais. Portanto, não há como deixar de perceber que um possível fracasso do empresário resultará, em alguns casos, em resultados devastadores.

O empresário, mesmo que com todo cuidado e ponderação, retira todo o dinheiro da poupança e decide empreender em um ramo de negócio, tem o objetivo de proporcionar no futuro uma melhor qualidade de vida para os filhos, netos, etc.

A sua qualidade de vida é relativamente média, portanto, imagina-se que esse profissional tem dois filhos em escolas particulares e uma esposa que complementa o orçamento familiar. O dinheiro retirado, anteriormente, seria destinado ao pagamento de uma universidade para filhos.

O veículo de passeio e a motocicleta de propriedade do empresário tende em ajudar em todas as rotas de seus familiares durante o dia a dia. No entanto, as ingerências econômicas cumulada com alguns fatores predominantes da atividade comercial, fez com que esse empresário acumulasse dividas e obrigações bem maiores do que realmente poderia cumprir, ocasionando assim, abstenção de mercadorias junto aos fornecedores, bem como execuções de credores e protestos de títulos.

Uma grave crise se instala na vida do empresário, seu veículo e motocicleta já foram penhorados, dificultando ainda mais a rotina de vida sua e de sua família. O próximo passo, foi retirar os filhos da escola particular, tendo em vista o esgotamento financeiro.

A única renda familiar é de sua esposa, algo atualmente que impossibilita a plena segurança patrimonial, em conformidade com algumas decisões jurisprudenciais:

TRF-4 - AG: 9341 PR 2009.04.00.009341-8, Relator: ELOY BERNST JUSTO, Data de Julgamento: 30/06/2009,  SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: D.E. 29/07/2009 - Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que não acatou pedido da UNIÃO de inclusão - no pólo passivo de feito executivo fiscal - da pessoa natural (CPF), cuja firma individual é executada origináriamente. Alega a UNIÃO que não se trata de desconsiderar a personalidade jurídica, mas de simples responsabilização abrangente e comum, tanto da firma individual quanto da pessoa física que lhe dá fundamento, pois esta tem responsabilidade ilimitada pela dívida daquela. Esses os apertados contornos da lide. Decido. A discussão versada nos autos diz respeito à possibilidade de inclusão no pólo passivo de pessoa natural para que seu patrimônio (referenciado pelo CPF) responda por dívida de firma individual. O feito executivo é movido contra firma individual, situação em que não há distinção entre a personalidade jurídica da executada e a da pessoa natural de seu titular. Havendo confusão entre o patrimônio da firma individual e da pessoa física, calha mencionar que os bens da pessoa física respondem pelos débitos de titularidade da pessoa jurídica e vice-versa, ou seja, os bens de uma podem ser penhorados por obrigações contraídas pela outra, ressalvada, nesse caso, a impenhorabilidade legal. Assim, havendo a citação da firma ou da pessoa natural do seu titular, o patrimônio, por ser comum, responderá pelos débitos contraídos por qualquer deles. A propósito, colaciono os seguintes julgados:

"CONCORDATA PREVENTIVA DE COMERCIANTE EM NOME INDIVIDUAL. CREDITO quirografário. O comerciante em nome individual não assume personalidade jurídica distinta daquela que possui como cidadão. Assim, os cheques que emitiu, seja no exercício da mercancia, seja por motivo outro, representam créditos sujeitos aos efeitos da concordata. inocorrência de" dupla personalidade jurídica ". Recurso Especial do concordatário conhecido e provido." (STJ, RESP 7223/CE; Quarta Turma, relator Min. Athos Carneiro, unânime, DJU de:02.09.1991, página 11815)

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA SOBRE PATRIMÔNIO DA ESPOSA DO EXECUTADO. MEAÇÃO. ART. 269 DO CÓDIGO CIVIL. A executada não é sociedade comercial constituída por pluralidade de pessoas, mas firma individual, em que não se distinguem a pessoa jurídica da pessoa física que efetivamente desempenha a atividade comercial. De modo que a argumentação da desregard doctrine não se aplica ao caso sob apreço. A presente execução fiscal foi ajuizada contra a empresa e o próprio agravante, que é devedor solidário, sendo que o patrimônio da executada confunde-se com o seu, a teor do art. 2º da Lei nº 9.841/99." (TRF 3ª Região, AI 2000.03.00.057018-5/SP, Quinta Turma, relatora Juíza Suzana Camargo, publicado no DJU de 18.06.2002, unânime, página 573)

TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL CONTRA O TITULAR DE FIRMA INDIVIDUAL. - No ordenamento jurídico brasileiro, o comerciante em nome individual responde de forma ilimitada com o seu patrimônio pessoal pelos atos praticados no exercício da atividade comercial. - Em verdade, a empresa individual e a pessoa natural do comerciante se confundem, de forma que se configura identidade de patrimônio de um e de outro, formando um único conjunto de bens e direitos. - Por conseguinte, os bens da pessoa natural do comerciante respondem pelos débitos contraídos por ele em sua atividade comercial, ressalvada apenas a impenhorabilidade legal. - Assim, é desnecessária a citação da pessoa natural ou o redirecionamento da execução fiscal para que o seu patrimônio responda por débitos da firma individual. - agravo de instrumento desprovido. (TRF4 2005.04.01.000806-6, RS; Fonte DJ 06/07/2005 PÁGINA: 589; Relator JOÃO SURREAUX CHAGAS; Data da Decisão: 29/03/2005 Orgão Julgador: SEGUNDA TURMA)

TRIBUTÁRIO. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL CONTRA O TITULAR DE FIRMA INDIVIDUAL. Não há distinção entre pessoa física e pessoa jurídica, em se tratando de firma individual, pois esta não é pessoa jurídica. Ainda que a lei tributária a equipare à pessoa jurídica, essa equiparação diz respeito apenas às normas de tributação, não se estendendo ao plano da responsabilidade patrimonial. Nesse plano há um único patrimônio, que responde pelas obrigações civis, comerciais e tributárias de seu titular, indistintamente. Dessa forma, incabível o redirecionamento nos termos do art. 135, III, do CTN, podendo, todavia, ser penhorados os bens do empresário pessoa física para responder pelas dívidas da empresa individual. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.000334-0/RS, RELATORA : Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, D.E. 12/03/2009)

EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. PENHORA. FIRMA INDIVIDUAL. INDISTINÇÃO ENTRE PATRIMÔNIO DA FIRMA E DE SEU TITULAR. REQUISITOS DE VALIDADE DA CDA. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO E DE LANÇAMENTO. TAXA SELIC. MULTA FISCAL. CARÁTER CONFISCATÓRIO. CDC. ENCARGO LEGAL. Não configura cerceamento de defesa o indeferimento de produção de prova quando as matérias discutidas nos autos são exclusivamente de direito ou passíveis de mera comprovação documental, podendo ser conhecidas independentemente de dilação probatória. Em se tratando de comerciante individual, não há sentido em diferenciar a figura do comerciante da pessoa física, pois em verdade são uma só, sendo desnecessário o redirecionamento da execução. A CDA preenche os requisitos do artigo 202 do CTN e do artigo 2º, § 5º, da LEF. Nulidade não evidenciada. O débito confessado pelo contribuinte por meio de obrigação acessória é representativo do lançamento e importa notificação para pagamento. Em decorrência, ainda que o tributo seja sujeito a regime de lançamento por homologação, se declarado e não pago, total ou parcialmente, no prazo legal, a sua cobrança decorre do autolançamento, sendo exigível independentemente de instauração de processo administrativo ou notificação prévia. É legítima a aplicação da Taxa SELIC. Precedentes do STJ. Descabe falar em confisco quando o percentual aplicado à multa moratória decorre de lei e não evidencia descompasso com a infração cometida. Não se aplica à multa fiscal o regramento civil (Código de Defesa do Consumidor), pois tais normas regulam as relações jurídicas de caráter eminentemente privado. Nas execuções fiscais movidas pela União, o encargo legal de 20% (vinte por cento) previsto no Decreto-lei nº 1.025, de 1969, embutido no débito, substitui, nos embargos, a condenação em honorários advocatícios.  (APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.70.03.003254-1/PR, RELATOR : Juiz Federal ARTUR CÉSAR DE SOUZA, 12/11/2009)

Para efeitos de legitimidade processual, tanto o titular como a firma individual podem demandar ou serem demandados judicialmente por obrigações contraídas pelo comerciante. Destarte, plenamente possível a pesquisa (pelo CPF) e penhora on line de eventual patrimônio em nome da pessoa natural, sem necessidade de sua inclusão formal no pólo passivo do feito da origem, exatamente como determinado na decisão agravada. Ante o exposto, julgo liminarmente improcedente o agravo de instrumento. Intimem-se. Diligências legais. (TRF-4 - AG: 49501520144040000 PR 0004950-15.2014.404.0000, Relator: JORGE ANTONIO MAURIQUE, Data de Julgamento: 02/09/2014,  PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: D.E. 08/09/2014)”.

É preciso salientar que haverá prejuízos irreparáveis no modo de vida familiar, ou seja, no ponto de vista cultural e social, a família deixará de realizar passeios na época de férias, a educação dos filhos será de certa forma prejudicada, pois todos sabem a precária educação estadual que temos no país atualmente. Irão deixar de frequentar alguns lugares de laser e, ainda, sem dúvida, as “pessoas que os cercam”, o núcleo de pessoas, afastar-se-á de todos os membros dessa família, pois isso tristemente é comum do ser humano.

Nesse sentido, esse patrimônio pessoal que é disponibilizado para arcar com obrigações de suas atividades empresariais ocasiona diversas vítimas, o primeiro é o empresário, logo em seguida, afeta a família, amigos e até terceiros.

Em um possível estado de insolvência do empresário, seus credores vão “ficar a ver navios”. É importante entender que não dá mais para não se preocupar, alimentando a ideia que o que acontece com o indivíduo é somente problema dele. Atualmente, vivemos em uma sociedade em que quase todos os atos de um, afeta o outro. No direito ambiental por exemplo, a ideia da poluição do ar ou de um rio que só afetava os indivíduos que residiam e os utilizam naquele local, já é ultrapassada, não tem como mensurar a dimensão do dano e seu alcance no campo ambiental.

Existia uma injustiça para com o empresário, já que os sócios de uma sociedade empresária, mesmo desempenhando ramo de atividade de um empresário, por exemplo, não teria o patrimônio dos sócios expostos dessa forma, pelo contrário, cada sócio em uma sociedade limitada é responsável somente por suas cotas sociais.

Sendo assim, os empreendedores e investidores de uma sociedade empresária limitada podem limitar as perdas, em caso de insucesso da empresa. Esses, em regra, com a total integralização do capital social da empresa, respondem tão somente até o limite de suas cotas sociais.

Por isso, essa é modalidade mais utilizada no país, porém infelizmente, aproximadamente metade dessas sociedades limitadas constituídas não contemplam a verdadeira intenção dos sócios. Os sócios ao se unirem para um fim comum, a necessidade de existir uma caracterização de intenção de constituir sociedade entre si, conhecido também como affectio societatis. Esse ânimo psicológico entre os sócios inexiste nessas sociedades constituídas com o intuito de apenas adquirir a limitação da responsabilidade, formando assim, sociedades fictícias.                     

4.3 Sociedades Fictícias

A sociedade empresária limitada tem sido utilizada para “driblar” a responsabilização do empresário individual, referente ao seu patrimônio pessoal para com o pagamento dos passivos existentes em sua atividade empresarial. O empresário, no intuito de empreender, sem que haja desmoronamento de seu patrimônio, se por ventura provenha um fracasso econômico e empresarial, opta por constituir em sociedade limitada, proporcionando, em regra, uma “blindagem” patrimonial (ABRÃO, 2015).

Esse artifício é utilizado licitamente pelos empresários, criando uma maneira de valer-se da lacuna deixada pelo legislador. Estimativas traduzem que mais de 70% (setenta por cento) das sociedades limitadas são sociedades fictícias, sendo assim, essa maioria é constituída apenas para preenchimento quantitativo, sem qualquer afeição, ou seja, o affectio societatis. Esses sócios que preenchem simplesmente o numerário para compor a empresa, geralmente utilizam-se de apenas 01% (um por cento) do capital da sociedade, enquanto o empresário propriamente dito valer-se-á de 99% (noventa e nove por cento). No direito brasileiro esses “sócios” são chamados de “laranja” ou “testas de ferro” já, no direito estrangeiro, de “homens de palha” (ABRÃO, 2015).         

Alguns juristas entendem que pela ausência do affectio societatis, a constituição e manutenção dessa sociedade se dá por conduta ilícita. Defende ainda, que a constituição dessas sociedades se enquadra em um negócio jurídico simulado, onde resumidamente é a intenção em desacordo com a vontade interna e a efetivada, ou seja, o sócio majoritário sob aparência de uma “sociedade fictícia” provoca falsa realidade, em um estado não real, na intenção exclusiva de adquirir a responsabilidade limitada.

Entretanto, outra parte dos juristas afirmam que é uma manobra licita, pois não contraria nenhum preceito legal e utiliza-se das lacunas das normas no intuito de atingir a limitação da responsabilidade, em decorrência da não existência de algum tipo societário adequado no ordenamento jurídico.

O termo utilizado para denominar essas sociedades, ou seja, “sociedades fictícias”, é um pouco equivocado, pois trata-se de uma sociedade com pluralidades de sócios, mesmo que de fato seja unipessoal.

Diante do intuito de erradicar essas “sociedades fictícias” foi adotado, primeiramente no direito estrangeiro, o modelo da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. Com a Lei 12.411 de 11 de julho de 2011, criou-se o instituto da Eireli. Anteriormente a Eireli, só existia uma forma de uma única pessoa desempenhar atividades empresariais acobertado pelo “manto” da responsabilidade limitada, o modelo de sociedade unipessoal, embora de forma supervenientemente, ou seja, quando por algum eventual fato (falecimento, aquisição total de cotas por um único sócio, etc.) a sociedade empresária deixe de apresentar pluralidade dos sócios, assim, terá que ser reconstituída a pluralidade no prazo de 180 (cento e oitenta dias), sob pena de dissolver-se.


5.        EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA - EIRELI

5.1. Surgimento da Eireli

A Lei n.º 12.411/11, que instituiu a Eireli no direito brasileiro, foi aprovada a partir de dois projetos de lei que tramitavam simultaneamente, ou sejam, projeto n.º 4.605/08 e 4.953/09, prevendo propostas distintas para a limitação a responsabilidade patrimonial do empresário individual.

O primeiro projeto apresentado, de n.º 4.605/08, de autoria do deputado Marcos Pontes, buscou incontestavelmente regulamentar uma sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, mesmo porque essa seria até enquadrada no rol a sociedades.

O Projeto de início dispunha que apenas pessoas naturais poderiam ser sócias de Eireli (caput); que a Eireli poderia se formar a partir de concentração de quotas de outra modalidade de sociedade, independentemente das razões que a motivaram (§1º); que o nome Eireli viria sempre sucedido da respectiva sigla (§2º); que só o patrimônio da Eireli respondia pelas dividas sociais, não se confundindo, em qualquer caso, com o patrimônio pessoal do sócio (§3º) e; por fim, que as regras relativas às sociedades limitadas aplicar-se-iam subsidiariamente a Eireli, no que com ela fossem compatíveis (§4º) (CARDOSO, 2011).

Pouco tempo depois, foi proposto o projeto de lei n.º 4.953/09 pelo deputado Eduardo Sciarra, que previa a criação de uma nova pessoa jurídica, denominada “Empreendimento Individual de Personalidade Limitada” ou ERLI. Este projeto, previa regulamentar de uma forma muito mais analítica, limitando sua constituição aos empresários e disciplinava sobre a integralização do capital, que devia ser mediante deposito em dinheiro ou arrolamento de bens (CARDOSO, 2011).

Nesse passo, foi elaborado uma junção entre os dois projetos de leis, acrescendo novas particularidades, como a obrigatoriedade do aporte de cem salários mínimos para integralização do capital e a supressão da restrição a pessoas jurídicas para constituição da Eireli.

5.2. Constituição por pessoa natural e por pessoa jurídica

Atualmente há duas teorias mais aceitas com relação a polêmica da Eireli ser constituída por pessoa jurídica.      

A primeira, defendendo a constituição da Eireli por pessoa jurídica, preceitua que o direito em pauta, é direito privado, onde, salvo proibição legal, tudo é permitido, diferentemente do direito público, onde, salvo autorização legal, nada é permitido.

Sendo assim, o caput do artigo 980-A, do Código Civil, que dispõe: A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País” (grifo nosso). (Lei n.º 10.406, de 10/01/2002). O dispositivo citado traz o conceito “pessoa” de forma ampla, portanto, caso o legislador quisesse excluir a pessoa jurídica, este teria expressamente mencionado.

Entretanto, a segunda teoria e, ao meu ver, mais coerente, é a que defende que caso admita que a Eireli seja constituída por pessoa jurídica, estaria violando a isonomia, na medida em que não seria cabível a restrição do §2º “A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade” (Lei n.º 10.406, de 10/01/2002), ou seja, ao admitir a constituição de Eireli por pessoa jurídica, estas poderiam instituir livremente quantas Eireli quiserem, ao passo que a pessoa natural apenas poderia fazê-la uma única vez (CARDOSO, 2011).

Essa teoria ainda afirma que o caso em tela resolve-se apenas por hermenêutica, sendo que restrições devem ser interpretadas restritivamente e, se o legislador fez menção expressa ao termo “pessoa natural” apenas no momento em que trata a impossibilidade de constituição de mais de uma Eireli, não é possível querer alargar essa restrição para que alcance o comando do caput, mesmo porque, o caput que dita e transcende normativamente seus parágrafos e incisos, e não ao contrário. Portanto, alargar essa restrição seria superinterpretação. (CARDOSO, 2011).

5.3 Natureza Jurídica

A várias razões para acreditar que a Eireli é uma nova modalidade de pessoa jurídica, tendo natureza jurídica própria. Uma dessas razões parte de uma lógica legalista: o legislador expressamente arrolou a Eireli entre as pessoas jurídicas existentes, conforme segue,

Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I - as associações;

II - as sociedades;

III - as fundações.

IV - as organizações religiosas;          

V - os partidos políticos.       

VI - as empresas individuais de responsabilidade limitada. (Negrito nosso) (Lei n.º 10.406, de 10/01/2002).

Entretanto, utilizando-se de uma análise mais profunda, o legislador buscou remover Eireli do Título II (Sociedades), criando o Título I-A para essa a modalidade, sendo assim, além do critério materialmente topográfico, não pode ignorar o esforço empregado pelo legislador em expressamente retirar a modalidade Eireli do regime jurídico de sociedades (CARDOSO, 2011).

O Conselho Nacional de Justiça, enunciou sob nºs. 469, da V Jornada de Direito Civil “a empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado” e, 03, da I Jornada de Direito Comercial “a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – Eireli não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária” (CARDOSO, 2011).

Neste passo, o membro da Eireli, caracterizado pela Junta Comercial de titular da Eireli, não pode ser comerciante/empresário, pois este é quem desenvolve diretamente atividade empresarial, responsabilizando-se pelos riscos da atividade.

Com uma constituição de uma Eireli, essa para a ter status distinto da pessoa titular, ou seja, sua personalidade jurídica, capacidade, direitos e deveres se diferencia da pessoa natural que a constituiu, sendo assim, diferentemente do empresário individual, o membro dessa pessoa jurídica não exerce atividade empresarial, mas sim, quem exerce é a própria pessoa jurídica (CARDOSO, 2011).

Por outro lado, esse titular da Eireli não pode ser considerado sócio, pois, é requisitos essencial a caracterização de sócio formar sociedade com pluralidade de pessoas. Por esse motivo a pessoa natural titular da Eireli não pode ser considerada empresária e nem sócio.

Veja bem, o legislador teria duas opções diversas da apresentada, sendo que a primeira, o titular dessa nova modalidade seria pessoa natural, porém no momento do arquivamento na Junta Comercial do Estado, era obrigado a ter um patrimônio mínimo, chamado patrimônio de afetação. Nesse passo, o titular seria empresário, tendo um limite de capital-afetação, salvo nos casos de desconsideração da personalidade jurídica (CARDOSO, 2011).

A segunda opção do legislador era modificar ou revogar o inciso IV, do art. 1.033, do Código Civil, no intuito de permitir a sociedade com apenas um integrante, formando assim a sociedade unipessoal. A sociedade unipessoal é permitida em nosso ordenamento apenas em casos extraordinários, onde por algum motivo especifico ou força maior a sociedade se depara com apenas um sócio, podendo assim, reaver a pluralidade em 180 (cento e oitenta) dias (CARDOSO, 2011).

Dessa forma, muitos doutrinadores denominam a natureza jurídica dessa modalidade de empresa como sui generis. Essa expressão latina conceitua muito bem, logo, podemos concluir que a Eireli tem natureza jurídica própria, “seu próprio gênero”, não se enquadrando em nenhuma modalidade no ordenamento jurídico.                     

5.4 Capital Mínimo             

A exigência de capital mínimo para a constituição de uma empresa é novidade no ordenamento jurídico. O legislador fixou um capital de cem vezes o maior salário mínimo como condição para constituição da Eireli.

 A intenção de criar esse aporte mínimo foi estabelecer uma garantia efetiva para credores e terceiros que com essa empresa negociam. Por isso, o capital tem que ser devidamente integralizado.

Uma característica marcante nessa modalidade de empresa é que o capital deve ser integralmente integralizado no ato constitutivo, diferentemente, das sociedades onde pode ser postergado a referida integralização.                         

5.4.1 Integralização do Capital

Existe dois modos de integralizar o capital, em dinheiro ou em bens. Entretanto, essas duas espécies de integralizar o capital terá que ser anteriormente a constituição da empresa. Mesmo não trazendo expressamente que caso o titular não faça a devida integralização seu patrimônio será afetado, a interpretação é clara que o descumprimento dessa hipótese na norma acarreta o desvirtuamento da premissa principal, que nada mais é que a proteção matrimonial (MARIANI, 2015).

A integralização em dinheiro decorre de um depósito pelo titular, na conta corrente da empresa, anteriormente, aos atos de registro. Havendo a integralização em bens, não a necessidade de avaliação, diferentemente que ocorre na sociedade anônima. Desta forma, cabe ao titular atribuir valor nos bens, ciente, que durante 05 (cinco) anos, contados a partir do registro, responde pela exata estimação. Sendo assim, é interessante que toda atribuição feita esteja comprovada e documentada.

5.4.2 Capital X Patrimônio

O capital integralizado no início de uma constituição por Eireli deverá cumprir exatamente o índice mínimo que a norma prevê. Porém, posteriormente a devida “abertura”, temos que analisar não mais o capital da empresa e, sim, o patrimônio da mesma. O patrimônio é um conjunto de valores que a empresa possui, ou seja, os ativos, que são o dinheiro, os móveis, os imóveis, os direitos, os créditos, bem como passivos que são os títulos a pagar, impostos devidos, saldos devedores de empréstimos, etc.

Assim que forem iniciadas as atividades o patrimônio sofrerá modificações proporcionais, de acordo com o sucesso ou insucesso empresarial, seja excedendo o patrimônio em caso de acúmulo de bons resultados, seja diminuindo na hipótese de apuração de prejuízos (NEGRÃO, 2013).

Capital e patrimônio, no momento da constituição da Eireli pode-se coincidir, tendo em vista que não foi desempenhada nenhuma atividade empresarial ainda, logo, a empresa não obteve lucros nem prejuízos.

Neste passo, a efetivação e verificação do aporte mínimo dessa modalidade de empresa terá que ser analisada tão somente em sua constituição, não havendo precedentes para desvirtuar a responsabilidade limitada se por ventura a empresa, por um por diversos prejuízos ocasionados, reduziu seu patrimônio a um valor abaixo do que a norma fixa para constituição.

5.4.3 Inconstitucionalidade ou Constitucionalidade da vinculação do Salário mínimo

A afirmação que o salário mínimo não pode ser utilizado como critério de indexação está expressamente positivada, no art. 7, IV, da Constituição Federal:           

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim. (grifo nosso). (Constituição Federal, 1988, art. 7).

Além disso, alguns doutrinadores defendem também que a exigência de capital mínimo é uma ofensa para o princípio da isonomia, já que exigir tal fixação, é tratar de maneira diferente a Eireli das outras modalidades de pessoa jurídicas.                   

Contudo, não fere o princípio da não vinculação do salário mínimo, pois é vedada apenas a vinculação, isto é, não pode servir de indexação, de índice inflacionário, parâmetro de correção monetária ou preço de mercadoria, em conformidade com a súmula vinculante n.º 4 “Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”, do Supremo Tribunal Federal (CARDOSO,2011).

Sendo assim, essas teses não se sustentam, na medida em que o STF consolidou o seu entendimento, quanto a vinculação do salário mínimo, entendendo que “o que a Constituição veda é a sua utilização como indexador de prestações periódicas, e não como parâmetro de indenização ou condenações, de acordo com remansosa jurisprudência desta Suprema Corte. (ADI 3934, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 27/05/2009, Dje-208 divulg 05-11-2009 publicada 06-11-209 emt vol-02381-02 pp00374).

Desta forma, o salário mínimo não foi forma de indexador de prestação periódicas, sendo que foi fixado unicamente para a constituição, não obrigando o titular da empresa efetuar uma atualização anual do capital da empresa, conforme altera-se o salário mínimo nacional,  em conformidade com o Enunciado n.º 4 da I Jornada de Direito Comercial, do Conselho Superior de Justiça Federal, que sedimentou: “Uma vez subscrito e efetivamente integralizado, o capital da empresa individual de responsabilidade limitada não sofrerá nenhuma influência decorrente de ulteriores alterações no salário mínimo” (CARDOSO,2011).

E finalmente, o fato de um pessoa não ter condições de constituir essa modalidade especial de empresa não fere o princípio da livre inciativa, como muitos doutrinadores afirma. O princípio da livre inciativa não foi lesado, haja vista que a pessoa natural não está privada se exercer atividade econômica, poderá optar pelo empresário individual (firma) ou até mesmo pela modalidade de microempresário individual (MEI).

5.5. O Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada de Portugal

No intuito de promover a limitação do empresário individual, Portugal criou a Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada (Decreto-Lei 248/86). Indicando uma particularidade onde o empresário que manifestasse interesse em constituir o referido tipo empresário teria que designar uma importância do patrimônio individual para o exercício da atividade empresarial, que seria um limite mínimo de EUR 5.000,00 (cinco mil euros), sendo ao menos, 2/3 (dois terço) em moeda e o restante em bens suscetíveis de penhora, atuando com garantia dos credores (MARTINS FILHO, 2012).

Entretanto, não foi conferido personalidade jurídica a esse instituto, reservando tão somente alguma proteção mínima.  Dessa forma, se por ventura houvesse uma insolvência e/ou falência do empresário, seria afetado todo seu patrimônio individual, respondendo por todas os passivos desde o início do efetivo exercício da atividade empresarial.

Por seu um empresário criado de forma tão exótica e de certa forma, desvirtuando o princípio da separação patrimonial, não prosperou por muito tempo, tendo sua alteração elaborada, modificando assim o Código Comercial Lusitano.

Foi criada as sociedade unipessoais por quotas de responsabilidade limitada, com objetivo de limitar “integralmente” a responsabilidade do empresário individual.

5.5.1. A Sociedade Unipessoal por Quotas de Responsabilidade Limitada em Portugal

As sociedades unipessoais por quotas existem na maioria dos países da comunidade Europeia. Seja por razões políticas, econômicas ou jurídicas, não importa, estão ganhando, cada vez mais, espaço no sistema jurídico.

Essa sociedades facilitam o início do exercício das médias e pequenas empresas, permitindo o empreendedor desenvolver sua atividade sem muitos riscos para com seu patrimônio pessoal. (MARTINS FILHO, 2012).

Obteve um êxito no objetivo da limitação da responsabilidade, ou seja, com a atribuição da personalidade jurídica autônoma, essa passou ser autônoma até mesmo com relação ao titular único. Dessa forma, titular e sociedade podem efetuar empréstimos, um do outro, doações ou até mesmo vendas e compras.

O sistema jurídico Lusitano normatizou que todas as princípios e regras jurídicas das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, no que couber, aplicam-se na sociedade unipessoal por quotas de responsabilidade limitada.

O art. 270º-G, do Código das Sociedades Comerciais Lusitano desenvolve o seguinte: “Às sociedades unipessoais por quotas aplicam-se as normas que regulam as sociedades por quotas, salvo as que pressupõem a pluralidade de sócios.” (DL n.º 262/86, de 02 de Setembro)”. (MARTINS FILHO, 2012).

Não podemos olvidar, que a atribuição de personalidade jurídica autônoma ocasionou diversos benefícios em relação ao Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada. Sua autonomia possibilitou relações jurídicas com o titular; podendo ser constituídas na origem ou de forma supervenientes.

Por ser espécie das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, diferencia que sua constituição dependente unilateralmente da vontade do seu titular e fundador. Não sendo adequado utilizar o termo transformação, pois sua constituição superveniente ocorrerá quando um sócio adquire todas as cotas dos outros sócios remanescentes, com isso, manifestando sua vontade de não mais optar pela forma plurilateral.

A limitação do patrimônio do sócio único com o patrimônio societário está sendo está sendo rigorosamente amparada pelo direito lusitano. Sendo, que o sócio único que não observar as regras da referida sociedade, cometendo abusos de personalidade, acarretará a revogação da responsabilidade limitada do patrimônio, visando proteger o interesse geral da sociedade e dos credores (MARTINS FILHO, 2012).

5.6. Desvantagens e Vantagens de optar pela EIRELI                       

Primeiramente, iremos enumerar as vantagens ou os aspectos positivos de optar pela modalidade Eireli, que são as seguinte:

  • Possiblidade de exercer a atividade empresarial por uma só pessoa, ou seja, sem “estar amarrado” a opiniões de outras pessoas;
  • Não utilizar-se de sócios “laranjas”, possibilitando uma criação de uma empresa mais transparente sem a inclusão de sócios fictícios;
  • Possibilidade do exercício do empresário individual como pessoa jurídica. Anteriormente, o empresário individual não possuía personalidade jurídica, esse exercia o comércio como pessoa natural e dessa forma impossibilitava a diferenciação de seu patrimônio pessoal com o patrimônio empresarial;
  • A diminuição da informalidade, busca-se regularizar os empresários de fato que exerciam atividades empresariais a margem da lei;
  • Com arrimo ao princípio da continuidade da empresa, pode-se optar pela transformação da sociedade unipessoal “temporária” e/ou empresário individual em Eireli.

Os aspectos negativos:

  • O fato de quem a pessoa natural só poderá optar por uma modalidade dessa empresa. Esse aspecto não é certamente um ponto negativo, mas uma limitação da pessoa natural para constituição de outra Eireli;

  • Sem dúvida, o principal ponto negativo é a exigência de capital mínimo de 100 salários mínimos vigente no país, que dificulta os pequenos empreendedores a aderir essa modalidade de empresa;

  • Com a limitação da responsabilidade, pode-se surgir o preconceito de negociar com empresas dessa modalidade, pois, não se pode negar, que é uma forma de desviar-se da confusão patrimonial;

5.7 Responsabilidade Limitada

A condição da responsabilidade limitada traz para o empreendedor mais conforto no momento de empreender e se arriscar no mercado. Claro, que ninguém de boa-fé que constitui empresa, independente da modalidade, efetua planos para quando vir a falir. A insolvência ou falência é fato posterior superveniente imprevisível, porém, causa um desconforto no empresário, sabendo que, por ventura, seus bens pessoais, em uma possível “quebra”, podem ser arrolados em execuções juntamente com os bens da “empresa”.

Os empresários individuais, em tese, são microempreendedores (não analisando aqui a questão de enquadramento – ME – EPP) que atuam no mercado de trabalho, exercendo por si só e alguns familiares, o desenvolvimento da atividade econômica. Por isso, a responsabilidade limitada, para esses, é de grande importância, haja vista, o poder econômico ser inferior ao das sociedades empresárias.

A responsabilidade para ser limitada e gerar todos seus efeitos, terá que respeitar algumas regras trazidas para a constituição da Eireli. Aquela, sem o devido depósito de 100 salários mínimos será descaracterizada, tornando o titular, um simples empresário individual.

Outro preceito importante é a regularização da empresa, ou seja, uma pessoa que constitui essa modalidade de empresa, deixando de realizar os arquivamentos necessários dos atos constitutivos da empresa na Junta Comercial do Estado, privar-se-á do “manto” da responsabilidade limitada.

Há 05 (cinco) anos e alguns meses a Lei n.º 12.411/2011 entrava em vigência, proporcionando um grande avanço no marco do direito empresarial e interferindo ativamente em empresários/pessoa natural que procuram segurança para sua atividade econômica. Contudo, essa modalidade de empresa ainda não é muito procurada, seja por falta de informação, seja pela própria crise econômica atual.

A pessoal natural que se ajusta nos termos exigidos pela referida modalidade de empresa, adquire limitação patrimonial a segurança para sua família. Devido à crise econômica mundial e principalmente no país, é pouco previsível a situação de uma empresa no “amanhã”. Portanto, um empreendedor que assegurar para si essa limitação patrimonial terá vantagem em relação ao concorrente desprovido de responsabilidade limitada, haja vista aquele realizar mais atos de comércio, convenções contratuais sem um demasiado receio (MARIANI,2015).

Claro, que com a responsabilidade limitada virá também as Eireli’s fraudulentas, que serão aquelas constituídas apenas para lesar o fornecedor e desvincular o patrimônio do titular. Vale lembrar, que teremos empresas fraudulentas em qualquer modalidade, não é questão de responsabilidade limitada ou ilimitada é de caráter.

Destarte, abrirá um imenso leque para burlar a economia empresarial, ficando a critérios dos órgãos fiscalizadores a solução mais eficaz e, ainda, a critério do poder judiciário, com a medida de prevenção de fraudes chamada Desconstituição da Personalidade Jurídica.


6.        DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

6.1 Suma Histórica

O primeiro caso a contextualizar a possibilidade de confusão patrimonial e a ocorrência da desconsideração da personalidade jurídica foi em 1896, o caso de Salomon v. Salomon & Co. Ltd. O Sr. Aaron Salomon era comerciante individual, explorando a atividade de fabricação de sapatos. Em 1892, decidiu realizar uma transformação de natureza jurídica, ou seja, transformando o comerciante individual em sociedade limitada. Diante disso, foram admitidos na sociedade a esposa do Sr. Aaron Salomon e cinco filhos do casal (CHAGAS, 2015).

A empresa experimentou diversas perdas consideráveis e ao mesmo tempo o Sr. Aaron transferia patrimônio da sociedade para sua pessoa natural, motivo que trouxe a mesma a encerrar suas atividades, liquidando ativo para pagamento do passivo. Percebeu-se então, que o passivo era maior que o ativo. O credor prejudicado entrou com ação para anulação da transformação de tipo jurídico de comerciante individual para sociedade, alegando diversas peculiaridades (CHAGAS, 2015).

Em primeira e segunda instancia, entendeu-se, que realmente houve fraude contra os credores, permitindo avançar no patrimônio do sócio, em virtude da confusão patrimonial, fraude e pela perpetuação da firma individual, pois Salomon, de fato, seria o único sócio do empreendimento, sendo que os demais sócios eram sócios meramente figurativos.

Contudo, a Corte Inglesa reformou a decisão, em razão que o princípio da autonomia era absoluta, não existindo hipótese para a referida desconsideração. Mesmo assim, esse acontecimento foi marcado pela história, proporcionando um avanço para o estudo da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Tal decisão “incendiou” todo o sistema jurídico à respeito da matéria, nascendo assim, o princípio da autonomia patrimonial. Doutrinadores, não mediram esforços para se aprofundar no assunto. No Brasil, Rubens Requião, realizou notório trabalho publicado na revista dos tribunais em 1969, sendo, sem dúvida, o elemento deflagrador da discussão da personalidade jurídica aqui no país.

O segundo caso, foi no Poder Judiciário Inglês, no julgado entre 1915 e 1916, entre Daimler Co. Ltd v. Continental Tyre & Rubber Co., onde se relatou que as ações da demandada foram adquiridas por alemães e, em virtude da deflagração da Primeira Guerra Mundial o crédito destinado a tal empresa referente ao contrato de fornecimento foi retido (CHAGAS, 2015).

Posteriormente, o julgamento da corte “Câmara dos Lordes” entendeu que o seu controle de ações ultimou por favorecer a sociedade inimiga, desprezando a nacionalidade societária e a autonomia da pessoa jurídica, tendo em vista a gestão da sociedade demandada poderia favorecer os interesses de nação inimiga, tendo em vista a nacionalidade dos sócios.

Outro caso emblemático é do Bank of United States v. Deveaux, em 1809, no qual os sócios da Deveaux eram de naturalidades de diferentes Estados (dentro dos Estado Unidos da América). Dessa forma, firmou-se competência para julgar na Justiça Federal, hipótese que preponderou não o domicilio da empresa e sim o dos sócios (CHAGAS, 2015).

Nesse sentido, a Suprema Corte dos Estados Unidos interpretou que em face dos sócios terem domicílios em mais de um Estado (estados autônomos) a responsabilidade patrimonial deveria ser deles e não da pessoa jurídica, aplicando-se hipótese objetiva da desconsideração da personalidade jurídica. Inaugurou-se, a partir de então, a doutrina da disregard of the legal entity (CHAGAS, 2015).

6.2 A Personalidade Jurídica

A personalidade jurídica é algo que “da existência” a pessoa, garantindo a mesma, direitos e obrigações. Com o arquivamento de seus atos constitutivos na Junta Comercial do Estado a Eireli passa a ter personalidade jurídica.

Essa personalidade, se apresenta de tal forma que, imaginamos um ente apenas, pessoa natural, que levou sua constituição de empresa na Jucesp. Até este momento, mesmo que a atividade econômica desta já estava sendo desenvolvida há alguns meses, não há o que se falar em personalidade jurídica.

Com o referido registro ou arquivamento, cria-se mais um ente, a pessoa jurídica, que é garantidora de direitos e obrigações tão quanto a pessoa natural, porém, agora cada qual com sua autonomia patrimonial.

Existem três teorias que conceituam a personalidade jurídica. A primeira é a teoria da fixação, onde entende que a pessoa jurídica não tem existência social é um ente abstrato da pessoa natural. Sendo assim, apenas um ente artificial, criado pela pessoa natural, sem vontade ou personalidade autônoma.

Para a teoria realidade objetiva ou orgânica, discordando da ideia anterior (teoria da fixação), a pessoa jurídica tem existência social e consiste em uma realidade viva, análoga a pessoa física. Para Silvio Rodrigues, “a ideia básica dessa teoria é que as pessoas jurídicas, longe de serem mera ficção, são uma realidade sociológica, seres com vida própria, que nascem por imposição das forças sociais” (RODRIGUES, 2007).

Já a terceira, a teoria da realidade técnica, equilibra as duas teorias anteriores, ou seja, reconhece a atuação social da pessoa jurídica (não mera fixação abstrata). Todavia, entende que a personalidade jurídica conferida é técnica, consistindo em um ente existencial, autônomo, mas que visa a satisfação do interesse do titular (Eireli) ou seus sócios (sociedade), pessoas naturais. Preceitua ainda, Silvio Rodrigues: “um expediente de ordem técnica, útil para alcançar diretamente alguns interesses humanos (RODRIGUES, 2007).

A melhor doutrina entende que a teoria da realidade técnica explica melhor o tratamento dado a pessoa jurídica por nosso ordenamento, conforme disposto no art. 45, do Código Civil,

Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro (Lei n.º 10.406, de 10/01/2002).

O princípio da autonomia patrimonial é relativo, não podendo ser utilizado de forma indevida, ou seja, dando margem a realização de abusos ou fraudes, pois dessa forma, será afastada a personalidade jurídica, ocasionado a confusão patrimonial.

Cerca do assunto, Rubens Requião disserta:

A sociedade transforma-se em novo ser, estranho à individualidade das pessoas que participam de sua constituição, dominando um patrimônio próprio, possuidor de órgãos de deliberação e execução que ditam e fazem cumprir a sua vontade (REQUIÃO, 2009).

Requião conceituou acima a personalidade jurídica em si, e não tão somente a modalidade societária. No caso, para o afastamento da personalidade, terá que haver requerimento do prejudicado ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir.

6.3 Teorias da Desconsideração da Personalidade Jurídica

6.3.1 Teoria Maior

Essa forma de desconsideração é a técnica chamada de cláusulas abertas ou gerais. São cláusulas que não determinam exatamente a ação que exige para o seu descumprimento, ou seja, um exemplo são os arts. 113 “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração” e 422 “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, do Código Civil. O legislador não definiu o conceito exato de agir de boa-fé. Nesse sentido, para averiguar uma condição de desvio de finalidade, o magistrado terá que ter o enfrentamento nos casos concretos.

O artigo que determina essa teoria é o art. 50, do Código Civil,

Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica (Lei n.º 10.406, de 10/01/2002).

Portanto, essa teoria possui como regra desconsiderar a personalidade jurídica de duas formas, objetivamente e subjetivamente. A primeira trata-se da confusão patrimonial (titular ou sócio que utiliza determinado bem da “empresa” em seu proveito próprio ou de seus familiares). A segunda, quando houver desvio de personalidade (abuso praticado pelo sócio/titular no ato de desviar bens ou direitos da sociedade/Eireli para o patrimônio pessoal ou alienar a terceiro com a finalidade de fraudar credores).

Haverá também, a presente teoria no código de defesa do consumidor, em seu art. 28,

O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração (Lei n.º 8.078, de 11/09/1990)

Importante enaltecer que, em seu §5º (art. 28), descreve-se o entendimento da teoria menor, utiliza no CDC. Como no Direito Trabalhista não há previsão legal para a desconsideração da personalidade jurídica, os juízes se utilizam do parágrafo acima para desconsiderarem a personalidade da empresa e avançarem no patrimônio do titular ou sócio. Existem o chamado “diálogo das fontes”, entre o direito do trabalho e o direito do consumidor.                       

6.3.2 Teoria Menor           

O entendimento dessa teoria prioriza o terceiro que faz negócio ou acordo com a pessoa jurídica, aquele na qualidade de credor, não pode ser frustrado. É necessário um simples inadimplemento, não analisando o motivo que deixou empresa (Eireli/sociedade) de cumprir com suas obrigações perante terceiros.

Diante o exposto, o Supremo Tribunal Federal entende:

Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica

Pode ser aplicada também no caso de insolvência ou falência da pessoa jurídica. Existem algumas polemicas sobre esse assunto, pois, nem sempre a falência ou insolvência é em decorrência da má administração do titular/sócio.

Um exemplo em que essa teoria (menor) foi adotada, foi na explosão do Osasco Plaza Shopping, em 11 de junho de 1996, em virtude do vazamento de gás. Não houve a intenção dos sócios admiradores causarem dano aos consumidores, mas, no entanto, houve 300 (trezentos) feridos e 40 (quarenta) mortes, que eram garantidos pelos direitos de serem ressarcidos por danos morais e materiais. Como o patrimônio do shopping (pessoa jurídica) era inferior ao grande número de indenizações, foi desconsiderada a personalidade jurídica, com fulcro no §5°, do art. 28, do CDC.

A presente teoria é utilizada também no direito ambiental, além do direito do consumidor, salvo o citado diálogo das fontes, utilizado nas reger as relações de empregador (pessoa jurídica) e empregado.

No direito ambiental está amparada no art. 4 “Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”, da Lei n.º 9.605/1998.

Nesse sentido, não importa se houve dolo ou culpa da pessoa jurídica, interessa-se, nesse caso, reconstituir o meio ambiente degradado.

6.4 Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica

A desconsideração da personalidade jurídica surgiu para permitir adentar no patrimônio do titular (Eireli) ou seus sócios (sociedade) por dividas da sociedade. Contudo, a doutrina e jurisprudência sustentam também o caminho inverso, ou seja, a quebra da autonomia patrimonial da pessoa natural, a fim de executar bens da empresa (Eireli/sociedade) por dividas pessoais do titular/sócio.

A ideia é responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações titular/sócio não cumpridas integralmente. Essa situação é muito comum no direito de família, sobre esse tema, entende Fábio U. Coelho:

Se um dos cônjuges ou companheiros, ao adquirir bens de maior valor, registra-os em nome de pessoa jurídica sob seu controle, eles não integram, sob o ponto de vista formal, a massa a partilhar. Ao se desconsiderar a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo devido ao ex-cônjuge ou ex-companheiro do sócio, associado ou instituidor (COELHO, 2010).

Nesse contexto, Starling afirma que a desconsideração inversa:

É larga e precedente a sua aplicação no processo familiar, principalmente frente à constatação nas disputas matrimoniais, do cônjuge empresário esconder-se sob as vestes da sociedade, para a qual faz despejar, se não todo, o rol mais significativo de seus bens [...]quando o marido transfere para a sua empresa o rol significativo de seus bens matrimoniais, sentença final de cunho declaratório haverá de desconsiderar esse negócio específico, flagrada a fraude ou o abuso, havendo, em consequência, como matrimoniais esses bens, para ordenar a sua partilha no ventre da separação judicial, na fase destinada a sua divisão, já considerados comuns e comunicáveis (STARLING, 2015).

Não podemos olvidar que, para a desconsideração inversa, a pessoa natural (titular/sócio) tem que agir de forma fraudulenta, configurando o abuso ou a confusão patrimonial. A doutrina não aceita a teoria menor com relação a desconsideração inversa.


7.        METODOLOGIA

Para o desenvolvimento do trabalho serão utilizadas pesquisas bibliográficas, analisando-se o posicionamento de doutrinadores em livros, revistas, endereços eletrônicos, sempre atinentes ao tema proposto, juntamente com textos legislativos e jurisprudências.


8.        CONCLUSÃO

O presente trabalho proporcionou conhecimento sobre a dificuldade dos empresários em desenvolver suas atividades. Foi apresentado um breve relato sobre o início da comercialização, logo adiante, sobre o empresário individual e suas peculiaridades. A reponsabilidade ilimitada e sua consequência foram pauta do tema seguinte.

Nos dois últimos capítulos, foram oferecidas para o leitor duas figuras novas no ordenamento jurídico brasileiro, a primeira, a Eireli e, a segunda, a desconsideração da personalidade jurídica.

Tentou-se elaborar um paralelo entre a responsabilidade ilimitada e limitada, norteando suas vantagens e prejuízos na vida de um empreendedor. Foram trazidas para o trabalho as questões polêmicas da nova modalidade de empresa (Eireli) e as lacunas que o legislador infelizmente não observou.

A Eireli assume uma importância inegável em nosso ordenamento jurídico. Diante o atual momento socioeconômico, esta introduziu segurança nas relações comerciais de empresários. Destaca-se que a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada representa um avanço na legislação empresarial do país, mesmo com as significativas falhas. Porém, acreditamos que as lacunas e imperfeições dessa modalidade vão ser moldadas ao longo do tempo.

A figura da modalidade servirá de incentivo para que muitos empreendedores irregulares saiam da ilegalidade, podendo ser um marco no processo de encerramento das empresas de “fachada” ou “fictícias”.

O capital mínimo quantitativamente alto parece prejudicar os pequenos e médios empresários em um país que a legislação deve ser feita para alavancar os pequenos e não pisoteá-los.

Outra lacuna que pode ser modificada é com relação a integralização do capital, sendo que não se exige nenhuma comprovação de integralização do capital. As Juntas Comerciais poderiam exigir comprovação do capital mínimo no ato do arquivamento dos atos constitutivos da Eireli.

O empresário individual não foi abolido e também não foi perdido o interesse em sua constituição, talvez, em virtude, do alto grau de dificuldade para constituir uma Eireli, pouco em razão do capital, demasiadamente alto, pouco em razão ainda da obscuridade que essa lei tem.

Muitos empresários sequer sabem como funciona a Eireli, dos seus benefícios e vantagens. Escritórios de contabilidade onde contadores, por motivo das lacunas e falta de informação na legislação, deixam de apresentar a referida modalidade para o cliente.

Como foi dito no presente trabalho de monografia, a figura da responsabilidade da limitada Eireli pode ser também uma forma que pessoas adotam simplesmente para a ocultar seus bens, utilizando-os em uma “barreira” chamada de personalidade jurídica.

Contudo, a doutrina e a jurisprudência estão abalizadas sobre o “remédio empresarial” contra o desvio de personalidade ou abuso de direito. Mesmo assim, teremos que criar uma cultura de tolerância com o uso da personalidade jurídica, tratando a fraude como, de fato, merece ser tratada, isto é, como exceção.

Espera-se que a Lei n.º 12.441/11, que foi um grande avanço empresarial, seja reparada, tratando de alguns assuntos com mais objetividade, para que assim os empreendedores estejam motivados a sair realmente das irregularidades e tenham mais segurança econômica e social. Com isso, fomentará ainda mais o mercado econômico-social, de forma a erradicar ou pelo menos amortizar a responsabilidade pela confusão patrimonial.


9.        REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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