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Estudar para que?

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Exemplos da universidade pública.

O interior de São Paulo tem grandeza própria e uma parte disto se reflete na presença marcante da produção de ciência, tecnologia e inovação nas universidades públicas: há a USP em Bauru, a UNESP está em Marília (somada à FAMEMA – Medicina) e a UNICAMP fez de Campinas seu domínio. Mas, há outros exemplos emblemáticos.
Cidades como São Carlos e Rio Claro são um tipo de exceção positiva, mesmo no Estado de São Paulo. Fora da curva, ambas têm índices muito elevados em comparativo nacional quanto à formação de seus professores: São Carlos tem, aproximadamente, um doutor para cada cem habitantes – o que revelaria um doutor em cada quarteirão – e mais ou menos 3% da rede municipal de ensino têm pós-doutorado. É a cidade com mais doutores da América Latina.
A rede municipal de ensino de Rio Claro (distante a 65 km de São Carlos) também tem números bastante saudáveis: entre 1204 professores e dirigentes, 612 têm pós-graduação, 197 atuam com mestrado e 14 são doutores. Os números apresentados esclarecem sobre a importância da UNESP de Rio Claro. A realidade dos dois municípios ainda indica que a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) modifica significativamente a região. 
Não deveria, mas esses fatos relembram a célebre questão – mais por irrelevância do que por atualidade – acerca da necessidade dos cursos de pós-graduação. Para evitar uma conversa muito longa, que se sabe ser improdutiva com esse tipo de interlocutor, pode-se dizer basicamente que um professor, por exemplo, ao fazer mestrado e doutorado teve de estudar (pesquisar, refletir e escrever) de seis a oito anos a mais do que o outro docente que parou na graduação.
 Quando olhamos para os estudantes, de um modo geral, a observação é um pouco mais incisiva. Há uma regra simples e implacável; pois, se é verdade que a educação não garante emprego a ninguém, é ainda mais certo que sem educação não há futuro. Na verdade, esta regra de ouro vale para se avaliar um país como o nosso.
 A relação entre a formação docente e o encaminhamento dos alunos está no fato simples (mas não isolado) de que professores mais qualificados, com Educação Permanente, terão um impacto real em termos de conteúdo analítico e de conhecimento técnico muito superior. Dá-se a isto o título de “massa crítica”, por analogia à física. Não se trata aqui das exceções, mas da regra sobre professores que investem em si serem melhores espelhos para seus alunos. E, por óbvio, terem mais conhecimento a transmitir.
 O problema reverso dessa lógica também é simples, porque se os professores têm de investir na sua formação, custeando tudo por conta própria, o ato em si revela que não há uma política pública com este objetivo específico. Afinal, quantos professores concursados no Estado e/ou nos municípios têm afastamento para – ao menos – redigirem suas dissertações e teses?
Quantos professores têm a carga reduzida, por lei, para a integralização dos créditos? Quantos recebem bolsas e subvenções para viagens, alimentação, participação em congressos, exposição de seus trabalhos representando seu Estado ou município?
   Por fim, mais um elemento pode/deve ser relacionado à formação da massa crítica dos professores da rede pública de ensino: como disse Paulo Freire (no livro Educação e Política), “o educador progressista percebe que a claridade política é indispensável, necessária, mas não suficiente, como também percebe que a competência científica é necessária, mas igualmente não suficiente”.
Portanto, sem o interesse devido dos governantes, cabe a cada um investir na formação pessoal – na base emancipatória da Educação Permanente: teleologia –, mas com o foco dirigido para a qualidade e crítica referentes à educação pública.
Este é o compromisso das universidades públicas. Além do desenvolvimento da ciência e da tecnologia, isto é o que fazemos de melhor, produzimos massa crítica (como conhecimento acumulado) capaz de denunciar e de modificar as desigualdades reais incrustradas na vida comum do homem médio.
A universidade pública faz com vigor, exatamente, o que raramente traz apreço às instituições privadas de ensino: ciência, tecnologia, inovação, massa crítica e formação de profissionais e de docentes altamente qualificados para alimentar o ensino fundamental, médio e superior.

Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH

Vivian Guilherme Marques
Jornalista. Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade
Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR. E-mail: [email protected]


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