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Estudo sobre o contrato de factoring

Estudo sobre o contrato de factoring

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1. INTRODUÇÃO AO CONTRATO DE FACTORING

Aclamado como instrumento ideal para manter a sobrevivência das pequenas e médias empresas ou dar uma "sobre-vida" a elas, o instituto da FACTORING ainda carece de um estudo mais aprofundado pelos juristas clássicos. Muitas vezes sob a denominação de contrato atípico(1), o contrato de FACTORING ainda não está regulamentado diretamente, ou seja, em lei específica. Entrementes, há um grande lobby por parte das empresas de FACTORING de sancionar o projeto de lei n. 230 do senador gaúcho José Fogaça. E, esta estrutura já está muito bem organizada sob o comando da ANFAC (Associação Nacional de Factoring).

Apesar da insignificante contribuição doutrinária, comparada a outros institutos como o leasing e o franchising, a jurisprudência está muito bem posicionada, com raros casos de divergência. Se o Legislativo nos deve uma lei específica, o Judiciário tem se manifestado de forma absolutamente natural, aplicando o direito comparado aonde este instituto já está consolidado legislativamente, evitando desvirtuá-lo, como acontece na maioria das figuras novas do Direito, como o leasing. A lei segue os fatos, a prática consolidada. Se invertemos os pólos, as palavras poderão se tornar em um empecilho para própria aplicação da lei ou cair no desuso.

O presente trabalho tratará dos pontos relevantes do contrato de FACTORING, pois não se trata de uma dissertação muito menos de uma tese. Portanto, atacaremos estes pontos objetivamente, instruindo os posicionamentos da principal e melhor doutrina e jurisprudência aplicada ao caso concreto.


2. ESCORÇO HISTÓRICO

Segundo a maior autoridade sobre o instituto e presidente da ANFAC, Luiz Lemos Leite, as origens da factoring remontam do "Código de Hamurabi", há mais de dois mil anos antes da nossa era. (2) Também se tem afirmado que na antigüidade os comerciantes tinham a praxe de confiar suas mercadorias a agentes (factors) a guarda e venda em outros lugares. (3) Além disso, no comércio do Mediterrâneo era corrente o pagamento de comissões a agentes para a venda e cobrança de créditos, inclusive para prestar informações sobre outros comerciantes a fim de verificar o real risco da realização de negócios. Surgiram legítimos consultores mercantis, em geral, comerciantes prósperos que aconselhavam outros menores mediante o pagamento de uma comissão, uma autêntica gestão de negócios.

A disseminação da factoring ocorreu com o comércio de têxteis exportados pela Inglaterra para a sua colônia americana. Pela dificuldade da distância, os comerciantes ingleses tomaram como prática comum a intercessão de agentes na qual transportavam e vendiam os seus produtos na América. Com a palavra, Luiz Lemos Leite: "O sistema apresentava características especiais nos Estados Unidos, ainda colônia inglesa, onde os factors não apenas administravam os estoques de produtos (principalmente têxteis, roupas e outras mercadorias) para os seus proprietários na Europa e os vendiam, mas também, garantiam o pagamento como agentes del credere. Com o tempo, os factors prosperaram, passaram a pagar a vista aos seus fornecedores o valor das vendas por estes efetuadas, antes mesmo de os compradores fazê-lo. O factor, a par dos serviços prestados, substituiu o comprador, pagando a vista ao fornecedor, melhorando o padrão de crédito e efetuando a cobrança junto ao comprado final daquela mercadoria". (4)

Assim, conforme o presidente da ANFAC, "surgiu o sentido moderno do factoring, ou seja, com a venda dos créditos oriundos da venda dos bens, pelos produtores ou fornecedores, os factors adquiriam o direito de cobrá-los, como seus legítimos proprietários. O factor, que no seu sentido primitivo prestava serviços de comercialização, distribuição e administração, agregou a função de fornecedor de recursos". (5)


3. ETIMOLOGIA DA PALAVRA FACTORING E SEU CONCEITO

3.1 Etimologia da palavra factoring:

Decompondo a palavra factoring, de origem inglesa, em factor teremos o seguinte significado(6): fac.tor - 1) fator: elemento, momento, circunstância que concorre para um resultado. 2) Mat. fator, coeficiente. 3) feitor, agente comercial, administrador, ecônomo. // Mat. fatorar, decompor em fatores. Traduzindo literalmente, factoring seria fazendo ou agindo. Entretanto, a origem é o latim, do verbo facere (fazer). O ilustre Prof. Arnaldo Rizzardo afirma que é do latim a origem do substantivo factor (caso nominativo) e factoris (caso genitivo), com o significado de aquele que faz. (7)

Entretanto, o termo factoring não existe na linguagem culta. Fábio K. Comparato(8) propôs como tradução faturização, que também não consta nos dicionários, mesmo sendo adotado pela jurisprudência e doutrina em geral (Fran Martins, W. Bulgarelli, Orlando Gomes(9)), apesar da discordância de Luiz Lemos Leite(10) e Arnaldo Rizzardo, que preferem o termo fomento mercantil ou mesmo factoring. Conforme Arnaldo Rizzardo, a denominação faturização provém de fatura, expressando ação ou atividade de quem trabalha com faturas, mas na parte dos valores que elas representam(11). A crítica sobre a utilização do termo faturização está pela sua restrição gramatical, já que a atuação das empresas de factoring aponta para outras atividades, como a gestão de negócios, como veremos oportunamente.

3.2 Conceito de factoring:

Para Luiz Lemos Leite factoring é uma atividade comercial mista atípica = serviços + compra de créditos (direitos creditórios) resultantes de vendas mercantis. Factoring é fomento mercantil, porque expande os ativos de suas empresas clientes, aumenta-lhes as vendas, elimina seu endividamento e transforma as suas vendas a prazo em vendas à vista. É a prestação contínua e cumulativa de serviços de assessoria mercandológica, creditícia, de seleção de riscos, de gestão de crédito, de acompanhamento de contas a receber e de outros serviços, conjugada com a aquisição pro soluto de créditos de empresas resultantes de suas vendas mercantis ou de prestação de serviços, realizadas a prazo. (12)

Este é o conceito mais amplo que existe sobre factoring, tendência natural do instituto que começou como venda de faturamento tão somente. A extensão dos negócios para as empresas de fomento mercantil é resultado da concorrência entre elas, tornando-se necessária a apresentação de outros produtos para se manter no mercado. Arnaldo Rizzardo conceitua como a relação jurídica entre duas empresas, em que uma delas entrega à outra um título de crédito, recebendo, como contraprestação, o valor constante do título, do qual se desconta certa quantia, considerada a remuneração pela transação. Este é o sentido tradicional de factoring. (13)

Ives Gandra da Silva Martins, em artigo publicado(14), entende que a operação de factoring não pode ser entendida como uma simples transferência de créditos ou direitos ou, como uma alternativa para burlar normas de direito bancário ou do direito comercial. Trata-se de operação complexa, composta de vários serviços, de forma que somente um contrato que inclua a realização de, no mínimo, dois serviços de forma contínua elencados pela Convenção de Ottawa, de maio de 1988, na qual o Brasil é signatário desse acordo. Orlando Gomes afirma que factoring é o contrato por via do qual uma das partes cede a terceiro vários créditos provenientes de vendas mercantis, assumindo este risco de não recebê-los contra o pagamento de determinada comissão pelo cedente. (15)

Outros autores, entre eles Bulgarelli(16), entendem como venda do faturamento de uma empresa à outra, que se incumbe de cobrá-lo, recebendo em pagamento uma comissão e cobrando juros quando antecipa recursos por conta dos recebimentos a serem feitos. Há, portanto, um elemento básico na operação, que é a cessão de créditos, mas poderá abranger outras funções, como a gestão de negócios e financiamento de recursos. Da mesma forma, entende Fran Martins, factoring ou faturização é o contrato em que um comerciante cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração(17).

Examinando o direito comparado, também encontraremos conceitos amplos, abrangendo diversas atividades, como o do autor espanhol Roca Guillamón, citado por Deilton Ribeiro Brasil(18), na qual factoring é uma atividade de cooperação empresarial que tem por objetivo, para o fator a aquisição, em definitivo, junto aos produtores de bens ou prestadores de serviço, dos créditos de que sejam titulares contra seus clientes ou compradores, garantindo sua satisfação e prestando serviços complementares de contabilidade, estudo de mercado, investigação de clientela, etc., em troca de uma redistribuição a que pode agregar-se, ainda, uma possibilidade de financiamento, mediante antecipação do pagamento com o recebimento de alguma retribuição.

Como já foi dito anteriormente, inexiste legislação específica sobre factoring, o mesmo ocorrendo em diversos países. Assim as normas aplicadas são de diversas naturezas: comercial, civil e o costume de cada comunidade. Entrementes, no Brasil o conceito de factoring está disposto na Resolução 2144 do Banco Central (22.02.1995) como:

"a atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de créditos, seleção de riscos, administração de contas a pagar e a receber, e compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercatis a prazo ou de prestação de serviços".

Esta resolução é lembrada como marco da admissão do factoring como atividade lícita. A mesma disposição encontra-se na Lei n. 9249, de 26.12.1995 (art.15, §1º, III, d) que trata sobre o Imposto de Renda. O Projeto de lei n. 230, que dispõe sobre as operações de fomento mercantil conceitua, em seu art.1º, o que seja factoring:

"Entende-se por fomento mercantil, para os efeitos desta lei, a prestação contínua e cumulativa de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, de gestão de crédito, de seleção de riscos, de acompanhamento de contas a receber e a pagar e outros serviços, conjugada com aquisição pro soluto de créditos de empresas resultantes de suas vendas mercantis, a prazo, ou de prestação de serviços".

Em relação à jurisprudência, nossos magistrados vêm decidindo em consonância com a melhor doutrina, como acontece na sentença da lavra do Juiz Léo Lima do extinto Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul(19):

"Como salientado por ambas as partes, foi firmado, entre elas, um contrato de factoring ou de faturização, aliás, documentado às fls. 7 e 20. De acordo com ensinamento de Arnaldo Wald: ‘o contrato de factoring, ou de faturização, consiste na aquisição, por uma empresa especializada, de créditos faturados por um comerciante ou industrial, sem direito de regresso contra o mesmo. Assim, a empresa de factoring, ou seja, o factor, assume os riscos da cobrança e, eventualmente, da insolvência do devedor, recebendo uma remuneração ou comissão, ou fazendo a compra dos créditos com redução em relação ao valor dos mesmos.’ (Curso de Direito Civil, Vol. II, n. 235, p. 466, ed. RT, 1992). Desse modo, o cheque em execução, objeto da faturização, era inexigível em relação à embargante ou faturizada" (Ap. N. 196033039, 3ª Câmara Cível, TARGS, 17/04/99)

Assim, a controvérsia sobre o conceito de factoring ou faturização ou fomento mercantil ou fomento comercial repousa, propriamente, sobre a denominação, pois se adotarmos o termo faturização estaríamos restringindo as funções das respectivas empresas a simples venda de faturamento (ou seja, faturas), pois segundo Luiz Lemos Leite(20), o factoring, mais do que uma fórmula moderna de crédito, é sobretudo uma técnica evoluída de gestão empresarial, e em nenhuma hipótese pode ser cessão de créditos vincendos, representados por duplicatas. Seria uma heresia jurídica, pois conceitos juridicamente inconciliáveis.


4. NATUREZA JURÍDICA E ESPÉCIES DE FACTORING

4.1 Natureza jurídica do contrato de factoring:

Como qualquer instituto novo no Direito, o factoring, há a tendência, por parte da doutrina, de identificá-lo com figuras já existentes. Próximo da cessão de créditos e do desconto bancário, o fomento mercantil identifica-se com diversos outros instrumentos comerciais, como o trustee, por exemplo. Essencialmente, identifica-se com a cessão de créditos, visto que há, certamente, a venda do faturamento de uma empresa para outra. Se examinarmos a coleção de conceitos, teremos que factoring é um contrato comercial (a)típico que incluí a venda de serviços e a compra de créditos. O Prof. Arnaldo Rizzardo o considera um contrato típico, pois já está consolidado em leis (L. 8981 e L.9249) o seu conceito. (21) Afirma ainda, que a figura mais parecida é a cessão de crédito compartilhado pelos arts. 1073 e 1074 do Código Civil, distanciadas apenas porque o factoring é sempre uma cessão de créditos onerosa e por não ter importância a boa ou má-fé no tocante à solvência do devedor do título, pois a comissão integra o risco pelo negócio.

Mas o contrato de factoring não se resume a cessão de crédito apenas, conforme foi visto anteriormente. Comparando o instituto em relação ao desconto bancário, a diferença está na inexistência do direito de regresso no factoring. Orlando Gomes defende a idéia de um contrato bancário atípico que reúne prestações da cessão de crédito e do mandato e da locação de serviços, distinguindo-se do desconto porque é uma cessão de crédito sem direito de regresso contra o cedente. (22) Os fundamentos são o mesmo para ambos: a cessão de créditos e o recebimento do valor nele expresso, diminuída a comissão, maior no caso do factoring pois envolve risco. A jurisprudência tem decidido no mesmo compasso:

"A operação de factoring, face a elevada comissão cobrada pelo faturizador, distingue-se da operação bancária de desconto de títulos, razão pela qual o faturizador assume o risco pelo não pagamento pelo devedor dos títulos negociados. Duplicata emitida sem a entrega da mercadoria ou sem a prestação de serviços não podia ser protestada contra o devedor, porque viola todos os princípios da lei cambiária, sendo irregular. Apelo desprovido" (TARGS, Apel. 196111561, 7ª Câmara Cível, Juiz Relator Vicente Barroco de Vasconcelos, 13.11.1996). (23)

A proximidade com o instituto do desconto bancário também é evidente na doutrina comparada, pois conforme Rodière, autor francês freqüentemente citado pelos doutrinadores pátrios(24), entende o factoring como técnica financeira e de gestão comercial, sob a ótica dos contratos e operações bancárias. Assim, a natureza jurídica do fomento mercantil é levemente controvertida devido a falta de legislação específica, no Brasil e no exterior. Portanto, entendemos que o contrato ou a operação de factoring é atípica, visto que a existência de um conceito legal não basta para tipificá-lo, pois exige-se uma regulamentação consolidada para tal fim, o que atualmente não há.

4.2 Espécies de factoring:

Luiz Lemos Leite elenca de forma muito clara e objetiva as espécies ou modalidades de factoring praticadas no Brasil: (25)

  • a) Convencional ou "conventional factoring" é a compra de direitos creditórios ou ativos, representativos de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços mediante notificação feita pelo vendedor (endossante-cedente) ao comprador (sacado-devedor). Não há antecipação ou adiantamento de recursos. O pagamento é feito à vista pela sociedade de fomento mercantil.

  • b) Trustee produto idealizado em 1988 pela ANFAC e genuidamente integrado na filosofia do factoring. Trata-se da gestão financeira e de negócios da empresa-cliente, que passa a trabalha com caixa zero, otimizando sua capacidade financeira.

  • c) Exportaçãoserve para comercializar no exterior bens produzidos por empresa-cliente do factoring. Largamente utilizado na Europa e no Extremo Oriente.

  • d) Compra de matéria-primaa empresa de factoring faz a intermediação da compra de matéria para seu cliente, negociando diretamente com o fornecedor, visando obter melhor preço de compra.

Já o maturity factoring, ainda não praticado no Brasil, diferencia-se do convencional, porque os títulos de crédito são remetidos pela empresa-cliente à sociedade de fomento mercantil e por esta liquidados no vencimento ou nas palavras do mestre Fran Martins, "faturização no vencimento". (26) No factoring convencional, ou tradicional ou old line factoring as faturas representativas dos títulos de créditos são liquidadas antes do vencimento das mesmas, e por isso, muito próximo do desconto bancário. Os recursos são adiantados pela empresa faturizadora, ficando ela, consequentemente, com os títulos.

Citado pelo Prof. Arnaldo Rizzardo, oportuna a lição de Newton de Lucca: (27)

"É a forma mais tradicional das operações de faturização, sendo oferecida ao faturizado a mais variada gama de serviços e contratos, compreendendo, geralmente, os seguintes: aquisição à vista dos créditos com renúncia do direito de regresso, gestão de tais créditos, notificação da cessão ao devedor, etc.".

A doutrina acrescenta ainda o "collection type factoring agreement" , ou seja, paga-se ao cliente após o recebimento da fatura. Aqui o factor atua simplesmente como cobrador dos títulos do faturizado. Ainda para consignar, que Fran Martins propôs a divisão do factoring em "interno" e "externo". A faturização interna seria aquela em que as operações seriam realizadas dentro do mesmo país ou dentro de uma região. Se a faturização se relacionar com operações a serem realizadas fora do país, como em operações de importação e exportação, dar-se-ia a esse tipo o nome de faturização exterior.


5. CARACTERÍSTICAS E OBJETO DO CONTRATO DE FACTORING

O contrato de fomento mercantil pode ser classificado como bilateral, pois há dois pólos, duas partes convergentes para o mesmo fim, por isso consensual, com obrigações e direitos recíprocos, comutativo, mediante remuneração, oneroso, por um serviço ou uma venda de forma continuada e personalíssima ou intuitu personae. Entretanto, segue-se um contrato comercial atípico, como a melhor doutrina prefere. Apesar da atipicidade, o contrato de factoring tem objeto próprio e características que o identificam como tal.

Resumidamente, encontramos os seguintes elementos:

  1. aquisição de créditos ou prestação de serviço descriminado;

  2. riscos para o faturizador de receber os valores cedidos pelo faturizado-cliente;

  3. cláusula expressa de não regresso contra o cedente dos créditos;

  4. liberdade de escolha por parte do faturizador das faturas ou títulos devido ao risco existente;

  5. a cobrança de comissão ou taxa de remuneração.

Quanto à "cláusula expressa", sugerimos a inclusão desse elemento como forma de deixar bem claro a intenção dos acordantes, mesmo que seja da natureza do instituto aqui estudado o não regresso contra o cedente dos créditos. A assunção dos riscos, por parte do faturizador, é fundamental para caracterizar o contrato de fomento mercantil. Porém, na prática, tem-se adotado uma figura metamorfoseada entre o factoring e o empréstimo. Um comerciante traz ao factor "cheques pré-datados" cujo vencimento é para 30 ou 60 dias para frente. Cobrando uma taxa ou comissão sobre o crédito, paga-se a quantia já descontada ao cliente, que acaba recebendo à vista os valores antes imobilizados. Ao depositar o cheque, o factor percebe que não há "fundos", retornando ao cliente, exigindo de volta uma parcela ou a totalidade do valor já pago. É comum acontecer tais transações quando o cliente prefere não perder na comissão descontada dos seus créditos, mas assume o risco de prestar contas ao faturizador. Diferentemente da figura do facturing, há uma espécie de agiotagem pela antecipação de valores.

A jurisprudência em caso semelhante, julgou abusiva cláusula inserida em contrato de faturização que autorizava o faturizador a sacar letra de câmbio contra o faturizado, na hipótese de insucesso, total ou parcial, no recebimento do crédito cedido. (28)

Se assim julgou a 2ª Câmara Cível do TARGS (Apel. 195110564, de 21.09.1995), bem possível seguiria o princípio da obviedade de que um contrato sem essa cláusula expressa seria refutada pela corte jurisprudencial. Segue-se também a impossibilidade de prestar garantias no contrato de factoring: (29)

"A operação de factoring, face à elevada comissão cobrada pelo faturizador, distingue-se da operação bancária do desconto de títulos, razão porque o faturizador assume o risco do não pagamento pelo devedor dos títulos negociados. A emissão de promissória pelos gerentes da faturizada, com expressa menção de que destina-se a garantir o pagamento do devedor do título negociado, representa engenho contornador da irresponsabilidade do faturizado, sem eficácia na relação faturizador-faturizado"

(3ª Câm. do TARGS, Apel. 194214144, de 30.11.1994).

O direito de regresso é realmente incabível: (30)

"Tratando-se de contrato de factoring, incabível o direito de regresso contra o faturizado, uma vez que, operada a transferência definitiva do crédito, exonera-se de responder pela satisfação da dívida, sendo da essência da avença a responsabilidade do faturizador pelos riscos da impontualidade e da insolvência do sacado"

(6ª Câm. do TAMG, Apel. 1882104/95).

Em considerações anteriores, diz-se que o factoring era, no mínimo, a venda do faturamento de uma empresa para outra. Apoia-se essa afirmativa na estrutura atual na qual se tornou o factoring ou fomento mercantil, denominação essa mais ampla do que faturização. Segundo o presidente e um dos fundadores da ANFAC, o factoring expressa-se nos seguintes serviços: (31)

  1. de assessoria creditícia;

  2. de assessoria mercadológica (ou busca de novos clientes, produtos e mercados);

  3. de avaliação de riscos;

  4. de seleção de créditos;

  5. de gestão de créditos;

  6. de acompanhamento de contar a receber e a pagar;

  7. de gestão empresarial ou gerencial;

  8. de outros serviços que vierem a ser solicitados pela empresa-cliente.

Deixa bem claro o autor, que a prestação desses serviços deve ser conjugada com a "compra pro soluto de créditos (direitos) resultantes das vendas mercantis realizadas a prazo pela empresa-cliente", elemento essencial para a insígnia factoring.

Ademais, como se percebe, deixa-se em aberto outros serviços nas quais poderão ser executados pelas empresas de factoring, conforme as exigências do mercado. A expansão das atividades das empresas de fomento mercantil é tendência natural do desenvolvimento do setor terciário, visto que é o setor que mais cresce no país. Além disso, as empresas buscam otimizar seus recursos para aplicá-los apenas a sua atividade fim, deixando seus encargos "administrativos" para outras empresas realizá-los, mediante o pagamento de uma taxa ou comissão de gestão.

Entretanto, deve-se entender como uma "surpresa" a proposta do presidente da ANFAC, Luiz Lemos Leite, ao sugerir um estudo sobre a implementação da transação pro solvendo no V Congresso Brasileiro de Factoring realizado em outubro de 1999 em São Paulo. (32) Em outras palavras, adotaríamos o factoring com direito de regresso. A proposta foi aprovada em assembléia pelos empresários presentes ao evento. Conforme publicado, segundo o presidente da ANFAC, na transação pro solvendo a responsabilidade entre a empresa-cliente (vendedora endossante) e o sacado-devedor seria subsidiária. Segundo ele, não existe norma restritiva específica que proíba a prática do direito de regresso nas transações de fomento mercantil. Confirmada tal prática, após a consulta de juristas de renome na área cível, penal e comercial, seria enviada emenda ao projeto de lei n. 230 a fim de ajustar a nova legislação a este instituto.

Entendemos que tal adequação é elogiável, visto que na realidade as empresas de factoring já têm oferecido aos clientes preferenciais tal disposição. Se a empresa-cliente-endossante conhece a procedência do título, não seria justo ela pagar uma comissão maior pelos riscos (quase inexistentes) ao faturizador, podendo lucrar com tal benefício ao preferir assumir juntamente a ele – faturizador – a responsabilidade pelos títulos. Talvez, com a adoção desse tipo de transação, o instituto factoring fique mitigado, pois sua natureza não comporta esse fator. Ou talvez, teríamos um novo tipo de factoring tão próximo do desconto bancário que a confusão de denominações não alteraria o negócio... Waldirio Bulgarelli já alertava que o factoring estava sendo encampado pelos bancos, tornando-se mesmo um tipo de operação bancária. É a mesma posição de Orlando Gomes, conforme cita. (33)


6. A OPERAÇÃO DE FACTORING PROPRIAMENTE DITA

6.1 Sujeitos da relação contratual:

Como já foi dito anteriormente, a operação de factoring é complexa, envolvendo diversos serviços além da compra de créditos necessariamente. Poderíamos afirmar que o contrato de factoring, diverso dos demais, envolve três pólos, apesar da discordância doutrinária em geral. E as razões são toleráveis. Vejamos a figura:

A identificação da operação é singela:

  • 1º momento: o devedor(sacado) emite duplicata a favor do faturizado pela compra a prazo de mercadorias.

  • 2º momento: com o título em mãos, o faturizado recorre a uma empresa de factoring – faturizador – a fim de receber aquele título à vista, endossando-lhe o crédito. O faturizador compra o título à vista com um deságio ou desconto do valor nominal. É a comissão ou taxa pelos riscos do não pagamento, embutidos juros e correção monetária.

  • 3º momento: o faturizador, no vencimento do título, busca os valores imobilizados no montante integral e nominal.

A relação entre faturizador e devedor existe pela sub-rogação dos créditos cedidos pelo faturizado, que se liberou, em termos, da responsabilidade do negócio. Poderá acontecer que a relação entre faturizador e faturizado seja "dupla", ou seja, o direito de regresso. Permite-se o regresso quando não sendo certo, lícito e regular o crédito. (34) A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, decidiu em Recurso Especial, que "frustada a expectativa do cessionário de títulos, por força de contrato de factoring, de receber o respectivo valor, por ato imputável ao cedente, fica esse responsável pelo pagamento" (43914-RS, de 28.11.1995), apesar de existir algumas decisões em contrário, pois as empresas de fomento mercantil têm a obrigação de verificar a procedência dos títulos negociados. A verdade é que o devedor não faz parte imediatamente da relação de factoring, mas há a faculdade das partes de envolvê-lo.

A empresa de fomento mercantil não precisa ser um banco, nem se identifica como instituição financeira conforme as atividades próprias descritas no art.17 da Lei n. 4595/64. E, portanto, não passível de fiscalização, em tese, pelo Banco Central. A jurisprudência corrobora nesse sentido:

"Sabe-se, comezinhamente, que as operações de factoring evoluíram de mero contrato comissionado, para assumir a posição de financiamento, sem entretanto se caracterizar como instituição financeira, regulada pelo Banco Central. Sua função é, tipicamente, de fomento, em razão da inexistência de regulamentação legal, ainda.(...) Neste mesmo sentido, também se manifesta o grande mestre Fran Martins, verbis: ‘nessas condições, sendo característica essencial do contrato de faturização a isenção do faturizado da responsabilidade de pagar o crédito cedido caso o comprador das mercadorias não o faça – o que torna o contrato de factoring uma operação de risco, portanto especulativa, e não uma operação de crédito, como são as operações bancárias’ (Contratos e Obrigações Comerciais, 7ª ed. – Forense – pp. 554/555)."

(Apel. 188210-4, 6ª Câm. Civil do TAMG, de 23/02/95). (35)

Concluímos, assim, que o factoring não tem vinculação com o sistema financeiro, apesar da proximidade com o instituto do desconto bancário. E por isso está impedida de exercer atividades próprias de bancos, seguradoras, etc., aquelas dispostas na Lei 4595/64 e de acordo com a definição da Lei 8981/95 A empresa de factoring tem caráter mercantil (ou comercial), bastando a inscrição dos seus estatutos na Junta Comercial e alvará de funcionamento junto ao município. Pertinente ao tópico decisão lavrada pelo antigo Tribunal Federal de Recursos:

"Não pode o Banco Central do Brasil interferir nas funções de registro comercial, reguladas pela L. 4726/65. Estas funções competem às Juntas Comerciais, sob supervisão e orientação técnica do Departamento Nacional do Registro do Comércio. Não há confundir o registro comercial de firma quando implique atividades financeiras, é que cabe ao Banco Central. Enquanto não regulada por lei a constituição ou registro de sociedades que se proponham ao exercício de factoring, não cabe às autoridade administrativas, com apoio em simples opiniões doutrinárias opor-lhes, a priori, restrições de qualquer natureza. Se, no exercício efetivo de suas atividades comerciais, se verificar que interferem em atividades financeiras não autorizadas, então, sim, caberá ao Banco Central agir na forma da lei"

(Apel. em Mandado de Segurança n. 99.964/RS, em 13/05/1986). (36)

Em relação ao faturizado, ou cliente da empresa de fomento mercantil, "terá que estar organizado como pessoa jurídica ou firma individual". (37)

6.2 Os títulos negociáveis:

Constatamos que o objeto principal da empresa de factoring é a compra de duplicatas de fatura, daí o termo também empregado pela doutrina: faturização. As vendas a prazo eram representadas tão-somente pela emissão de duplicatas. Atualmente, há o instrumento do cheque pré-datado, ou melhor definido como pós-datado. Entretanto, visto que a Lei dos Cheques (L. 7357/85) determina que o cheque "é pagável à vista" (art. 32), e que a Lei 5474/68 proíbe a emissão de "outra espécie de título de crédito" para expressar vendas a prazo (art.2º), estabelecida está a controvérsia entre a lei e a prática.

Luiz Lemos Leite admite a figura do cheque pré-datado, considerando que a prática da sua utilização em grande escala no mercado é uma realidade incontestável no Brasil, desde que estruturado e vinculado a um documento formal representativo de uma legítima transação mercantil entre pessoas jurídicas, podendo ser considerado um título de crédito. (38) O Prof. Arnaldo Rizzardo entende que nenhuma lei estabelece algum disciplinamento a respeito, pois unicamente o costume ou a praxe firmou a utilização da duplicata. (39) Entendemos que as negociações de factoring consagraram apenas dois tipos de títulos, a duplicata e o cheque pré-datado, apesar de serem operados outros títulos de crédito, como o warrant, conhecimento de transporte, a nota promissória, letra de câmbio, etc.

6.2.1 DUPLICATA

Considerada como um título de crédito, aplica-se à ela, no que couber, os dispositivos da legislação sobre emissão, circulação e pagamento das letras de câmbio (art.25 da Lei 5474/68). Assim, aplica-se a Lei Uniforme de Genebra sobre letras de câmbio e notas promissórias que prevê a transferência dos títulos através de endosso. Segundo o seu art. 14, o endosso transmite todos os direitos emergentes da letra, sendo garante o endossante do pagamento da mesma. Na duplicata não é diferente. Entretanto surge a controvérsia. Como o endossante é garante do pagamento, como é que o faturizado, que endossa a duplicata ao faturizador, não responderá pelo não pagamento do devedor?

A doutrina entende que em relação ao factoring o endosso opera-se de forma diversa dos dispositivos da Lei Uniforme de Genebra – LUG – para chancelar a irresponsabilidade do faturizado com o pagamento dos títulos transferidos. O endosso é subdividido em diversas espécies. Classificando-o para o instituto ora estudado, é translativo e sem garantia. É translativo pois transmite a propriedade, conforme Waldirio Bulgarelli entende que o endosso do título ao factor não será meramente um endosso mandato, mas pleno, transferindo-lhe a propriedade do título(40). E sem garantia, porque a natureza do fomento mercantil não admite o direito de regresso do faturizador. Segundo Fábio Konder Comparato, ao endosso das duplicatas também se aplica a cláusula sem garantia, por força da norma permissiva contida no art. 25 da Lei n. 5474/68. (41)

Oportuna a lição de Fran Martins:

"Como a duplicata representa um título de crédito, sujeitando-se, assim, às regras que regem esses títulos, principalmente no que diz respeito à circulação (Lei n. 5474/68, art.25), para que a empresa de faturização possa cobrar do comprador a importância devida, necessário será que a duplicata seja transferida para o faturizador, o que será feito mediante um endosso, na forma da regra do art.14 da Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias em vigor no Brasil. Como o endossante, segundo os princípios básicos do direito cambiário, é garante tanto da aceitação como do pagamento do título, a Lei Uniforme, para facilitar a circulação das letras de câmbio, admitiu o chamado endosso sem garantia (art.15), que é o em que, transferindo o título, o endossante não só deixa de garantir a aceitação da letra como se exime do pagamento da mesma". (42)

E ao afirmar que:

"Esse procedimento parece o apropriado para ser adotado na cessão dos créditos, no contrato de faturização, do faturizado para o faturizador, pois é princípio da essência do contrato de faturização o fato de não responder o faturizado, ao ceder os seus créditos, pela solvência do devedor, no caso o comprado, correndo, assim, por conta da empresa de faturização o risco do não recebimento já que a mesma não pode se voltar contra o faturizado para que esse satisfaça a obrigação não cumprida pelo comprador".

Concluiu-se que "essa solução" para a transferência do crédito pelo endosso sem garantia da duplicata por parte do faturizado ao faturizador é, na realidade, uma "solução apenas aparente", pois segundo a LUG o emitente ou sacador (leia-se faturizado) pode-se exonerar-se da aceitação do título, mas não pode eximir-se do pagamento (art.9º).

A solução, segundo o autor supra citado, seria a modificação do art.2º da Lei das Duplicatas (L. 5474/68) para permitir que outros títulos, que não a duplicata possam servir de instrumento de cobrança das vendas a prazo. (43) O Prof. Arnaldo Rizzardo, em seu livro, cita também a opinião de Fran Martins, porém discorda da solução sugestionada. Entende aquele autor que como o factoring constitui uma figura jurídica própria, com uma estrutura e conteúdo peculiares, além da inexistência de impedimentos legais, "podem as pessoas contratar livremente, e estabelecer as cláusulas e condições que forem de sua conveniência" (44) sob o domínio do princípio da liberdade contratual. E, neste sentido, finaliza ao afirmar que "não se opera o simples endosso, mas a negociação do crédito".

Em relação ao tema, a jurisprudência tem-se manifestado de forma quase pacífica, ao considerar a hipótese de regresso quando o endosso não corresponde a verdadeira intenção negocial ou por si só de má-fé:

"A duplicata é título causal, que deve corresponder, sempre, a uma efetiva e comprovada compra e venda mercantil, ou à prestação de serviços. Endossado o título pela emitente-sacadora, aquele que o recebe, por endosso, é portador de boa-fé, em princípio. Todavia, se quem consta como sacado devedor alega nulidade do título por ausência completa de negócio jurídico subjacente, não se lhe pode exigir que faça prova negativa, e o onus probandi inverte-se, competindo ao endossante e/ou ao endossatário demonstrar a existência da prestação de serviço ou da compra e venda mercantil que deu origem ao título. Improvado o negócio jurídico subjacente, procede a ação incidental de embargos à execução e se descontitui o título, restando ao endossatário, se de boa-fé, voltar-se contra o endossante que criou o título sem causa"

(Apel. 196039101, 2ª Câm. Cível TARGS – JTARGS 99/226, de 23/05/1996).

"Emitidas as duplicatas e endossadas posteriormente à empresa de factoring, já tendo havido o seu cancelamento pelo comprador com aceitação do vendedor, com a anulação judicial dos títulos, somente por meio de procedimento próprio pode a endossatária discutir sua relação com a emitente, em virtude do princípio da litiscontestação.(...) Entendemos que à Apelante (empresa de fomento) cabe a possibilidade de discutir o seu direito de regresso contra a endossante, porém, não nestes autos"

(Apel. 219632-2, 6ª Câm. Civil do TAMG, de 29/08/1996). (45)

6.2.2 CHEQUE

A adoção da figura do cheque pré-datado como forma de pagamento a prazo movimentou as empresas de factoring, acostumadas, anteriormente, a compra de duplicatas.

Principalmente no comércio, tornou-se praxe no crediário a utilização de cheques com data certa de pagamento, nos períodos de 30, 60, 90 até 120 dias após a compra efetiva do bem. Como as pequenas e médias empresas precisam de capital de giro para negociar com seus fornecedores, buscou-se nas empresas de factoring a salvação desburocratizada para manter-se no mercado. Digo "desburocratizada", pois o crédito bancário está cada vez mais difícil e exigente, apesar das comissões mais baixas em relação ao factoring.

Fora a denominação incorreta de pré-datado, a forma contraria a Lei de Cheques, mas a jurisprudência já institucionalizou a prática deste instituto, ora como um contrato ora como um título de crédito. Vejamos os exemplos:

"Empresa de factoring. Cheques com endosso em preto. Juntada de faturas. Exigência descabida. Recurso provido. A ação monitória leva em conta a necessidade de facilitar o acesso do credor ao título executivo e descabe, aqui, discutir sobre o instituto do factoring e suas implicações jurídicas, até porque qualquer pessoa, física ou jurídica, munida de prova ‘escrita sem eficácia de título executivo’, que pretender pagamento de soma em dinheiro diz a lei, tem legitimidade para propor a ação monitória. Se atendido o preceito contido no art.1102ª do CPC, o fato de ser empresa de faturização não a distingue das demais entidades e, conseqüentemente, não se lhe exclui o direito de exercitar a norma em tela. ‘ Estando a ação monitória devidamente instruída, com cheque já destituído de força executiva, não pode o juiz, apenas por dedicar-se a empresa requerente à atividade de factoring, exigir-lhe a complementação da documentação que acompanha a inicial com comprovantes de operação mercantil sequer realizada, porquanto referido título, por si só, representa crédito em dinheiro tutelável por este novo procedimental especial’ (AL N. 96000807-1, de Joinville, rel. Des. Eder Graf, DJ de 17.09.96, p. 54)"

(Agravo Instr. 96002219-8, de Joinville). (46)

"Factoring. Cheque pré-datado. As operações entre a factorizadora e o facturizado são, no que tange aos títulos emitidos por terceiros, cessões de direito comum e não cambiário. Devendo as ações entre eles serem decidias independentemente do protesto do documento adquirido"

(Apel. 196025415, 9ª Câm. Cível, Rel. Antonio G. Tanger Jardim, TARGS, de 29.10.1996). (47)

A doutrina tergiversa sobre essa "mutação" do título. Porém, a melhor doutrina (Fran Martins, Rubens Requião) reconheceu o pré-datado como título formal, não perdendo o cheque sua característica ou natureza de título de crédito. Talvez a própria Lei de Cheque permita o cheque pré-datado conforme se verifica no parágrafo único do art.3º . Portanto, incabível qualquer argumentação no sentido de impedir a transação de cheques pré-datados entre empresa de factoring e sua cliente.

6.3 A prestação de serviços:

Objeto tão importante, atualmente, nos contratos de factoring quanto a compra e venda de títulos de crédito, a prestação de serviços é ampla como requer o mercado. Aquela empresa de fomento mercantil que não conseguir oferecer para seus clientes uma gama de serviços estará fadada ao encerramento de suas portas. Portanto, como já defendeu Luiz Lemos Leite, as empresas de factoring estão abertas para qualquer tipo de negociação em relação a novos serviços, desde que não interfiram nas atividades típicas bancárias:

"Como visto, à saciedade, o factoring é uma atividade comercial mista atípica. Necessariamente presta serviços, os mais variados e abrangentes, a sua empresa-cliente e compra direitos (créditos – expressões sinônimas), não transacionando diretamente mercadorias. (...) Hodiernamente, entretanto, o factoring caracteriza-se por este conjunto de funções e atividades que deve ser realizado em bases contínuas e cumulativas, sem qualquer outra conotação que o assemelhe ou o aproxime de uma operação com as características privativas das instituições financeiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central". (48)

O termo "gestão financeira de negócios" ou trustee, considerado como modalidade de factoring, é amplo como a atividade de fomento mercantil necessita. Segundo o Prof. Arnaldo Rizzardo, significa no acompanhamento das contas a receber e a pagar, na cobrança de títulos de crédito representativos de vendas mercantis e/ou prestação de serviços. (49) Porém, quaisquer que sejam os serviços disponibilizados pela empresa de factoring, devem os mesmos estarem expressos em contrato, pois se as cláusulas forem amplas poderá a empresa-cliente reclamar prejuízos reflexos de atividades não pactuadas especificamente, mas subentendidas por outras contratadas.


7. CONCLUSÃO

Novos ventos levam o instituto do factoring para uma proximidade com a realidade brasileira no setor, apesar da maior distância da natureza própria da operação. O empresário nacional, potencial cliente de factoring, procura sempre a redução de custos operacionais, incluindo a própria comissão do fomento mercantil. Como sabemos, a divulgação do factoring amplia além do mercado de atuação, a concorrência. E, hoje, para sobreviver neste campo, as empresas de factoring têm ampliado seu leque de serviços como procuram também baixar os valores de comissão ou taxa de fomento. Dentre as soluções, como já foi anunciado, a solidariedade ou subsidiariedade do risco entre faturizador/faturizado.

Essa transmutação do instituto talvez não alteraria a sua natureza jurídica, pois se verificarmos a história, em outros tempos já se permitiu o direito de regresso contra o faturizado. Mas essa "adaptação" só teria êxito, juntamente aos tribunais, se legislação específica assim a permitisse, pois na jurisprudência é quase tranqüilo a impossibilidade de regresso, apesar da efetiva prática desse instrumento. Como cada vez mais há "títulos voadores" no mercado, a escolha dos créditos está mais e mais rigorosa, pois as empresas de factoring não querem assumir perdas constantes no seu negócio. Assim, somente são aceitos títulos quase sem riscos ou com procedência conhecida e fundada. Nestes termos, as próprias faturizadas têm sugerido uma menor comissão, garantindo, por outro lado, os direitos creditícios dos títulos. Como ainda não há norma regulamentando o factoring, não é proibido usar-se de tais meios, apesar da jurisprudência rechaçá-los.

Entendemos que a permissão, pela falta de proibição, é legitimadora para qualquer tipo de negociação ou prestação de serviços no factoring, desde que não confronte com os dispositivos da Lei das Instituições Bancárias. Se o projeto de lei permite ser alterado sem refletir de fato na vida social, ainda há tempo para transformações através de emendas para adequação com a realidade brasileira, responsável também pela ampla disponibilidade de serviços oferecidos às empresas-clientes.

Esse trabalho foi balizado, conforme se verifica pelas notas de rodapé, pela melhor doutrina que há sobre o factoring, utilizando-se das contraposições para formar, pelo menos, uma impressão da atualidade do tema. As obras que tratam exclusivamente sobre o factoring são escassas, apesar do razoável número de artigos já publicados. E esses se repetem exaustivamente. Enquanto isso, a doutrina clássica reserva apenas um capítulo em seus compêndios. Esse quadro talvez seja o reflexo da própria situação do instituto, ainda marginalizado pelos mais diversos meios, seja empresarial, legislativo ou judiciário.

Foi visto que o contrato de factoring representa uma "atividade comercial mista atípica" ou uma "operação complexa pelo aspecto tríplice que caracteriza o seu objeto" por abranger as funções de garantia, gestão de crédito e de financiamento. Ou como o próprio Luiz Lemos Leite define factoring: "factoring é factoring". E mais nada. É costume da doutrina, a clássica principalmente, de buscar definições de institutos já existentes ou consagrados àqueles novos agregados ao direito pátrio. Comparou-se ao desconto bancário, à cessão de crédito simplesmente entre outros que não foram descritos neste trabalho. Como é um instituto novo, nunca será estudado à exaustão nem foi realizado pesquisa para esse fim. Consequentemente, a disponibilidade para discuti-lo é maior.

Assim aconteceu no V Congresso Brasileiro de Factoring realizado em outubro de 1999. Os empresários presentes aprovaram revisão operacional do factoring ao admitirem a possibilidade do direito de regresso contra as empresas faturizadas. Enquanto não legislarem sobre o factoring, restarão a posição dos tribunais, interpretações doutrinárias e alguns palpites de juristas de plantão...


NOTAS

  1. BULGARELLI, Waldirio. Contratos Mercantis. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 543

  2. Factoring no Brasil. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1997, p.19.

  3. MARTINS, Fran. Contratos e Obrigações Comerciais. 14ªed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.470.

  4. Ob. cit. pp. 20 e 21.

  5. Idem, p.21.

  6. Dicionário Multimídia Michaelis. DTS Software Ltda.

  7. Factoring. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.15

  8. Factoring. Revista de Direito Mercantil n. 6/1972.

  9. Contratos. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p.577.

  10. "Factoring nada tem a ver com faturização, palavra que não existe no vernáculo. Etimologicamente, faturização nada significa. É de uma indigência mental inominável. Infelizmente, no Brasil, pessoas mal-informadas ou desinformadas usam palavra faturização, ignorando seu radical latino (factor, is)". Ob.cit. p.25

  11. Ob. cit. p. 16.

  12. Informativo Factoring, março de 1994.

  13. Ob. cit. p. 11

  14. Factoring. Publicado na Revista Jurídica n. 240 – out./97, p. 5.

  15. Ob. cit. p. 577.

  16. Ob. cit. pp. 541 e 542.

  17. Ob. cit. p. 469.

  18. A problemática do endosso na duplicata para o exercício do "factoring" no Brasil. Dissertação publicada no site da Universidade Federal de Santa Catarina (http://buscalegis.ccj.ufsc.br/).

  19. BUSSADA, Wilson. Factoring interpretado pelos Tribunais. Campinas: Julex, 1997, p. 156.

  20. Ob. cit. p. 146.

  21. Ob. cit. p.39.

  22. Ob. cit. pp. 577 e 578

  23. BUSSADA, Wilson. Ob. cit. p.170

  24. BULGARELLI, Waldirio. Ob. cit. p. 542, RODIÈRE, Renè e RIVES-LANGE, Jean-Louis, Droit Bancaire, Ed. Daloz, n. 299, Paris, 1973, p. 354 e ss.

  25. Ob. cit. p. 207

  26. Ob. cit. p. 477.

  27. Ob. cit. p. 35. DE LUCCA, Newton. A faturização no Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 1986, p.21.

  28. RIZZARDO, Arnaldo. Ob. cit. p. 125.

  29. Idem, p. 129.

  30. BUSSADA, Wilson. Ob. cit. p.205

  31. LEITE, Luiz Lemos. Ob. cit. p. 48

  32. Jornal da ANFAC. Nov./Dez. 1999. N. 24 – Ano IX.

  33. Ob. cit. p.544.

  34. RIZZARDO, Arnaldo. Ob. cit. p.86.

  35. BUSSADA, Wilson. Ob. cit. p. 206.

  36. Idem. p. 373.

  37. RIZZARDO, Arnaldo. Ob. cit. p. 25

  38. Ob. cit. p. 162.

  39. Ob. cit. p. 79

  40. Ob. cit. p. 546.

  41. Ob. cit. p. 59 e ss.

  42. Ob. cit. p. 473 e 474.

  43. Idem.

  44. Ob. cit. p.72 e 73.

  45. BUSSADA, Wilson. Ob. cit. p. 116 e ss.

  46. BUSSADA, Wilson. Ob. cit. p. 167.

  47. Idem. p. 177.

  48. Ob. cit. p.207.

  49. Ob. cit. p. 66.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Marcelo Hugo da. Estudo sobre o contrato de factoring. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1126, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/634. Acesso em: 20 abr. 2024.