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Relação contratual do transporte aéreo e suas aplicações e implicações normativas

Relação contratual do transporte aéreo e suas aplicações e implicações normativas

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A legislação consumerista é lei especial para uma relação de consumo. Inconcebível afirmar ser o Código de Defesa do Consumidor uma lei geral face ao Código Brasileiro da Aeronáutica.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Evolução Contratual: 2.1 Intróito – 3. Intervenção do Estado- 4. Contrato de Consumo Geral: 4.1 Dever de Informação nos Contratos; 4.2 A Função Social do Contrato e a Boa-fé Objetiva – 5. Contrato de Adesão – 6. Controle dos Contratos: 6.1 Controle Judicial; 6.2 Controle administrativo em Abstrato pelo Ministério Público – 7. Transporte Aéreo; 7.1 Aspectos Históricos; 7.2 Globalização. 8- Seqüência Cronológica Normativa. 9- Legislações inerentes ao Transportes Aéreos; 9.1 A Convenção de Varsóvia; 9.2 Código Brasileiro de Aeronáutica; 9.3 Código de Proteção e Defesa do Consumidor no Contrato de Transporte Aéreo-. 10. Possível Antinomia entra as Normas – 11. Contrato de Transporte Aéreo - 12. Práticas Abusivas – 13. Lei do Abate- 14. Conclusão -Bibliografia.


1. Introdução

De início, era desconhecida a complexidade do tema, sendo vislumbrado apenas o estudo de um contrato de consumo eivado de cláusulas desfavoráveis ao consumidor. Entretanto, após preliminares pesquisas, surge abaixo da essência a complexa raiz que interligava diversos ramos da ciência jurídica.

Desta maneira, será envolvido no presente trabalho científico tanto o Direito Público como o Direito Privado, o Direito Nacional como o Direito Internacional. Em caráter específico serão estudados o Direito Constitucional, Direito Civil (1916 e 2002), Direito Aeronáutico, Direito Contratual em sentido amplo, Convenção de Varsóvia, a recente Lei do Abate e por fim, com destaque a Lei de Proteção e Defesa do Consumidor.

A pesquisa envolveu além da doutrina clássica civilista e consumerista, artigos da Revista de Direito do Consumidor, dissertações de mestrado da PUC-SP, dentre outros. Porém deve se destacar a principal fonte elucidativa e sempre desafiadora de pesquisa, dirigida pela Professora acima citada, a discussão e troca de entendimentos dentro da sala de aula do curso de mestrado. O que no nosso entender é onde surge a verdadeira ciência jurídica, sempre questionando os entendimentos já fixados diante a finalidade real das respectivas legislações.

Seria uma grande injustiça não revelar e elogiar o potencial ali atingido, a eterna busca por uma possível solução menos equivocada sempre fora o objetivo. Pede-se licença para apresentar um pertinente pensamento do inconfundível Emanuel Kant, o qual afirmava: "Não ensinar pensamentos, porém a pensar, não levar o discente, porém conduzi-lo de sorte a caminhar por si próprio". Acho que este reflete certamente a busca do cientificismo jurídico.

Serão expostos diversas opiniões e entendimentos, logicamente opiniões contrárias são o que mais se encontrará, sendo procurado, entretanto, expor o entendimento do discente de forma fundamentada de maneira que se procurará evitar pré-conceitos e posicionamentos infundados. Trabalhando-se em prol da ciência Jurídica.

Alguns nomes da doutrina serão questionados de maneira fundamentada, com todo o respeito que lhe são devidos. Questionamentos estes que até o momento entende-se pertinente devem ser derrubados com melhores argumentos e fundamentos para uma melhor conclusão.

O presente trabalho monográfico é apresentado pelo método científico de "Monografia de Compilação", isto é, serão expostos e questionados pensamentos de vários autores que escreveram sobre o tema.

Foi entendido que se faria necessário antes de adentrar em específico nos contratos de transporte aéreo, um visão sobre o movimento contratual ao longo do tempo, diante suas mudanças filosóficas, econômicas e do mercado.

Desta maneira será abordado nos primeiros capítulos a crise da teoria contratual clássica e o sistema liberal, o qual será refletida com início da intervenção do Estado nas relações inter-particulares.

Segue-se então um estudo sobre o contrato de consumo em geral e sua tendência acompanhado pelo Código Civil de 2002, tomando por base ideais como a boa-fé objetiva e a função social do contrato. Estes incorporadas no sistema pátrio através do CDC e tendências mundiais.

É abordada a questão do contrato de adesão, pelo fato de atualmente ser a prática mais utilizada nas relações de consumo, inclusive nos contratos de transporte aéreo. O que consequentemente obriga-se a falar nos tipos de controle dos contratos habilitados pelo CDC e Lei da Ação Civil Pública.

Comentada a visão geral do contrato, adentra-se em específico ao contrato de transporte aéreo. Aparece então todo o âmago da problemática, em específico quando tratar-se da responsabilidade civil. Isto ocorre devido determinado número de leis quererem regular um mesmo assunto.

Conflito entre a aplicação das normas reflete uma realidade, critérios serão abordados com intuito de solucionar a problemática. Entretanto a polêmica entre os vários ramos do direito surgirão, um querendo prevalecer sobre o outro dizendo-se mais pertinente e especial. O STJ que entendia-se ter firmado um entendimento pela aplicação do CDC quanto a relação do transporte aéreo, provocado mudou recentemente o entendimento, deixando ainda mais aberta a questão.

É visto a polêmica da possibilidade da antinomia, e alguns doutrinadores consumeristas quererem vislumbrar CDC como uma Lei Geral, o que com todo respeito não há como entender desta maneira. Será então apresentada com brevíssimos comentários a Lei do Abate, recentemente assinada pelo Presidente da República. Apesar de não incidir diretamente sobre o estudo dos contratos, reflete uma nova preocupação com valores e princípios constitucionais, em destaque o direito á vida, desconsiderados nesta lei.

Notória é a preocupação de todos com o combate a tráfico de drogas e armas, ainda mais diante o nível e complexidade de organização que estes atingiram em prol da criminalidade. Ocorre que a medida assinada pelo senhor Presidente vão de encontro a valores e princípios basilares da Carta Magna, uma pena de morte com manto de lei.


2. Evolução Contratual

2.1 Intróito

Ao tratar de contratos na relação de consumo algumas idéias e conceitos precisarão ser repetidos e revistos, haja vista a insistência dos tidos como conservadores, os tradicionalistas, não quererem enxergar as mudanças trazidas pela Lei 8.078/90 (CDC) e mais recentemente pelo atual Código Civil de 2002.

Inicialmente com o Código Civil de 1916 os contratos eram firmados eivados de idéias iluministas trazidas pela Revolução Francesa de 1789. O Ideal Liberal que até hoje procura conduzir o mercado, consequentemente a economia sempre objetivou uma não intervenção do Estado para com as relações entre os contratantes.

Ocorre que a tendência do tempo do código de 1916 como em todo mundo refletia um cenário econômico totalmente diferente. A idéia da propriedade e o meio agrário em que se vivia refletiam atitudes e comportamentos totalmente diferentes entre as partes. A palavra de um homem naquele tempo valia mais do que qualquer coisa ou tipo de garantia.

Assim, vícios de consentimento na relação, fraudes dentre outros defeitos do negócio jurídico eram exceções. Era permitido então ver figuras como Autonomia da Vontade e Consensualismo diante as relações entre as partes.

Logo sob aquela visão agrária existiria a liberdade para contratar, liberdade para escolher e a liberdade para dispor. Era visto uma segurança jurídica nas relações, logo o pacta sunt servanda na idéia que o contrato fazia lei entre as partes tinha seu valor.

Entretanto as civilizações tendem a evoluir, deixa-se então o modelo agrário e inicia-se o surgimento da sociedade de consumo com a Revolução Industrial, fatores como os crescimentos populacionais aliado a uma urbanização violenta e necessária justificam tal mudança.

De forma resumida e genérica a evolução apresenta etapas que coincide na maioria dos países como o modelo capitalista. Através da história observa-se com a crise do sistema feudal, o surgimento do mercantilismo, o qual evoluiu tornando-se hoje o Capitalismo objetivado por Max Weber. Capitalismo este que possui o fito da Globalização.

Numa economia onde quem manda é o mercado, o Estado deixa de ter total controle deixando para os especuladores esta função. A instabilidade é a marca registrada, a soberania no aspecto da economia de mercado é utópica. A noção de propriedade que temos hoje é totalmente equivocada, pois não devemos ter mais aquela visão agrária do bem do consumo, ou seja, é de se questionar se hoje temos a propriedade ou o uso do bem (1). Relevante ainda refletir que vivemos numa determinada situação que precisamos admitir uma desigualdade na busca de uma igualdade.

Para atender as exigências e demandas da população, através do movimento dos trabalhadores é que surge a Sociedade de Consumo. Utilizando-se dos dizeres do Prof. Marcelo Sodré, alguns elementos configuram esta sociedade, como a produção para a massa, produção em série, oferta publicitária, contrato em massa e um enorme oferta de crédito.


  1. Intervenção do Estado

A autonomia privada do século XIX sob efeito do liberalismo exacerbado ampliava cada vez mais o controle da economia pelo mercado. O Estado de maneira alguma poderia intervir nas relações entre os contratantes. A idéia que o contrato fazia lei entre as partes e o Estado sem poder intervir nas relações refletiam em abusos de diversas maneiras.

Com o fim da primeira guerra mundial e conseqüente recuperação dos países participantes, o modelo burguês não mais se adaptava a realidade. Assim, o Estado com intuito de uma maior estabilidade e uma paz social para reconstrução, inicia intervir nas relações através de um dirigismo contratual, o qual coincide no período entre as duas grandes guerras. O Professor Nelson Nery Jr. acrescenta que:

"É nesses períodos de grande comoção econômica, aliada às vicissitudes políticas e sociais, que surge o fenômeno do dirigismo contratual, como uma espécie de elemento mitigador da autonomia privada, fazendo presente a influência do Direito Público no Direito Privado pela interferência estatal na liberdade de contratar" (2).

Alguns céticos como Ripert, chegaram a afirmar que não existiria mais o Direito Privado, haja vista o intervencionismo do Estado como Direito Público. Entretanto a idéia era equilibrar as esferas Privada e Pública, pois o Direito Privado é em quem ditava as regras e o Estado apenas fazia figura decorativa.

A liberdade de contratar que atualmente é algo ficto começara a ser vista com outros olhos pelo Estado, logicamente o Estado procurou manter o caráter civil dos contratos. Esta intervenção começa configurar-se de maneira melhor quando são tratados os contratos onde o Estado era parte, ou seja, os contratos administrativos.

Divergências e dúvidas surgiam sobre qual regra se aplicariam a esses contratos quando não se tratasse de uma atividade de atribuição exclusiva do Direito Público. Ou seja, entre as regras do Direito Administrativo e do Direito Civil, prevalecendo o entendimento que aquele é que se aplicaria em qualquer relação, de qualquer natureza.

Esta intervenção em alguns momentos se dava através de um dirigismo contratual, o Estado praticamente forçava a contratação dependendo de seu objeto e conseqüente obrigação. Não haveria assim, manifestação de vontade das partes.

Pede-se licença para apresentar a interpretação do Professor Newton de Lucca ao explanar as modalidades de intervenção ditadas pelo Ilustre Professor Eros Roberto Grau (A Ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica, cit., pp.156/157):

"Eros Roberto Grau ensina que a intervenção do Estado na Economia assume três diferentes modalidades: intervenção por absorção ou participação; intervenção por direção e intervenção por indução. Na primeira hipótese, o Poder Público age como agente econômico, assumindo total (absorção) ou parcialmente (participação) os meios de produção e troca de determinado setor da economia, sendo que essa atuação se desenvolve, respectivamente, em regime de monopólio ou de competição com a iniciativa privada" (3).

Quanto a Intervenção por Direção e a Intervenção por Indução, o Estado atuará como regulador da atividade econômica "estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica em sentido estrito" (4), ou através da intervenção por indução, onde este utiliza-se de "... instrumentos de intervenção em consonância e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados" (5).

Este último método que se utiliza das leis, reflete a hipótese mais comum do dirigismo contratual. Como exemplo em nossa legislação, muito bem lembrado pelo Professor Nelson Nery Jr., são as legislações que tratam dos contratos de trabalho e dos contratos de locação residenciais, ambos apresentam leis específicas que refletem a intervenção do Estado.

Lógico que para aqueles que louvam o Direito Privado a Intervenção do Estado nos contratos sempre fora um afronto a clássica teoria contratual, configurada pela autonomia da vontade e a liberdade de contratar. De início o antigo código civil, de 1916, regulou tanto a locação imobiliária como a locação de serviço (trabalho), pertinentemente face ao objeto destes contratos estes passarão a ser regulados por leis específicas sob um olhar necessário do Poder Público.

O Professor Frederico da Costa Carvalho Neto, em sua tese de doutorado pela PUC SP "Nulidade da Nota Promissória dada em Garantia nos Contratos Bancários", foi bastante pertinente ao expor sobre tal tipo de intervenção, vejamos:

"... O legislador percebeu a necessidade de intervir nessa modalidade de contrato que na verdade é peculiar não porque as partes sejam desiguais propriamente por uma ter e outra não a disposição de uma propriedade, mas porque a locação atinge duas finalidades, podendo se dizer que socialmente é bilateral, já que propicia renda deu lado e moradia, exercício de atividades, de outro.

Outro exemplo do código de 1916 é o contrato de trabalho regrado através das locações de serviços (arts. 1216 a 1229). Com o passar do tempo, o legislador foi criando leis esparsas sobre o contrato de trabalho até que o Governo Vargas consolidou essas leis com a CLT " (6).

Ainda sobre posições céticas contra a intervenção do Estado, em específico nas relações contratuais, é de grande importância repetimos a conclusão do Dr. Nelson Nery, para dar um basta naqueles que sustentam uma possível ‘morte do contrato’, assim o professor expõe:

"É preciso que o direito não fique alheio a essa mudança, aguardando estático que a realidade social e econômica de hoje se adapte aos vetustos institutos com o perfil que herdamos dos romanos, atualizado na fase de codificações do século XIX. A propósito, o último grande movimento reformista do Direito Privado no mundo ocidental ocorreu com a recepção do Direito Romano, o que, convenhamos, não se coaduna com o dinamismo que a sociedade, em constante transformação, está a exigir da ciência do Direito." (7)

Um outro meio de intervenção nas relações contratuais centrada na boa-fé e equidade entre as partes é através do poder judiciário e sua interpretação. A barreira da pregada liberdade de contratar e autonomia da vontade teve que ceder aos poucos face aos abusos que vinham surgindo.

Como bem afirma a Profa. Cláudia Lima Marques "... ao juiz não era permitido mais do que um controle formal de presença ou ausência da vontade de um consenso isento de vícios ou defeitos, nunca, porém um controle do conteúdo do contrato, da justeza e do equilíbrio das obrigações assumidas. De outro lado, à lei cabia uma função interpretativa, no máximo, supletiva da vontade" (8).

Logo, ao tratar com a massa após de ditados momentos históricos, a necessidade de intervir nas inúmeras relações já era mais do que necessário. Esta se inicia através de fiscalizações e imposição de certas quotas e preços. Evoluído o sistema a intervenção como já visto anteriormente se deu através de edições de leis limitadoras e controladoras de certas atividades exposta a massa, como por exemplo, os serviços públicos.

Além de que o Judiciário deixa de ser um mero espectador diante relações contratuais abusivas, as quais desviavam sua função essencial e iam de encontro à boa-fé nas relações. A justiça começa então intervir diretamente em caso de abusividades não só, em plano superior, a proteção da parte mais fraca como também o equilíbrio da relação. Este tipo de controle, bem como o controle através do Ministério Público será analisado à frente. Salientando lembrar que diferente da intervenção que se dava nas relações trabalhistas, só com a entrada em vigor do CDC em outubro de 1990 é que no Brasil iniciará uma nova fase de visão e intervenção contratual.


4. Contrato de Consumo Geral

Após décadas de ausência de uma lei que protegesse a parte mais fraca da relação jurídica de consumo, é regulamentada o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90. O CDC vem as ser implantado com intuito de diminuir as disparidades entre desequilibrada relação, ou seja, de um lado o fornecedor, do outro lado um consumidor vulnerável e entre eles um vínculo dado pela aquisição de um produto ou serviço.

Justamente esta Vulnerabilidade é que justifica a existência do CDC. O consumidor com raríssimas exceções é a parte mais fraca da relação de consumo, como já afirmado no país que segue o modelo capitalista globalizado o cidadão é obrigado a consumir para sobreviver.

Nesta busca pela aquisição de um produto ou serviço, os fornecedores agem de tal maneira além de vossos limites para conseguir efetivar suas vendas e negócios mediantes práticas e técnicas muita das vezes imperceptíveis para um ser de sanidade normal.

4.1 Dever de Informação nos Contratos

"Dever de Informação" deve ser entendido como uma das mais importantes regras do CDC é o dever de informação do fornecedor, conseqüentemente o direito a esta pelo consumidor.

Por informação, dentro de uma relação de consumo, está inserida toda uma gama de conseqüências e valores. A informação faz parte do produto ou serviço e como direito básico do consumidor, expresso através do inciso III do artigo 6º, dita uma obrigação do fornecedor em todos os momentos da relação e em qualquer previsão ao longo do CDC, como muito bem citado pelo Prof. Nelson Nery Jr., o código por si só iria até o 7º artigo, pois os demais se tratam de um realce daquilo já fora defendido.

É entendido ainda, que a informação como direito básico do consumidor através do inciso III, art. 6º CDC, não é uma simples informação, e sim uma "informação qualificada". Pois não é necessária apenas a informação, esta tem de ser clara, precisa, compreensível e adequada, ou seja, esta deve ter como parâmetro não a idéia do "homem médio", mas sim o menor grau, o consumidor de classe mais inferior, logicamente estando atento os critérios da racionalidade e proporcionalidade. Mas o defendido é a preocupação, por exemplo, com os anúncios publicitários que tem como alvo às classes menos favorecidas.

Há de ser entendido que o maior vício, que pode se transformar num defeito é a falta de informação adequada ao consumidor. A informação qualificada, como defendido, é fruto da Regra Geral da Boa-fé, a qual pode ser manifestada através do Princípio da Transparência, sem querer ser repetitivo mas já o sendo, prega a informação clara, precisa e adequada em todas as fases da negociação, em caso específico, o pré-contrato (vinculante), o contrato em si (durante) e o momento pós-contrato.

Em termos específicos da relação consumerista contratual, há de ser frisado o artigo 46 do CDC, que não de forma repetitiva, mas sim esclarecedora de uma manifestação do art. 6º III, para os contratos, afirma que os contratos não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão e seu sentido e alcance (9).

Seguindo o exemplo do Código Civil Italiano, o artigo 46 CDC, exprime duas proteções, a do contrato em si com suas respectivas cláusulas mais a questão da informação devida e prévia. Na Itália, é comum que o consumidor junto com o respectivo fornecedor, leiam o contrato na íntegra, juntos, necessitando de um ‘check’ do consumidor em cada cláusula lida e compreendida.

Referente à Autonomia da Vontade, dentro de uma relação de consumo, defender-se-ia em regra, uma total ficção, ou seja, é totalmente utópico falar em Autonomia da Vontade.

A liberdade para contratar, escolher e dispor, hoje é totalmente mitigada. Na relação de consumo em regra estamos sujeitos aos contratos massificados, ou seja, os famosos contratos por adesão recheados de abusividades, onde a autonomia do consumidor na sua grande maioria, fica a cargo de uma simples aceitação, pois o consumidor com intuito de adquirir um produto ou serviço, adere aquela imposição de cláusulas, e futuramente caso constatado alguma irregularidade discuta em juízo, sob pena de não ter satisfeita aquela intenção, como muito bem asseverado pelo Prof. Frederico da Costa Carvalho, em aula dada na especialização do curso de Direito das Relações de Consumo.

Ainda de significativa relevância comentar um artigo do inconfundível e honrado Professor Ronaldo Porto Macedo Júnior, que na Revista Direito do Consumidor nº 35, p. 117, trata da "racionalidade limitada", ou seja, o professor defende que: " A idéia de racionalidade limitada (bounded rationality) reconhece que os indivíduos não estão aptos a receber, armazenar e processar um grande volume de informações", o ilustre professor, com vossa autoridade que lhe é peculiar, é feliz em levantar este aspecto da racionalidade limitada do consumidor, seria redundante dizer, porém aceitável afirmar que seria um plus na vulnerabilidade do consumidor.

São casos como um consumidor chega com um ente num hospital diante de uma urgência/emergência, onde lhe é pedido um cheque caução (considerando que este tem plano de saúde naquele estabelecimento), ou seja não é momento de questionar se aquilo é abusivo ou não naquele momento. Um outro exemplo é o caso da contratação de serviço funerário, diante daquele background bastante conhecido.

Situações que a informação não são processadas na mente da pessoa, devido ao fato, de estar voltada para uma situação mais relevante naquele momento, a qual lhe toma todas as atenções. O que contraria os dispositivos básicos do CDC quanto aos elementos da informação, já expostos.

Neste contexto, através de um mercado capitalista globalizado, muito bem expresso por alguns sábios como um Neocolonialismo, contar com os ditames do CDC, primando pela defesa de um consumidor vulnerável, e ainda com a possível intervenção estatal, um dirigismo contratual necessário que tem por base a Regra Geral da Boa-fé objetiva e a Função Social do Contrato.

Em termos práticos, os contratos que se encontra em determinados cartórios alhures, terão de não só mostrar vossas caras, mas também o corpo inteiro, de forma clara, transparente e legível aos ser mais ignorante. Ciente que a idéia é totalmente utópica, porém a base deste ideal é centrada apenas nos ditames legais tanto do CDC, já comentado como da própria Carta Magna onde expressa que é dever do Estado a defesa do consumidor, bem como o respeito à dignidade humana.

E que se entenda pelo o termo Estado, não apenas o ente federativo, mas também toda a sociedade seja através da sociedade organizada, do Judiciário, Ministério Público e até o consumidor individualmente. Como também o simples fato de ser discutido tema como este, com finalidade de desenvolver consciências, pesar valores e ideais em prol de algo que vai além do individual, mas de uma convivência harmônica em sociedade adaptando os interesses do mercado, do desenvolvimento tecnológico respeitando o cidadão diante de seus direitos comezinhos.

4.2. A Função Social do Contrato e a Boa-fé Objetiva

Entretanto, em consonância com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o C. Civil de 2002 muda totalmente seu foco, tendo como base, ideais como a eticidade, socialidade e a operacionalidade.

Ainda está difícil de ser entendido, este novo ideal pelos civilistas e comercialistas que há uma significativa mudança no espírito da lei.

Atualmente, a exemplo do CDC, o C. Civil de 2002 apresenta duas características, espelhada através da própria letra da lei, que é a Boa-fé Objetiva e a Função Social do Contrato.

Por Boa-fé Objetiva, que na verdade possui origem do Direito Romano, como Bonna Fides, porém os alemães tomaram sua paternidade e em 1896, pregam este através do §242 do BGB Alemão, deve-se entender uma regra de conduta um dever anexo, seja antes da contratação, durante e após. Esta conduta, como regra geral prima por uma lealdade, confiança, harmonia, proteção, informação e retidão entre as partes, ou seja, não é só para o fornecedor ou o proponente, esta boa-fé é necessária também ao consumidor e ao contratante, em prol da harmonia de vossos interesses. Quanto às adjetivações entre princípio, regra geral ou norma da Boa-fé objetiva, não apresenta grande relevância discutir, no entanto em consonância com uma grande parte dos estudiosos, é entendida a Boa-fé objetiva como uma Regra Geral para as relações civis e de consumo em geral.

Já por Função Social do Contrato, tanto na área civil quanto consumerista deve-se entender uma comutatividade, ou seja, o ideal de justiça social distributiva, a equivalência nas prestações, esta tem origem na Função Social da Propriedade, a qual prega que a propriedade não é um direito absoluto tem que ser atendida uma função social desta.

A Função Social do Contrato surge como uma resposta ao mandamento do artigo 1.134 do Código Civil Francês que por muito tempo influenciou e foi copiado em diversas leis pelo mundo, este tinha prescrito o famoso dito que ‘o contrato é lei entre as partes’, a idéia era afastar o judiciário daquelas relações firmadas.

Interessante que com esta não interferência dos juízes na relação, surge na Alemanha o entendimento da Função Social do Contrato, este dava poderes aos juízes interpretarem além da lei o interesse social da relação questionada. A função social do contrato surge na segunda metade do séc. XIX e foi idealizada por um penalista (Binding), um processualista (Wach) e um civilista (Köhler) (10)

Quanto à relação entre o CDC e o NCC, nos aspectos de subsiariedade, convergências e divergências, o importante é estar ciente quanto à natureza jurídica da relação, se é de consumo ou civil, apesar de como já exposto estas disciplinas andarem paralelamente com mesmos princípios e regras. Ocorre sim a peculiaridade do CDC, ser sim uma norma protetiva de ordem pública, do elo onde há uma parte fraca, nos termos do CDC , vulnerável diante das práticas de mercado capitalista globalizado.

Errado pensar, como tendenciosamente ocorreu, afirmar que em alguns aspectos o CDC foi revogado pelo C. Civil de 2002. Inicialmente é importante que fique claro que o Código Civil, nunca perdeu sua titularidade de Lei Geral, o qual traz os aspectos gerais e definições para o CDC e outras leis.

O CDC é Lei Especial, onde vai predominar seus ditames onde ocorrer indubitável relação de consumo.

A Profa. Cláudia Lima Marques, em artigo publicado na Revista do Consumidor nº 45, citando o mestre alemão Erick Jaime, defende a idéia dos "Diálogos das Fontes", onde justamente comenta que as duas Leis exercem suas funções harmonicamente, baseando-se justamente em idéias já defendidas, como a Lei do C Civil é Geral e a do CDC é Especial, não veio nenhuma expressão no NCC, que almeja pelo menos a idéia que o CDC seria revogado em determinados pontos e por último que ambas as leis possuem princípios e regras iguais (Boa-fé e Função Social do Contrato), o que serve de base para suas respectivas normas.

Com relação à oferta no C. Civil de 2002 e a oferta no CDC, o que deve ficar claro, é que a oferta no CDC, esta podendo ser chamada de proposta, publicidade, propaganda, comunicação ou ainda apresentação, é vinculada tendo uma obrigação absoluta, por alguns ainda chamado de obrigação pré-contratual, o que através dos artigos 30 e 35 do CDC obriga o cumprimento desta.

Já a oferta no Novo Código Civil, tem sua vinculação relativa, diante de algumas exceções permitindo uma não vinculação daquilo ofertado, é o que pregam os artigos 428 ao 429 do NCC.

Conclui-se esta, com a preocupação de que tenha ficado claro, que o principal aspecto é identificar a relação em discussão, relação civil vai ser tratado com o Código Civil, e já a relação de consumo, que muita das vezes tendenciosamente não quer ser enxergada (como exemplo os bancos e agora mais recente as agências de turismo) será tratado pelo CDC, o qual procura a harmonia, o equilíbrio dos interesses, não se admitindo abusos de direito de qualquer uma das partes.

Poder-se-ia indagar quanto à autonomia dos juízes com a entrada em vigor do Novo Código Civil. A antiga ideologia liberal, não cabe mais, o pacta sunt servanda é desconsiderado quando a nova legislação prima a Função Social do Contrato, Boa-fé Objetiva e a questão da Onerosidade Excessiva para uma das partes. Então se questiona estes instrumentos e ideais, ampliam o poder do juiz no momento de suas decisões?

É proposta uma inversão de hierarquia de Leis, ou seja, entre a Lei Geral, que é o Código Civil de 2002 e o Código de Defesa do Consumidor, como Lei Especial. É sabido que a regra é a Lei Geral trazer os aspectos gerais e as definições para as demais leis, neste caso em específico buscaríamos definições da Lei Especial para Lei Geral, o que não é totalmente descabido quando estas apresentam mesmos princípios basilares como a Boa-fé Objetiva e a Função Social do Contrato. (considerando-se a idéia da Função Social da Propriedade, a qual a paternidade não é do CDC)

Tomando por base este entendimento, poder-se-ia interpretar termos trazidos no corpo do Novo Código Civil, já desmistificados pela linha consumerista, ou seja, conceitos como Boa-fé Objetiva, Função Social do Contrato e Onerosidade Excessiva, seriam e devem ser utilizados pelo poder judiciário, não só numa relação de consumo, como todas as outras relações, em específica a civil, dando assim ao juiz uma maior autonomia em seus atos e decisões.

Assim com o respaldo da própria nova lei civil, que atenderá uma função social (art. 421 NCC), Boa-fé e Probidade (art. 422 NCC) e onerosidade excessiva (art. 478 e 479 NCC) aliado ao artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil que garante ao juiz, na aplicação da lei atenderá os fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum (11) dará sim ao magistrado maior poder de decisão, diferente do dogma do Código Civil de 1916, onde o contrato independente de qualquer coisa fazia lei entre as partes.

Crendo assim, a exemplo do que permite o CDC, como norma de ordem pública, que seria louvável e coerente que o juiz, primando os ideais, antes expostos, possa sim quando flagrantes situações que contrarie a boa-fé objetiva, a função social do contrato, causando uma onerosidade excessiva para uma das partes em favor da outra, interfira de ofício, ou seja, sem provocação para que a função social seja obedecida. Entendendo-se ainda que a exemplo dos contratos de relação de consumo, poderia o juiz no caso de cláusula que cause certa onerosidade excessiva a uma das partes, anular esta e conservar o contrato.

Ademais, apesar de inúmeras divergências é entendido que o que vai prevalecer é o poder do juiz, baseando-se simplesmente em fundamentos, como a busca da harmonização e equilíbrio dos interesses das partes; a norma é de ordem pública, sendo seu poder imperativo; e ainda o parágrafo único do artigo 2035 das Disposições Transitórias no Código Civil de 2002, que é Regra Geral, diante o CDC que é Lei Especial, dando aquela lei o aparato para situações conflitantes como esta, a qual afirma: "Art. 2035(...) Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos".

Como muito bem já pregado por diversos autores, e neste trabalho a visão e ideal individualista, liberal do antigo Código Civil cai por terra, vive-se hoje uma realidade com pilares na eticidade, socialidade e operacionalidade. O ser humano hoje é a preocupação da Ciência Jurídica, o homem como centro de todas as relações, como propriamente objetiva nossa constituição, o contrato hoje tem nova vestimenta onde é necessária atenção a dignidade humana e social.

Fica então concluída, que através do Novo Código Civil, o juiz ganha uma maior autonomia e poder decisão, de acordo com os pilares já expostos. Figuras como Pacta Sunt Servanda e Teoria da Imprevisão, serão postas em segundo plano pelos juízes que deverão primar pela Função Social de cada contrato em discussão. Dir-se-ia ainda que a intervenção estatal é necessária também nas relações civis e comerciais, logicamente com limites a não afetar a ordem econômica.


5. Contrato de Adesão

Torna-se necessário um breve comentário sobre os contratos de adesão haja vista quase totalidade das empresas aéreas utilizarem desta técnica/meio para prestação do serviço de transporte aéreo para os consumidores e os demais passageiros.

Como já mencionado o grande boom populacional, consequentemente de pessoas consumindo requereu celeridade e efetividade, um método que atingisse a massa para realizar as relações e contratações de consumo.

O Contrato Por Adesão comumente conhecido reflete um metodologia contratual aonde o rol de cláusulas vem preestabelecidas de maneira que, em caso específico, o consumidor para adquirir determinado produto ou serviço adere ou não aquelas.

É entendido que a relação contratual perde um pouco sua característica, haja vista a ausência de manifestação, tratativas entre as partes não mais existir. O consumidor encontra-se num xeque-mate e se ver muita das vezes coagido a contratar.

Como será visto em caráter específico, o contrato de transporte aéreo trata-se de uma concessão de serviço público, desta forma há um grau de responsabilidade do estado por este. Doutrinadores de renome procuram diferenciar o "contrato de adesão" do "contrato por adesão".

A diferenciação não traz grandes conseqüências práticas, servido apenas como elemento histórico - cientifico. O que deve ficar entendido é que em regra os "contratos de adesão" seriam aqueles geralmente que se vincula a um serviço público, geralmente de fornecimento, é o caso da água, luz, telefone, dentre outros serviços públicos. Outras características desses contratos é que as cláusulas destes são impostas de forma unilateral e preestabelecidas pelo ‘Poder Público’.

Tratando-se do contrato de adesão, há de ficar cientificado que após as inúmeras privatizações, concessões e autorizações não há mais em que se falar em Poder Público ditando os contratos, e na realidade nem as agências reguladoras criadas pelo Executivo, desempenham seu papel real de fiscalizadoras. Tem se dúvidas quanto a isto.

Sobre o assunto, o Professor Nelson Nery citando o Professor Orlando Gomes, entende que:

"A crítica da doutrina, especialmente Orlando Gomes, funda-se na idéia de que a denominação contrato de adesão seria restrita aqueles casos de impossibilidade de rejeitarem-se as cláusulas uniformes preestabelecidas, o que se dá ,normalmente, com as estipulações unilaterais do Poder Público. Propões ele o nome de contrato por adesão para significar as demais estipulações unilaterais, cujas cláusulas não sejam irrecusáveis pelo futuro aderente" (12).

De qualquer modo o CDC ao definir contrato de adesão através de seu artigo 54, o legislador o definiu de tal maneira que englobasse o método de contratação, seja pelo Poder Público ou pelo particular fornecedor. Ficando na legislação a definição que o Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo (13).

Importante também lembrar é que o contrato de adesão ou ainda por adesão, reflete uma técnica de contratação recente exigida pelo modelo de mercado, diante as inúmeras contratações feitas dia-a-dia. Sendo impraticável, por exemplo, cada passageiro que embarcar em um ônibus coletivo, o cobrador tenha de ler todas as cláusulas e condições contratuais do serviço prestado a cada passageiro.

É verdade que diante este tipo de prática, torna-se rara a vez que o consumidor consegue ver o contrato materialmente com suas cláusulas. Nos contratos contínuos bancário ou de cartão de crédito, a opção é apenas assinar parte de uma ficha onde contém seus dados e tem um efeito real de procuração dada a entidade fornecedora.

Logicamente mediante estas técnicas é que podem ocorrer os abusos e práticas abusivas. Mediante o contrato através de cláusulas abusivas e outras práticas. Seria injusto não comentar, que apesar de ser uma minoria, há empresas que utilizam de maneira correta o instrumento, empresas que respeitam o consumidor e que não se utilizam de meios e métodos ilícitos para manterem seus negócios.


6. Controle dos Contratos de Consumo

É ousado afirmar que em regra geral a totalidades das relações de consumo configuram algum tipo de contrato, dos mais simples como o pagamento de um transporte coletivo aos bancários, que sempre envolvem uma maior complexidade.

Assim, refletiu-se uma grande preocupação do legislador permitir que órgãos públicos de diversas naturezas efetivassem um controle dos contratos que diariamente são lançados pelo mercado, recheados de cláusulas questionáveis.

Desta maneira o CDC em diversos momentos do seu corpo normativo, prever atenção especial quanto as cláusulas contratuais. De forma genérica em seu artigo 6º, V, onde são tratados os direitos básicos e de forma específica através do artigo 51 onde trata das cláusulas abusivas.

Como já afirmado, o rol do artigo 51 do CDC não é taxativo, e sim exemplificativo. O CDC procura harmonizar as relações, onde há uma parte sempre mais vulnerável, desconfigurada a vulnerabilidade do consumidor as partes serão tratadas igualmente, o que fica difícil de imaginar.

Para efetivar o controle das cláusulas discutir-se-á os controles judicial e o em Abstrato pelo Ministério Público. Quanto o controle através da autorização dada aos PROCONs enviar anualmente novo rol de cláusulas abusivas a Secretaria de Direito Econômico através do art. 22 do Decreto 2.181/97 é questionável quanto a validade destas Portarias do SDE quanto sua hierarquia perante uma norma de ordem pública, ou seja o CDC. Logo esta sistematização tem de ser muito aperfeiçoada ainda.

6.1 Controle Judicial

Em relação ao Controle de Contratos dado ao Judiciário reflete uma evolução na teoria contratual, onde antes o juiz era um antagonista diante a relação contratual. Além de ser norma de Ordem Pública, o que já daria respaldo ao judiciário diante flagrante abusividade, o CDC através de seu artigo 51 apresenta um rol onde permitirá, dentre outras, o juiz de ofício declarar a nulidade de determinada cláusula. Logicamente que juiz sempre deverá tentar ao máximo manter o contrato, a relação, tornando apenas nula aquela cláusula que seja considerada abusiva para uma das partes em favor da outra. Esta reflete uma prática de controle de maneira direta e também incidente do judiciário, o qual provocado ou não decretará a nulidade. A Professora Cláudia Lima Marques expões ainda que:

"O CDC instituiu, portanto, um duplo controle judicial, tanto formal quanto do conteúdo dos contratos de consumo. O juiz examinará, inicialmente, a manifestação de vontade do consumidor, verificando se foi respeitado seu novo direito de informação sobre o conteúdo das obrigações que está assumindo (art.46 e 54), sob pena de declarar o contrato ou a cláusula não destacada como não existente (...) De outro lado, os artigos 51 a 53 do CDC impões um controle do conteúdo do contrato, coibindo especialmente as cláusulas abusivas, sob pena de nulidade absoluta" (14)

6.2 Controle administrativo em Abstrato pelo Ministério Público

Diante de tantos temas a serem discutidos dentro do Direito das Relações de Consumo, tendenciosa nomenclatura alterada do original Direito do Consumidor, um dos mais discutidos sem dúvida é o tema "Contratos". Não é de se estranhar, haja vista, quase na totalidade, diria todas, das relações de consumo, seja na aquisição de um produto ou numa prestação de serviço, genericamente tratar-se-á de um contrato de compra e venda.

Dentre estas características, é visto não um contrato em si, mas uma imposição. Poder-se-ia questionar a possibilidade do consumidor não aderir tal imposição, porém há de se entender que praticamente determinados serviços, em sua maioria, não há alternativas, restando ao consumidor diante sua necessidade e ignorância a adesão. Como muito bem colocado por Arruda Alvim: "... o forte lograva obter o que o fraco não queria, nem desejava, mas o que acabava aceitando, pois era importante ou vital mesmo realizar o negócio". (15)

O que seria então o consumidor vulnerável? Esta é a principal razão da Lei 8.078/90, Código de Proteção e Defesa do Consumidor. A relação de consumo em si possui dois pólos, o fornecedor de produtos e serviços de um lado, e consumidor que adquire como destinatário final do outro. Nesta relação, ainda hoje, mesmo com o advento do CDC, é desequilibrada, a busca para uma conscientização e do respeito ao consumidor continua.

O CDC nasce para equilibrar a relação de consumo, impor limites aos abusos que viam e vem sendo praticados. Então o que é ser vulnerável? Vulnerável é estar exposto às práticas abusivas desse mercado extremamente capitalista, ou seja, com ideais neoliberais, onde a regra do jogo é vender independente a qualquer custo. No mundo capitalista, ainda mais agora, globalizado termos como respeito ao consumidor e dignidade da pessoa humana, não existem.

Logicamente, que o CDC em momento algum está contra ao crescimento do mercado, contra ao desenvolvimento econômico. O que se busca é apenas o equilíbrio, como já defendido anteriormente, jamais será admitido abusos de consumidores, que de maneira irresponsável e indigna chegam até a pregar coisas inexistentes, fazendo com que se crie uma antipatia, uma vista errônea do real objetivo da Lei.

Utilizando-se dos dizeres do ilustre doutor Marcelo Gomes Sodré, quando em sua tese de doutorado questiona se o regramento do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, através do Decreto nº 2.181/97 é suficiente para que este funcione, categoricamente o mesmo responde que não, porém é essencial para a existência de um. Então neste momento questiono: É o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, suficiente para que o consumidor deixe de ser furtado para com seus direitos? É responde-se que não, porém este é essencial para a proteção, mas o mais importante é sua aplicação.

Sem se estender ainda mais, concentremos ao proposto no tema. Controle dos Contratos de Consumo. A necessidade dos controles de contrato de consumo é mais do que necessária, especificando nos contratos por adesão, obrigatoriamente deve-se frisar uma das principais questões peculiares não só do contrato, mas de todo CDC, que é a informação.

Como pré-estabelecido no tópico, trataremos da possibilidade do Controle Administrativo das Cláusulas dos Contratos de Adesão pelo Ministério Público Estadual, Federal ou ambos como bem permite o artigo 5º, parágrafo 5º da Lei 7.347/85, Lei da Ação Civil Pública, concluindo que se há um permissivo para atuarem juntos, através de um litisconsórcio facultativo, inquestionável se faz discutir administrativamente, através de inquérito civil.

Não há de se questionar a possibilidade do Ministério Público, provocado por um cidadão no exercício de sua cidadania, deparando-se com algum tipo de lesão a um direito difuso ou coletivo, solicite de acordo com preceitos básicos constitucionais e normas específicas de ordem pública, auxílio deste órgão diante de suas atribuições institucionais à defesa do consumidor.

O que reflete o ideal do CDC, a ser seguido não só agora nas relações de consumo, mas também nas relações civis, comerciais dentre outras. A Boa-fé objetiva aliada à idéia da Função Social do contrato, que é aquilo que é esperado da relação, é questão basilar para qualquer relação atual, cabendo à sociedade, mas principalmente o Ministério Público através de sua legitimidade prevista no art. 82 CDC e art. 5º LACP, para a defesa destes interesses seja de natureza Difusa ou Coletiva.

Quanto à questão do Controle Administrativo de Contratos pelo Ministério Público, a doutrina aliada à Lei de Ação Civil Pública e o CDC, não deixa dúvida quanto à sua possibilidade. No entendimento da Professora Cláudia Lima Marques, afirma que:

"Papel do Ministério Público e das entidades de proteção ao consumidor – O projeto original do Código de Defesa do Consumidor apresentado pelo Conselho Nacional de Defesa do Consumidor/MJ à sociedade brasileira em 1989 previa uma atuação decisiva do Ministério Público como verdadeiro Ombudsman do mercado, a assegurar que as normas de equidade e boa-fé do CDC tivessem repercussão prática no mercado de consumo, especialmente no controle prévio dos contratos de massa a serem oferecidos aos consumidores... O papel do Ministério Público continua, porém, decisivo na proteção do consumidor, seja como órgão de conciliação, seja como legitimado para ação civil pública, seja como órgão legitimado para propor a ação de controle em abstrato das cláusulas abusivas, segundo o § 4º do art. 51" (16)

Assevera ainda o Professor Nelson Nery Júnior, que:

"Cumpre observar, ainda que o parquet tem atribuição funcional e legitimidade para agir, tanto para efetuar o controle administrativo das cláusulas contratuais gerais do contrato de adesão, quanto para pleitear judicialmente a exclusão, modificação ou declaração de nulidade de cláusula que entenda ser abusiva" (17).

Conclui-se, apesar de raríssimas posições contrárias, a possibilidade dos Ministérios Público ciente do seu papel fundamental e necessário, como guardião da lei o Controle Administrativo em Abstrato dos Contratos, assegurado de uma norma de ordem pública que é o Código de Proteção e Defesa do Consumidor em seu artigo 90, bem como o artigo 8º, § 1º, da Lei 7.347/85, mas principalmente do exercício de seu direito institucional, previsto pela Carta Maior na defesa dos cidadãos, no caso específico impossível de ser determinado em seu interesse ou direito transindividual, ou seja, interesse difuso, diante de tantas práticas abusivas deste mercado capitalista, sem um mínimo de orientação ou amparo.

É necessário que fique entendido, que este controle pelo Ministério Público dos contratos por adesão, visa não anulação da relação contratual como um todo, e sim da cláusula que desequilibre a relação, cláusula esta comumente conhecida por abusiva. Há de se notar que o legislador no artigo 51 do CDC, não definiu Cláusula Abusiva, então para facilitar o entendimento, devemos entender por cláusula abusiva aquela onde ocorra uma excessiva desvantagem ou onerosidade do consumidor, neste caso por estarmos tratando do CDC, em relação ao fornecedor. Respeitando sempre a busca da harmonização entre o consumidor e fornecedor, muita bem asseverada através do art. 4º CDC, não se admitindo abuso de ambas partes.


7. Transporte Aéreo

7.1 Aspectos Históricos

A melhor, dentre os autores consultados, introdução em relação a importância do transporte aéreo na civilização contemporânea foi do Professor Newton de Lucca ao citar Gusdorf pregando sobre o homo circulator, que assim o faz:

"O espaço-tempo da modernidade não possui centro absoluto, nem horizonte determinado uma vez por todas: seus horizontes se transferem para mais longe, à medida que o homem se desloca. A idéia que o destino de cada um é uma peregrinação, uma busca do centro, uma longa caminhada em direção ao lugar santo, o foco de verdade que dá valor à vida perde seu sentido num espaço-tempo dessacralizado. Nunca o homem foi tão móvel como agora; jamais caminhou tanto nas estradas do mundo; mas ele caminha para caminhar. O homo circulator. Que substitui o homo viator, não tem um fim determinado no seu nomadismo através do espaço. O automobilista, o turista do planeta, absorvem-se na procura de uma circulação sem razão e sem fim. Incansavelmente ele empreende vencer a distância que o desafia; sua vida é uma corrida através da distância, sem esperar jamais alcança-la. " (18)

O Direito Aeronáutico nasce da preocupação dos países europeus com vossas fronteiras, ou seja, o maior enfoque era a questão da internacionalidade e a preocupante ‘liberdade’ dos transportes aéreos entre Estados soberanos.

Em 1910 o governo francês com objetivo de regular os espaços aéreos dos países que desenvolviam esta atividade, convocou a primeira reunião na cidade de Paris em 1919. Sendo então realizada a Primeira Convenção Internacional de Navegação Aérea. Interessante frisar, que após esta Convenção, diferentemente do que ocorria só em tempo de guerra, foi permitido o tráfego em espaços aéreos dos países signatários.

7.2 Globalização

Indubitável é a composição do transporte aéreo no conceito de globalização. O transporte aéreo hoje possibilita um maior integração e interação entre países e continentes cada vez de modo mais célere. Nos dizeres do Prof. Antônio Herman Benjamin: "... a própria noção de ‘sociedade global’ deve muito aos extraordinários avanços tecnológicos ocorridos nos meios de transporte, principalmente o aéreo. Curioso, então, que um setor que é peça fundamental no mosaico da globalização – o fenômeno político, econômico, social e jurídico que marca este fim de século – ainda seja regido por um regime legal instituído no início do século XX, quando a indústria aeronáutica estava na sua infância" (19).


8. Seqüência Cronológica Normativa (20)

  1. 1925- criação do Comité International Technique D’ Experts Juridiques Aériens – C. I. T. E. J. A., o qual tinha finalidade estabelecer as responsabilidades dos transportadores aéreos e os limites da internacionalização;
  2. 1927- vôo de Charles Lindemberg, 1º vôo internacional de longa distância;
  3. 1929- Convenção de Varsóvia;
  4. 1931- Convenção introduzida no Brasil, através do Dec. 20.604/31;
  5. 1944- Convenção de Chicago, criação da OACI- Organização da Aviação Civil Internacional, Brasil foi signatário através do Dec-Lei 7952/45;
  6. 1955- tentativa de aperfeiçoamento da Convenção de Varsóvia através do Protocolo de Haia;
  7. 1965- através das modificação estabelecidas na Convenção de Haia, inicia-se a vigorar no Brasil por força do Decreto 56.463/65;
  8. 1986- foi instituído no Brasil o Código Brasileiro de Aeronáutica Lei 7565/86, transporte doméstico;
  9. 1988- Constituição Federal Brasileira;
  10. 1990- Lei 8.078/90 Código de Proteção e Defesa do Consumidor;
  11. 1995 e 1996- Discussão dos limites indenizatórios em Kuala Lumpur o famoso ‘acordo guarda-chuva’, denominado IIA (IATA Intercarrier Agreement,) seguido do MIA (Agreement on Measuares do Implement the IATA Agreement) (21);
  12. 1997 – Regulamento nº 2.027/97do Conselho da União Européia, aboliu inteiramente a limitação de indenizações por acidente aéreo no âmbito daquela comunidade;
  13. 1999- Convenção de Montreal, realizado pela OACI a Conferência Internacional de Direito Aeronáutico.

9. Legislações inerentes ao Transportes Aéreos.

Inicia-se então discutir a principal questão sobre o transporte aéreo que é justamente saber qual a norma que irá regulá-lo. Inúmeros são os critérios e entendimentos a respeito desta matéria. Dentre estes fatores, devemos identificar as partes contratantes, se o transporte é de natureza doméstica ou internacional, se a contratação foi gratuita, se há um consumidor na relação, se há um fornecedor, se há uma remuneração, dentre outros inúmeros fatores.

Dentre estes questionamentos citados, podem-se identificar algumas normas de diferentes hierarquias e graus de especialidades tratando de um mesmo assunto, que é o transporte aéreo de pessoas e cargas.

Assim identificamos os principais: a Convenção de Varsóvia (com suas eternas modificações), o Código Brasileiro Aeronáutico e o Código de Proteção de Defesa do Consumidor.

A doutrina e a jurisprudência discutem ainda se há uma antinomia, se uma norma é especial em relação à outra, se uma derrogou em alguns aspectos a outra dentre outras várias discussões.

Motivo destas discussões somente encontrará sentido na questão da Responsabilidade Civil do Transportador, em específico a questão do limite da indenização causado por algum fato do serviço do transporte aéreo. Toda as alterações ao longo da evolução normativa, como visto no item anterior reflete justamente na intenção de se querer limitar e/ou tarifar um possível dano que ninguém sabe qual será sua extensão.

9.1 A Convenção de Varsóvia

Como já afirmado anteriormente, a Convenção de Varsóvia de 1929 tem intenção de regular o transporte aéreo internacional, como visto esta é sempre alvo de modificações até os dias atuais. Sendo a última conhecida como o ‘Acordo de Kuala Lumpur’.

Este acordo teve como objetivo, não muito diferente dos anteriores, tratar do quantum indenizatório decorrentes dos acidentes de consumo, assim alterações foram as seguintes (22):

  1. Extirpação integral do teto (art. 22, parágrafo 1º);
  2. Responsabilidade civil objetiva até aproximadamente US$146.000;
  3. Juízo competente é aquele que aplica o domicílio do passageiro.

Entendemos que estas mudanças ocorreram devido a manifestações de países como os Estados Unidos, Itália e Alemanha, os quais não aceitavam o estipulado não só na Convenção de Varsóvia, mas também no Protocolo de Haia de 1955, que tentava mais uma vez estipular limites na indenização e determinação de uma responsabilidade subjetiva para o transportador. Esta limitação em Haia determinava um teto máximo de 250 000 Francos-poincaré, os quais equivaliam a US$16.600, e ainda o transportador só responderia por culpa grave ou dolo.

Em face desses fatores, os EUA chegaram anunciar a denunciação da Convenção de Varsóvia. A Itália iniciou questionar a constitucionalidade da Convenção de Varsóvia, haja vista a limitação no caso de morte da responsabilidade do transportador. Não diferente, a Alemanha também reagiu fazendo um rigoroso controle judicial dos contratos das transportadoras aéreas visando sempre a tradicional busca do cumprimento do princípio da boa-fé.

No Brasil a questão começa dar motivos de questionamentos recentemente, haja vista uma não tradição de o país questionar as constitucionalidades das leis. Pode-se afirmar que só agora com a Constituição de 1988 e os recentes meios de controle de constitucionalidade é que este perfil venha ser modificado. Porém os tribunais alteram seus entendimentos até os dias de hoje.

9.2 Código Brasileiro de Aeronáutica.

Através da Lei 7565/86 foi instituído o CBA, este veio regular o transporte doméstico, o qual defini-se , de acordo com o art. 215 deste, os transportes que tenham os pontos de partida, intermediários e destinos dentro do território nacional. O qual entendemos está plenamente em vigor desde que não invada a área da relação de consumo.

9.3 Código de Proteção e Defesa do Consumidor no Contrato de Transporte Aéreo.

A Lei 8.078/90 vem a tratar em especial das relações de consumo, ou seja, de acordo com as definições proposta pelo CDC ter-se-á de um lado um fornecedor de produtos ou serviços, de outro o consumidor e suas equiparações e o elo entre estes dois atores que é uma configurada relação de consumo.

Nos dizeres da Profa. Claudia Lima Marques: "O CDC é uma Lei de função social complementar ao mandamento constitucional" (23), além de que de acordo com o artigo 1º desta Lei esta é de ordem pública e interesse social nos termos do arts. 5º XXXII, 170, V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

O que nos faz deduzir que o CDC não é para ser visto como uma simples Lei Ordinária, nos dizeres do Professor Nelson Nery uma Lei Principiológica, que protege uma particularidade de pessoas, vulneráveis (o que justifica a existência desta norma protecionista) e que apenas é manifestação expressa o preceito constitucional do art.5º XXXII e demais.

No entendimento do ilustre Professor Antônio Herman, este define o CDC como:

"O Código de Defesa do Consumidor pertence àquela categoria de leis denominadas ‘horizontais’, cujo campo de aplicação invade, por assim dizer, todas as disciplinas jurídicas, do Dir. Bancário ao Dir. de Seguros, do Dir.Imobiliário ao Dir. Aeronáutico, do Dir. Penal ao Dir. Processual Civil. São normas que tem função, não regrar uma determinada matéria, mas proteger sujeitos particulares, mesmo que estejam eles igualmente abrigados sob outros regimes jurídicos. Daí o caráter "especialíssimo" do Direito do Consumidor (...) o Dir. do Consumidor é disciplina especial em razão do sujeito tutelado. E como é curial, prepondera o sistema protetório do indivíduo em detretimento do regime protetório do serviço ou produto. É a fisionomia humanista que informa todo o Direito do Welfare State." (24)

No caso de Contratos de Transporte Aéreos, é fácil enxergar a relação de consumo, pois se tem de um lado um consumidor, a prestação de um serviço (concessão) mediante remuneração e no outro extremo o fornecedor empresa aérea.

Apesar disso, o próprio CDC, através de seu artigo 7º, não exclui outros direitos decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário. Logicamente entende-se que este não contrarie os princípios constitucionais e do próprio CDC e ainda trazendo maior benefício ao consumidor.


10. Possível Antinomia entra as Normas

Inicialmente faz-se necessário, antes de uma possível discussão de um conflito de normas, discordar da Profa. Cláudia Lima Marques e da Profa. Christiane de Godoy Iglesias ao entenderem que o CDC, frente ao CBA e a Convenção de Varsóvia, ser uma Lei Geral, e estas Leis Especiais.

Entende-se que se tratando da contratação por um consumidor (mediante remuneração) do serviço de transporte aéreo, apesar de tentativas de desvirtuar a idéia, vislumbra-se de uma clássica relação de consumo, não dando margens a aplicação de um outro ordenamento senão o CDC.

Não há de se falar que o CDC é uma Lei Geral, como já dito pelo Prof. Benjamin o Direito do Consumidor é disciplina especial em razão do sujeito tutelado, ou seja, o consumidor vulnerável. Há ainda o argumento do Professor Fernando Noronha ao defender que:

"Só se pode dizer que dois ramos do direito estão, um em relação ao outro, numa situação de direito comum para direito especial quando o âmbito do segundo se insere totalmente no âmbito maior do primeiro, só tendo como nota distintiva o acréscimo de alguns elementos específicos daquele. Só se pode falar num direito especial quando, se ele não existisse, todos os casos por ele abrangidos caíssem no âmbito do direito geral, para serem por ele regulados. Ora isto não acontece com o direito das relações de consumo e com o direito da responsabilidade civil do transportador aéreo. A posição em que estes se encontram, um em relação ao outro, é a de dois direitos especiais..." (25).

Requisito essencial para que haja uma antinomia é a existência de duas normas ao mesmo tempo válidas sobre determinada matéria. Em específico quanto à "Antinomias Jurídicas" não há de se preocupar com as vigências das normas novas e anteriores, mas com a lógica do sistema. Os conflitos de leis se resolvem com a simples revogação de uma das leis ou normas contraditórias. (26)

As antinomias se diferenciam entre aparentes e reais. Nas aparentes há critérios solucionadores. Já quanto às antinomias reais, deverá o aplicador do direto recorrer aos princípios gerais do direito e aos valores predominantes da sociedade (27).

As antinomias aparentes possuem os seguintes critérios solucionadores:

  1. Critério Hierárquico
  2. Critério Cronológico
  3. Critério da Especialidade

Pode ainda ocorrer uma Antinomia de Segundo Grau, isto ocorre quando há conflito nos critérios solucionadores, podendo ser solucionado da seguinte maneira (28):

  1. Quando existe conflito entre o critério hierárquico e cronológico - uma norma anterior-superior e uma norma posterior-inferior, o critério aplicado é o hierárquico;
  2. Quando existe conflito entre o critério da especialidade e o cronológico – uma norma anterior-especial e uma posterior geral, prevalece o critério da especialidade;
  3. Quando existe conflito entre o critério hierárquico e o da especialidade – ambos são critérios fortes, atuando em forma de igualdade – encontramos a Antinomia Real em que a norma superior geral conflita com a inferior-especial.

A possível antinomia só ocorrerá, conforme já dito, quanto a regra de responsabilidade do transportador, ou seja, o tipo da responsabilidade e a limitação do quantum a ser indenizado. Ou seja, o CDC estipula que o tipo de responsabilidade do transportador será objetiva e ilimitada.

Apesar de não pactuar com este entendimento, é interessante expor que opiniões diferentes sobre a discussão, como é o caso da Profa. Christiane que insiste e defende que o CBA é uma Lei Especial em relação ao CDC, que seria uma Lei Geral. Ocorreria assim no entendimento da professora uma antinomia de segundo grau onde há o conflito do critério da especialidade(CBA) com o critério cronológico, ou seja o CDC como Lei Geral mais nova. Se assim fosse a resolução seria fácil, pois Lex posterrior generalis non derogat priori especiali.

Entendemos que há um conflito quanto à responsabilidade do transportador. Este conflito se dá entre duas leis especiais o CDC e o CBA, os quais tratam de maneira diferente a mesma matéria.

Deve se ficar claro que o CDC só irá conflitar com o CBA quando estivermos tratando estritamente de uma sólida e indubitável relação de consumo, aquela que de um lado temos o consumidor vulnerável, o qual mediante remuneração (29) contrata o serviço de transporte aéreo. Nas demais situações, que não relação de consumo, o predomínio de aplicação é do CBA que continua em vigor.

Ainda fazendo justiça ao Professor Antônio Herman Benjamin, haja vista alguns doutrinadores afirmar que ele não defenderia a aplicação do CDC numa passagem cortesia. O Professor apenas faz uma análise geral, não excluindo as passagens adquiridas por milhagens que tem remuneração indireta, este tenta explicar uma passagem totalmente cortesia, a qual por ocasião de algum vício não poderia usufruir do CDC. O Professor no nosso entendimento deixa claro que não excetua as equiparações.

O ilustre consumerista quis apenas afirmar que o CDC no caso de prestação de serviços exige o requisito da remuneração, o que não ocorre numa passagem totalmente cortesia. Logicamente que na causa de acidentes, sendo o passageiro vitimado este poderá utilizar as equiparações do CDC pelo fato do serviço ter ocasionado algum dano.

Antes de conflitar o CDC com o CBA é importante que não seja esquecido que o serviço de transporte aéreo é uma concessão dada pelo o Estado, ou seja, um serviço essencial nos termos do art. 22 do CDC e do art. 175 da Constituição de 1988, aliado ao disposto na Lei 8987/95, a qual trata especificamente do assunto. Isto nos faz relembrar a responsabilidade civil objetiva do Estado, expressa no art. 37, parágrafo 6ºda CF/88. Disso surge a idéia da socialização/canalização dos riscos. Pois se é uma concessão o Estado na falta do fornecedor responderá subsidiariamente por um possível dano, haja vista sua culpa in eligendo.

Ocorrendo este conflito entre o CBA e o CDC, torna-se a repetir para não gerar dúvidas numa relação tipicamente de consumo, entende-se que a norma do CDC é a que será aplicada. Isto implica dizer uma responsabilidade objetiva ilimitada, de reparação limitada (30) , utilizando-se da terminologia do artigo 944 do Código Civil a indenização mede-se pela extensão do dano.

Em relação Convenção de Varsóvia e o CDC a discussão continua no mesmo sentido que é a responsabilidade civil do transportador. É argumentado por muitos que o Brasil é signatário de da C. de Varsóvia, mas não a cumpre como o deveria.

Sem querer entrar na discussão dos Monistas e Dualistas, de acordo com entendimento da Profa. Cláudia Lima Marques e pelo Prof. Almícar de Castro o Brasil por tradição é Dualista (31). A Convenção ou Tratado a ser incorporado, como Lei Ordinária, não pode contrariar os preceitos constitucionais, ficando ainda subordinado a Lei Maior que é a Constituição.

Concluímos que uma suposta antinomia entre o CDC e a Convenção de Varsóvia, ou o CDC e o CBA prevalecerá o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, pelo fato simplesmente como já defendido em vários momentos que diferente das outras normas, o CDC é um expresso mandamento constitucional (art. 5º XXXII e art. 170 da CF/88), é um lei especial subjetiva, é uma lei posterior hierarquicamente superior e ainda é uma lei de função social e de ordem pública. Deixando de obedecer estes preceitos estaríamos contrariando diretamente a Constituição Federal Brasileira Welfarista, a qual tem com um dos principais preceitos ‘ dignidade da pessoa humana’.

Logo, tratando-se de relação de consumo tipificada, a responsabilidade do transportador aéreo será objetiva e não tarifada ou limitada, ficando a cargo do judiciário de acordo com vossas convicções e entendimentos determinar o quantum indenizatório de acordo com a extensão do dano.


11. Contratos de Transporte Aéreo

Com raríssimas exceções (transporte aéreo de carga celebrado entre empresas, sub-empreitada, locação de espaço útil em aeronaves, leasing de aeronave), o contrato de transporte aéreo é um contrato de adesão nos termos do artigo 54 do CDC. Por contrato de adesão entendemos uma técnica criada com finalidade de agilizar as negociações, haja vista o contrato já está previamente pronto cabendo aquele que tenha um mínimo de intenção em adquirir algo do mercado de consumo aceitar aquele rol de cláusulas ou exclui-se do mercado.

Compactuando do entendimento do professor Frederico Carvalho (32) a autonomia da vontade e a liberdade para contratar são fictos. Questiona-se ainda que apesar do artigo 54 CDC definir ‘Contrato de Adesão" poderíamos ainda chamar este de ‘contrato’. O Professor Caio Mário da Silva Pereira conceitua contrato como:

"‘Contrato’ é ‘um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos’. E mais, como: ‘acordo de vontades com finalidade de produzir efeitos’" (33).

O único momento em que se consegue ver a vontade do consumidor é no momento de pagar, que este vai escolher de acordo com as opções dada pelo fornecedor como irá efetivá-lo. (34)

Logo o contrato aéreo de pessoas e coisas é um contrato dito ‘bilateral’, ‘consensual’(mitigado) e oneroso. Este sendo um contrato de prestação de serviço, mediante remuneração onde pressupõe uma obrigação de resultado.

Este negócio jurídico é provado através do bilhete, o qual contém em algumas vezes informações da obrigação do transportador, local de partida e destino e os respectivos horários, além de pra variar algumas cláusulas abusivas.

Torna-se repetitivo, porém de grande relevância retomar-se à idéia de que, em se tratando de relação de consumo, sempre ter-se-á de um lado um consumidor vulnerável, o qual possui alguns direitos básicos necessários como a informação clara e adequada do serviço (art. 6, III e 46 CDC), Boa-fé objetiva entre as condutas entre as partes, equidade, probidade, finalidade social do direito e equivalência das prestações (35).

Quanto à Responsabilidade Civil do transportador, tanto para pessoas e coisas, sem maiores aprofundamentos no momento, esta será regulada pelos artigos 6º, VI e artigo 12 e o caput e parágrafo 2º do art. 20 do CDC.

Não nos esquecendo que além do período contratual em si, as transportadoras aéreas como qualquer fornecedor faz uso de técnicas e práticas que figuram na fase pré-contratual (culpa in contrahendo) como publicidades, ofertas, propostas dentre outras, bem como a fase pós-contratual (culpa post pactum finitum), como a cobrança de dívidas, cadastramentos em banco de dados, garantias, etc.

Alguns doutrinadores do Direito Aeronáutico ainda defendem a divisão da execução da obrigação contratual do transporte, ou seja, antes do embarque e após o embarque se utilizariam das normas que não o CBA ou a Convenção de Varsóvia, durante este período de execução específica do serviço, aí sim aplicar-se-ia o CBA ou a Convenção (36).

Em contrapartida, Consumerista de peso como o Professor Newton de Lucca defende que mesmo não sendo um consumidor final, mas que tal contratante seja vulnerável a prática como tal, seria louvável a aplicação do CDC para este. O Professor ainda lembra como exemplo de países europeus que:

"...as jurisprudências francesa e alemã, sensíveis a situação de fragilidade em que muitas vezes se encontravam os pequenos empresários e os profissionais liberais, propendeu para solução diversa, alargando a possibilidade de utilização da legislação consumerista" (37).


12. Práticas Abusivas (38)

Algumas práticas decorrentes do transporte aéreo, logicamente que a identificação e a reparação de danos provenientes destas práticas devem ser minuciosamente vistos, ou seja, se realmente ocorreu um dano decorrente de um fato e o nexo de causalidade ligando estes.

O CDC em seu artigo 39 prevê algumas situações que podem ser consideradas abusivas, porém este rol não é taxativo e sim exemplificativo. O que se entende sua aplicação nas seguintes práticas.

  1. No-Show’- é a ausência de embarque de passageiro, com reserva confirmada..Pode ser voluntário ou acidental;
  2. Overbooking’- ocorre quando as empresas aéreas vendem mais bilhetes do que os lugares disponíveis na aeronave;

Nos termos do CBA e da Convenção de Varsóvia só é considerado atraso quatro horas após a hora prevista para o embarque (39). Após as quatro horas, de acordo com estas normas, é que as empresas tomarão providências com intuito de atenuar um possível dano. Ou seja, colocar o passageiro em um vôo de serviço equivalente, restituição de imediato o valor do bilhete, dentre outras medidas.

No nosso entendimento se ocorreu um dano efetivo, estas medidas não excluirá a reparação destes. Devendo este ser apurado e medido posteriormente sob um caráter reparatório e não punitório.


13. Lei do Abate

Estranho no que tange o tema contratos, porém de relevância no meio jurídico aeronáutico foi a assinatura do recente Decreto nº 5.144 de 16 de julho de 2004, nominado como ‘Lei do Abate’.

O Decreto, que entrará em vigor 90 dias após sua publicação no Diário Oficial, tem como intuito principal o combate ao tráfico de drogas e armas. Podendo então ser abatidas as aeronaves ligadas ao tráfico.

Questionamentos de inúmeros lados surgem, entretanto o principal é quanto a certeza de que tal aeronave a ser abatida esteja sendo utilizada para o tráfico de drogas ou armas. Com intuito de diminuir a dúvida, além dos oito procedimentos antes do abate que já se encontrava em vigor, serão impostas mais cinco medidas no pré-abate.

Além da permissão ao abate de aeronaves do tráfego o decreto não exime a responsabilidade daqueles que realizarão o abate quando agirem com ‘excesso’ e ‘abuso de poder’. Com intuito de maior respaldo, e entendo um tipo de socialização do risco, o abate deverá ser autorizado pelo Presidente da República ou pelo Comandante da Aeronáutica.

Dentre os procedimentos do pré-abate destacam-se os seguintes através de matéria publicada 19 de julho de 2004 pela Folha de São Paulo pelo Repórter de Brasília, Eduardo Scolese:

"Antes de efetuar o chamado tiro de destruição, a Aeronáutica terá de cumprir oito procedimentos de averiguação, intervenção e persuasão da aeronave suspeita de tráfico. O abate será o nono deles.

A novidade do texto do decreto é que outras cinco medidas serão obrigatórias durante a execução dos procedimentos pré-abate.

Uma delas prevê que o tiro de destruição só poderá ser efetuado sobre área não "densamente povoada" e relacionada com rotas de tráfico. Outra deixa claro que o abate terá de ser autorizado pelo presidente da República ou por alguém por ele delegado, no caso o comandante da Aeronáutica.

As outras três medidas: a operação deverá estar sob o controle do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro; a aplicação dos procedimentos terá de ser gravada em áudio e vídeo; e a execução terá como responsáveis pilotos e controladores qualificados" (40).

Logicamente que houve resistências ao Decreto, sendo o principal deles por parte dos EUA que ameaçou inclusive corta verbas assistenciais que concede ao Brasil. Ocorre que os EUA queriam o poder de derrubar as aeronaves do tráfico de drogas e armas em espaço aéreo brasileiro, porém sem arcar com nenhuma responsabilidade.

Há resistências que alegam esta medida ser um tipo de pena de morte, o que não é autorizado pela Constituição Brasileira. Realmente apesar de sermos a favor do combate ao tráfico de drogas e armas para o Brasil é questionável tal atitude que reflete sem dúvida em um ato arbitrário daqueles que efetuaram e autorizarão o abate. Com respaldo dos que detém o poder aquele que sofrer o abate será acusado, julgado e condenado no ar. Ou seja, auto-tutela, direito à vida e os princípios constitucionais como apreciação pelo judiciário, ampla defesa e contraditório caiem por terra literalmente.

Sem dúvida também há de se relevar a soberania nacional e o combate a criminalidade. Vive-se um momento difícil onde há de se questionar como harmonizar, ou como prevalecer um princípio constitucional sobre os outros. Questiona-se também as declarações do Brigadeiro do ar Luiz Carlos da Silva Bueno, o qual afirmou que aviões que tivessem criança presente não seriam abatidos (41), declaração esta que interpretamos irracional e irresponsável que poderá resultar conseqüências piores que já existiam.

Utilizando-se mais uma vez do método da zetética em busca de soluções para a ciência jurídica, é questionado as competências, os responsáveis e cada grau de responsabilidade pelo ato do abate. Tarefa árdua que com certeza terá uma resposta com o manto da ‘defesa e soberania nacional’, contando quantos destes abates serão revelados e quantos já devem ter ocorrido.


14.Conclusão

Foi objetivado um trabalho de cunho científico sob o tema de ‘Contratos de Transporte Aéreo’. Não diferente de qualquer outro trabalho científico, em específico a ciência Jurídica, apresenta-se entendimentos e opiniões conflitantes.

A Economia e o Mercado sempre estarão questionando a Ciência Jurídica, o Direito e o Estado. Sempre será proclamado que o que o Sistema Jurídico é ineficaz e ineficiente em relação ao desenvolvimento econômico ditado pelo mercado. O Capitalismo que se toma agora numa forma de ‘Globalização’, apesar de raras exceções, esquece a o lado social e humanista em busca do lucro a qualquer preço.

A necessidade de certo intervencionismo do Estado se deve ao fato de que limites e liberdades estavam sendo ignorados. Como fora afirmado é o modelo econômico e o mercado quem dita as regras. Exemplo disto é ver as constituições passadas refletindo os momentos econômicos.

Como um sistema, a constituição feita por serem passíveis de erro, através do constituinte, refletia um cenário político, econômico e social diferente a cada época. Valores eram e são considerados. O caráter estático por algum lado e dinâmico por outro, continua e tentará acompanhar a evolução da sociedade pelas margens.

O interessante não é continuar com discursos críticos, sem nenhuma busca construtiva. A Ciência Jurídica deve continuar tentado buscar não uma perfeição teórica, mas instrumentos e métodos eficazes também no campo prático. A liberdade individual e a democracia sempre serão almejadas, entretanto sendo necessário mesmo que pequena uma intervenção do Estado, buscando quase que sempre como a doutrina Alemã tratar os desiguais desigualmente.

Diante das várias gerações da constituição brasileira, pede-se atenção a 3º geração que muda um pouco o modo como é visto o cidadão. A idéia do individual divide espaço com a população como um todo indistintamente, a coletividade de pessoas diante a dignidade da pessoa humana. Como sempre prega o Professor Celso Fiorillo, deve se ter em vista agora o meio em função do homem, uma visão antropocêntrica.

Como visto, passa-se por uma crise na teoria contratual e consequentemente o Estado deixa de ser um mero espectador e passa intervir nas relações privadas com intuito de diminuir as diferenças entre as partes nesta relação. Com destaque o consumidor como parte mais vulnerável.

De grande pertinência lembrar que o CDC é a lei à regular as relações de consumo, o que significa dizer que este apenas procurará diante de um desequilíbrio na relação harmonizar os interesses das partes. Institutos como a inversão do ônus da prova, facilidade na defesa dentre outros que venham favorecer ao consumidor serão possivelmente concedidos, caracterizada a vulnerabilidade e hipossuficiência desta parte mais fraca.

È muito comum se ouvir que o CDC é extremamente protecionista e que faz com que o consumidor saia ganhando em tudo, discursos como estes são totalmente desprovidos de escrúpulos. Reflete o não conhecimento da legislação consumerista.

Logicamente que faz parte do jogo do mercado querer desmerecer um exemplo para todo o mundo de legislação consumerista. Como pode se explicar uma legislação que procura a todo tempo preservar a relação contratual ao invés de transformar em perdas e danos um inadimplemento?

Seria muito mais louvável que aqueles que mal dizem a lei consumerista, estudassem-na e aprendessem a se defender utilizando esta, contribuindo assim para a ciência jurídica e em vossos proveitos. Ademais, utilizando-se de um método empírico neste momento, grandes empresas raríssimas vezes entram em litígio com seus consumidores. A filosofia dos grandes fornecedores tem como figura principal o consumidor, pois este é que lhe trará o lucro.

As empresas trabalham diante sua Responsabilidade Social, ou seja, estas ultrapassam seus limites e procura de alguma maneira contribuir com a sociedade. Este tipo de atitude sem dúvida também faz parte do marketing próprio, aliás, principalmente. O que se concluir neste momento que fornecedores sérios muita das vezes até com razão, não irão desgastar vossas imagens com lides contra seu principal protagonista, que é o consumidor.

Com relação ao transporte aéreo foi tentado de forma imparcial entender a não aplicação do CDC neste tipo de prestação de serviço. Entretanto, a tentativa foi infrutífera. Diante todos os argumentos explanados não houve algum que fosse pertinente e fundamentado para aplicar outra lei se não o CDC.

Argumentos foram aplicados pela aplicação de leis como a Convenção de Varsóvia para vôos internacionais e o CBA para vôos domésticos. Como analisado estas divergências se deve tão somente ao fator financeiro, ou seja, limitação e/ou tarifação de uma possível indenização. O capital quer ditar regras mais uma vez.

Como foi visto, foi tentado por alguns dar mais valor a um tratado internacional do que as leis nacionais, o que é totalmente inaceitável. Além de que o CBA não fora revogado, este continua em vigor, desde que não invada assuntos que não lhe dizem respeito que são as relações de consumo totalmente tipificadas.

Tendo-se de um lado um consumidor final que contrata mediante remuneração direta ou indireta o serviço de transporte aéreo a um fornecedor, não há de se questionar qual lei será aplicável senão o CDC. Logicamente, que como afirmado, não excetua a aplicação desta lei em suas equiparações.

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor é um mandamento constitucional, nos dizeres de Antônio Herman Benjamin o CDC possui raízes na Constituição. Além de que a Lei 8.078/90 é uma norma de ordem pública de função social.

A legislação consumerista é Lei Especial diante uma relação de consumo. Inconcebível afirmar ser o CDC uma lei geral face ao CBA. Aquela é especial em relação ao sujeito tutelado, ou seja, o vulnerável consumidor.

Tangente ao transporte aéreo, por último ousa-se comentar a Lei do Abate. Tem-se ciência que foge do tema da relação de consumo, entretanto a preocupação vai além, pois fere princípios e garantias da Lei Maior. Logicamente que mediadas contra o tráfico de drogas e armas são sempre válidas, mas o método a ser utilizado para o abate, por mais precaução que se tenha reflete numa auto-tutela absoluta. Esta decretada assim à pena de morte através de um Decreto.

Indaga-se se será necessário após inúmeras mortes, provavelmente de inocentes, para ter a certeza que o método é ineficaz? Vive-se um momento de irracionalidade onde por um mínimo de dúvida causará algo que não terá volta ao bem maior que o cidadão possui.


Notas

  1. Paulo Rogério Bonini
  2. Nelson Nery Júnior, Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do Anteprojeto, 7ª Ed., 2001, cit. p. 446.
  3. Newton de Lucca, Direito do Consumidor, Teoria da Relação de Consumo, Editora Quartier Latin, São Paulo, 2003, p. 168.
  4. Eros Roberto Grau A Ordem econômica na Constituição de 1988: Interpretação e Crítica, cit., pp.156/157
  5. Idem.
  6. Frederico da Costa Carvalho Neto, Nulidade da Nota Promissória Dada em Garantia nos Contratos Bancários, Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2004, p.28.
  7. Nelson Nery Júnior, Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do Anteprojeto, 7ª Ed., 2001, cit. p. 449.
  8. Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor - O novo regime das relações contratuais, 4ª Ed, São Paulo, RT 2002. P.208.
  9. Art. 46 do Código de Defesa do Consumidor
  10. Frederico da Costa Carvalho Neto, Nulidade da Nota Promissória Dada em Garantia nos Contratos Bancários, Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2004, p.30.
  11. Art. 5º LICC
  12. Nelson Nery Júnior, Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos autores do Anteprojeto, 7ª Ed., 2001, cit. p. 458.
  13. Artigo 54 CDC
  14. Cláudia Lima Marques, Contratos no Código de Defesa do Consumidor - O novo regime das relações contratuais, 4ª Ed, São Paulo, RT 2002. P.950.
  15. Arruda Alvim, Revista de Direito do Consumidor nº 20, "Cláusulas Abusivas e seu Controle no Direito Brasileiro", p. 55.
  16. Cláudia Lima Marques, "Contratos no Código de Defesa do Consumidor", p. 954, 4ª Ed, RT
  17. Nelson Nery Júnior, "Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto’’, 7ª Ed, p. 570, Editora Forense Universitária
  18. Newton de Lucca, Direito do Consumidor, Teoria da Relação de Consumo, Editora Quartier Latin, São Paulo, 2003, p. 264. citando Gusdorf em sua obra A Agonia da Nossa civilização, Editora Convívio, São Paulo, 1978 pp. 80/81.
  19. Antônio Herman Benjamin. O Transporte Aéreo e o CDC, Revista Direito do Consumidor nº26.
  20. Christiane de Godoy Alves Iglesias, O Contrato de Transporte Aéreo de Pessoas e a Responsabilidade do Transportador, Dissertação de Mestrado PUC-SP, 2002.
  21. Antônio Herman Benjamin. O Transporte aéreo e o CDC, Revista Direito do Consumidor nº26.
  22. Idem.
  23. Cláudia Lima Marques, A Responsabilidade do Transportador Aéreo pelo Fato do Serviço e o Código de Defesa do Consumidor - Antinomia entre norma do CCD e de Leis Especiais, Revista Direito do Consumidor nº 03.
  24. Antônio Herman Benjamin. O Transporte aéreo e o CDC, Revista Direito do Consumidor nº26.
  25. Fernando Noronha. A Responsabilidade Civil do Transportador Aéreo por Danos a Pessoas, Bagagens e cargas, Revista Direito do Consumidor nº 44.
  26. Cláudia Lima Marques, A Responsabilidade do Transportador Aéreo pelo Fato do Serviço e o Código de Defesa do Consumidor - Antinomia entre norma do CDC e de Leis Especiais, Revista Direito do Consumidor nº 03.
  27. Maria Helena Diniz- aula ministrada no Mestrado da PUC-SP apud Christiane de Godoy Alves Iglesias, O Contrato de Transporte Aéreo de Pessoas e a Responsabilidade do Transportador, Dissertação de Mestrado PUC-SP, 2002.
  28. Maria Helena Diniz, Conflito de Normas.
  29. Compartilhando o mesmo entendimento do Prof. Benjamin transporte gratuito difere do transporte por milhagem, onde nesta o valor estar embutido. Excetuando-se as equiparações, em especial as vítimas de acidente de consumo, no transporte gratuito em específico não entendemos aplicação do CDC.( Parágrafo 2º do art. 3º do CDC)
  30. Cláudia Lima Marques, A Responsabilidade do Transportador Aéreo pelo Fato do Serviço e o Código de Defesa do Consumidor - Antinomia entre norma do CCD e de Leis Especiais, Revista Direito do Consumidor nº 03.
  31. Artigos 49 e 84 da CF/88
  32. Aula ministrada no Curso de Especialização em Dir. das Relações de Consumo da PUC-SP em 25/08/2003
  33. Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil.
  34. Ousemos, dentro da discussão acadêmica do curso de contratos de consumo ministrado pela Profa. Suzana, a concluir uma nova espécie de Negócio Jurídico, onde seria gerado a obrigação diante uma relação entre as partes, sendo discutido se nesta modalidade poderíamos atribuir a nomenclatura ‘contrato’, haja vista a ‘manifestação de vontade do consumidor’ ser gerada mais por uma necessidade do que por uma vontade mínima.
  35. Judith Martins Costa, A Boa-fé no Direito Privado.
  36. Fábio Anderson de Freitas Pedro, Responsabilidade Civil em transporte Aéreo. Publicado no site Jus Vigilantibus.
  37. Newton de Lucca, Direito do Consumidor, Teoria da Relação de Consumo, Editora Quartier Latin, São Paulo, 2003, p. 270.
  38. Em caso de inadimplemento contratual, o transportador pode ser responsabilizado a indenizar, como nos casos de atraso. O artigo 230 do Código Brasileiro de Aeronáutica dispõe que será considerado atraso em caso de partida o lapso de tempo superior a 4 (quatro) horas sendo que, neste caso, o transportador providenciará o embarque do passageiro em vôo que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, se houver, ou restituirá de imediato, se o passageiro preferir, o valor do bilhete de passagem.
    Se o atraso ocorrer no aeroporto de escala em período igual ou superior a 4 (quatro) horas, independentemente do motivo, o transportador arcará com todas as despesas, inclusive alimentação, hospedagem e translado, reembolso ou endosso do bilhete, conforme artigo 231 do Código Brasileiro de Aeronáutica.
    "Overbooking" não tem previsão no ordenamento jurídico brasileiro e constitui-se na venda de bilhetes superior ao número de assentos disponíveis na aeronave. Sendo assim, o transportador fica sujeito à multa administrativa prevista no artigo 302 do Código Brasileiro de Aeronáutica. O passageiro prejudicado poderá buscar a reparação pelos danos experimentados amparado no Código de Defesa do Consumidor, considerando que a legislação especifica é omissa.
    Extravio também constitui modalidade de infração contratual. A legislação pátria nos artigos 260 e 261 do Código Brasileiro de Aeronáutica e Artigo 18 da Convenção de Varsóvia, disciplinam a matéria como sendo hipóteses de responsabilidade limitada e objetiva, uma vez que a bagagem é responsabilidade da empresa de transporte aéreo e deve ser entregue ao passageiro no momento do desembarque. Qualquer situação diferente importa na responsabilidade da empresa. No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal têm aplicado severas indenizações a empresas de transporte aéreo, no caso de extravio ou dano à bagagem sobre a natureza jurídica de dano moral. O que não fere as normas de direito aeronáutico, uma vez que tanto o Código Brasileiro de Aeronáutica no plano nacional, quanto a Convenção de Varsóvia no plano internacional, são omissas quanto à hipótese de indenização por danos morais ou à imagem.
  39. Idem
  40. Folha Online de 19 de Julho de 2004.
  41. Publicado no Estadão de 20 de julho de 2004.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcus Vinicius Fernandes Andrade da. Relação contratual do transporte aéreo e suas aplicações e implicações normativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 596, 24 fev. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6371. Acesso em: 24 abr. 2024.