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Em defesa do voto impresso.

Crítica técnica e jurídica à ADI 5889

Em defesa do voto impresso. Crítica técnica e jurídica à ADI 5889

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A PGR requereu ao STF a declaração de inconstitucionalidade do art. 59-A da Lei 9.504/1997, incluído pela Lei 13.165/2015, que determina a impressão do registro de cada voto para conferência do eleitor. Este artigo apresenta os motivos técnicos e jurídicos pelos quais são equivocadas as premissas da ADI.

Introdução

A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5889 foi apresentada ao STF em 5 de fevereiro de 2018 pela Procuradora Geral da República, Raquel Dogde [download da inicial em PDF], contra o art. 59-A da Lei 9.504/1997, incluído pela Lei 13.165/2015, que determina a impressão do registro de cada voto para conferência do eleitor.

Pede-se a decretação da inconstitucionalidade do citado artigo de lei e inclui pedido cautelar por decisão monocrática, ad referendum do plenário, para suspensão imediata da eficácia da norma questionada.

O art. 59-A da Lei 9.504/1997, que cria o Registro Impresso do Voto (RIV ou voto impresso conferível pelo eleitor), foi aprovado pelo Congresso Nacional em novembro de 2015, após derrubada do veto presidencial pelo voto de 368 deputados e 56 Senadores e determina:

Art. 59-A. No processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.

Parágrafo único. O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica.

Para a análise que se desenvolve a seguir, deve-se considerar, ainda, a existência do Registro Digital do Voto (RDV) com assinatura digital da urna, criado pelo § 4º do Art. 59 da Lei 9.504/1997, incluído pela Lei 10.740/2003, que determina:

§ 4º. A urna eletrônica disporá de recursos que, mediante assinatura digital, permitam o registro digital de cada voto e a identificação da urna em que foi registrado, resguardado o anonimato do eleitor.

A Autora da ADI 5889 alega dois motivos ou teses pra arguir a constitucionalidade do voto impresso conferível pelo eleitor:

  • Tese da afronta à garantia do voto secreto
  • Tese da afronta à confiabilidade do sistema eleitoral

Apresenta-se a seguir um parecer sobre os argumentos colocados pela PGR na peça inicial da ADI 5889.


Dos Princípios que regem uma Eleição

A fundamentação do pedido da PGR inicia afirmando a importância do Princípio da Inviolabilidade do Voto como direito fundamental do cidadão e como garantia do voto livre para o eleitor votar sem sofrer constrangimentos por terceiros.

Não se nega a importância do Princípio da Inviolabilidade do Voto, que é um preceito eleitoral fundamental, mas há que se considerar que este não é o único principio jurídico essencial a ser atendido num processo eleitoral.

Veja-se, por exemplo, a norma contida na Lei 13.146/2015, art. 76, § 1º, inciso IV, que determina a “permissão para que a pessoa com deficiência seja auxiliada na votação por pessoa de sua escolha”. É norma que constitui evidente exceção à regra do sigilo do voto, sem que se configure qualquer mácula de inconstitucionalidade, exatamente por estar atendendo outro princípio de cidadania, a inclusão de pessoas com deficiências.

Em março de 2009, o Tribunal Constitucional Federal da Alemanha abriu jurisprudência ao julgar o uso de máquinas de votar de registro puramente eletrônico do voto e sem voto impresso, demarcando princípios e fundamentos sobre eleições eletrônicas, ressaltou a importância do Princípio da Publicidade no processo eleitoral.

Nesse processo, a Suprema Corte alemã decretou a inconstitucionalidade do uso de urnas eletrônicas sem Voto Impresso Conferível pelo Eleitor por não atender esse princípio. Do longo acórdão[1], se destaca o seguinte, de acordo com tradução para o português realizada pelo CMind:

“Princípios

2. Na utilização de máquinas eletrônicas de votar, é necessário que o cidadão, que não possui experiência especial sobre o assunto, possa controlar de forma confiável os passos essenciais da ação de votar e da aferição dos resultados.

Decisão

2. A utilização de máquinas de votar Nedap ESD1 e ESD2 [máquinas eletrônicas sem voto impresso] na eleição do 16º Parlamento Alemão não estava de acordo com o PRINCÍPIO DE PUBLICIDADE no processo eleitoral implícito no artigo 38, conjugado ao artigo 20, parágrafos 1 e 2 da Constituição.

Fundamento 111

O PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE exige que todos os passos essenciais da eleição estejam sujeitos à comprovação pública. A contagem dos votos é de particular importância no controle das eleições.

Fundamento 155

Os votos foram registrados somente em memória eletrônica. Nem os eleitores, nem a junta eleitoral ou os representantes dos partidos poderiam verificar se os votos foram registrados corretamente pelas máquinas de votar. Com base no indicador no painel de controle, o mesário só pode detectar se a máquina de votar registrou um voto, mas não se os votos foram registrados sem alteração. As máquinas de votar não previam a possibilidade de um registro do voto independente da memória eletrônica, que permitisse aos eleitores uma conferência dos seus votos.

Fundamento 156

As principais etapas no processamento dos dados pelas máquinas de votar não poderiam ser entendidas pelo público. Como a apuração é processada apenas dentro das máquinas, nem os oficiais eleitorais, nem os cidadãos interessados no resultado podiam conferir se os votos dados foram contados para o candidato correto ou se os totais atribuídos a cada candidato eram válidos. Com base num resumo impresso ou num painel eletrônico, não era suficiente conferir o resultado da apuração dos votos na central eleitoral. Assim, foi excluída qualquer conferência pública da apuração que os próprios cidadãos pudessem compreender e confiar sem precisar de conhecimento técnico especializado.”

Essa jurisprudência foi reforçada em 2013 pela Suprema Corte da Índia, quando decidiu[2] que a partir da eleição seguinte, em 2014, as máquinas de votar EVM (Electronic Voting Machines ou Urnas Eletrônicas) deveriam adotar o Registro Impresso do Voto, denominado por VVPAT (Voter Verified Print Audit Trail ou Trilha de Auditoria pelo Voto Impresso Conferível pelo Eleitor), sob o argumento que (com tradução do CMIND):

Parágrafo 29

A partir dos materiais colocados por ambos os lados, estamos convencidos de que o "rastro de papel" é exigência indispensável para eleições livres e justas. A confiança dos eleitores nas EVMs  só pode ser alcançada com a introdução da "trilha de auditoria em papel". EVMs com sistema VVPAT asseguram a precisão do sistema de votação. Com a intenção de obter maior transparência no sistema e para restaurar a confiança dos eleitores, é necessária a criação de EVMs com Sistema VVPAT porque voto é um ato de expressão que tem imensa importância no sistema democrático.

O Princípio da Inviolabilidade do Voto exige que nenhuma informação que identifique o eleitor seja incluída no documento que regista cada voto, seja ele o Registro Digital do Voto ou o Registro Impresso do Voto.

De outro lado, o Princípio da Publicidade em eleições eletrônicas impõe que o eleitor, ainda dentro da cabine de votação, possa ver e conferir, com recursos próprios, o conteúdo do documento que registre o seu voto. Também impõe que os representantes dos candidatos (que possuem o direito constitucional de serem votados) possam conferir o conteúdo de cada registro de voto apurado.

Assim não fosse, como dizer-se soberano o cidadão se este não puder, no mínimo, conferir com seus próprios recursos o respeito ao seu direito de votar.

Ambos os Princípios (do sigilo e da publicidade) são complementares para a segurança, transparência e liberdade do eleitor e da eleição. Não são conceitos conflitantes nem contraditórios. Devem ser perseguidos com igual importância não se podendo prejudicar um deles em nome do outro.

No entanto, assim como ocorreu no caso da Alemanha, no Brasil o Registro Digital do Voto (RDV), que é gravado na memória das urnas eletrônicas depois que o eleitor digita a tecla CONFIRMA, não permite ao mesmo eleitor verificar e conferir se o registro do seu voto estava correto, como dito na decisão da Suprema Corte alemã:

Fundamento 155

Os votos foram registrados somente em memória eletrônica. Nem os eleitores, nem a junta eleitoral ou os representantes dos partidos poderiam verificar se os votos foram registrados corretamente pelas máquinas de votar.

Em outras palavras, o Registro Digital do Voto não consegue, per se, atender o Princípio da Publicidade durante a coleta e registro do voto e, nesse sentido, remete a uma inconstitucionalidade e este é exatamente o motivo pelo qual tanto as Supremas Cortes da Alemanha e da Índia quanto o Congresso Nacional no Brasil decidiram pela necessidade de complementar os equipamentos eletrônicos de votação com o adoção do Registro Impresso do Voto ou Voto Impresso Conferível pelo Eleitor.

Na peça inicial da ADI 5889, a Autora não tece nenhuma consideração sobre a importância do Princípio da Publicidade no processo eleitoral e, s.m.j., ignora que o artigo de lei que pede para ser declarado inconstitucional existe justamente para dar constitucionalidade às urnas eletrônicas que, sem o voto impresso conferível pelo eleitor, não atendem o Princípio da Publicidade.

Esse aparente conflito entre interpretações sobre a constitucionalidade do voto impresso conferível pelo eleitor deve ser dirimido por uma análise mais rigorosa e com mais profundidade das duas condições alegadas, a saber:

  1. Princípio da Inviolabilidade – o Registro Impresso do Voto “desrespeita frontalmente o sigilo do voto” (como afirmado pela PGR na inicial ADI 5889).
  2. Princípio da Publicidade – o Registro Digital do Voto não permite ao eleitor “verificar se os votos foram registrados corretamente pelas máquinas de votar” (como posto pelos ministros da Suprema Corte Alemã)


Sobre o Sigilo do Voto e o Registro Impresso do Voto

Na tese sobre a inviolabilidade do voto, para justificar seu argumento, o Parquet afirma o seguinte:

  • a) A norma (art. 59-A da Lei 9.504) não explicita quais dados estarão contidos na versão impressa do voto, o que abre demasiadas perspectivas de risco quanto à identificação pessoal do eleitor, com prejuízo à inviolabilidade do voto secreto.
  • b) O problema torna-se mais grave caso ocorra algum tipo de falha na impressão ou travamento do papel na urna eletrônica. Tais situações demandarão intervenção humana para a sua solução, com a iniludível exposição dos votos já registrados e daquele emanado pelo cidadão que se encontra na cabine de votação.
  • c) Há ainda que se considerar a situação das pessoas com deficiência visual e as analfabetas, que não terão condições de conferir o voto impresso sem o auxílio de terceiros, o que, mais uma vez, importará quebra do sigilo de voto.

Argumento (a)

O argumento (a), acima, alega que a lei não explicita o conteúdo do Registro Impresso do Voto, levantando uma hipotética situação de que esse registro poderia vir a conter informações em prejuízo ao sigilo do voto.

Como a própria autora da ADI reconhece, na lei questionada não há explícito comando de violar o voto e parece impróprio que se pretenda eliminar uma lei aprovada pelo Poder Legislativo, que por isso conta com presunção de legalidade, porque algum funcionário publico (que faz o programa que imprime o voto) poderia fazer mal uso dessa norma.  Seria um caos jurídico se leis burladas passassem a ser declaradas inconstitucionais pelo fato de terem sido burladas.

Mas uma leitura atenta do parágrafo único do artigo de lei questionado pela PGR mostra que está determinado que haja correspondência entre o conteúdo do registro digital do voto e do registro impresso do mesmo voto, a serem exibidos pela urna eletrônica para confirmação do eleitor, nos seguintes termos:

Parágrafo único. O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica.

Assim, estabelece a norma questionada que ambos os registros do voto, digital e impresso, contenham as mesmas e correspondentes informações e admitir a hipótese aventada pelo Parquet, de que o registro impresso poderia conter dados que prejudiquem a inviolabilidade do voto, remete diretamente à conclusão de que também o Registro Digital do Voto conteria tais dados impróprios.

Como já citado, o Registro Digital do Voto foi criado pelo § 4º do Art. 59 da Lei 9.504/1997 que determina que este esteja associado à assinatura digital da urnas e que resguarde o anonimato do eleitor, nos seguintes termos:

§ 4º. A urna eletrônica disporá de recursos que, mediante assinatura digital, permitam o registro digital de cada voto e a identificação da urna em que foi registrado, resguardado o anonimato do eleitor.

Embora o Registro Digital do Voto venha sendo usado em todas as eleições desde 2004 no Brasil, seu uso nunca foi contestado e nunca foi solicitado a declaração de sua inconstitucionalidade, nem mesmo pela PGR, porque poderia hipoteticamente conter informações em prejuízo à inviolabilidade do voto e, uma vez que ambos os registros devem conter os mesmos dados, não há porque alegar que o conteúdo do Registro Impresso do Voto poderia vulnerabilizar o sigilo do voto.

O entendimento de que o Registro Impresso do Voto deve conter as mesmas informações do Registro Digital do Voto, é corroborado pelo Grupo de Trabalho criado pela Portaria TSE nº 620 de 07 de dezembro de 2015 para “realizar estudos e apresentar soluções para a implantação do voto impresso”.

O Anexo I do edital técnico com as especificações da novas impressoras de voto[3], emitido em dezembro de 2016 por esse grupo de trabalho, apresenta a ilustração abaixo sobre a aparência e o conteúdo do RIV:

A “Minuta de Requisitos do Voto Impresso”, emitida pelo mesmo Grupo de Trabalho do TSE na mesma ocasião, apresenta a seguinte especificação do conteúdo do voto impresso:

5.4. Cada registro em papel deve conter um resumo, legível por humanos, da imagem do registro eletrônico da cédula. Além disso, todos os registros em papel devem conter as seguintes informações para auditoria:

5.4.1. Número interno da urna eletrônica;

5.4.2. Número interno do MIE;

5.4.3. Número do pleito/processo eleitoral;

5.4.4. Circunscrição, tal como Município, Zona e Seção, da eleição;

5.4.5. Data da eleição; e

5.4.6. Resumo completo das escolhas do eleitor, registrando fielmente aquilo que foi digitado pelo eleitor, acrescido da identificação de voto nulo, quando for o caso;

5.4.7. Uma indicação de que o registro em papel fora CONFIRMADO ou CANCELADO pelo eleitor;

5.4.8. Código de barras bidimensional do tipo QRCode contendo todas as informações do RIV, para permitir a automatização da contagem;

5.4.9. Indício criptográfico para a integridade e autenticidade do voto

Ou seja, não há nada que remeta à identificação do eleitor.

É hipótese temerária afirmar que, depois de 20 anos de eleições eletrônicas, a equipe técnica do TSE seria ingênua a ponto de definir requisitos de impressão do voto que pudessem colocar em risco o sigilo do voto e é incabível querer derrubar uma decisão do Poder Legislativo fundamentando-se de hipóteses temerárias.

Argumento (b)

Já o argumento (b), acima, remete a um evento de exceção que ocorre com incidência não quantificada pela PGR. Uma eventualidade sobre defeitos da impressora do voto no momento em que este é apresentado ao eleitor e ainda não foi confirmado e depositado na urna plástica descartável acoplada à impressora, propiciando alegada oportunidade de identificação do autor do voto pelo técnico de manutenção da urna.

Na inicial não se explica como ou porque tal técnico, ao ser chamado para a manutenção, teria necessariamente acesso à identidade do eleitor.

Trata-se de um evento fortuito, uma exceção de remota, talvez remotíssima, ocorrência já que não há nenhuma citação a esse evento em nenhum relatório sobre nenhuma eleição com voto impresso seja no Brasil ou mesmo no resto do mundo.

Na peça inicial da ADI, é citado (na pág. 5) o Relatório das Eleições de 2002 do TSE e descrito sucintamente problemas ocorridos durante aquela eleição com o uso do voto impresso, mas que não apresenta nenhum dado objetivo e quantitativo sobre a incidência específica de identificação do autor do voto por defeito nas impressoras.

Há apenas a afirmação que “houve incidência de casos de enredamento de papel, possivelmente devido a umidade e dificuldades de manutenção do módulo impressor”, mas absolutamente nada é quantificado e não há nenhuma referência à casos de identificação do autor do voto sob tais circunstâncias.

Desde 2004, o voto impresso conferível pelo eleitor vem sendo usado em eleições em diversos países, como na Venezuela, na Argentina, no Peru, no Equador, no México, em 40 Estados dos EUA, no Canadá, na Bélgica, na Espanha, na Rússia e na Índia, e não se tem conhecimento de casos de defeitos de impressoras ou qualquer outra condição que permitisse denunciar quebra da garantia do voto livre nessas eleições.

A mesma “Minuta de Requisitos do Voto Impresso”, emitida pelo Grupo de Trabalho do TSE e acima citada, apresenta a seguinte análise sobre o risco alegado pela PGR:

6.6. É desejável a proteção do voto impresso para que o técnico que acessa o módulo impressor para manutenção não veja seu conteúdo. Contudo, essa proteção não é essencial e pode ser dispensada se for muito cara ou reduzir a autonomia do equipamento.

A proteção do sigilo do voto não abrange casos fortuitos, mas somente a situações normais que poderiam gerar no eleitor a sensação de que seu voto pode ser conhecido a qualquer tempo por outras pessoas. A eventual exposição, decorrente de um defeito do equipamento, não teria o efeito de tornar o eleitor mais vulnerável a pressões para votar em determinado candidato.

O TSE já decidiu que no caso de restar somente um voto em uma urna que foi substituída por defeito, deve-se apurá-lo, abrindo-se mão do sigilo em benefício do voto, demonstrando que o requisito de sigilo não é absoluto.

De toda forma, o Grupo de Trabalho definiu que poderá haver, na licitação da urna, pontuação para algum sistema que permita a ocultação do voto impresso travado no MIE em caso de pane.

Dessa forma, é descabido querer derrubar uma decisão legítima do Poder Legislativo fundamentando-se em fortuitos eventos de exceção, não quantificados e não descritos em relatórios sobre eleições com voto impresso conferível pelo eleitor.

Argumento (c)

A argumento (c) da PGR, acima citado, considera a questão das pessoas com deficiência visual ou analfabetas que não terão condições de conferir o voto impresso sem o auxílio de terceiros, o que, alegadamente, também importaria na quebra do sigilo de voto.

Trata-se de mais uma condição de exceção que ocorre também na votação sem o voto impresso com idêntica incidência,  sem nunca antes ter tido sua constitucionalidade questionada.

A questão do acompanhante do eleitor com incapacidades foi devidamente regulamentada pela Lei da Inclusão, a Lei 13.146/2015, que diz:

Art. 76.  O poder público deve garantir à pessoa com deficiência todos os direitos políticos e a oportunidade de exercê-los em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 1º.  À pessoa com deficiência será assegurado o direito de votar e de ser votada, inclusive por meio das seguintes ações:

IV - garantia do livre exercício do direito ao voto e, para tanto, sempre que necessário e a seu pedido, permissão para que a pessoa com deficiência seja auxiliada na votação por pessoa de sua escolha.

Esta norma tem sido respeitada regularmente pelo Tribunal Superior Eleitoral que até a inclui em suas resoluções, como nos artigos 49 e 50 da Resolução TSE 23.456/2015 vigente na última eleição oficial em 2016, nos seguintes termos:

Art. 49. Será permitido o uso de instrumentos que auxiliem o eleitor analfabeto a votar, os quais serão submetidos à decisão do presidente da Mesa Receptora, não sendo a Justiça Eleitoral obrigada a fornecê-los (Lei no 9.504/1997, art. 89).

Art. 50. O eleitor com deficiência ou mobilidade reduzida, ao votar, poderá ser auxiliado por pessoa de sua confiança, ainda que não o tenha requerido antecipadamente ao Juiz Eleitoral (Lei no 13.146/2015, art. 76, § 1o, inciso IV).

§ 1º  O presidente da Mesa Receptora de Votos, verificando ser imprescindível que o eleitor com deficiência ou mobilidade reduzida seja auxiliado por pessoa de sua confiança para votar, autorizará o ingresso dessa segunda pessoa com o eleitor, na cabina, podendo esta digitar os números na urna.

§ 2º  A pessoa que auxiliará o eleitor com deficiência ou mobilidade reduzida não poderá estar a serviço da Justiça Eleitoral, de partido político ou de coligação.

Verifica-se, então, que o argumento (c) da PGR está, de fato, arguindo a constitucionalidade da Lei da Inclusão que é anterior até da Lei do Voto Impresso. A se aceitar o argumento de que o acompanhante de eleitores com incapacidades é inconstitucional porque viola o Princípio do Sigilo do Voto, também o artigo 76 da Lei da Inclusão deveria ser declarado inconstitucional mesmo no caso de eleições sem voto impresso.

Em resumo, esta norma da Lei da Inclusão é mais um exemplo evidente da relativação do Princípio da Inviolabilidade do Voto perante um outro direito de cidadania.


Sobre a Transparência Eleitoral e o Registro Digital do Voto

O fundamento 155, acima citado, que conduziu a Suprema Corte da Alemanha a concluir pela inconstitucionalidade de urnas eletrônicas sem Voto Impresso Conferível pelo Eleitor, por não atenderem o Princípio da Publicidade aplicado ao processo eleitoral, descreve um fato óbvio e incontestável:

Fundamento 155

Os votos foram registrados somente em memória eletrônica. Nem os eleitores, nem a junta eleitoral ou os representantes dos partidos poderiam verificar se os votos foram registrados corretamente pelas máquinas de votar ...

De fato, a sequência de eventos que ocorre durante o ato de votação nas urnas eletrônicas brasileiras sem voto impresso é o seguinte:

  1. O eleitor digita os números dos seus candidatos escolhidos que são apresentados na tela da urna eletrônica para confirmação do eleitor;
  2. Somente depois de confirmados os números dos candidatos de todos os cargos, o software de votação da urna eletrônica pode gravar em sua memória o chamado Registro Digital do Voto e, a partir desse momento, o eleitor não dispõe de nenhum meio ao seu alcance para verificar, com recursos próprios, se o registro digital do seu voto foi gravado com o conteúdo correto.

Também no caso do uso do Registro Impresso do Voto, a “Minuta de Requisitos do Voto Impresso”, emitida pelo Grupo de Trabalho do TSE e acima citada, esclarece o seguinte:

5. Estrutura de Dados Eletrônicos e em Papel

…. conforme deliberação do Grupo de Trabalho, o requisito (5.1.) descreve que o RDV permanecerá com a forma de implementação atual, somente alterando o momento em que é gravado (o RDV), qual seja, após a confirmação do voto impresso pelo eleitor.

Fica claro que, no caso de existência do voto impresso, será a seguinte a sequência de procedimentos durante a votação:

  1. Primeiramente o Registro de Impresso do Voto é criado (impresso em papel) e, em seguida, é apresentado ao eleitor para sua confirmação do conteúdo.
  2. Somente após a confirmação do eleitor sobre o voto impresso, o Registro Digital do Voto é criado (gravado em memória digital) sem que ao eleitor seja solicitado nenhuma outra ação de confirmação do seu conteúdo.

É inequívoco, então, que o Registro Digital do Voto per se, sem estar acompanhado do complementar Registro Impresso do Voto, não permite ao eleitor saber qual foi o conteúdo de veras registrado no seu voto sendo esse o motivo de ter sido declarado contrário o Princípio da Publicidade pela Suprema Corte alemã e também foi o motivo que levou o Congresso Nacional a determinar que as urnas eletrônicas devem gerar o Voto Impresso Conferível pelo Eleitor.


O Balanço entre os Princípios

Claro fica que a aplicação do Princípio da Inviolabilidade do Voto no processo eleitoral deve ser balanceado e considerado relativamente à outros princípios igualmente importantes de cidadania, como no caso da permissão de eleitores com incapacidades sejam acompanhados por terceiros no ato de votação.

O sigilo do voto, para proteger a liberdade de escolha do eleitor, tanto quanto a publicidade dos atos de captura, registro e escrutínio dos votos, para garantir a segurança jurídica do processo eleitoral, são igualmente importantes e necessários.

A análise dos argumentos da PGR sobre a inconstitucionalidade do artigo 59-A da Lei 9.504 mostra que são argumentos relativos a situações hipotéticas temerárias (possível impressão de dados de identificação do eleitor no voto impresso), situações de exceção remotas e não quantificadas (defeito no módulo impressor e identificação do eleitor nesse momento) e situações legalmente superadas (acompanhantes de eleitores com deficiência).

Já no caso da votação eletrônica sem o voto impresso fica claro que esta não atende o Princípio da Publicidade, de forma sistemática e irremediável.

Assim, suprimir da ordem legal o artigo de lei que criou o Registro Impresso do Voto, com os mesmos dados do Registro Digital do Voto, para conferência do eleitor, é dar total prevalência ao Princípio da Inviolabilidade aplicado a situações restritas e fortuitas em detrimento do Princípio da Publicidade aplicado a fato real, geral e irrefutável (nenhum eleitor têm como conferir o conteúdo do RDV que registra seu voto).


O Retrocesso Tecnológico e Constitucional

A segunda tese abrigada pela Autora da ADI 5889 é que “a adoção do modelo impresso provoca risco à confiabilidade do sistema eleitoral”.

Fundamenta sua tese com os seguintes argumentos:

  • (a) Apesar de haver críticas ao sistema eletrônico, as alegações e conjecturas sobre a possibilidade de fraude jamais tiveram a sua consistência comprovada.
  • (b) Não se é contrário à criação de mecanismos de controle da segurança e higidez do processo de votação eletrônica, tal como os que são adotados atualmente (o registro digital de voto, a assinatura digital, o resumo digital, a auditoria de funcionamento das urnas eletrônicas, a votação paralela, a fiscalização da apuração eletrônica, a realização de perícias e auditorias, teste público de segurança etc). No entanto, a reintrodução do voto impresso apresenta-se inadequada para atender com ganhos eficazes essa finalidade.
  • (c) A obrigatoriedade do voto impresso não servirá ao propósito de conferir a higidez do processo de votação eletrônica e, ainda, causará entraves e embaraços ao sistema de apuração.
  • (d) A obrigatoriedade de adoção do voto impresso encontra impedimento no princípio da proibição do retrocesso político-constitucional, porque vulnera direitos elementares da cidadania.
  • (e) Considerando que o sistema eletrônico instituído tem se mostrado consistente e eficaz e que a reintrodução do modelo impresso potencializa falhas e fraudes no processo eleitoral, o art. 59-A da Lei 9.504/1997 consubstancia verdadeiro retrocesso para o processo eleitoral brasileiro e não contribui para o seu aperfeiçoamento.
  • (f) A consequência é a da incompatibilidade da norma impugnada, com o princípio constitucional da eficiência do aparelho estatal.

O argumento (a), acima, que fala sobre possibilidades de fraudes não demonstradas, não considera que os testes públicos de segurança permitidos pela autoridade eleitoral, embora restritos nos procedimentos permitidos, demonstraram de forma inequívoca a existência de inúmeras falhas de segurança no software das urnas eletrônicas usadas desde 1996, que poderiam ser exploradas para eventuais fraudes eleitorais relativas a contagem e a violação de votos.

No recente Teste de Segurança de 2017, no TSE, as equipes da Unicamp e da Polícia Federal demonstraram que o software das urnas eletrônicas poderia ser adulterado no momento de sua carga nas urnas a ponto de até se escrever mensagens espúrias na tela da urna durante a votação. Isto constitui inafastável demonstração de possibilidade de fraude nas urnas eletrônicas usadas até a última eleição de 2016.

E a afirmação pública do administrador eleitoral de que tais falhas apontadas seriam corrigidas para a próxima eleição, apenas confirma que a alegada confiabilidade absoluta e higidez do sistema eletrônico eleitoral brasileiro, alegada na inicial, nunca existiu de fato e ainda demonstra que as alegações e conjecturas sobre a possibilidade de fraude tiveram a sua consistência comprovada.

 Ademais, o argumento (a) desconsidera que votar e ser votado são direitos de cidadania claramente reconhecidos no Art. 1º do Código Eleitoral (“Este Código contém normas destinadas a assegurar a organização e o exercício de direitos políticos precipuamente os de votar e ser votado), e que cabe ao administrador eleitoral assegurar e demonstrar que seus atos atendem esses direitos dos cidadãos.

Alegações como “não foram provadas fraudes havidas na urna eletrônica”  ou que “as alegações e conjecturas sobre a possibilidade de fraude jamais tiveram a sua consistência comprovada” se equiparam à analogia do filósofo Bertrand Russel, chamada como “O bule de chá de Russel”, pela qual seu autor pondera a existência de um bule de chá orbitando o sol e constata que seus opositores não poderiam refutar tal hipótese.

Entretanto, pondera o filósofo, a dificuldade em desmentir uma hipótese (como a alegada confiabilidade do sistema eleitoral eletrônico) não a torna verdadeira, cabendo a quem alega (e detém controle total dos meios de prova) apresentar a PROVA DA VERACIDADE, pois não é exigível de quem duvida a demonstração da negativa.

De fato, a higidez do processo eleitoral não pode ser aceita como um dogma. Cabe ao agente público que alega sua inviolabilidade, como o administrador eleitoral ou a PGR, provar a veracidade dessa afirmação, pois, em consonância com a acima citada decisão da Corte Suprema da Índia, não se pode exigir do eleitor que duvida da alegada a inviolabilidade do sistema eleitoral, a demonstração da improcedência dessa fundada suspeita.

Não pode o administrador público exigir fé do cidadão em sua conduta, ao invés disso, deve demonstrar a este, de modo cabal e facilmente compreensível, a correção e lisura de seus procedimentos e, no caso das urnas eletrônicas brasileiras atuais, a autoridade eleitoral e o PGR inclusive, não conseguem sequer provar ao eleitor que o registro do seu voto (RDV) contem de fato o seu voto, quanto mais que todo o processo é hígido.

No seu argumento (b), acima, alega a autora, e deveria provar, que a higidez do sistema eleitoral seria garantida pelos mecanismos de controle da segurança do processo de votação eletrônica, tal como: o registro digital de voto, a assinatura digital e o resumo digital, a auditoria de funcionamento das urnas eletrônicas, a votação paralela, a fiscalização da apuração eletrônica, a realização de perícias e auditorias, teste público de segurança.

Adicionalmente, afirma que a reintrodução do voto impresso apresenta-se inadequada para atender com ganhos eficazes essa finalidade.

Esses procedimentos de alegada garantia da segurança e higidez do processo de votação eletrônica, listados pela PGR, têm sua real eficácia questionada nos seguintes termos:

  • o registro digital de voto: como já demonstrado acima e reconhecido na jurisprudência internacional, o RDV, per se, não oferece garantia de que o voto dado pelo eleitor foi registrado com o conteúdo correto e, assim, não é recurso que possa garantir a higidez da votação eletrônica.
  • a assinatura digital e o resumo digital: o próprio inventor da técnica chamada assinatura digital que o TSE utiliza, o Prof. Dr. Ronald Rivest do MIT, voltou a publicar em 2017 seu artigo sobre Independência do Software em Sistemas Eleitorais[4], onde reafirma de forma clara e indubitável que a validação do software de sistemas eleitorais complexos é inviável na prática e que as técnicas de criptografia e assinatura digital não conseguem atender essa finalidade, sendo necessária a materialização do voto para se obter a verificabilidade do processo eleitoral digital.  Certamente, a palavra desse autor, que é um especialista detentor de total reconhecimento internacional  sobre esse tema da assinatura digital que inventou e patenteou, granjeia maior credibilidade que qualquer outra pessoa que alegue o contrário
  • a auditoria de funcionamento das urnas eletrônicas: a chamada “auditoria” do software nas urnas eletrônicas, da forma como é determinada e regulamentada pela Autoridade Eleitoral consiste apenas num auto-teste realizado pelo próprio software das urnas e não numa auditoria independente propriamente dita. No mundo acadêmico brasileiro são vários os textos que refutam a eficácia de tal procedimento, tais como o Relatório Unicamp/TSE (2002)[5], o 1º Relatório CMIND[6] (2010) e o livro “O Mito da Urna”[7] (2017) do professor e criptógrafo Jeroen van der Graaf da UFMG. Não há no meio acadêmico nenhum artigo que afirme que um auto-teste do software tenha o valor de uma auditoria externa e independente.
  • a votação paralela: o chamado Teste de Votação Paralela, instituído pelo Parag. 6º do Art. 66 da Lei 9.504/9, que prevê a votação controlada em urnas eletrônicas sob estritas condições normais de uso, no mesmo dia da eleição, teve sua eficácia totalmente extinguida com a adoção das chamadas “urnas biométricas” do TSE, como ficou demonstrada no capítulo 4.4.2.11. do relatório da Auditoria Especial do Sistema Eleitoral 2014[8], desenvolvida por equipe de técnicos contratados pelo PSDB que, em detalhado estudo e apresentação de dados, concluiu que: “o Teste de Votação Paralela é ineficaz para detectar fraudes por software em urnas biométricas que verifiquem a taxa de liberação de votos pelo mesário”. Essa tese nunca foi refutada por nenhum parecer da administração eleitoral.

  • a fiscalização da apuração eletrônica: se por “apuração eletrônica” se entender a contagem dos votos nas urnas eletrônicas que gera cada Boletim de Urna (BU), então é notório, como até foi registrado no Fundamento 156 da acima citada decisão da Suprema Corte alemã, que não há nenhum procedimento que possibilite a fiscalização do escrutínio ou da contagem dos votos que ocorre dentro das urnas sem voto impresso. Se, por outro lado, se entender que a alegada fiscalização é sobre a totalização dos BUs, que ocorre nos computadores do Administrador Eleitoral, então este item não se aplica segurança das urnas eletrônicas e não serve como argumento contra as urnas com voto impresso.

  • a realização de perícias e auditorias: As únicas perícias independentes sobre o sistema eleitoral que tiveram seus relatórios publicados são: o Relatório UNICAMP de 2002 (já citado acima), o relatório COPPE/UFRJ[9] de 2002, o relatório feito pelo prof. Clóvis T. Fernandes, do ITA em 2006[10] e a Auditoria Especial do Sistema Eleitoral 2014, já citada acima. Em todos os casos, os autores apresentam gravíssimas falhas de segurança e até irregularidades encontradas. Nos dois últimos também são descritas as restrições impostas aos auditores pelas regras determinadas pela autoridade eleitoral que impossibilitou o desenvolvimento de uma auditoria independente mais completa e conclusiva.

  • teste público de segurança: em todos os Testes Públicos de Segurança regulamentados e permitidos pelo TSE (2009, 2012 e 2017) foram encontradas, exploradas e descritas falhas de segurança no sistema de software das urnas eletrônicas que existiam dentro do sistema desde 1996. No último teste, de 2017, foram demonstrados problemas gravíssimos que permitiam até modificar o comportamento do software de votação embarcado nas urnas. Assim, esses testes demonstram a insegurança do sistema puramente eletrônico de votação e não o contrário como quer fazer crer a autora da ADI 5889.

As alegações (b), (c) e (e) da PGR, de que a reintrodução do voto impresso apresenta-se inadequada para atender com ganhos eficazes da segurança e higidez do processo de votação eletrônica, é facilmente refutada ao se considerar que a função de segurança e confiabilidade agregada pelo Voto Impresso Conferível pelo Eleitor às urnas eletrônicas brasileiras é permitir ao eleitor conferir se o registro do seu voto contém de fato o seu voto, conferindo mais transparência ao processo, e assim atender ao Princípio da Publicidade, que não é atendido pelas urnas atuais.

A jurisprudência internacional estabelecida nas decisões das Cortes Supremas da Alemanha e da Índia, acima comentadas, apontam no sentido contrário da afirmação da PGR, pois reconhecem que o Voto Impresso Conferível pelo Eleitor é essencial para dar segurança e confiabilidade a um sistema eleitoral eletrônico.

Por derradeiro, resta enfrentar a alegação do retrocesso tecnológico e político-constitucional, incluídos nos argumentos (d) e (f) da PGR.

Uma observação de como os sistemas de voto eletrônico tem evoluído no mundo desde seu início na década dos anos 90, mostra claramente que antes, na primeira geração, surgiram os equipamentos puramente eletrônicos (sem voto impresso). Depois esses equipamentos começaram a ser abandonados por insegurança e, em alguns países, passaram a ser substituídos por equipamentos de uma nova geração, com voto impresso.

Esse processo de abandono ou substituição das urnas sem voto impresso ocorreu, por exemplo, na Venezuela, na Argentina, no Paraguai, no Equador, no México, em mais de 40 Estados nos EUA, no Canadá, na Alemanha, na Bélgica, na Holanda, na Rússia e na Índia.

Do outro lado, não existe exemplo de um País que tenha se movimentado na outra direção, ou seja, que tivesse um sistema de urnas com voto impresso e o abandonou por um sistema sem voto impresso.

 Fica muito fácil verificar que a verdadeira evolução se dá na direção da adoção de sistemas eleitorais eletrônicos com voto impresso e que involução seria manter um sistema eleitoral que não dê transparência aos atos de registro e contagem dos votos.

Antes do Art. 59-A da Lei 9.504, tínhamos no Brasil um sistema eleitoral único no mundo, ainda de 1ª Geração, rejeitado em todos os demais países onde há voto eletrônico em larga escala, sem transparência e que não atendia ao Princípio de Publicidade, pois não permitia nem ao eleitor ver e conferir o conteúdo do registro do seu voto e nem aos representantes dos candidatos a ver e conferir o conteúdo de cada voto apurado.

Com a introdução do Voto Impresso Conferível pelo Eleitor por essa norma, o Brasil foi incluído ao rol dos demais países que usam sistemas eleitorais de 2ª geração, onde o eleitor pode conferir o registro do seu voto e a apuração de votos pode ser conferida voto a voto.

Olhando para o que está ocorrendo no resto do mundo no campo da votação eletrônica, não há como se acatar o argumento (d) e (f) da PGR, de que a adoção do Voto Impresso Conferível pelo Eleitor seria um retrocesso, tando do ponto de vista técnico como institucional. Na realidade, esse argumento do retrocesso revela desinformação de quem o levanta.


Conclusão

Tendo passado os fatos circunscritos na questão da confiabilidade de sistemas eleitorais eletrônicos por uma análise mais profunda e abrangente, inclusive com um olhar sobre a jurisprudência internacional e o que tem acontecido no resto do mundo, chegou-se à refutação de todos os argumentos postos pela PGR na peça inicial da ADI 5889, a respeito de alegada inconstitucionalidade do Art. 59-A da Lei 9.5904.

Assim, recomenda-se a rejeição dos pedidos geral e cautelar de referida peça.


Notas

[1] Decisão original do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em 03/03/2009 (em alemão):   http://www.bundesverfassungsgericht.de/entscheidungen/cs20090303_2bvc000307.html

[2] http://supremecourtofindia.nic.in/jonew/bosir/orderpdf/1825216.pdf

http://www.business-standard.com/article/current-affairs/sc-asks-ec-to-install-vvpat-in-evms-for-2014-polls-1131008 00259_1.html

[3]   Disponível em: http://www.justicaeleitoral.jus.br/arquivos/tse-anexo-i-requisitos-preliminares-de-hardware

[4] Rivest, R. , Virza, M. - Software Independence Revisited. MIT, 2017 - https://people.csail.mit.edu/rivest/pubs/RV16.pdf

[5] Tozzi, C.L. et al. - Avaliação do Sistema Informatizado de Eleições. Campinas: TSE, maio de 2002 - http://www.votoseguro.org/arquivos/UNICAMP-relatorio.zip

[6] Sérvulo da Cunha, S et al. - Relatório sobre o Sistema Brasileiro de Votação Eletrônica. CMIND, 2010 - http://www.brunazo.eng.br/voto-e/textos/CMind-1-Brasil-2010.pdf

[7] Graaf, J.V.D. - O Mito da Urna, desvendando a (in)segurança da urna eletrônica. Editora da UFMG, 2017 - https://inscrypt.dcc.ufmg.br/wp-content/uploads/2017/11/o-mito-da-urna-1-1.pdf

[8] Giova, G et al. - Auditoria Especial do Sistema Eleitoral 2014 – PSDB, 2015 - http://www.brunazo.eng.br/voto-e/arquivos/RelatorioAuditoriaEleicao2014-PSDB.pdf

[9]   Rocha, A,R,C, et al - Relatório de Avaliação do Software do TSE realizada pela Fundação COPPETEC. COPPE/UFRJ, 2002 - http://www.angelfire.com/journal2/tatawilson/coppe-tse.pdf

[10] Fernandes, C.T. - Estudo e Avaliação Tecnológica dos Dados Oficiais da Eleição de Alagoas 2006 - 1o Turno. 2006 - http://www.brunazo.eng.br/voto-e/arquivos/AL06-laudoFerITA.zip


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUNAZO FILHO, Amilcar. Em defesa do voto impresso. Crítica técnica e jurídica à ADI 5889. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5346, 19 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64166. Acesso em: 25 abr. 2024.