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O contrato de concessão da Eletrosul

aspectos relevantes

O contrato de concessão da Eletrosul: aspectos relevantes

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Sumário: Introdução; 1.1.Exposição do tema, 1.2.Organização do estudo, 1.3.Definição do objetivo geral e dos objetivos específicos, 1.4.Contribuição dos resultados do estudo para a empresa, 1.5.procedimentos metodológicos; 2.Caracterização da empresa, 2.1.Caracterização da empresa pesquisada; 3.Descrição, análise e interpretação de dados, 3.1.Breve histórico sobre a evolução da regulamentação do setor elétrico brasileiro, 3.2.Base legal do contrato de concessão, 3.3.O contrato de concessão de serviço público de transmissão de enérgia elétrica aspectos relevantes do contrato da ELETROSUL; Considerações finais.


INTRODUÇÃO

1.1Exposição do Tema

A partir do novo marco institucional do Setor Elétrico, implementado em meados da década de 90, a Centrais Elétricas do Sul do Brasil S. A. – ELETROSUL enfrentou importantes mudanças no sentido de adequar-se a nova realidade setorial. Assim, de empresa supridora regional, que aglutinava as atividades de geração e transmissão de energia elétrica, a empresa foi cindida em duas: a Empresa Transmissora de Energia Elétrica do Sul do Brasil S. A – ELETROSUL, responsável pela transmissão de energia elétrica nos estados do Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e Centrais Geradoras do Sul do Brasil S. A – GERASUL, que ficou com a parte de geração antes pertencente a ELETROSUL supridora. Esta última foi privatizada em 1998 tendo alterado sua razão social para Tractebel Energia S. A.

A atual ELETROSUL teve que se reestruturar para bem desenvolver seu novo papel de transmissora de energia elétrica. Neste contexto, conforme prevê a legislação setorial, a Empresa assinou em 20.06.2001 o seu Contrato de Concessão de Serviço Público de Transmissão de Energia Elétrica, que tem o número 057/2001 – ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL).

O presente trabalho tem a intenção de analisar os principais aspectos do referido Contrato, identificando os pontos que podem impactar o desempenho empresarial da ELETROSUL.

1.2.Organização do Estudo

Para a consecução de nosso objetivo, apresentamos o trabalho em quatro partes. A primeira parte, Caracterização da Empresa, traz uma breve apresentação da ELETROSUL. A segunda parte, Descrição, Análise e Interpretação dos Dados, foi subdividida em três segmentos: primeiro apresentamos um histórico da evolução setorial e tem por objetivo situar o atual momento por que passa o setor elétrico; no segundo segmento fazemos um apanhado da mais recente legislação brasileira referente à concessão do serviço público, mais notadamente no que atinge a concessão de serviços públicos de transmissão de energia elétrica, a intenção é mostrar a base em que se respalda o contrato de concessão da ELETROSUL; o terceiro segmento dessa segunda parte, ponto mais importante do presente estudo, se atém especificamente ao Contrato de Concessão da ELETROSUL, analisando seus principais aspectos.

Finalmente, as Considerações Finais onde arrematamos os principais pontos levantados ao longo do trabalho.

1.3.Definição do Objetivo Geral e dos Objetivos Específicos

a)Objetivo Geral

Conhecer e analisar os principais pontos do Contrato de Concessão de Serviço Público de Transmissão de Energia Elétrica da Empresa Transmissora de Energia Elétrica do Sul do Brasil S. A. – ELETROSUL identificando Empresa os reflexos dele decorrentes de forma a permitir a tomada de decisões sobre assuntos relacionados com o interesse da Empresa.

b)Objetivos Específicos

Analisar as implicações econômico-financeiras do contrato de concessão na ELETROSUL;

Avaliar o impacto da aplicação das prerrogativas impostas pelo contrato de concessão no resultado da Empresa;

Avaliar os riscos inerentes ao Contrato de Concessão;

Identificar oportunidades empresariais do Contrato de Concessão;

Diagnosticar ações a serem feitas junto ao Órgão Regulador.

1.4.Contribuição dos Resultados do Estudo para a Empresa

O Contrato de Concessão de Serviço Público de Transmissão de Energia Elétrica constitui-se no principal contrato da ELETROSUL, haja vista ser ele que regula o principal negócio da Empresa. Neste sentido, conhecer este instrumento é de suma importância para o bom desempenho empresarial.

O estudo do citado contrato de concessão é assunto complexo e de certa forma inexplorado, haja vista que as discussões travadas para sua assinatura envolveram basicamente profissionais ligados ao setor elétrico, sem, contudo, uma análise mais sistematizada e consolidada sobre o tema.

O presente trabalho, permitirá conhecer o assunto e internalizar na Empresa informações importantes para que se possa atuar com o intuito de aprimorar o resultado econômico-financeiro e a qualidade dos serviços prestados.

Considerando que outras empresas transmissoras assinaram seus contratos na mesma época em que a ELETROSUL e tendo em vista que as discussões para a formalização do referido instrumento contaram com a participação de diversas empresas transmissoras, através da Associação Brasileira das Grandes Empresas Transmissoras de Energia Elétrica – ABRATE, muitas das conclusões aqui apontadas aplicam-se a esses agentes.

1.5.Procedimentos Metodológicos

Para o desenvolvimento do trabalho serão aplicados os métodos analítico, avaliativo e descritivo, que permitirão conhecer e diagnosticar os efeitos do objeto do estudo na instituição.

a)Técnicas de Coleta de Informações

A coleta de dados será realizada por meio de análise documental, bibliográfica e dr conteúdo, abrangendo:

a interpretação das matérias tratadas pelo contrato de concessão;

o estudo da legislação aplicável ao assunto;

a análise dos impactos da aplicação do contrato de concessão no desempenho da Empresa.


2.CARACTERIZAÇÃO DA EMPRESA

2.1.Caracterização da Empresa Pesquisada

A entidade objeto deste estudo é a Empresa Transmissora de Energia Elétrica do Sul do Brasil S. A – ELETROSUL, constituída a partir da cisão da antiga Centrais Elétricas do Sul do Brasil S. A – ELETROSUL, ocorrida em dezembro de 1997.

A ELETROSUL é uma empresa de capital fechado tem que como acionista majoritário a Centrais Elétricas Brasileiras S. A – ELETROBRÁS, que detém 99,7% de seu Capital Social. A Empresa tem sede na cidade de Florianópolis e sua duração é por tempo indeterminado.

As atividades básicas são realização de estudos, projetos, construção, operação e manutenção de instalações de transmissão de energia elétrica.

A atual área de atuação da Empresa engloba os estados do Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, no entanto não existem impedimentos da Empresa atuar nas demais regiões do País e mesmo no exterior. Seu sistema de transmissão é constituído por 8.590,7 km de linhas de transmissão (525 kV, 230 kV, 138 kV e 69 kV), uma conversora de freqüência de 50 MW, na fronteira do Brasil com Argentina, na cidade de Uruguaiana, estado do Rio Grande do Sul, 30 subestações com capacidade de transformação instalada de 12.666,3 MVA.

Este sistema de transmissão é responsável pelo transporte de energia elétrica no Subsistema Sul e interliga-se com os sistemas da região Sudeste e ao Mercosul.

Foram realizados, em 2001, investimentos de R$ 219,8 milhões na expansão e melhoria do sistema de transmissão da Empresa.

Em 2001, a ELETROSUL obteve um faturamento bruto de R$ 1.334,3 milhões que proporcionou um lucro líquido de R$ 93 milhões, 25,6% maior o que o do ano anterior.

A Empresa possuía ao final de 2001 1.215 empregados, mas para 2002 está previsto a admissão de aproximadamente 90 novos empregados para recompor o seu quadro profissional.

Enfim, a ELETROSUL destaca-se por seu importante papel nas comunidades onde atua, levando energia elétrica aos mais distantes pontos da Região Sul e do Mato Grosso do Sul, de forma a torná-la acessível ao maio número possível de brasileiros que não podem dispor desse precioso bem para um vida condigna. Além disso, a Empresa vem desenvolvendo vários projetos de cunho social junto a essas comunidades como são exemplo o Programa Adolescente Assistido, Projeto Casa Aberta, Trabalho Voluntário dos Empregados, Incentivo à Cultura e ao Esporte, Campanhas contra Queimadas e Doações a Entidades Comunitárias e Filantrópicas.


3.DESCRIÇÃO, ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS

3.1.Breve Histórico sobre a Evolução da Regulamentação do Setor Elétrico Brasileiro

A eletricidade constitui-se numa importante força motriz capaz de impulsionar o desenvolvimento econômico e social de uma nação. Constitui-se, também, numa atividade econômica que requer um arcabouço legal que lhe regule o funcionamento. O Setor Elétrico Brasileiro experimentou, ao longo de um século de existência, diversas fases de desenvolvimento e de regulamentação. A seguir fazemos um breve histórico dessas fases.

a) Fase Pré-Regulamentação: 1890 a 1934

No final do Século XIX e início do Século XX, a atividade do Estado limitava-se praticamente a questões ligadas a defesa nacional e a importação e exportação de produtos primários. É nesse contexto que surge o Setor Elétrico Brasileiro. As primeiras atividades envolvendo eletricidade constituem-se em desafios isolados para atendimento de iluminação pública, residencial e substituição de animais na tração de veículos urbanos nas principais cidades brasileiras.

A Constituição de 1891, com seu caráter descentralizador, atribuía grandes poderes aos estados e municípios de forma que a intervenção da União restringia-se a medidas isoladas para atendimentos de casos específicos.

Como fato histórico, segundo Walter T. Alvares [1], a primeira norma brasileira sobre energia elétrica foi a Lei 1.145, de 31.12.1903, que em seu art. 23 autorizava o Governo Federal a promover administrativamente ou mediante concessão o aproveitamento da força hidráulica para os serviços federais.

b) Fase da Regulamentação: 1934 a 1957

A partir dos anos 30 do Século passado, ocorre uma substancial mudança na política econômica do País. A industrialização premente exige a intervenção do Estado na economia de forma a garantir a infra-estrutura necessária ao seu desenvolvimento.

A Constituição de 1934, com seu caráter nacionalista e intervencionista, estabelece as bases para aprovação do Código de Águas, que tramitava no Congresso desde 1907.

Assim, em 10.07.1934, foi promulgado o Decreto 26.234, o chamado Código de Águas. Dentre as inovações trazidas por este diploma legal pode-se destacar [2]:

- distinção da propriedade do solo da propriedade das quedas d’água;

- incorporação ao patrimônio da União das fontes de energia hidráulica;

- aproveitamento dos potenciais hidráulicos mediante concessão do Presidente da República;

- prazo de concessão dos serviços públicos de energia elétrica: 30 anos;

- maior controle do poder público sobre as concessionárias de energia elétrica (fiscalização visando serviço adequado, tarifas razoáveis e estabilidade/viabilidade das empresas concessionárias);

- tarifas na forma de serviço pelo custo.

A regulamentação do Código de Águas só aconteceu em 1957, quando, em 26 de fevereiro, foi editado o Decreto 41.019.

Tanto o Código de Águas quanto o Decreto supra citados, encontram-se em vigor no que não contraria as últimas normas setoriais, por esse motivo é que o Contrato de Concessão nº 57/2001-ANEEL, objeto maior do presente trabalho, menciona em seu preâmbulo que o mesmo se regerá pelas referidas normas, entre outras, como é óbvio.

c) Fase de Estruturação Empresarial: 1946 a 1968

Após a II Guerra Mundial, atendendo aos interesses da industrialização e mesmo do consumo doméstico, o governo viu-se obrigado a incrementar a oferta de energia elétrica no País.

A forma escolhida para dar sustentação a esse incremento são as empresas de economia mista [3], tanto federais quanto estaduais. São desse período as seguintes empresas:

Empresa

Ano de Criação

- Companhia Hidro Elétrica do São Francisco - CHESF

1945

- Centrais Elétricas de São Paulo – CESP

1966

- Centrais Elétricas de Minas Gerais - CEMIG

1952

- Companhia Paranaense de Energia Elétrica – COPEL

1953

- Centrais Elétricas de Santa Catarina - CELESC

1955

- Centrais Elétricas de Goiás – CELG

1955

- Furnas Centrais Elétricas – FURNAS

1957

- Centrais Elétricas Brasileiras - ELETROBRÁS

1962

- Centrais Elétricas do Sul do Brasil - ELETROSUL

1968

Fonte: quadro montado a partir de pesquisa na internet, nos sites das empresas.

d) Fase de Expansão: 1964 a 1981

Uma vez montada a estrutura empresarial e constituindo-se um órgão regulador, como foi o surgimento do Departamento Nacional de Águas e Energia – DNAEE, em 1965, o setor poderia desenvolver-se.

A atuação da ELETROBRÁS, de suas subsidiárias ELETROSUL, FURNAS, CHESF e ELETRONORTE e das companhias estaduais foram vitais para o crescimento do Setor Elétrico Brasileiro. Assim, por meio do planejamento centralizado, verificou-se o crescimento da capacidade instalada de 6.000 MW, em 1964, para 35.600 MW, em 1981.

Durante este período pode-se destacar ainda a interligação dos sistemas de transmissão, que permitiram um melhor aproveitamento da capacidade instalada em função da diversidade hidrológica das regiões.

A expansão do Setor Elétrico inicialmente foi financiada por recursos setoriais como o Imposto Único sobre Energia Elétrica – IUEE, empréstimo compulsório da ELETROBRÁS e Reserva Global de Reversão – RGR [4].

No final da década de 70, a disponibilidade de recursos no mercado internacional e a necessidade do Governo Federal fechar o Balanço de Pagamentos, deficitário em função das crises do petróleo, fez com que se abandonasse o financiamento setorial e buscasse o endividamento externo como forma de financiar a expansão.

e) Crise Institucional: 1981 a 1995

Nos anos 80 vai se observar uma grande crise no setor elétrico. De um lado, um alto grau de endividamento externo das empresas e juros internacionais crescentes e, de outro, a contenção das tarifas para frear o crescimento da inflação, vão provocar uma grande crise institucional.

A falta de recursos para honrar seus débitos faz provocar uma grande inadimplência no setor. As empresas deixam de pagar a dívida externa e mesmo os fluxos intra setoriais (distribuidores não pagam os geradores que não pagam a ELETROBRÁS que não financia novos empreendimentos).

Diante dessa realidade o governo vê-se obrigado a resolver a grande crise institucional que afeta o setor impedindo o atendimento a demanda crescente. A Lei 8.631, de 04.03.93, posteriormente regulamentada pelo Decreto 774, de 18.03.93, foi promulgada com o intuito de atacar os principais gargalos do setor. Dentre as principais medidas pode-se destacar:

- extinção da equalização tarifária;

- recuperação tarifária;

- suspensão do regime da remuneração garantida e da Contas de Resultados a Compensar – CRC;

- realização de um grande encontro de contas intra setorial com a utilização dos saldos da CRC;

- obrigação de formalização de contratos entre supridores e supridos.

Na realidade, estas normas visaram o saneamento setorial para, num segundo momento, implantar-se um novo modelo.

f) Marco Institucional Atual

O esgotamento do modelo vigente, levou à implantação de um novo modelo. A base teórica desse novo modelo é o neoliberalismo.

A Constituição Federal de 1988, quando tratou da "Ordem Econômica e Financeira", já havia deixado as bases para este novo modelo. Caberia ao Estado o papel de normatizador, fiscalizador e regulador da atividade econômica. [5]

A partir de 1995 vários instrumentos normativos tentarão instituir o novo modelo setorial. Destaca-se a seguir as principais normas:

- Lei 8.987, de 13.02.95: dispõe sobre o regime de concessão e permissão de prestação de serviços públicos, previstos no art. 175 da Constituição Federal;

- Lei 9.074, de 07.07.95: estabelece as normas para outorga e prorrogação das concessões e permissões de serviços;

- Lei 9.427, de 26.12.96: institui a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL;

- Decreto 2.335, de 06.10.86: Constitui a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL

- Lei 9.648, de 27.05.98: dispõe sobre a implantação do novo modelo setorial, sobre a reestruturação da ELETROBRÁS, sobre a criação do Operador Nacional do Sistema – ONS e do Mercado Atacadista de Energia – MAE;

- Decreto 2.655, de 02.07.98: regulamenta o Mercado Atacadista de Energia Elétrica, define as regras de organização do Operador Nacional do Sistema Elétrico e dá outras providências;

- Lei 10.438, de 26.04.2002: dispõe sobre a expansão da oferta de energia elétrica emergencial, recomposição tarifária extraordinária, cria o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), dispõe sobre a universalização do serviço público de energia elétrica e dá outras providências.

Enfim, desse arcabouço legal, as principais mudanças em relação ao modelo anterior podem ser visualizadas no quadro a seguir:

Modelo Anterior

Novo Modelo

Papel do Estado

Estado empresário

Estado Regulador e Fiscalizador

Financiamento

Estatal

Privado

Empresas

Verticalizadas

Desverticalizadas

Tarifas

Serviço pelo Custo

Serviço pelo preço

Mercado

Monopolizado

Concorrencial [6]

Concessões

Sem licitação

Com licitação

Planejamento

Determinativo

Indicativo/Determinativo [7]

Fonte: quadro montado a partir de informações retiradas do livro Concessão de Serviços Públicos de Energia Elétrica, de Geraldo Pereira Caldas, e de vários apontamentos do autor obtidos em palestras e treinamentos sobre o assunto.

3.2.Base Legal do Contrato de Concessão

Conforme vimos rapidamente no capítulo anterior, o novo marco regulatório instituiu a base legal para a reestruturação setorial. Dessa reestruturação interessam-nos, no presente trabalho, as normas que versam sobre as concessões e os contratos delas decorrentes.

A concessão de serviço público, nas palavras do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, "é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia de um equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço" [8]. A partir deste conceito é que passamos a estudar os contratos de concessão.

No topo da pirâmide normativa está a Constituição Federal. O legislador constituinte, quando tratou da Ordem Econômica e Financeira, dispôs:

"Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime da concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo Único. A lei disporá sobre:

I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato de e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização, rescisão da contratação ou permissão;

II – os direitos dos usuários;

III – política tarifária;

IV – a obrigação de manter o serviço adequado."

Na regulamentação do artigo da Constituição Federal, supra citado, o Congresso Nacional publicou a Lei 8.987, de 13.02.95. Fato curioso é que o autor do projeto de lei que deu origem à referida norma era, na época, o Senador Fernando Henrique Cardoso, que por obra do destino, na data da publicação da Lei ocupava a Presidência da República. Ocorre que, o referido projeto de Lei, que tramitava desde o início dos anos 90, após aprovação tranqüila no Senado, sofreu várias alterações na Câmara dos Deputados de forma que, quando retornou ao Senado, não atendia aos anseios dos concessionários de serviços públicos, notadamente os do setor elétrico. A fim de agilizar a publicação da Lei de Concessões, que no Senado não poderia sofrer qualquer mudança, ou se aprovava ou se rejeitava, o Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, comprometeu-se a, quando da publicação da referida Lei, editar Medida Provisória atendendo o pleito do Setor Elétrico, mormente no particular dos artigos 42, 43 e 44 da Lei 8.987/95. Surgiu, assim, a Medida Provisória 890, de 14.02.95. [9] Esta Medida Provisória viria dar origem a Lei 9.074, de 07.07.95.

Da Lei 8.987/95, destacamos:

Art. 1º. As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos.

Portanto, estava em vigor a norma que "dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências".

Ressaltamos ainda o artigo que elenca as cláusulas essenciais dos contratos de concessão:

Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas:

I – ao objeto, à área e ao prazo de concessão;

II – ao modo, forma e condições de prestação do serviço;

III – aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço;

IV – ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para reajuste e a revisão das tarifas;

V – aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e da concessionária, inclusive os relacionados às previsíveis necessidade de futura alteração e expansão do serviço e conseqüente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações;

VI – aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e utilização do serviço;

VII – a forma de fiscalização das instalações, dos equipamentos, dos métodos e práticas da execução do serviço, bem como da indicação dos órgãos competentes para exercê-la;

VIII – às penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e sua forma de aplicação;

IX – aos casos de extinção da concessão;

X – aos bens reversíveis;

XI – aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária, quando for o caso;

XII – às condições para prorrogação do contrato;

XIII – à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas da concessionária ao poder concedente;

XIV – à exigências da publicação de demonstrações financeiras periódicas da concessionária; e

XV – ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais.

Passaremos agora a tecer alguns comentários acerca das categorias jurídicas essenciais dos contratos de concessão.

Aspecto importante do contrato de concessão diz respeito a alterabilidade unilateral do contrato de concessão no que tange às cláusulas regulamentares, ou seja, "as inerentes ao próprio objeto da concessão, destacando-se no caso da concessão de serviço público, em especial as concernentes à operacionalização e prestação adequada (regularidade, permanência, eficiência, segurança, atualidade, etc...)" [10]. Por esse instituto jurídico, pode a administração pública, no exercício de seu poder, proceder a alteração das referidas cláusulas, mesmo sem a concordância do concessionário. É obvio que as referidas alterações devem seguir as previsões legais para tanto. O amparo para a alteração unilateral decorre de duas premissas: a) a de que o interesse público prevalece sobre o particular; b) o concessionário não tem a titularidade do serviço público, mas tão somente o direito/dever de prestar o serviço.

As cláusulas de natureza contratual, como a do equilíbrio econômico e financeiro, só bilateralmente podem ser alteradas. Caso das alterações de caráter regulamentar resulte o desequilíbrio econômico e financeiro do contrato, o mesmo deve ser revisto com o intuito de se restaurar o equilíbrio inicial.

A primeira exigência do contrato de concessão diz respeito ao objeto. Nas palavras de Luiz Alberto Blanchet "o objeto do contrato coincide com a finalidade mediata do procedimento administrativo licitatório: atendimento do motivo de fato, ou pressuposto empírico, (necessidade pública em razão da qual o poder concedente procedeu a licitação)" [11]. Desnecessário mencionar que o objeto explicitado no contrato deve coincidir com "motivo de fato" da contratação sob pena de nulidade contrato.

A referência à área diz respeito ao espaço físico em que vigora a concessão do serviço público. Assim, se a concessão é para explorar serviço público de distribuição de energia elétrica em determinado Município "X", a mesma concessão não pode se espraiar para o município "Y", distante 500 km.

O prazo da concessão diz respeito ao espaço de tempo em que vigora o contrato. O marco inicial, em tese, é a data de assinatura do contrato. No caso das concessões existentes quando da publicação da Lei 9.074/95, a mesma estabeleceu regras para os respectivos prazos. Posteriormente, com a assinatura dos contratos de concessão, teve-se que observar o dispositivo legal, pois não se pode extrapolar via contrato o que a Lei deixou claro. Em regra, entretanto, as concessões para geração de energia elétrica têm prazo limitado a trinta e cinco anos, já as concessões para transmissão e distribuição de energia elétrica limitam-se a 30 anos. O prazo do contrato de concessão pode ser abreviado ou prorrogados na forma da lei.

Fato interessante no tocante à prorrogação da concessão é o que dispõe o art. 27 da Lei 9.427/96 transcrito a seguir:

"Art. 27. Os contratos de concessão de serviço público de energia elétrica e de uso do bem público celebrados na vigência desta Lei e os resultantes da aplicação dos arts. 4º e 19 da Lei 9.074, de 07.07.95, conterão cláusula de prorrogação da concessão, enquanto os serviços estiverem sendo prestados nas condições estabelecidas no contrato e na legislação do setor, atendam aos interesses dos consumidores e o concessionário a requeira".

A hermenêutica desta norma leva ao entendimento de que, enquanto os serviços estiverem sendo prestados de acordo com o contrato e com a lei, os mesmos poderão ser prorrogados ad eternum.

A qualidade do serviço é um princípio a ser observado durante toda a concessão. Para tanto deverão ser observadas metas e parâmetros capazes de avaliá-la. O contrato de concessão deve deixar claro quais são esses parâmetros.

O concessionário é remunerado por tarifa ou preço público, que é paga por quem se utiliza do serviço. Notemos que não é o poder concedente que remunera o concessionário, mas o usuário do serviço. No que tange ao reajuste e à revisão temos que fazer a distinção entre as duas categorias, haja vista que tratam-se de figuras diferentes. Novamente tomando as palavras do Prof. Blanchet, que se ditas de outra forma não teriam a mesma clareza, temos que "o reajuste é periódico e baseia-se na variação do custo dos insumos previsíveis, os quais são representados por índices que comporão a fórmula de reajuste" [12]. Já "a revisão funda-se na imprevisibilidade, razão pela qual é incompatível com a adoção de fórmulas, periodicidades, índices e coeficientes preestabelecidos. a revisão é obrigatória sempre que a equação econômico-financeira do contrato de concessão é abalada por fato superveniente, imprevisível, de efeitos inevitáveis e independente da vontade do concessionário" [13]. Tanto o reajuste como a revisão podem implicar variações no preço público para cima ou para baixo.

Os incisos V e VI, do art. 23, da Lei 8.987/95, tratam dos direitos e obrigações do concessionário, do poder concedente e do usuário. Assim, cada pólo da relação tem prerrogativas e encargos que devem ser observados durante a vigência do contrato. Não é possível um impor ao outro condições ou exigências que extrapolem os limites legais e contratuais. Quando da publicação do edital de licitação para a concessão do serviço público, os direitos e obrigações das partes (concessionário, poder concedente e usuário) devem estar claros na minuta do futuro contrato que deve fazer parte do referido documento.

Cabe ao poder concedente exercer a fiscalização dos serviços concedidos zelando pela sua qualidade e confiabilidade. Faz parte das obrigações do concessionário atender às solicitações do poder concedente que visem a fiscalização. O contrato de concessão deve prever as formas e métodos pelas quais a fiscalização deverá ser executada. Devemos destacar, entretanto, que o fato da fiscalização ser responsabilidade do poder concedente, não exime os concessionários das suas responsabilidades. Não podem estes atribuir ao poder concedente, responsabilidades inerentes á concessão pelo fato de determinada situação não ter sido observada ou negligenciada pela fiscalização. É a fiscalização que pode suscitar a figura da intervenção.

As penalidades, que estão previstas em lei, podem ser contratuais ou administrativas. No primeiro grupo encontram-se aquelas como as multas, as advertências, as intervenções e a decretação da caducidade da concessão. Entre as administrativas podemos mencionar a declaração de inidoneidade e a suspensão da execução do contrato.

Independem de manifestação do poder judiciário a aplicação das penalidades acima citadas. A prerrogativa do poder concedente em aplicá-las, decorre da auto executoriedade de seus atos, respeitado sempre o direito de defesa do concessionário.

Interessante ressalvar que o poder concedente não tem o livre arbítrio na aplicação das penalidades. Prevalece o princípio da impessoalidade que vincula o poder concedente, sendo assim, uma vez caracterizado o fato punível, deverá conseqüentemente advir a penalidade correspondente.

A reversibilidade dos bens, tratada no inciso X, do art. 23 da Lei 8.987/95, diz respeito à transferência dos bens relativos à concessão que devem ser revertidos ao poder concedente ao final do prazo da concessão. A idéia é a de que os valores recebidos pelo concessionário durante o prazo de concessão o remuneraram por uma taxa atrativa e amortizaram todo o investimento feito. Dessa forma, ao final do prazo, o concessionário já auferiu todos os direitos pecuniários da concessão, tendo os usuários pago pelos bens associados à concessão. O poder concedente deverá disponibiliza-los à sociedade que, em última instância, é o verdadeiro proprietário desses bens.

Em alguns casos a concessão pode extinguir-se com a necessidade de indenizar-se o concessionário. São exemplos a encampação, que depende de lei autorizativa específica, nos termos do art. 36 da Lei 8.987/95, a rescisão e a caducidade. O contrato de concessão deve prever o critério e a forma de pagamento das indenizações devidas ao concessionário.

A prestação de contas e a publicidade das demonstrações financeiras são deveres do concessionário. Considerando que a concessão de serviço público é uma atividade regulada pelo poder concedente, a mesma deve pautar-se pelo princípio da publicidade a que está submetida a administração pública. Ademais, também serve à fiscalização do serviço e mesmo às exigências de âmbito do direito comercial, às quais sujeitam-se as empresas concessionárias.

Finalmente, o modo amigável para solução de divergências está relacionado aos casos em que as controvérsias podem ser solucionadas de forma alternativa sem a provocação do Poder Judiciário, como é o caso do Juízo Arbitral. No tocante ao foro, parece claro, que o mesmo sempre deve ser o Sede onde situa-se o Poder Concedente.

Com relação à Lei nº 9.074, de 07.07.95 podemos destacar que a mesma visa estabelecer as normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões dos serviços públicos e dá outras providencias. Conforme já foi mencionado, o principal objetivo desta Lei, que originou-se da Medida Provisória nº 890, de 14.02.95, foi corrigir alguns dispositivos da Lei 8.987/95, notadamente aqueles relacionados a prorrogação das concessões existentes.

Dessa forma vale destacar:

Art. 4º As concessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água serão contratadas, prorrogadas ou outorgadas nos termos desta e da Lei nº 8.987, e das demais.

Neste dispositivo observamos a vinculação dos contratos de concessão à Lei em tela.

Aspecto importante da Lei 9.074/95 diz respeito à imposição do livre acesso aos sistemas de distribuição e transmissão, mediante ressarcimento do custo de transporte envolvido. Assim, caso geradores ou consumidores desejem conectar-se aos referidos sistemas os transmissores e distribuidores não poderão impor-lhes condições senão aquelas previstas pela ANEEL.

A Lei 9.074/95 permitiu a prorrogação das concessões de transmissão de energia elétrica existente pelo prazo de 20 anos [14]. Porém condicionou a eficácia da prorrogação à assinatura do respectivo contrato de concessão. È o que estabelece o art. a seguir:

"Art. 25 As prorrogações de prazo, de que trata esta Lei, somente terão eficácia com assinatura de contratos de concessão que obtenham cláusula de renúncia a eventuais direitos preexistentes que contrariem a Lei 8.987, de 1995."

Enfim, a Lei 9.074/95 estabeleceu as regras para as concessões existentes e definiu que as concessões futuras deveriam obedecer à exigência de licitação, conforme já preceituava a Constituição Federal de 1988.

3.3.O Contrato de Concessão de Serviço Público de Transmissão de Energia Elétrica: aspectos relevantes do contrato da ELETROSUL

As discussões para assinatura dos contratos de concessão de serviços públicos de transmissão de energia elétrica entre a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL e as empresas transmissoras, através da Associação Brasileira das Grandes Empresas de Transmissão de Energia Elétrica – ABRATE, levaram 21 meses. No caso da ELETROSUL, O Contrato nº 57/2001-ANEEL foi assinado no dia 20.06.2001.

A demora para a assinatura do referido documento deveu-se às dificuldades do Poder Concedente, através da ANEEL, de impor aos transmissores determinadas condições que do ponto de vista empresarial são altamente questionáveis.

Vencidas as grandes polêmicas e atenuadas algumas condições que os transmissores consideravam inaceitáveis, foi o documento finalmente concluído.

A seguir traz-se a tona algumas questões que julgamos importantes tanto para as transmissoras, que exploram o serviço, como para a ANEEL a quem cabe regular e fiscalizar a prestação do serviço público.

a) Objeto e Prazo

O primeiro ponto polêmico a ser destacado no presente trabalho diz respeito ao objeto do contrato de concessão em estudo. Prevê o referido documento que:

"CLÁUSULA SEGUNDA – OBJETO

Este CONTRATO regula a concessão do serviço público de transmissão de energia elétrica, objeto da concessão de que é titular a TRANSMISSORA, cujo prazo foi prorrogado por meio da Portaria MME nº 185, de 06 de junho de 2001, publicada no Diário Oficial de 07 de junho de 2001, para as instalações relacionadas, no ANEXO I e constantes da Resolução ANEEL nº 166, de 31 de maio de 2000, publicada no Diário Oficial de 1º de junho de 2000, nas resoluções posteriores expedidas pela ANEEL, e para as INSTALAÇÕES DE CONEXÃO e DEMAIS INSTALAÇÕES DE TRANSMISSÃO, relacionadas no ANEXO II deste CONTRATO, CONSTANTES DO Processo ANEEL nº 48500.000610/99-21.

Primeira Subcláusula – Para os efeitos legais de intervenção, encampação, transferência, declaração de caducidade ou extinção, as INSTALAÇÕES DE TRANSMISSÃO, objeto deste CONTRATO, constituem uma única concessão. Incorporam-se ainda à concessão regulada neste CONTRATO, os REFORÇOS autorizados das INSTALAÇÕES DE TRANSMISSÃO relacionadas nos ANEXOS I e II."

A interpretação do referido dispositivo leva, em princípio, ao entendimento de que fazem parte da concessão os ativos existentes quando da assinatura do contrato de concessão, conforme relacionados nos anexos I e II e nas respectivas Resoluções da ANEEL.

Porém, quando focamos a Primeira Subcláusula e recorremos à definição de Reforço, constante na Cláusula Primeira e reproduzida a seguir

"XVI – REFORÇO – implantação de novas INSTALAÇÕES DE TRANSMISSÃO da REDE BÁSICA, substituição ou alteração em instalações existentes da REDE BÁSICA, recomendados pelo CCPE ou ONS e autorizados pela ANEEL, para aumento da capacidade de transmissão, ou da confiabilidade do sistema, ou que resulte em alteração da configuração do sistema interligado". (grifo nosso).

podemos alargar nosso entendimento de que novas instalações de transmissão poderão ser objeto do mesmo contrato de concessão, desde que autorizadas pela ANEEL.

Da Lei 9.074/95, destacamos:

Art. 17. O poder concedente deverá definir, dentre as instalações de transmissão, as que se destinam à formação de rede básica dos sistemas interligados, as de âmbito próprio do concessionário de distribuição e as de interesse exclusivo das centrais de geração.

§ 1º As instalações de transmissão, integrantes da rede básica dos sistemas elétricos interligados, serão objeto de concessão mediante licitação, e funcionarão na modalidade de instalações integradas aos sistemas e com regras operativas definidas por agente sob controle da União, de forma a assegurar a otimização dos recursos eletro-energéticos existentes ou futuros". (grifo nosso).

Existe, portanto, um conflito entre o contrato de concessão e a Lei, no que diz respeito às novas instalações de transmissão autorizadas às concessionárias pela ANEEL, como é o caso das obras emergenciais autorizadas em 2000 e 2001. [15] A polêmica reside no fato da ANEEL poder autorizar novas instalações sem licitação.

A solução para este dilema está na lei 8.666/93 quando prevê a dispensa de licitação em caso de emergência (art. 24, IV da Lei 8.666/93). Esta é também a opinião do professor Luiz Alberto Banchet [16] quando comenta que "remanescem, pois, aplicáveis à concessão e à permissão as hipóteses de dispensa previstas nos incs. III (guerra ou grave perturbação da ordem), IV (emergência ou calamidade pública), V (licitação deserta) e IX (risco de comprometimento à segurança nacional). Estas, aliás, são hipóteses aplicáveis a todos os contratos, qualquer que seja o seu objeto."

Com relação ao prazo da concessão, o contrato estabelece:

"CLAUSULA DÉCIMA SEGUNDA – PRAZO DA CONCESSÃO

A presente concessão da transmissão de energia elétrica, prorrogada nos termos da Portaria MME nº 185, de 06 de junho de 2001, tem prazo de 20 (vinte) anos, contado a partir da vigência da Lei nº 9.074, de 1995, encerrando-se em 7 de julho de 2015.

Primeira Subcláusula – Para assegurar a continuidade e a qualidade do SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSMISSÃO e com base nos relatórios técnicos específicos preparados pela fiscalização da ANEEL, o prazo de concessão estabelecido no caput desta Cláusula poderá ser prorrogado pelo período de até 20 (vinte) anos, mediante requerimento da TRANSMISSORA ao PODER CONCEDENTE. A eventual prorrogação do prazo da concessão estará subordinada ao interesse público e à revisão das condições estipuladas neste CONTRATO."

As obras emergenciais anteriormente citadas, que se incorporam ao atual contrato de concessão, têm tido suas receitas anuais permitidas definidas para um horizonte de 30 anos. Portanto, extrapolam o prazo do contrato de concessão. Esta sistemática está em consonância com o que dispõe o § 3º, do art. 4º da Lei 9.074/95, a seguir transcrito:

"§ 3º As concessões de transmissão e de distribuição de energia elétrica, contratadas a partir desta Lei, terão o prazo necessário à amortização dos investimentos, limitado a trinta anos, contados da data de assinatura do imprescindível contrato, podendo ser prorrogável no máximo por igual período, a critério do poder concedente, nas condições estabelecidas no contrato."

Para compatibilizar os prazos de concessão constantes do contrato com os considerados para definição das receitas das obras emergenciais, sem que haja oneração para o consumidor, será forçosamente necessário a prorrogação dos atuais contratos de concessão.

Aliás, independente das referidas obras emergenciais, somos do entendimento de que a ANEEL, não tem o poder discricionário de aprovar ou rejeitar o pleito da prorrogação da concessão. Uma vez que o concessionário venha cumprindo suas obrigações com regularidade, eficiência, segurança, atualidade, cortesia, modicidade das tarifas, interesse social e preservação do meio ambiente, e observado os procedimentos necessários para o pedido, a ANEEL, obrigatoriamente, deverá prorrogar a concessão.

A prorrogação deverá observar o princípio constitucional [17] da impessoalidade que nas palavras do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello é o princípio que "...traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações benéficas ou detrimentosa." [18] Luiz Alberto Blanchet também esclarece que "embora os textos dos §§ 2º e 3º utilizem a mesma expressão ‘a critério do poder concedente’, isto não significa que ao poder público titular do serviço esteja sendo reconhecida total e incondicionada liberdade para prorrogar ou não a concessão, sem qualquer critério objetivo." [19]

No caso específico do contrato de concessão da ELETROSUL, o art. 27 da Lei 9.427/96, já comentado no Capítulo Segundo deste trabalho, combinado com cláusula referente ao prazo de concessão, acima transcrita, forçosamente, leva ao entendimento de que, mantidas as condições indispensáveis relativas a qualidade do serviço, a concessão do mesmo deverá ser prorrogada no mínimo uma vez.

b) Equilíbrio Econômico-Financeiro

Questão que gerou polêmica quando das discussões para a assinatura do contrato de concessão diz respeito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão. A ANEEL exigiu que as Empresas transmissoras reconhecessem que suas Receitas Anuais Permitidas lhe proporcionavam equilíbrio econômico-financeiro. A situação das transmissoras envolvidas nessa discussão era completamente diferente da qual a ANEEL exigia que se reconhecesse [20], mas como todas eram e ainda são estatais, prevaleceu o poder político da ANEEL e o contrato de concessão da ELETROSUL, na cláusula sexta, primeira subcláusula, estabeleceu:

"A TRANSMISSORA reconhece que a RECEITA ANUAL PERMITIDA, juntamente com as regras de reajuste e revisão, é suficiente para estabelecer e manter o equilíbrio econômico-financeiro da concessão se serviço público objeto deste CONTRATO."

Segundo o Professor Hely Lopes Meirelles [21], equilíbrio econômico-financeiro "é a relação estabelecida inicialmente pelas partes entre os encargos do contrato e a retribuição da Administração para a justa remuneração do objeto do ajuste". No caso do contrato em estudo este equilíbrio, embora reconhecido, na prática não existe, haja vista que a Remuneração do Investimento da atividade transmissão, desde 1998, mostra-se muito abaixo do nível sinalizado para o setor elétrico que gravita em torno de 12% ª ª. O gráfico a seguir mostra a evolução da Remuneração do Investimento [22] da ELETROSUL no período de 1998 a 2001:

Fonte: Departamento Econômico-Financeiro da ELETROSUL.

O quadro acima não representa uma realidade isolada da ELETROSUL, mas das transmissoras estatais como um todo. É uma realidade que necessita ser enfrentada nos próximos anos, a fim de viabilizar economicamente as transmissoras.

Vislumbramos dois caminhos para solução do problema. Primeiro seria abrindo condições para essas empresas participarem de licitações para novos empreendimentos, que em função da maior remuneração, permitiria às transmissoras alavancar seus resultados. Seria uma estratégia de médio e longo prazo, mas que permitiria vislumbrar-se uma solução futura. Outro caminho possível seria a revisão periódica, onde a ANEEL recomporia as receitas dessas empresas de modo que as mesmas tornem-se economicamente atrativas.

Nada impede que as duas alternativas sejam implementadas concomitantemente de forma a reduzir o tempo de recomposição tarifária. Uma coisa é certa, esse é um gargalo setorial que mais cedo ou mais tarde requererá uma solução, por isso é melhor que se inicie imediatamente com dosagens que possam ser absorvidas pelos consumidores.

c) Modicidade Tarifária

A modicidade tarifária é um princípio constitucional que deve nortear a concessão dos serviços públicos, conseqüentemente os contratos que a regulam. Embora exista um certo grau de imprecisão do vocábulo modicidade, o bom senso permite concluir que sua implementação deve considerar a situação fática, ou seja, os efeitos aplicáveis ao caso concreto. Segundo o Professor Luiz Alberto Blanchet, "a modicidade, além de não poder prejudicar a adequação do serviço a ser prestado, também não pode comprometer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão" [23].

Mas nestes contratos, a modicidade tem uma especificidade. Como a transmissão, por constituir-se num monopólio natural, é uma atividade totalmente regulada, exigiu o Poder Concedente, que as receitas provenientes de outras atividades empresariais contribuam para a modicidade tarifária. É o que se depreende da Cláusula Segunda do Contrato de Concessão:

"Segunda Subcláusula – A TRANSMISSORA aceita que a exploração do SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSMISSÃO de que é titular seja realizada como função de utilidade pública prioritária, comprometendo-se somente a exercer outras atividades empresariais nos termos e condições previstas em regulamentação expedida pela ANEEL.

Terceira Subcláusula – Até que seja expedida regulamentação prevista na Subcláusula anterior, o exercício de outras atividades empresariais dependerá de prévia autorização da ANEEL. Desde já, fica acordado que a receita auferida com outras atividades deverá ter parte destinada a contribuir para a modicidade das tarifas do SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSMISSÃO, a qual será considerada nas REVISÕES PERIÓDICAS de que trata a CLÁUSULA SEXTA deste CONTRATO."

Apesar da intenção acertada do órgão regulador, somos do entendimento de que na regulamentação do assunto a ANEEL deverá tomar o cuidado de, ao privilegiar apenas a modicidade tarifária, não impedir ganhos de produtividade que em última análise beneficiará o consumidor. Encontrar esse ponto de equilíbrio não é tarefa das mais fáceis. O transmissor precisa ser estimulado a buscar ganhos.

Urge ainda que o assunto seja regulamentado, pois os agentes necessitam de regras claras para gerirem seus negócios.

d) Reajustes Anuais

Segundo Hely Lopes Meirelles, "o reajustamento contratual de preços e de tarifas é a medida convencionada entre as partes contratantes para evitar que, em razão das elevações do mercado, da desvalorização da moeda ou do aumento geral dos salários no período de execução do contrato administrativo, venha a romper-se o equilíbrio financeiro do ajuste. Para que não se altere a relação encargo-remuneração em prejuízo do contratado, a Administração procede à majoração do preço, unitário ou global, originalmente previsto para a remuneração de um contrato de obra, serviço ou fornecimento ou da tarifa inicialmente fixada para pagamento de serviços públicos ou de utilidade pública prestados por particulares, em ambos os casos em conformidade com os critérios expressamente estabelecidos no ajuste" [24]. Acrescenta ainda que "o reajuste ou reajustamento de preços ou de tarifas é conduta contratual autorizada por lei para corrigir os efeitos ruinosos da inflação. Não é decorrência da imprevisão das partes; ao contrário, é previsão de uma realidade existente, diante da qual o legislador pátrio institucionalizou o reajustamento dos valores contratuais" [25].

O contrato de concessão das transmissoras previu este instituto. Porém a fórmula estabelecida peca pela sua complexidade. Além de que já necessita ser aditada de modo a contemplar a concatenação de datas com as empresas distribuidoras.

A concatenação de datas refere-se a parcela da Receita Anual Permitida denominada de receita das demais instalações de transmissão não integrantes da Rede Básica (RPC) que, pela regra do contrato, deveria ser reajustada na mesma data da Receita Anual Permitida – RAP, mas que por solicitação das distribuidoras estão acontecendo quando do reajuste dessas empresas [26]. É necessário adaptar o Contrato de Concessão.

Por último, vale observar que o Contrato de Concessão da ELETROSUL previa que os reajustes ocorreriam nos meses de junho de cada ano, mas por problemas operacionais da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, a partir do ano 2001 estes reajustes vem ocorrendo no mês de julho. Faz-se necessário, também, ajustar o Contrato de Concessão de forma a contemplar a alteração.

e) Revisões Periódicas e Revisões Extraordinárias

Apesar das transmissoras reconhecerem no contrato de concessão que renunciam eventuais direitos preexistentes e que a Receita Anual Permitida é suficiente para estabelecer e manter o equilíbrio econômico e financeiro do contrato [27] [28], o que demonstra o abuso do Poder Concedente para com essas empresas, o referido instrumento previu mecanismos que possibilitam ao concessionário reivindicar ao Poder Concedente a manutenção do equilíbrio econômico–financeiro, que são as Revisões periódicas e as revisões extraordinárias.

Dispõe a Quinta Subcláusula, da Cláusula Quinta:

"É assegurado à TRANSMISSORA, mediante aplicação dos mecanismos de revisão previstos na Cláusula Sexta, a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro deste CONTRATO. Para fazer jus à revisão de sua RECEITA ANUAL PERMITIDA, a TRANSMISSORA deverá apresentar requerimento à ANEEL, acompanhado de relatório que demonstre o impacto da ocorrência na formação das despesas, receita e demais documentos comprobatórios justificativos do pedido."

A previsão da Revisão Periódica é expressa. Sua previsão consta da Oitava Subcláusula da Cláusula Sexta, que estabelece:

A ANEEL procederá, após a data de assinatura deste CONTRATO, a cada 4 (quatro) anos, a REVISÃO PERIÓDICA da RECEITA ANUAL PERMITIDA com o objetivo de promover a eficiência e a modicidade tarifária, conforme regulamentação específica."

Note-se que este dispositivo menciona que o objetivo da revisão periódica é tão somente promover a eficiência e a modicidade tarifária. Isso poderia levar a interpretação de que a revisão periódica permite apenas a redução da Receita Anual Permitida. Esta dúvida, entretanto, desfaz-se quando, numa interpretação sistêmica, observa-se a previsão da Quinta Subcláusula, da Cláusula Quinta, acima transcrita.

O prazo das Revisões Periódicas é de 4 anos, conforme se depreende do texto do contrato. Assim, para os contratos assinados em junho de 2001, como o da ELETROSUL, a primeira Revisão Periódica ocorrerá em junho de 2005, quando a Empresa deverá solicitá-la à ANEEL nos termos da regulamentação específica, que até hoje não foi definida.

Resta comentar que estão isentas da Revisão Periódica, para efeitos de promoção da eficiência e de modicidade tarifária, as parcelas de receita referentes às instalações de transmissão integrantes da Rede Básica (RBSE) e de receita das demais instalações (RPC) estabelecida na Resolução ANEEL nº 167/2000. A referida isenção justifica-se pelo fato dessas receitas terem sido definidas muito aquém das necessárias. Aqui prevaleceu a posição das transmissoras quando das negociações para a assinatura dos contratos de concessão.

Com relação às Revisões Extraordinárias, sua previsão contratual não é explicita, mas decorre do disposto nas subcláusulas quinta e sexta, ambas da cláusula sexta, que prevêem:

Quinta Subcláusula – no atendimento ao disposto no parágrafo 3º, art. 9º, da Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a assinatura deste CONTRATO, quando comprovado seu impacto, implicará na revisão da RECEITA ANUAL PERMITIDA, para mais ou para menos, conforme o caso.

Sexta Subcláusula – A ANEEL poderá, a qualquer tempo, proceder a revisão do valor da RECEITA ANUAL PERMITIDA, visando contribuir para a modicidade tarifária do SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSMISSÃO, sempre que houver receita adicional significativa auferida pela TRANSMISSORA com outras atividades, nos termos previstos na Terceira Subcláusula da CLÁUSULA SEGUNDA."

Um primeiro aspecto que merece destaque diz respeito a exclusão dos tributos incidentes sobre a renda como motivador para a Revisão Extraordinária. Embora esta exclusão decorra de exigência legal, conforme § 3º do art. 9º da Lei 8.987/95, não conhecemos justificativa plausível para tal exclusão, pois o investidor, quando decide aplicar seu capital analisa as receitas e os custos incidentes na atividade e com o resultado final (lucro líquido) a avalia o retorno do seu capital. Portanto, do ponto de vista do investidor, o imposto sobre a renda é um custo que deve ser considerado no momento da decisão. Dessa forma, qualquer alteração nos tributos sobre a renda, seja para mais ou para menos, no nosso entender deveria motivar a Revisão Extraordinária.

Poderia dar ensejo ao entendimento de que a Revisão Extraordinária, excetuando-se o caso dos tributos, aplica-se tão somente no sentido de revisar para baixo a Receita Anual Permitida. Pelo mesmo argumento feito para a Revisão Periódica, entendemos que a mesma aplica-se também quando os custos devidamente justificados afetarem o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos.

Note-se que neste caso não há uma periodicidade mínima estabelecida, podendo a Revisão Extraordinária, como o próprio nome sugere, ser requerida a qualquer tempo.

f) Reclassificação das Instalações de Transmissão

Ponto polêmico do contato de concessão das transmissoras também é a possibilidade de reclassificação das instalações. No caso do contrato de concessão da ELETROSUL dispõe a quarta subcláusula, da cláusula segunda:

"As INSTALAÇÕES DE TRANSMISSÃO de propriedade da TRANSMISSORA poderão ser incluídas ou excluídas da REDE BÁSICA, das INSTALAÇÕES DE CONEXÃO ou das DEMAIS INSTALAÇÕES DE TRANSMISSÃO, de acordo com a determinação da ANEEL, com a correspondente reclassificação da RECEITA ANUAL PERMITIDA, preservada a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro deste CONTRATO."

O risco dessa reclassificação para a transmissora reside no fato de que uma instalação de Rede Básica pode ser reclassificada para conexão. Neste caso a transmissora deixa de obter a receita referida à respectiva instalação oriunda do Contrato de Prestação do Serviço de Transmissão – CPST, portanto, via Operador Nacional do Sistema - ONS, com todas as garantias nele inseridas, para possuir um Contrato de Conexão à Transmissão - CCT com determinado usuário. A relação bilateral, neste caso, ensejaria uma negociação entre as partes com todas as incertezas provenientes de uma nova negociação.

Com muito custo conseguiu-se introduzir a última frase na citada subcláusula. O objetivo da mesma é o reconhecimento do Agente Regulador de que eventuais reclassificações não poderão ensejar desequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, que, conforme já exposto, é economicamente insuficiente para os padrões empresariais que se deseja para um setor vital da economia.

g) Penalidades

Outro ponto que merece a atenção dos transmissores diz respeito às penalidades decorrentes da prestação do serviço de transmissão de energia elétrica.

Prevê a cláusula oitava do contrato de concessão da ELETROSUL que:

Por infração às disposições legais, regulamentares e contratuais, pertinentes ao SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSMISSÃO, a TRANSMISSORA estará sujeita às penalidades da legislação em vigor, especialmente àquelas estabelecidas em Resoluções da ANEEL, sem prejuízo do disposto no inciso III, art. 17, Anexo I, do Decreto 2.335, de 6 de outubro de 1997, e nas CLÁUSULAS NONA e DÉCIMA deste CONTRATO.

Primeira Subcláusula – A TRANSMISSORA estará sujeita à penalidade, ente outras, de multa, aplicada pela ANEEL, nos termos da Resolução nº 318, de 6 de outubro de 1998, no valor máximo, por infração incorrida, de 2% (dois por cento) do valor da RECEITA ANUAL PERMITIDA da TRANSMISSORA nos últimos 12 (doze) meses anteriores à lavratura do auto de infração, nos termos da regulamentação."

É lógico que um serviço essencial como a energia elétrica requer responsabilidade do concessionário e ao Poder Concedente cabe exigi-la. Assim, a multa constitui-se numa pena para que o concessionário evite as situações em que estará sujeita às mesmas.

Do ponto de vista empresarial, entretanto, é importante atentar para as situações em que a Aneel poderá impor as referidas sanções, pois as mesmas poderão atingir até 2% da Receita Anual Permitida, o que pode significar 24% da receita mensal para cada infração.

No presente trabalho não vamos trabalhar os casos em que as penalidade se aplicam. Nosso objetivo é apenas chamar a atenção para os impactos que as multas podem causar às Empresas.

h) Intervenção na Concessão

Além das penalidades previstas no contrato e na legislação, a ANEEL poderá intervir na concessão. Desta intervenção, que inicialmente tem caráter provisório com prazos estabelecidos em lei, pode resultar inclusive a extinção da concessão.

A prerrogativa para a intervenção, antes mesmo da previsão contratual, decorre da Lei. O art. 32 da Lei 8.987, de 13.02.95, dispõe que:

Art. 32. O poder concedente poderá intervir na concessão, com o fim de assegurar a adequação na prestação do serviço, bem como o fiel cumprimento das normas contratuais, regulamentares e legais pertinentes.

Parágrafo único. A intervenção far-se-á por decreto do poder concedente, que conterá a designação do interventor, o prazo de intervenção e os objetivos e limites da medida."

Conforme esclarece o Professor Luiz Alberto Banchet, na concessão o poder público outorga somente o exercício do serviço permanecendo com ele a titularidade do mesmo. Dessa forma, o dever de assegurar a prestação adequada do serviço continua com o poder outorgante. Se o concessionário falhar o poder concedente terá o direito de intervir para resgatar a legalidade e a normalidade da prestação. Sobre o assunto o ilustre mestre esclarece que "a finalidade da intervenção resume-se, como se vê, na readequação da prestação do serviço e, mesmo quando a adequação ainda não está comprometida, evitar que o concessionário ou permissionário venha a comprometê-la, nos casos em que seu comportamento já estiver apontando em tal direção pelo descumprimento das normas contidas no contrato, no regulamento e nas leis pertinentes." (29)

A intervenção poderá ser definitiva ou transitória. Será definitiva quando ensejar a extinção da concessão e será transitória quando a concessão for devolvida para o outorgado.

Sobre a extinção da concessão trabalharemos no próximo item, já sobre a devolução da concessão após intervenção (intervenção transitória), temos que a mesma ocorrerá em quatro hipóteses, quais sejam: a) quando decorridos 180 dias sem que o processo seja concluído; b) quando não resultar comprovada a materialidade do motivo da intervenção, ou seja, os fatos alegados como motivação não estão presentes); c) quando ocorridos os fatos a sua valoração não se mostrar adequada e suficiente para embasar a intervenção; d) quando ficar comprovada a irresponsabilidade do prestador do serviço. [30]

Enfim, a intervenção na concessão constitui-se numa etapa que antecede a extinção da concessão onde o outorgado possui amplo direito de defesa, mas que pode desembocar na extinção da referida concessão.

i) Extinção da Concessão e Reversão dos Bens Vinculados

A extinção da concessão é um instituto jurídico previsto em lei e que foi reproduzido pelo Contrato de Concessão. A previsão da Lei 8.987/95 é de que:

"Art. 35. Extingue-se a concessão por:

I - advento do termo contratual;

II - encampação;

III - caducidade;

IV - rescisão;

V - anulação; e

VI - falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual."

O advento do termo final do Contrato, para usar a expressão do instrumento assinado em junho de 2001, refere-se à data limite da concessão. Portanto, em 07 de julho de 2015, encerra-se o Contrato de Concessão da ELETROSUL, salvo ocorra prorrogação. Não é demais lembrar que o art. 27 da Lei nº 9.427/96 já previu a prorrogação da concessão quando os serviços estivem sendo prestados nas condições estabelecidas no contrato e na legislação, conforme já expusemos anteriormente.

A encampação é o instituto jurídico que possibilita a retomada do serviço pelo poder concedente, durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização do concessionário.

A caducidade diz respeito à intervenção do Poder Concedente em função da inexecução total ou parcial do contrato. A Lei prevê os casos onde pode ocorrer a caducidade:

"Art. 38......

§ 1o A caducidade da concessão poderá ser declarada pelo poder concedente quando:

I - o serviço estiver sendo prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas, critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço;

II - a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições legais ou regulamentares concernentes à concessão;

III - a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior;

IV - a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a adequada prestação do serviço concedido;

V - a concessionária não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos devidos prazos;

VI - a concessionária não atender a intimação do poder concedente no sentido de regularizar a prestação do serviço; e

VII - a concessionária for condenada em sentença transitada em julgado por sonegação de tributos, inclusive contribuições sociais."

Rescisão significa rompimento de um contrato. No caso específico da transmissão, entendemos que a previsão refere-se ao caso de rescisão promovida pelo concessionário mediante ação judicial própria.

A anulação, que no Contrato da ELETROSUL foi complementada pela expressão "decorrente de vício ou irregularidade constatados no procedimento ou no ato de sua outorga" [31], diz respeito ao defeito do ato jurídico que oficializou a concessão. Dessa forma, ocorrendo nulidade do referido ato, nulo serão seus efeitos.

A falência ou extinção da concessionária admite duas hipóteses. A primeira quando a extinção ocorrer por decisão motivada por processo judicial que decreta o fim da empresa concessionária por impossibilidade econômica absoluta de continuar gerindo seus negócios. E a segunda nos casos em que a empresa extingue-se mas não decorrente de um processo falimentar. Seria o caso da morte do titular de empresa individual, como mencionado na Lei. O Contrato de Concessão não reproduziu a restrição, limitando-se a descrever a "falência ou extinção da transmissora" [32]. Essa segunda hipótese, todavia, é impossível no caso das transmissoras de energia elétrica, uma vez que por força do art. 2º da Lei 8.987/95, a concessão somente pode ser outorgada à pessoal jurídica ou consórcio de empresas.

A extinção da concessão determinará a reversão dos bens vinculados ao serviço para o Poder Concedente, que deverá realizar os levantamentos e as avaliações do montante da indenização devido à concessionária.

Fato interessante diz respeito à origem dos recursos para o pagamentos das indenização. O Contrato faz menção a recursos da Reserva Global de Reversão – RGR, que na data de assinatura dos contratos, tinha a previsão de ser extinta em 2002 [33]. Aqui já estava presente o gene de que o referido encargo não seria extinto como previsto.

Vale destacar, que em qualquer hipótese de extinção da concessão, o Poder Concedente deverá assumir a prestação do serviço, para garantir a continuidade e regularidade do mesmo.

Registre-se ainda, que o concessionário poderá mover ação específica para rescindir o contrato de concessão, em caso de descumprimento das condições pactuadas. Entretanto o concessionário não poderá interromper a prestação do serviço enquanto não transitar em julgado a decisão judicial que decidir pela rescisão.

j) Compartilhamento das Instalações

O Contrato de Concessão da ELETROSUL prevê que a empresa transmissora deverá compartilhar instalações e infra-estrutura existentes e permitir a edificação em áreas disponíveis que já estejam sendo remuneradas pela Receita Anual Permitida. Essa previsão tem criado situações difíceis de serem administradas, uma vez que implica na ocupação de terceiros em instalações de propriedade da transmissora.

Até mesmo a exigência contratual de que o referido compartilhamento deve respeitar os padrões técnicos das empresas. Na prática observa-se conflitos entre empresas e entre técnicos das empresas num segmento cuja periculosidade está sempre presente. É o caso, por exemplo, da responsabilidade nos acidentes, a quem será imputada a culpa?

Nesse sentido, consideramos que a ANEEL deveria preocupar-se mais com essas situações, procurando minimizar o número de agentes compartilhando instalações.


CONSIDERAÇÃO FINAIS

Ao longo do presente trabalho procuramos analisar os pontos que consideramos relevantes nos contratos de concessão das transmissoras, mais especificamente do contrato de Concessão nº 57/2001 assinado entre a ELETROSUL e a ANEEL em 30 de junho de 2001.

Temos consciência de que o referido instrumento foi resultado de uma ampla discussão no Setor Elétrico e que se o resultado não foi perfeito, podemos afirmar que foi o possível e que atendeu os anseios tanto do Órgão Regulador como dos agentes de transmissão. Não obstante esse fato, achamos importante tecer comentários sobre os pontos que necessitam atenção dos administradores para que possamos aperfeiçoá-lo.

Neste contexto, é importante que o equilíbrio econômico e financeiro constantes dos contratos de concessão não seja entendido como uma questão resolvida. Os números mostram que a transmissão é o setor menos rentável do setor elétrico. É preciso enfrentar essa questão, seja via revisão tarifária e/ou através do estímulo a novos investimentos que, na margem, ajudam a recuperar esse segmento.

Também é importante definir o futuro dessas empresas. Hoje verificamos que existe, por parte do governo, uma grande preocupação com os agentes privados, sejam geradores, distribuidores e mesmo transmissores. Para esses agentes o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES oferece financiamento para a expansão e mesmo para cobertura de déficit, como o decorrente do apagão, o chamado Acordo Geral do Setor Elétrico. Já para as transmissoras estatais, notadamente as do grupo ELETROBRÁS, a realidade é totalmente outra, uma vez que além das mesmas não terem acesso às linhas de crédito acima, ainda são impedidas de concorrer com a iniciativa privada nos leilões promovidos pela ANEEL, como ocorreu recentemente no leilão do dia 14.08.2002, onde as transmissoras do Grupo ELETROBRÁS foram impedidas de participar.

Atitudes desse tipo, que a nosso ver decorrem das pressões dos agentes privados para evitar concorrência, são lesivas não só à sociedade, mas aos próprios acionistas minoritários da ELETROBRÁS que estão tendo seus direitos cerceados por decisão do acionista controlador, o Governo Federal. Tal procedimento pode, em breve, ensejar demandas judiciais, pois ferem direitos desses acionistas agora reforçados pela Lei.

É preciso ter claro que essas empresas representam um patrimônio público e mesmo que no futuro venham a ser privatizadas, elas precisam ser economicamente viáveis.

Várias questões precisam ainda ser regulamentadas a fim de possibilitar maior segurança aos agentes. A modicidade tarifária que no contrato é tratada de forma imprecisa, requer regulamentação para possibilitar às transmissoras maximizar o uso de suas instalações como fibras óticas nos cabos para raios, laboratórios de alta tensão, prestação de serviços de engenharia, operação e manutenção, etc. A definição da remuneração dos investimentos em empreendimentos autorizados é outra questão que precisa ser clareada pela ANEEL. Hoje as empresas são exigidas a investir, mas não têm a garantia do quanto terão de remuneração por estes investimentos. É preciso definir a metodologia a ser utilizada e o valor da remuneração.

Enfim, a transmissão de energia elétrica precisa ser tratada como uma atividade empresarial que necessita autosustentar-se. O Governo, através do Ministério de Minas e Energia – MME e da ANEEL, tem tido esse entendimento com relação aos novos empreendimentos colocados em leilão, pois a receita máxima dos editais apontam para uma remuneração adequada, mas é preciso que se voltem os olhos para a transmissão estatal que detém a quase totalidade da Rede Elétrica do País, mas que de forma generalizada não tem sido tratada com atividade econômica.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitação e Contratos Administrativos. 8ª ed. São Paulo: Dialética, 2002.

MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24ª ed. Atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 1999.

SILVEIRA, Janildo Jovino. Determinantes da Crise do Setor de energia Elétrico Brasileiro. Monografia apresentada no Curso de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Florianópolis, 1990.


NOTAS

1 Curso de Direito da Energia, p. 57.

2 Conforme Geraldo Pereira Caldas no livro Concessões de Serviços Públicos de Energia Elétrica, pp 40 e 41.

3 O Decreto nº 60.824, de 07 de junho de 1967, recomenda que as empresas de energia elétrica se constituam sob a forma de economia mista.

4 A RGR foi instituída pela Lei 5.655, de 20.05.1971.

5 Geraldo Pereira Caldas, op. cit., p. 44.

6 De acordo com o novo modelo o setor elétrico será desverticalizado em 4 categorias de empresas: geradoras, transmissoras, distribuidoras e comercializadoras. A concorrência deve ocorrer no segmento geração e comercialização. Já na transmissão e na distribuição, por constituírem-se em monopólios naturais, deverão ser segmentos altamente regulados.

7 O planejamento deve ser indicativo para a geração e determinativo para a transmissão.

8Curso de Direito Administrativo, pp.499/500.

9 Nas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello esta Medida Provisória é "inconstitucionalíssima", op. cit. p.502.

10 Luiz Alberto Blanchet, Concessão de Serviços Públicos, p. 121.

11 Op. cit. p.124.

12 Op. cit, p. 128

13 Op. cit,. p. 129

14 O prazo de concessão dos serviços públicos de transmissão de energia elétrica da ELETROSUL será tratado com mais detalhes no capítulo seguinte deste trabalho.

15 No caso da ELETROSUL as Resoluções ANEEL nº 557/2000 e 013/2001 autorizaram a implantação de Subestação e Linhas de Transmissão dos Estados do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.

16 Op. cit, 79.

17 Conforme art. 37, da Constituição Federal de 1988.

18 Op. cit, p. 70.

19 Op. cit, p. 202.

20 Matéria publicada no Jornal Gazeta Mercantil do dia.19 de maio de 2002 demonstrava a situação das transmissoras de energia elétricas brasileira. Segundo números da Associação Brasileira das Empresas Transmissoras de energia elétrica - ABRATE, citada pela matéria jornalística, a rentabilidade do ativo de cinco empresas transmissoras (FURNAS, CTEEP, CHESF, CEMIG e ELETROSUL) varia de –5,59% a 4,5%, no período de 1999 a 2001, ou seja muito abaixo dos padrões aceitáveis para o setor da ordem de 11 a 12%. A solução para o problema poderia advir dos novos investimentos, onde a remuneração é maior, permitindo melhor resultado do mix.

21 Direito Administrativo Brasileiro, p. 197.

22 "Remuneração do Investimento" é o valor apurado a partir da "Receita Operacional" (faturamento da Empresa + outras receitas), subtraindo-se as "Deduções a Receita Operacional" (tributos incidentes sobre a receita operacional + Reserva Global de Reversão – RGR) e a "Despesa Operacional" (Passoal, Material, Serviços e Outros), o valor resultante dessa subtração, dividido "Imobilizado em Serviço da Empresa" (Ativos de Transmissão) é o Resultado do Serviço. É um número muito usado no Setor Elétrico e de maneira geral deve gravitar em torno de 10 a 12%. No caso da ELETROSUL o Resultado do Serviço observado no período está muito aquém deste parâmetro.

23 Op. cit., p. 56.

24 Op. cit. p. 198.

25 Op. cit, p. 198

26 Sobre este assunto foi editada a Portaria Interministerial nº 25, de 24 de janeiro de 2002 (Ministério da Fazenda e Ministério de Minas e Energia) que determinou a concatenação de datas de reajuste entre transmissoras e distribuidoras, no que concerne a RPC.

27 No caso do Contrato de Concessão da ELETROSUL a renúncia a direitos preexistentes está prevista na Cláusula Segunda, Quinta Subcláusula e a suficiência da Receita Anual Permitida está na Cláusula Sexta, Primeira Subcláusula.

28 Sobre o equilíbrio econômico financeiro já registramos em item específico que a realidade das empresas está muito longe do que preconiza o Contrato de Concessão.

29 Op cit., p. 164

30 Conforme Luiz Alberto Banchet, op. cit., pp. 165/166

31 De acordo com a Cláusula Décima, inciso V do Contrato de Concessão da ELETROSUL.

32 Idem, inciso VI.

33 Posteriormente, a Lei 10.438/2002 prorrogou a vigência da RGR até o ano de 2010.



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Janildo Jovino da. O contrato de concessão da Eletrosul: aspectos relevantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 641, 10 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6470. Acesso em: 25 abr. 2024.