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O contraditório e a ampla defesa no processo administrativo disciplinar

O contraditório e a ampla defesa no processo administrativo disciplinar

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Expresso na Constituição Federal, o direito ao contraditório e à ampla defesa é assegurado tanto ao processo judicial, quanto ao processo administrativo. Entenda quais as repercussões desta previsão no âmbito do processo administrativo disciplinar e como STF e STJ tem se posicionado sobre a matéria.

INTRODUÇÃO

A presente monografia versa sobre o princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar: na visão dos tribunais. Expresso na Constituição Federal, no artigo 5, LV, o direito a ampla defesa, é assegurado tanto ao processo judicial, como ao processo administrativo. Portanto deve ser observado no processo administrativo disciplinar.

A escolha do presente tema deu-se em virtude de que, apesar de expresso na Constituição Federal, o princípio da ampla defesa por vezes deixa de ser observado no processo administrativo disciplinar, fazendo com que a parte prejudicada recorra ao Poder Judiciário para sanar o erro cometido na esfera administrativa.

O objetivo deste estudo é verificar o entendimento dos tribunais acerca da observância do princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar. Para tanto, utiliza-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

A comprovação do objetivo expresso no parágrafo anterior se dará pelo método indutivo1, baseando-se em pesquisa bibliográfica, e pesquisa jurisprudencial nos sites dos Tribunais mencionados.

Para tanto, o trabalho será dividido em três capítulos. O primeiro será dedicado a Administração Pública. Seu conceito, princípios, poderes e deveres que norteiam toda atividade administrativa em si. Elencados no artigo 37 da Constituição Federal, os princípios da Administração Pública são aplicados em toda sua extensão, incluindo o processo administrativo disciplinar.

O segundo, trata do processo disciplinar na Administração Pública. Sua classificação, fases, princípios, e demais questões inerentes ao processo administrativo disciplinar.

O terceiro, trata, no primeiro item, do princípio da ampla defesa aplicado especificamente ao processo administrativo disciplinar. Verificar-se-á a maneira como é observado o princípio constitucional no decorrer do processo administrativo disciplinar. E nos itens seguintes, o objetivo deste trabalho, mostrar-se-á pelo posicionamento dos Tribunais na aplicação da ampla defesa.

Para chegar à conclusão suscitada, serão apresentadas diversas decisões do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

Importante salientar que não é intenção desta monografia esgotar o tema, face às peculiaridades que possui. O que se pretende é suscitar o debate em especial, para que o princípio da ampla defesa, previsto na Constituição federal, seja sempre observado, permitindo um processo administrativo disciplinar justo para todos os acusados, nas mais distintas esferas da Administração Pública.


Capítulo 1

A AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

​1.1CONCEITO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO DIREITO BRASILEIRO

Se a organização do Estado, o governo e a função política são matérias de estudo do direito constitucional, cabe ao Direito Administrativo o estudo da estrutura da Administração Pública2.

Como ensina Silva (2005, p.654)

[...] o Estado se manifesta por seus órgãos, que são supremos (constitucionais) ou dependentes (administrativos). Aqueles são os a quem incumbe o exercício do poder político, cujo conjunto se denomina governo ou órgãos governamentais. Os outros estão em plano hierárquico inferior, cujo conjunto forma a Administração Pública.

Não será tratado a fundo o tema da organização do Estado, porém vale a pena lembrar que o Brasil é uma federação (formada pela união dos Estados, Municípios e Distrito Federal), assegurada autonomia político-administrativa aos entes que formam a federação.

Segundo Carlin (2001, p.64), “Cada esfera exerce os poderes que lhe são conferidos, implícita ou explicitamente, pela Constituição em sua respectiva área de atuação [...]”.

Esses poderes dados pela Constituição, são exercidos em cada esfera pela Administração Pública: a federal, da Administração Federal; a de cada estado, Administração Estadual; a do Distrito Federal e a de cada Município, Administração Municipal ou local. Embora ocorra existência da Administração Pública em níveis diferentes, todas possuem o mesmo objetivo, como esclarece Silva (2005, p.655) “Administração Pública é o conjunto de meios institucionais, materiais, financeiros e humanos preordenados à execução das decisões políticas”.

Agora o que seria Administração Pública? Ou qual significado de Administração? Em todas as áreas da sociedade temos exemplos de Administração, seja em qualquer empresa, seja em um clube de futebol, associação de bairro, partido político etc. Todos possuem, e dependem de sua Administração para sua melhor organização, e para atingir os fins a que se propõe. Para chegarmos em Administração Pública, vale a pena primeiro observar a lição de Mello (1969, p.43), para o vocábulo Administração.

A palavra administração, etimologicamente, vem do latim, segundo uns, da preposição ad e do verbo ministro-as-are, que significa servir, executar, e, segundo outros, de ad manus trahere, que envolve idéia de direção ou gestão. Daí a possibilidade de lhe emprestar sentido amplo, sem restringi-lo a uma compreensão tão-somente de execução subordinada. Lícito, também, se afigura incluir nela a compreensão de deliberação, de comando.

A expressão Administração Pública encontra duas classificações dentro do Direito Administrativo. Segundo Di Pietro (2004, p.54), são elas:

a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa;

b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo.

Quanto a esta divisão, entre sentido subjetivo ou formal, e sentido objetivo ou material, vale lembrar a lição do desembargador Carlin (2001, p.64), segundo ele o sentido organizacional (orgânico ou formal) e funcional (material) seriam, respectivamente:

No sentido organizacional, ela é a estrutura ou o aparelhamento destinado à realização de tais atividades, como, por exemplo, o ministério, as secretarias, os departamentos e as coordenadorias. Enfim, é o conjunto de órgãos que produzem serviços administrativos.

No sentido funcional, ela é o conjunto de atividades que auxiliam o exercício das funções de governo, como, por exemplo, no ensino público, calçamento, coleta de lixo. Não se enquadra nem no Legislativo, nem no Judiciário.

Baseado nestes conceitos, pode-se dizer que Administração Pública, em sentido subjetivo é “o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado” (DI PIETRO, 2004, p.62); e em sentido objetivo, “a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve, sob o regime jurídico de direito público, para a consecução dos interesses coletivos” (DI PIETRO, 2004, p.61).

Devido às diferentes utilizações da expressão “Administração Pública”, seu conceito também encontra diferentes interpretações:

Em sentido lato, administrar é gerir interesses, segundo a lei, a moral e a finalidade dos bens entregues à guarda e conservação alheias. Se os bens e interesses geridos são individuais, realiza-se administração particular; se são da coletividade, realiza-se administração pública. Administração pública, portanto, é a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade no âmbito federal, estadual ou municipal, segundo os preceitos do Direito e da moral, visando ao bem comum (MEIRELLES, 1990, p.79).

Já para Cretella Júnior (1999, p.17), o conceito de Administração Pública

É não só Governo, poder executivo, a complexa máquina administrativa, o pessoal que a movimenta (conceito formal), como também a atividade desenvolvida (conceito material) por esse indispensável aparelhamento que possibilita ao Estado o preenchimento de seus fins.

Em suma, “é a atividade que o Estado desenvolve por meio de seus órgãos, para a consecução do interesse público (ótica formal e material)” (MUKAI, 1999, p.19). Cabe à Administração Pública tratar dos interesses da coletividade, buscando atender da maneira mais eficiente possível os anseios de seus administrados. Sempre, porém, obedecendo aos princípios da Administração Pública, elencados no caput do art. 37 da Constituição.

1.2 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Antes de tratar dos princípios estabelecidos na Constituição, especialmente para a Administração Pública, vale a pena lembrar o sentido da palavra princípio:

[...] denomina-se ‘princípio’ de uma ciência ao conjunto das proposições diretivas, características, às quais todo o desenvolvimento ulterior deve ser subordinado. Princípio, neste sentido, e principal despertam sobretudo a idéia do que é primeiro em importância, e, na ordem do consenso, do que é fundamental (FIGUEIREDO, 2004, p.37-38).

Relembrado o significado da palavra princípio, cabe agora uma definição dos princípios gerais de direito, que segundo Figueiredo (2004, p.38)

[...] são normas gerais, abstratas, não necessariamente positivadas expressamente, porém às quais todo ordenamento jurídico, que se construa, com a finalidade de ser um Estado Democrático de Direito, em sentido material, deve respeito.

São estes princípios que regulam todo o ordenamento jurídico, ora com princípios estabelecidos na Constituição, ora com princípios que não estão expressamente positivados, mas que também devem ser seguidos por todos, como base de qualquer matéria jurídica.

Se todos tem que se submeter e respeitar as mais diferentes e diversas leis que regulam o nosso país, o que dirá a Administração Pública, regida por princípios gerais, visando o interesse coletivo e de seus administrados.

Como a Administração Pública é responsável pelos recursos públicos, deve sempre seguir os princípios constitucionais da Administração Pública para nunca desviar de seu principal objetivo “correta gestão dos negócios públicos e no manejo dos recursos públicos (dinheiro, bens e serviços) no interesse coletivo, com o que também se assegura aos administrados o seu direito a práticas administrativas honestas e probas” (SILVA, 2005, p.666).

Segundo a Constituição Federal, em seu artigo 37, caput, toda Administração Pública, quer seja da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...].

Meirelles (2003, p.85-86) enumera em doze, os princípios que sempre devem ser observados e seguidos pelos bons administradores: legalidade, moralidade, impessoalidade ou finalidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, motivação e supremacia do interesse público. Ele os denomina de princípios básicos da Administração Pública. No entanto, deve-se observar todos os princípios elencados no artigo 37 da Constituição Federal.

1.2.1 Princípio da legalidade

Quanto ao princípio da legalidade, esclarece Meirelles (2003, p.86) que a “eficácia de toda atividade administrativa está condicionada ao atendimento da lei”.

Continua o mesmo autor:

Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei, para o particular, significa ‘pode fazer assim’; para o administrador significa ‘deve fazer assim’.

Para Bandeira de Mello (2004, p.92), legalidade seria o princípio

[...] da completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão-somente obedece-las, cumpri-las, pô-las em prática. Daí que a atividade de todos os seus agentes, desde o que lhe ocupa a cúspide, isto é, o Presidente da República, até o mais modesto dos servidores, só pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições gerais fixadas pelo Poder Legislativo, pois esta é a posição que lhes compete no Direito Brasileiro.

Como este princípio não é específico do Direito Administrativo, deve-se atentar para as duas definições do mesmo. A primeira quanto ao Direito Privado “tendo como pano de fundo a autonomia da vontade, a incidência da principiologia da legalidade implica que as pessoas podem fazer tudo aquilo que a lei não proíba (art. 5, II, da CF)” (ANJOS e ANJOS, 2001, p.54). Do outro lado está a definição adequada ao Direito Público, segundo a qual “o Estado só pode agir quando expressamente autorizado por lei. Esse é o conteúdo do princípio da legalidade para a Administração Pública (art. 37 da CF)” (ANJOS e ANJOS, 2001, p. 54).

1.2.2 Princípio da impessoalidade

O princípio da impessoalidade possui uma definição voltada para a relação entre Administração Pública e seus administrados, e outra que diz respeito à própria Administração Pública.

De acordo com Anjos e Anjos (2001, p.54):

O primeiro aspecto está vinculado ao princípio da isonomia, da igualdade (art. 5, caput, da CF) de tratamento que deve o Estado dispensar em relação aos administrados, atuando de forma impessoal, sem dar preferências subjetivas a este ou àquele [...].

Este aspecto fica claro quanto às contratações, licitações que devem obedecer a procedimentos estabelecidos para não privilegiar nenhum candidato. Exemplo mais comum do princípio da impessoalidade seria os concursos públicos para admissão no quadro funcional do Estado.

Já o segundo aspecto, diz respeito à impessoalidade dos atos praticados pela Administração Pública “Logo, os atos do Poder Público são praticados não pela pessoalidade deste ou daquele administrador, e sim pela autoria da Administração Pública objetivamente considerada” (ANJOS e ANJOS, 2001, p.54).

Alguns autores, como Di Pietro e Meirelles, tratam este princípio como sinônimo do princípio da finalidade.

o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de Direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal (MEIRELLES, 2003, p.90).

Como a Administração Pública está gerindo interesses da coletividade, e não interesses pessoais, nada mais justo que seus interesses não interfiram na sua função pública. Suas preferências pessoais não podem sobrepor nenhum dos princípios da Administração Pública. Em semelhança com a justiça que não deve “enxergar” as partes, tratando igualmente a todos, em conseqüência, não privilegiará ninguém.

1.2.3 Princípio da moralidade

Este princípio trata da moralidade no âmbito administrativo, e não na questão do que é moral ou imoral para cada pessoa, de acordo com sua educação e princípios pessoais, que muitas vezes divergem dos princípios legais, e ainda mais dos princípios da Administração Pública aqui tratados.

Citando a lição de Carvalho Filho (2005, p.17-18), a moralidade consiste

Que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto.

Atualmente, o princípio da moralidade não diz respeito apenas ao devido cumprimento dos princípios elencados no art. 37 da Constituição, mas também ao cumprimento destes princípios com a maior qualidade e eficiência possível, “improbidade ou imoralidade não são apenas resultados de atos desonestos, abrangendo também aqueles atos frutos da inabilidade, inaptidão ou despreparo para administrar de um modo geral” (ANJOS e ANJOS, 2001, p.56). Portanto, nesse ponto, confunde-se este princípio com o da eficiência, que será abordado posteriormente3.

1.2.4 Princípio da publicidade

Os atos da Administração Pública têm como objetivo mediato seus administrados. Desta forma, seria lógico que todos os mesmos administrados deveriam ter ciência destes atos. Tal questão cabe ao princípio da publicidade, que determina a maior divulgação dos atos realizados pela Administração Pública, a fim de que atinjam seus efeitos externos.

A publicidade possui dois significados, “Uma é no sentido de que os atos praticados pela Administração Pública são de acesso ao público, devendo ser publicados nos termos que a legislação específica regular” (ANJOS e ANJOS, 2001, p.57).

Esta publicidade pode ser através da imprensa oficial, Diários Oficiais da União e dos Estados, ou no caso de alguns municípios, como Porto Alegre, que possuem seus diários. Também na imprensa particular, jornais, revistas etc. Ou em local previamente estabelecido4 para esta finalidade. Todos com o mesmo objetivo, de cientificar os administrados dos atos realizados.

Já o outro significado da publicidade, consta no § 1 do art. 37 da CF5, indicando que a Administração Pública deve fazer propaganda de seus atos, programas, obras, serviços e campanha dos órgãos públicos desde que seja em caráter educativo, informativo ou de orientação social.

Lembrando que este princípio não poderá desrespeitar o princípio da impessoalidade, não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizam promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. Não é vedado, porém, a divulgação da gestão que realizou tais atos, motivo este que possibilita a ampla utilização deste princípio para propaganda política.

Para Meirelles (2003, p.92), o princípio da publicidade seria

a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos. Daí por que as leis, atos e contratos administrativos que produzem conseqüências jurídicas fora dos órgãos que os emitem exigem publicidade para adquirirem validade universal, isto é, perante as partes e terceiros.

Sendo a atuação da Administração Pública de interesse da coletividade, é necessário que todos tenham acesso as informações sobre seus atos, podendo assim fiscalizar seu desempenho. Por exemplo, diz respeito a todos habitantes de uma cidade saber quanto a prefeitura está arrecadando, e como está aplicando estes recursos.

1.2.5 Princípio da eficiência

Não basta a Administração Pública desempenhar sua função com legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, se também não o fizer com eficiência. Meirelles (2003, 94) destaca que este princípio

Exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.

Como de um empregado da iniciativa privada, do agente público também é cobrado o dever de eficiência, para melhor atendimento dos interesses públicos. Esta cobrança diz respeito à atuação do referido agente, como também o modo de organização da própria Administração. Como bem esclarece Di Pietro (2004, p.83)

O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.

Porém, esse dever de eficiência nunca poderá atropelar outro princípio da Administração Pública “eficiência é o princípio que se soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito” (DI PIETRO, 2004, p.84).

1.3 PODERES E DEVERES DO ADMINISTRADOR PÚBLICO

Todo Administrador Público possui poderes e deveres que devem ser seguidos, porquanto estão na lei, na moral administrativa, ou são de interesse dos administrados e devem, portanto, ser executados e seguidos.Como bem orienta Mukai (1999, p.154)

Para a concretização do interesse público, que, em última análise, resume-se no bem coletivo, os administradores públicos detêm poderes e deveres, ou seja, meios e responsabilidades para o exercício das respectivas funções públicas em prol de todos os que se achem no âmbito territorial ou funcional de suas atribuições legais.

O Administrador Público deve sempre visar ao interesse da coletividade ao executar seus atos. Vale a pena lembrar que os poderes do Administrador Público são outorgados por lei, e não podem ser usados fora da função que o Administrador Público exerce. Embora claro, diversos são os exemplos em que o Administrador Público “esquece” que o poder pertence à função exercida, e não a pessoa que a exerce, e utiliza o poder de seu cargo para benefício próprio, em flagrante abuso de poder.

1.3.1 Poder-dever de agir

Não só o Administrador Público, mas toda autoridade pública além do poder, tem o dever de agir em prol da coletividade no exercício de suas funções. Como bem salienta Meirelles (2003, p.101) ao definir o poder-dever de agir do Administrador Público:

O poder tem para o agente público o significado de dever para com a comunidade e para com os indivíduos, no sentido de que quem o detém está sempre na obrigação de exercitá-lo.

Enquanto para o cidadão comum o poder de agir é uma opção, para o Administrador Público esse poder é uma obrigação, podendo ser de sua responsabilidade qualquer ato decorrente de sua omissão.

Depois de visto o principal dever do Administrador Público, partir-se-á para os demais. São três, enumerados por Meirelles (2003, p.102) como os principais deveres do Administrador Público, são eles: Dever de eficiência, dever de probidade e dever de prestar contas.

1.3.2 Dever de eficiência

Para se manter competitiva nos dias de hoje, qualquer empresa deve, em primeiro lugar, agir com extrema eficiência. Essa eficiência depende de todos seus funcionários. Na Administração Pública não é diferente, sendo a eficiência um dos deveres do Administrador Público.

Para Mukai (1999, p.156-157) o dever de eficiência seria “exercer suas atribuições com a melhor qualidade, o menor dispêndio de recursos materiais, inclusive naturais, e financeiros, no menor tempo possível e com o maior respeito ao usuário dos serviços”.

Em razão deste dever, o Administrador Público necessita de uma qualidade técnica para desempenho de sua função. Devendo privilegiar este conhecimento como critério para admissão de funcionários, sempre objetivando a melhor eficiência. O dever de eficiência é muito cobrado nos dias de hoje quando a população normalmente possui acesso aos números do desempenho da Administração Pública, podendo com isso analisar a atuação do Administrador Público nas mais diversas esferas do Executivo, Legislativo e Judiciário.

1.3.3 Dever de probidade

O próximo dever da Administração Pública é o dever de probidade. Este dever seria a obrigação de agir com honestidade no desempenho de sua função pública.

Decorre do dever constitucional de agir conforme os princípios da moral na Administração Pública, isto é, com boa-fé, fidelidade à verdade, respeito a toda pessoa humana, sem causar danos a quem quer que seja, sem dilapidar o patrimônio público, sem usar do cargo ou função apenas para benefício próprio ou extrair vantagens egoísticas (MUKAI, 1999, p.157).

O dever de probidade é constitucional e obrigatória é sua observância por todos os agentes públicos, sob pena de sofrerem a punição prevista na Constituição para os atos de improbidade administrativa6. A improbidade administrativa está sujeita a diversas sanções segundo a Constituição Federal, em seu art. 37, § 4

Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Se o Administrador Público possui a obrigação de agir com eficiência e probidade, nada mais certo do que o dever de prestar contas de sua atuação, para possibilitar aos seus administrados o controle de sua atuação conforme seus deveres exigem.

1.3.4 Dever de prestar contas

Quanto ao dever de prestar contas, Meirelles (1990, p.92) assim o define:

é decorrência natural da administração como encargo de gestão de bens e interesses alheios. Se o administrar corresponde ao desempenho de um mandato de zelo e conservação de bens e interesses de outrem, manifesto é que quem o exerce deverá contas ao proprietário. No caso do administrador público, esse dever ainda mais se alteia, porque a gestão se refere aos bens e interesses da coletividade e assume o caráter de um múnus público, isto é, de um encargo para com a comunidade. Daí o dever indeclinável de todo administrador público – agente político ou simples funcionário – de prestar contas de sua gestão administrativa, e nesse sentido é a orientação de nossos Tribunais.

Como cabe ao Administrador prestar contas de seu desempenho diante da coletividade, não se limita este dever apenas na forma como é gasto o dinheiro, mas também de todos os demais atos administrativos e aspectos formais inerentes aos mesmos, por exemplo: contábil, financeiro, patrimonial etc. De acordo com o previsto no parágrafo único, do art. 70, da Constituição7.

Conforme ensina Mukai (1999, p.158) “a prestação de contas não se limita à aplicação do dinheiro público, mas abrange todos os atos praticados no exercício do poder, sejam materiais, sejam formais”.

Diante do exposto, fica claro que o dever de prestar contas não se limita a divulgar um relatório com os gastos da Administração Pública, mas sim prestar contas de todos os atos administrativos, visando propiciar a qualquer administrado o exercício de controle sobre os atos do poder público.

1.4 PODERES ADMINISTRATIVOS

Se o objetivo do administrador público é realizar sua função atendendo da melhor maneira possível o interesse de seus administrados, necessário que o mesmo disponha de poderes, específicos da função que exerce, para cumprir este papel com a devida eficiência.

Para Fonseca (1939, p.126-127)

A faculdade de agir – facultas agendi – é um poder de ação, uma qualidade da atividade humana e do Estado. Diz-se, como vimos, que um ente tem poder, quando dispõe de princípios de ação. A idéia de atividade envolve a ação, o exercício da atividade. O poder concebe-se unicamente em relação ao agir. É ele atribuído ou negado a um sujeito. O poder é um princípio permitindo agir.

Logo o poder é a possibilidade e obrigação, que o administrador público possui de agir de acordo com o caso. Cumprindo, assim, com a finalidade mediata do seu cargo, qual seja o interesse da coletividade. Fazendo sobrepor os interesses da Administração Pública, aos interesses individuais e privados.

Para Meirelles (2003, p.112) “Os poderes administrativos nascem com a Administração e se apresentam diversificados segundo as exigências do serviço público, o interesse da coletividade e os objetivos a que se dirigem”.

Dessa diversificação de exigências, nasce a classificação majoritária na doutrina brasileira para os poderes administrativos: o poder vinculado, poder discricionário8, poder hierárquico, poder disciplinar, poder regulamentar e poder de polícia (MEIRELLES, 2003, p.112-113).

1.4.1 Poder vinculado

Poder vinculado é aquele que obriga a Administração Pública a tomar sua decisão com base na norma jurídica adequada. Nesses casos o administrador possui o poder de decisão, mas somente pode fazê-lo de acordo com o que a lei determinar.

Em razão do dever de seguir estritamente o que a lei diz, normalmente o administrador é levado para uma única direção, não tendo muita liberdade na sua decisão. Logo esse poder vai de encontro ao poder discricionário, que permite maior liberdade de escolha para o administrador.

O desembargador Carlin (2001, p.126) assim define o poder vinculado

Poder vinculado é o que está predeterminado pela lei, razão pela qual se chama também poder regrado. É mero atendimento à determinação legal, sem qualquer margem de liberdade. A lei determina, o agente cumpre. Constitui imposição ao agente, impedindo-o que se afaste dos limites da lei.

Cabe nesse caso a Administração Pública realizar o ato em perfeita harmonia com o enunciado em lei. Apenas verificando a exigência legal para tal ato, e o desempenhando conforme tal exigência.

Contraposto ao poder vinculado, temos o poder discricionário, que como já mencionado anteriormente, permite ao administrador maior liberdade na prática de seus atos.

1.4.2 Poder discricionário

No poder vinculado o administrador deve apenas seguir o que diz a lei, já no poder discricionário a lei não diz expressamente como deve atuar, permitindo com isso maior liberdade de decisão ao mesmo.

O poder discricionário confere ao administrador a liberdade de definir o conteúdo do ato, assim como de apreciar a conveniência ou a oportunidade da execução dele. Há liberdade de escolha de seu mérito (oportunidade e conveniência) e de seu conteúdo (CARLIN, 2001, p.126).

Nesses casos é dada oportunidade ao administrador de, diante de uma situação, tomar a decisão que julgue mais acertada dentre as possibilidades legais existentes. Lembrando que tal ato não pode ir de encontro à lei, devendo respeita-la, apenas encontra solução para casos em que a mesma não traga expressamente a maneira de agir. Apenas para argumentar, caso o poder discricionário permitisse a execução de qualquer ato, de acordo com a vontade do administrador, esse poder seria arbitrário9 e abusivo10, e não discricionário.

1.4.3 Poder regulamentar

Após adentrar-se em poderes administrativos que permitem um grau de liberdade em sua execução, poder discricionário, que obriga a tomar decisão com base em norma jurídica, poder vinculado, agora passa-se a ver o poder que possui o administrador de regulamentar a lei.

O poder regulamentar é a faculdade de que dispõem os Chefes de Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) de explicar a lei para sua correta execução, ou de expedir decretos autônomos sobre matéria de sua competência ainda não disciplinada por lei. É um poder inerente e privativo do Chefe do Executivo (CF, art. 84, IV)11, e, por isso mesmo, indelegável a qualquer subordinado (MEIRELLES, 2003, p.111-112).

Cabe ao administrador suprir as lacunas do Poder Executivo, regulamentando a lei para sua correta aplicação na Administração Pública. Tal poder consiste não só em explicar a lei, mas também em completar a lei quando for necessário.

Conforme ensina Medauar (2001, p.135) “a lei não pode abrigar todas as minúcias da matéria que disciplina, só o Executivo tem conhecimento pleno dos mecanismos e meios administrativos, necessários à fiel execução da lei”.

Portanto, cabe ao administrador utilizar o poder regulamentar para adequar a lei para sua devida execução, e na falta ou lacuna da lei para determinados casos expedir decretos suprindo esta deficiência legal.

1.4.4 Poder de polícia

De todos os poderes administrativos, talvez o poder mais evidente da Administração Pública para quem não está no seu âmbito, ou seja, a população em geral, é o poder de polícia, face a autoridade explicita que é utilizado no seu exercício.

O poder de polícia vai de encontro ao direito individual, fazendo prevalecer o princípio do interesse público em relação ao interesse individual. Vigorando a supremacia dá Administração Pública em face de seus administrados. Como explica Di Pietro (2003, p.108),

O tema relativo ao poder de polícia é um daqueles em que se colocam em confronto esses dois aspectos: de um lado, o cidadão quer exercer plenamente os seus direitos; de outro, a Administração tem por incumbência condicionar o exercício daqueles direitos ao bem-estar coletivo, e ela o faz usando de seu poder de polícia.

É onde a Administração controla, através de seu poder de polícia, os direitos individuais, em razão do bem-estar coletivo.

No direito brasileiro utiliza-se o conceito moderno onde “o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público” (DI PIETRO, 2003, p.111).

Já para Meirelles (2003, p.127) o

Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.

Interessante, ainda, destacar a definição de poder de polícia apresentada pelo Código Tributário Nacional:

Art. 78 Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Para fazer valer seu poder de polícia a Administração utiliza-se das chamadas limitações administrativas a liberdade individual. Tanto pode ser por atos normativos, pela lei criam-se limitações administrativas; como por atos administrativos e operações materiais, aplicação da lei ao caso concreto, por meio de medidas preventivas e medidas repressivas.

Cabe ao poder de polícia impor limitações administrativas, estabelecendo normas para disciplinar as atividades individuais. Utilizando-se de medidas prévias, como a fiscalização, vistoria etc, para verificar se estão sendo cumpridas as exigências legais; e medidas repressivas como a interdição de atividade, a demolição de casa construída em local proibido etc, para coagir o infrator ao cumprimento da lei.

1.4.5 Poder hierárquico

Entre os poderes administrativos, destacam-se os decorrentes da hierarquia. Como a Administração Pública possui uma organização hierárquica, cabe aos superiores designar aos seus subordinados as ordens para coordenação e funcionamento de toda máquina administrativa. Essas ordens são os poderes vindos da organização hierárquica da Administração Pública.

Os poderes hierárquicos de acordo com Araújo (2005, p.1116), são:

A relação de coordenação e subordinação entre órgãos e agentes da Administração, com a distribuição de funções e gradação da autoridade e poder de decisão de cada um, de acordo com as competências legais.

O poder hierárquico é aquele que possui o administrador para coordenar seus subordinados. Podendo inclusive estabelecer normas de conduta para designar o modo de atuação e a maneira de agir, dentro de cada um dos diversos órgãos da Administração Pública.

O poder de dar ordens aos subordinados consiste, de acordo com Di Pietro (2003, p.92) no “dever de obediência, para estes últimos, salvo para ordens manifestamente ilegais”.

Se o poder administrativo decorre da hierarquia, nada mais acertado do que o superior poder dar ordens para seus subordinados executarem suas atividades funcionais da maneira mais correta. Claro que esse dever do subordinado em obedecer não atinge ordens manifestadamente ilegais.

O poder de controlar, ou fiscalizar, diz respeito, conforme Meirelles (1990, p.106), em “vigiar permanentemente os atos praticados pelos subordinados, com intuito de mantê-los dentro dos padrões legais e regulamentares instituídos para cada atividade administrativa”. Ou seja, deve o administrador observar todos os atos de seus subordinados, para que tais atos respeitem o princípio da legalidade, e para saber se o subordinado está agindo conforme lhe foi solicitado. Caso o subordinado não desempenhe sua função de acordo com o solicitado, caberá por parte do administrador aplicar uma sanção.

Outro poder decorrente de sua posição hierárquica é “o de aplicar sanções em caso de infrações disciplinares” (DI PIETRO, 2003, p.92), quer dizer poder disciplinar12.

O poder de avocar seria, de acordo com Meirelles (1990, p.107), “chamar a si funções originariamente atribuídas a um subordinado”. Este poder vale nos casos em que a competência não for exclusiva do órgão inferior, e nos de extrema relevância, pois a avocação sempre gera uma perda de prestígio do inferior.

Por último, temos o poder hierárquico de “delegar atribuições que não lhe sejam privativas” (DI PIETRO, 2003, p.92). Seria conferir a um subordinado um ato que em princípio seria de sua competência, desde que o delegado tenha condições de executar tal função.

De acordo com a lição de Masagão apud Pietro (2003, p.93), a hierarquia se caracteriza como “uma relação estabelecida entre órgãos, de forma necessária e permanente; que os coordena; que os subordina uns aos outros; e gradua a competência de cada um”.

Pode-se dizer, então, que poder hierárquico seria o que vincula e subordina uns aos outros, estabelecendo um grau de obediência de acordo com a autoridade de cada órgão (MASAGÃO apud DI PIETRO, 2003, p.93).

1.4.6 Poder disciplinar

O poder disciplinar visa a apurar e punir as irregularidades cometidas por agentes públicos no desempenho de suas atribuições funcionais. É o poder dado ao administrador para controlar principalmente seus servidores, fazendo com que eles sejam punidos, no caso de cometerem algum ato irregular. Todo servidor público está submetido a uma disciplina, no caso de desrespeito a esta disciplina este sofrerá uma punição disciplinar. O poder disciplinar só abrange as pessoas sujeitas à disciplina interna da Administração, não podendo atingir particulares.

O poder disciplinar está intimamente ligado ao poder hierárquico. Como visto anteriormente, um dos poderes hierárquicos é o de aplicar sanção. Porém não devem ser confundidos, como explica Medauar (2001, p.138): “O poder hierárquico é mais amplo que o poder disciplinar. Este, por sua vez, pode não se exercer totalmente na linha hierárquica direta entre servidores ou entre órgãos”.

Portanto o poder disciplinar pode ser exercido sem hierarquia. Como no exemplo dado por Medauar (2001, p.139), quando houver um órgão específico para apuração de faltas disciplinares, não existe hierarquia, podendo o órgão apurar e punir qualquer servidor que esteja vinculado a sua atuação.

Vale a pena ressaltar que a punição disciplinar é apenas interna, não podendo ser confundida com a infração penal que deverá ser apurada pelo Poder Judiciário, ou seja, uma independe da outra, pode um servidor ser absolvido penalmente, e sofrer uma punição disciplinar pelo mesmo ato13.


Capítulo 2

O PROCESSO DISCIPLINAR NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O princípio do devido processo legal, previsto na Constituição, no art. 5º, LIV, onde “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, é aplicado ao Poder Judiciário.

No entanto, se subtraí deste princípio constitucional as garantias asseguradas a todos os envolvidos em processos judiciais, para aplicá-las em todos os tipos de processos existentes, dentre eles o processo administrativo disciplinar, tema deste estudo.

Tais garantias segundo Marques apud Silva (2005, p.432) são: “do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais”. Essas garantias, portanto, devem ser aplicadas ao processo administrativo disciplinar. Devendo ser assegurado aos acusados o pleno exercício destas garantias durante suas defesas.

Vale a lição de Roza (2002, p.105):

O devido processo legal é princípio matriz de todos os demais princípios processuais constitucionais. Tanto a aplicação das garantias do contraditório, da ampla defesa e do juiz natural [...].

Medauar (2001, p.200) no entanto, esclarece uma fundamental diferença entre o processo judicial, e o processo administrativo, no que diz respeito as garantias que lhe são asseguradas, ao destacar que

No âmbito administrativo [...] o devido processo legal não se restringe às situações de possibilidade de privação de liberdade e de bens. O devido processo legal, desdobra-se, sobretudo, nas garantias do contraditório e ampla defesa, aplicadas ao processo administrativo.

Como no processo administrativo não há possibilidade de privação de liberdade e bens, como no caso do processo judicial, deve-se dar especial atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Apesar de suas especificidades e diferenças do processo judicial, o processo administrativo deve obedecer aos princípios constitucionais inerentes a todos os processos, sendo o enfoque especial deste estudo, o princípio constitucional da ampla defesa, aplicada aos processos administrativos disciplinares.

PROCESSO E PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

Para Bacellar Filho (1998, p.45) “O procedimento configura requisito essencial da atividade estatal, pois é a forma de explicitação de competência”. Portanto procedimento administrativo seria todo e qualquer ato administrativo objetivando a explicitação de sua competência. Prossegue o mesmo autor, “Mesmo os atos administrativos relativamente simples envolvem uma seqüência de atos direcionados a um ato final”.

Acerca da discussão existente sobre a denominação correta, se processo administrativo ou procedimento administrativo, esclarece Carvalho Filho (2005, p.778) que

Como na via administrativa as autoridades não desempenham função jurisdicional, poderia supor-se não ser muito técnica a denominação processo administrativo. Contudo, tanto quanto o processo judicial, que visa a uma decisão, o processo administrativo tem igualmente objetivo certo, no caso a prática de ato administrativo final. Não bastasse esse fator de identificação, a expressão está consagrada, é reconhecida pelas mais diversas camadas da população e a esta altura não há qualquer razão para ser alterada.

Todo processo administrativo segue, e possui, seus procedimentos. Isso não significa que todos os procedimentos administrativos importam em processos administrativos. Não estando qualquer procedimento, obrigado a atender os princípios aplicáveis aos processos administrativos.

Necessário se faz identificar o significado da expressão “processo administrativo”, face sua constante utilização no decorrer deste trabalho acadêmico.

Em acepção ampla, “processo administrativo” refere-se ao conjunto sistemático de atos dos órgãos da Administração que, em matéria administrativa, objetiva a concretização das relações jurídicas reguladas, anteriormente, pelo direito substantivo (CRETELLA JÚNIOR, 1998, p.16).

O processo administrativo é o meio utilizado pela Administração Pública para cumprir o ordenamento contido no direito administrativo material. Da mesma forma que o processo civil, e o processo penal, fazem tal papel para o direito civil e penal, respectivamente.

Em outros ramos do direito, a parte processual é de incumbência do Poder Judiciário; já no processo administrativo, essa função é da Administração Pública. Somente em caso de alguma falha no exercício desta função é que o processo administrativo será transferido para esfera judicial.

Como é de sua alçada, a Administração Pública deve valer-se do processo administrativo, que segundo Cretella Júnior (1998, p.32-33) é

O conjunto de documentos que formam a peça administrativa; processo administrativo, em sentido amplo, é a série ordenada de atividades da Administração que prepara a edição doa to administrativo; processo administrativo é o conjunto de atos praticados na esfera administrativa quer apenas pela Administração, quer pela autoridade competente e pelo administrado, até a decisão final da autoridade competente, nessa esfera.

Para Meirelles (2003, p.656), importante se faz ainda

[...] distinguir os processos administrativos propriamente ditos, ou seja, aqueles que encerram um litígio entre a Administração e o administrado ou servidor, dos impropriamente ditos, isto é, dos simples expedientes que tramitam pelos órgãos administrativos, sem qualquer controvérsia entre os interessados.

O processo administrativo está regulamentado, na esfera federal, pela Lei nº 9.784, de 29/01/99. Estabelecendo as normas sobre o processo administrativo no que diz respeito à Administração Federal direta e indireta. O artigo primeiro desta Lei define seu objetivo principal, ou seja: “estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração”.

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO: CLASSIFICAÇÃO

Dentro do processo administrativo encontramos diversos procedimentos. Fato que possibilitou a classificação do processo administrativo em algumas espécies, que segundo Cretella Júnior (1998, p.46), “não se excluem, ao contrário, interpenetram-se, consistindo em maneiras ou ângulos de apreciar a mesma realidade”.

Destacar-se-á a classificação de Cretella Júnior (1998, p.46), que divide o processo administrativo em cinco espécies: quanto ao raio de ação (externo e interno); quanto ao objeto (disciplinar ou penal); quanto à juridicidade (contencioso ou gracioso); quanto ao desfecho (condenatório ou absolutório); e quanto à forma (sumário ou integral).

No entanto, frente ao objetivo da pesquisa, tratar-se-á da classificação que se refere ao objeto e, nesta, especificamente do objeto disciplinar.

2.3 O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Entre os processos administrativos temos o processo administrativo disciplinar, devendo-se destacar para Silva (1999, p.42) que

O objetivo do processo administrativo disciplinar é a tutela da hierarquia através da apuração imediata da falta cometida e, em seguida, da aplicação justa da pena cominada no estatuto do Funcionário, na sua respectiva esfera (União, Estado ou Município).

Serve o processo administrativo disciplinar, portanto, para apurar a infração cometida pelo funcionário, e a conseqüente punição. Seguindo a mesma linha, temos a definição dada por Cretella Júnior (1998, p.63):

Processo administrativo disciplinar ou simplesmente processo disciplinar é o capítulo do direito administrativo, extraordinariamente vasto e importante, que consiste no conjunto ordenado de formalidades a que a Administração submete o servidor público (ou o universitário) que cometeu falta grave atentatória à hierarquia administrativa.

Ocorre processo administrativo quando os procedimentos realizados pela Administração Pública visam a realização de um ato administrativo, e processo administrativo disciplinar quando o objetivo for à aplicação de uma pena disciplinar. Para Costa apud Roza (2002, p.75) o Direito Processual Disciplinar é o conjunto de normas e princípios sedimentados em Leis, regulamentos, pareceres de órgãos oficiais, jurisprudência e doutrina, que informam e orientam a dinamização dos procedimentos apuratórios de faltas disciplinares, objetivando fornecer sustentação à legítima lavratura do correspondente ato punitivo.

O processo administrativo é utilizado como meio para apuração de infrações na esfera Administração Pública, pois toda falta deve ser apurada quando ocorrida na Administração Pública.

Quando uma infração é praticada no âmbito da Administração, é absolutamente necessário apura-la, como garantia para o servidor e também da Administração. O procedimento tem que ser formal para permitir ao autor do fato o exercício do direito de ampla defesa, procurando eximir-se da acusação a ele oferecida (CARVALHO FILHO, 2005, p.788).

Assim, apurar toda a infração cometida é dever da Administração, exercida pelo superior hierárquico a quem o agente público14 estiver subordinado.

 hierarquia no processo disciplinar

A hierarquia é ponto fundamental no processo disciplinar, podendo ser definida como “particular sistema de distribuição ou partilha de competência pelos agentes dos serviços públicos, dentro do qual eles estão ligados por relações de subordinação” (VALENTE apud CRETELLA JUNIOR, 1998, p.61).

Esta subordinação serve para possibilitar o controle dos agentes, onde ao superior cabe verificar qualquer tipo de infração cometida pelo seu subordinado. No entanto, o exercício da hierarquia deve ser feito de maneira legal, em virtude da prerrogativa de perda da função hierárquica por meio de processo. Como explica Roza (2002, p.78):

A verdade é que a existência do poder hierárquico, de uma autoridade administrativa que exerce o seu poder sobre aqueles que lhe estão subordinados na escala administrativa, não exclui a aplicação de processos que tirem à função hierárquica o seu caráter rígido e discricionário.

Entretanto, no que pese este detalhe, a hierarquia tem fundamental importância no direito administrativo e no processo disciplinar, devendo ser exercida para manutenção da estrutura administrativa.

Para Cretella Junior (1998, p.62),

Hierarquia, disciplina, ordem, obediência e administração constituem um mesmo bloco de idéias afins sem as quais o direito administrativo e o direito disciplinar perderiam sua razão de ser.

Portanto a hierarquia é um meio de controle da Administração como um todo, onde cada agente público está sendo controlado pelo seu superior, que, em contrapartida está subordinado a outro superior, e assim sucessivamente, até o mais alto grau desta pirâmide estrutural.

As fases do procedimento disciplinar

No que tange às fases do procedimento disciplinar, os autores divergem um pouco no momento de identifica-las. Alguns, como Lúcia Valle Figueiredo e Celso Antônio Bandeira de Mello, entendem que são três as fases do procedimento disciplinar: deflagratória ou propulsiva, instrutória e decisória ou dispositiva.

Para fim deste estudo acadêmico, seguir-se-á as fases citadas por Di Pietro (2004, p.544): instauração, instrução, defesa, relatório e decisão. Tal divisão é majoritária na doutrina brasileira, sendo utilizada também por Meirelles (2003, p.661), razão pela qual será esta a classificação utilizada, como asseverado anteriormente.

Entendimento idêntico é o de Braz apud Silva (1999, p.41):

Em regra, deve o processo começar pela Instauração, que é o ato que discrimina a falta, onde se define, também, quem será responsável pelo seu andamento; a instrução, que são os atos de apuração dos fatos através da produção de provas, incluindo-se nela a defesa e, finalmente o relatório no qual vem narrado o resultado do processo, com a indicação ou com as recomendações finais destinadas ao julgamento da autoridade, a quem caberá acatar ou não o resultado final do processo.

Para Medauar (2001, p.206) a fase de instauração, ou como ela denomina, fase introdutória ou inicial é

Integrada por atos que desencadeiam o procedimento; o processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou por iniciativa de interessados (particulares, individualmente ou em grupo e servidores para pleitear direitos, por exemplo).

Nesta fase, a autoridade administrativa competente age ex officio15, devido ao princípio da oficialidade16, e do poder-dever-de-agir17, no momento em que toma conhecimento de alguma irregularidade determina instauração do processo a fim de apurar o ocorrido.

Para Figueiredo (2004, p.448), a fase de instauração “como o próprio nome está a indicar, consiste na provocação inicial, na instauração quer de processo ou procedimento”.

Seguindo o curso do processo administrativo, acontece a fase de instrução, “na qual a Administração deve colher os elementos que servirão de subsídio para a decisão que tomará” (MELLO, 2004, p.460).

Meirelles (2003, p.662) esclarece que

A instrução é a fase de elucidação dos fatos, com a produção de provas da acusação no processo punitivo, ou de complementação das iniciais no processo de controle e de outorga, provas, essas, que vão desde o depoimento da parte, as inquirições de testemunhas, as inspeções pessoais, as perícias técnicas, até a juntada de documentos pertinentes. Nos processos punitivos as providências instrutórias competem à autoridade ou comissão processante e nos demais cabem aos próprios interessados na decisão de seu objeto, mediante apresentação direta das provas ou solicitação de sua produção na forma regulamentar. Os defeitos da instrução, tal seja sua influência na apuração da verdade, podem conduzir à invalidação do processo ou do julgamento.

Na fase de instrução, a autoridade competente, ou a comissão processante, deve trabalhar com o intuito de produzir as provas de acusação do processo administrativo disciplinar. Utilizando todos os meios possíveis para atingir este fim. Como o depoimento da parte, as inquirições de testemunhas, as inspeções pessoais, as perícias técnicas, e os documentos que poderão servir na elucidação do caso.

Segundo Pereira apud Cretella Júnior (1998, p.65) esta fase é de suma importância pois

nela se colhem os elementos que possibilitem o esclarecimento das faltas apontadas. É o momento de maior trabalho. Dificuldades de toda a sorte podem tomar grande parte do prazo dado à Comissão para cumprir sua missão. Realizam-se as inquisições do denunciante, se houver, as testemunhas presenciais e informantes, e do acusado, reduzindo o Secretário a termo tais depoimentos.

Após a fase de instrução ocorre a fase de defesa, que “é o conjunto de argumentos que o indiciado reúne a seu favor, complementados por documentos e testemunhas” (CRETELLA JÚNIOR, 1998, p.65).

É nesta fase que o indiciado poderá valer-se do princípio constitucional da ampla defesa, tema que será tratado a seguir, que para Meirelles (2003, p.662) compreende

A ciência da acusação, a vista dos autos na repartição, a oportunidade para oferecimento de contestação e provas, a inquirição e reperguntas de testemunhas e a observância do devido processo legal (due process of law).

Ao final da defesa, vem a fase seguinte, onde é apresentado o relatório pela comissão, “no qual deve concluir com proposta de absolvição ou de aplicação de determinada penalidade, indicando as provas em que baseia a sua conclusão” (DI PIETRO, 2004, p.544).

Cretella Júnior (1998, p.66) ensina:

Relatório é a peça elaborada pela comissão processante e que, juntamente com o processo administrativo, é remetida à autoridade competente.

A importante peça, em questão, constará da exposição pormenorizada dos fatos desde o início e concluirá pela inocência ou responsabilidade do acusado, indicando, se a hipótese for esta última, a disposição legal transgredida.

Analisando todos os itens da instrução e da defesa, será feito o relatório, onde a autoridade competente deve concluir sobre o processo, fundamentando sua decisão com os elementos que o levaram a punição do acusado, ou a sua absolvição.

Todavia, não é o relatório que decidirá o processo, ele possui caráter informativo, “não obrigando a autoridade julgadora, que poderá, analisando os autos, apresentar conclusão diversa” (DI PIETRO, 2004, p.545).

Ao final, temos a fase da decisão, que segundo Medauar (2001, p.207)

É o momento em que a autoridade competente (unipessoal ou colegiado) fixa o teor do ato que emite a decisão e o formaliza; nesta fase se incluem os elementos necessários à eficácia da decisão, tais como notificação, publicação e eventualmente homologação ou aprovação, pois todos são ínsitos à própria decisão.

Como já dito anteriormente, não é o relatório que decide o caso, esta função é de competência da autoridade incumbida de decidir o caso. Como bem orienta Meirelles (2003, p.662):

O julgamento é a decisão proferida pela autoridade ou órgão competente sobre o objeto do processo. Essa decisão normalmente baseia-se nas conclusões do relatório, mas pode despreza-las ou contrariá-las, por interpretação diversa das normas legais aplicáveis ao caso, ou por chegar o julgador a conclusões fáticas diferentes das da comissão processante ou de quem individualmente realizou o processo.

Na mesma linha entende Cretella Júnior (1998, p.66):

Decisão ou sentença é o pronunciamento final da autoridade administrativa competente, dizendo que irregularidade houve e quem é o autor, caso em que é fixada a sanção do indiciado. Em caso contrário, ocorre a absolvição. Para isso terá o julgador determinado prazo, findo o qual, o acusado reassumirá, automaticamente, cargo ou função, aí aguardando o julgamento.

Portanto na fase decisória, o julgador ou órgão competente, faz a decisão final do processo. Baseando-se no relatório, que somente opina acerca da decisão a ser tomada, confirma a conclusão do mesmo, ou obtendo entendimento diverso, profere decisão diversa da concedida no relatório.

PRINCÍPIOS INERENTES AO PROCESSO DISCIPLINAR

No capítulo anterior viu-se os princípios constitucionais inerentes a Administração Pública, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência. Neste capítulo tratar-se-á dos princípios que se aplicam especificamente ao processo administrativo disciplinar. Como o objetivo principal é tratar da ampla defesa no processo administrativo disciplinar, apenas serão mencionados os demais princípios, dando-se mais evidência ao princípio da ampla defesa.

Para fins deste estudo, serão utilizados, neste trabalho acadêmico, os princípios elencados por Romeu Felipe Bacellar Filho (1998, p.155), são eles: legalidade, oficialidade, formalismo moderado, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, contraditório e ampla defesa.

Princípio da legalidade

Princípio inerente a qualquer ato administrativo, a legalidade, tratada também no primeiro capítulo, deve ser respeitada no processo disciplinar, sob pena de invalidade.

Meirelles (2003, p.658) destaca que o processo administrativo

[...] seja instaurado com base e para preservação da lei. Daí sustentar Giannini que o processo, como o recurso administrativo, ao mesmo tempo em que ampara o particular, serve também ao interesse público na defesa da norma jurídica objetiva, visando a manter o império da legalidade e da justiça no funcionamento da Administração. Todo processo administrativo há que embasar-se, portanto, numa norma legal específica para apresentar-se com legalidade objetiva, sob pena de invalidade.

A legalidade tem que estar presente em todo o processo disciplinar devendo servir como base para justificar sua instauração, e demais fases do processo.

No entanto, o princípio da legalidade “é bem mais amplo do que a mera sujeição do administrador à lei, pois obriga, necessariamente, também a submissão ao Direito, ao ordenamento jurídico, às normas e princípios constitucionais” (FIGUEIREDO, 2004, p. 429).

Princípio da oficialidade

Segundo Medauar (2001, p.203) o princípio da oficialidade “significa o dever, atribuído à Administração, de tomar todas as providências para chegar, sem delongas, à decisão final”.

É o dever da Administração em dar prosseguimento ao processo. Seria para o processo disciplinar, o mesmo que o princípio do impulso oficial nos processos judiciais.

Bacellar Filho (1998, p.174) assim o define:

O princípio da oficialidade compreende tanto a impulsão de ofício como a instrução de ofício, que pressupõe a participação do acusado. O princípio não significa que a Administração tenha possibilidade de levar a cabo a instrução sem o contraditório ou a ampla defesa, mas que a instrução é competência administrativa a ser exercida nos moldes legais e constitucionais.

Medauar (2001, p.204) cita algumas decorrências desse princípio:

a) A atuação da Administração no processo tem caráter abrangente, não se limitando aos aspectos suscitados pelos sujeitos.

b) A obtenção de provas e de dados para esclarecimentos de fatos e situações deve também ser efetuada de ofício, além do pedido dos sujeitos.

c) A inércia dos sujeitos (particulares, servidores e órgãos públicos interessados) não acarreta paralisação do processo, salvo o caso de providências pedidas pelo particular e que dependam de documentos que deve juntar; em tais casos a Administração deverá conceder prazo para a juntada, encerrando o processo se tal não ocorrer.

O princípio da oficialidade serve para o perfeito seguimento do processo disciplinar, com a Administração cumprindo os atos necessários para o prosseguimento do processo, e estipulando prazos para as partes efetuarem os atos suscitados.

Princípio do formalismo moderado

Para Mello (2004, p.464) este princípio significa “que a Administração não poderá ater-se a rigorismos formais ao considerar as manifestações do administrado”.

Na verdade, o princípio do formalismo moderado consiste, em primeiro lugar, na previsão de ritos e formas simples, suficientes para propiciar um grau de certeza, segurança, respeito aos direitos dos sujeitos, o contraditório e a ampla defesa; em segundo lugar, se traduz na exigência de interpretação flexível e razoável quanto às formas, para evitar que estas sejam vistas como um fim em si mesmas, desligadas das verdadeiras finalidades do processo (MEDAUAR, 2000, p.122-123).

O formalismo moderado assegura à Administração a possibilidade de tornar os ritos processuais adequados ao processo em caso, abrindo mão de atos que não terão serventia a solução do processo. Poderá, assim a Administração, agir dessa maneira, mas sempre observando os demais princípios do processo administrativo disciplinar.

Nessa linha, temos o ensinamento de Carvalho Filho (2005, p.785):

O princípio do informalismo significa que, no silêncio da lei ou de atos regulamentares, não há para o administrador a obrigação de adotar excessivo rigor na tramitação dos processos administrativos, tal como ocorre, por exemplo, nos processos judiciais. Ao administrador caberá seguir um procedimento que seja adequado ao objeto específico a que se destinar o processo.

Portanto, pelo princípio do formalismo moderado, a Administração poderá conduzir o processo de acordo com suas exigências, observando apenas o cumprimento daqueles atos que a levarão ao objeto do processo.

Princípio da impessoalidade

O princípio da impessoalidade se assemelha, e provém do art. 5 da Constituição Federal, que diz “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade...”.

Para Silva (2005, p.667)

O princípio ou regra da impessoalidade da Administração Pública significa que os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário. Este é um mero agente da Administração Pública, de sorte que não é ele o autor institucional do ato. Ele é apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade estatal. Por conseguinte, o administrado não se confronta com o funcionário X ou Y que expediu o ato, mas com a entidade cuja vontade foi manifesta por ele.

Mello (2004, p.73) defende a tese de que a Administração “não pode desenvolver qualquer espécie de favoritismo ou desvalia em proveito ou detrimento de alguém. Há de agir com obediência ao princípio da impessoalidade”.

Para Roza (2003, p.109)

O princípio da igualdade é importante para o exercício da garantia da ampla defesa, pois significa que, graças a ele, nem a Lei nem seu aplicador podem privilegiar tratamento diferenciado às partes, sem que haja uma razão justificadora do discrímen18.

Tema central desta monografia, o princípio da ampla defesa fica subordinado a observância do princípio da impessoalidade, ou como chama Cláudio da Roza da igualdade. Devendo possibilitar todas as oportunidades para defesa, independente de quem seja o acusado.

Princípio da moralidade

A Constituição Federal fala que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa [...]” (grife-se). Todo ato que não atender o princípio da moralidade pode, e deve ser anulado.

Para Bacellar Filho (1998, p.181)

O princípio da moralidade, aplicada ao campo da processualidade administrativa disciplinar, incide justamente na esfera do anseio de certeza e segurança jurídica, mediante a garantia da lealdade e boa-fé tanto da Administração Pública que acusa, instrui e decide, quanto do servidor público acusado ou litigante.

Meirelles (2003, p.89) assim ensina:

O inegável é que a moralidade administrativa integra o Direito como elemento indissociável na sua aplicação e na sua finalidade, erigindo-se em fator de legalidade. Daí por que o TJSP decidiu, com inegável acerto, que “o controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do ato administrativo; mas por legalidade ou legitimidade se entende não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo.

Inerente a todo ato da Administração Pública, o princípio da moralidade deve nortear também o processo administrativo disciplinar, sob pena de anulação do ato praticado sem atender tal princípio.

Princípio da publicidade

O princípio da publicidade está assegurado na Constituição, art. 37, e vale para todo ato da Administração Pública, inclusive para que os mesmos tenham efeito, como explica Meirelles (2003 p.92):

Publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos. Daí por que as leis, atos e contratos administrativos que produzem conseqüências jurídicas fora dos órgãos que os emitem exigem publicidade para adquirirem validade universal, isto é, perante as partes e terceiros.

Para Bacellar Filho (1998, p.186)

A publicidade dimensiona-se, em matéria de competência disciplinar pelo processo administrativo. Em um primeiro sentido, a publicidade dos atos processuais visa garantir a informação, através da obtenção de certidões, vista dos autos e intimação dos atos processuais.

A publicidade é o princípio que assegura a parte o conhecimento dos atos do processo disciplinar. Propiciando obter certidões, vista dos autos, bem como de ser intimada dos atos processuais.

Princípio da eficiência

Já tratado no capítulo anterior, em razão de sua obrigatoriedade dentro da Administração Pública, o princípio da eficiência incide no processo administrativo disciplinar.

O princípio da eficiência da Administração (caput, do art. 37, inserido pela Emenda Constitucional n. 19, 1998) deve sofrer o influxo de interpretação conforme a Constituição, já que produto da competência reformadora. Incide sobre o processo administrativo disciplinar i) na fixação de um sistema coerente de competências. ii) no estabelecimento de procedimentos sumários, desenvolvidos em prol da tutela diferenciada (BACELLAR FILHO, 1998, p.347).

Bem lembrado por Bacellar Filho (1998, p.347), que o princípio da eficiência foi inserido pela emenda constitucional n. 19 de 1998, sendo, portanto, um dos mais modernos princípios da Administração Pública.

O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros (MEIRELLES, 2003, p.94).

A eficiência então, deverá ser aplicada no processo administrativo disciplinar para a devida apuração do ocorrido. Atuando com extrema eficiência no cumprimento do seu papel durante o processo, agindo de tal maneira impedirá o cometimento de atos inadequados, e não condizentes no âmbito da Administração Pública.

Princípio do contraditório

Para Medauar (2001, p.200) o princípio do contraditório, previsto na Constituição Federal19, seria “a faculdade de manifestar o próprio ponto de vista ou argumentos próprios, ante fatos documentos ou ponto de vista apresentados por outrem”.

Sem essa oportunidade não estaria sendo respeitado o contraditório. Mas o contraditório não é somente a oportunidade da parte adversa apresentar sua visão do caso, possui um objetivo, que segundo Bacellar Filho (1998, p.203)

[...] pressupõe uma maneira peculiar de compreensão das decisões processuais: resultam de construção humana levada a cabo a partir do desenvolvimento normativo das normas jurídicas e da comprovação autônoma de sua aplicabilidade ao caso concreto.

Interpretando-se a afirmativa deste autor, tem-se que a decisão do processo disciplinar seria feita com a participação das partes. Não cabendo somente a uma das partes decidir livremente, sem o contraditório.

Fato vedado por constituir a autotutela, como ensina Dinamarco apud Roza (2002, p.107)

Vedada a autotutela, inclusive ao próprio Estado, as pessoas em conflito são obrigadas a canalizar pelas vias do processo as suas pretensões antagônicas e a comportar-se, no processo, segundo as normas do procedimento.

E o que seria o contraditório? Para Carvalho Filho (2005, p.784) “é o direito de contestação, de redargüição a acusações, de impugnação de atos e atividades”.

Complementa com sua lição Bacellar Filho (1998, p.347), ao destacar que

O princípio do contraditório (art. 5, inc. LV), compreendido como efetiva possibilidade de influir no iter de formação do convencimento do julgador, incide sobre a estrutura lógica e prática do processo administrativo disciplinar, exigindo um contraditório efetivo e equilibrado em face dos interesses em jogo e alcançando todas as fases processuais: de construção, instrução e decisão.

O princípio do contraditório, em síntese, seria o direito a contestar todos os atos do processo. Previsto na Constituição é inerente ao princípio da ampla defesa, constituindo uma de suas garantias.

Princípio da ampla defesa

De todos os princípios do processo administrativo disciplinar destaca-se a ampla defesa, previsto na Constituição Federal, no seu art. 5, LV, segundo o qual “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”(grife-se).

Para Edson Jacinto da Silva (1999, p.70) trata-se de

Princípio sagrado e constitucionalmente assegurado, o direito de defesa, deve ser amplo, porque decorre do princípio de que ninguém deve ser julgado, isto é, condenado sem ter o direito amplo de defender-se.

Para garantia da ampla defesa deve-se propiciar o direito ao contraditório, como visto no item anterior, bem como outros meios processuais, que de acordo com Carvalho Filho (2005, p.784) são:

Produção de prova, do acompanhamento dos atos processuais, da vista do processo, da interposição de recursos e, afinal, de toda a intervenção que a parte entender necessária para provar suas alegações.

Portanto, toda oportunidade de defesa deve ser dada à parte, não diferindo no processo administrativo disciplinar, como argumenta Bacellar Filho (1998, p.347):

O princípio da ampla defesa, aplicado ao processo administrativo disciplinar, é compreendido de forma conjugada com o princípio do contraditório, desdobrando-se i) no estabelecimento da oportunidade da defesa, que deve ser prévia a toda decisão capaz de influir no convencimento do julgador; ii) na exigência de defesa técnica; iii) no direito à instrução probatória que, se de um lado, impõe à Administração a obrigatoriedade de provar as suas alegações, de outro, assegura ao servidor a possibilidade de produção probatória compatível; iv) na previsão de recursos administrativos, garantindo o duplo grau de exame do processo.

Todavia, embora seja assegurada ao acusado toda a oportunidade de defesa, deve ser observado “a utilização de meios procrastinatórios ou ilícitos que, pretextando buscar a verdade dos fatos, tenham por fim desviar o objetivo do processo” (CARVALHO FILHO, 2005, p.784). Assim, na utilização do direito a ampla defesa deve-se verificar se a parte fez uso do mesmo em seu sentido real, ou utiliza-se do mesmo como meio procrastinatório, ou ainda, outros diversos de sua finalidade precípua.

O direito à ampla defesa, previsto na Constituição, deve ser assegurado em qualquer processo, judicial ou administrativo, em que haja litígio entre as partes, possibilitando o contraditório e bem como todos os meios de defesa para o acusado.

Tema central desta monografia, o princípio da ampla defesa foi tratado neste capítulo de maneira genérica. No próximo capítulo, onde será apresentada a visão dos tribunais acerca de tal princípio, dar-se-á maior ênfase a sua aplicação especificamente no processo administrativo disciplinar.


Capítulo 3

O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS QUANTO AO EMPREGO DO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

O princípio da ampla defesa, previsto na Constituição no art.5, LV, foi visto de maneira genérica no capítulo anterior, no momento em que se abordava os princípios inerentes ao processo administrativo disciplinar. Neste capítulo abordar-se-á as questões que envolvem tal princípio no âmbito do processo administrativo disciplinar.

Para corroborar a importância dada ao princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar, será apresentada neste capítulo a visão dos tribunais acerca do tema, por meio de jurisprudências do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal.

Convém destacar, desde já, que é pacífico o entendimento dos tribunais acima referenciados, de que a observância da ampla defesa é obrigatória, sob pena de invalidação do processo administrativo disciplinar. Portanto não constitui objetivo deste trabalho verificar diferentes posições sobre o tema, apenas demonstrar a visão dos tribunais acerca da aplicação do princípio constitucional da ampla defesa no processo administrativo disciplinar.

As jurisprudências foram escolhidas aleatoriamente, através de consulta aos sites dos tribunais citados, não havendo nenhum intuito quantitativo ou qualitativo, apenas servindo para ilustrar na prática a devida observância, por parte dos tribunais, do preceito constitucional em destaque. Dentre os exemplos posteriormente citados, encontram-se decisões favoráveis tanto para a Administração Pública, quanto para o agente público, todavia, em todas elas o entendimento é o da obrigatoriedade na aplicação do princípio da ampla defesa.

O PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Como já dito por diversas vezes, no decorrer desta monografia, a Constituição prevê no seu art. 5, LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Para Bueno Filho apud Bacellar Filho (1998, p.264-265)

Bastaria que o texto exigisse o respeito ao devido processo legal para que o exercício do contraditório e da ampla defesa com todos os seus consectários estivesse afirmado. O constituinte de 1988, no entanto, como já ocorrera antes, preferiu adotar uma postura mais analítica e explicitou estes e tantos outros direitos, a fim de que dúvidas não pairassem a respeito da extensão e do carinho com o qual o indivíduo possa ser tratado.

A intenção do constituinte foi de por fim a uma interpretação que ocorria antes do advento da Constituição de 1988, “onde o próprio Supremo Tribunal Federal chegou a interpretar o termo “acusados”, como restrito ao processo penal” (BACELLAR FILHO, 1998, p.265).

Com a inclusão no texto de: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo [...]”, não existe a possibilidade de outra interpretação, em face da declaração expressa de que tanto em processo judicial ou administrativo deve ser assegurado o contraditório e a ampla defesa.

Sobre o princípio da ampla defesa, Eliezer Pereira Martins apud Da Silva (1999, p.83), assim se expressa:

Na órbita judicial a ampla defesa e o contraditório plasmaram-se como frutos da inexorável civilização das coisas do direito. O direito a defesa que em certa medida contém o contraditório é uma inspiração de direito natural e divino, na medida em que contém a própria essência daquilo que é justo em si mesmo. Pode-se afirmar como expressão de filosofia jurídica que a ampla defesa e o contraditório são a materialização do mais decantado instituto produzido pela justiça dos homens: a igualdade perante a lei.

O direito à ampla defesa deve partir do princípio da presunção de inocência, art. 5, LVII, da Constituição onde “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O inciso fala em sentença penal condenatória, todavia deve ser aplicado também aos processos administrativos que terminem em sanção ao acusado.

Sobre a presunção de inocência no processo administrativo explica Bacellar Filho (1998, p.271):

A presunção de inocência indica que o servidor acusado não poderá ser considerado culpado até a decisão final da autoridade julgadora. Da acusação administrativa ou das decisões interlocutórias, no processo administrativo disciplinar, não podem advir conseqüências definitivas, compatíveis somente com decisões finais irrecorríveis.

Portanto, durante o processo administrativo o acusado deve ser tratado como inocente, e somente poderá sofrer punição definitiva ao final do processo, quando não houver mais possibilidade de recurso.

A Lei Federal n. 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Federal dispõe, no seu art. 3, os direitos dos administrados.

 Art. 3o O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:

I - ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações;

II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos neles contidos e conhecer as decisões proferidas;

III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;

IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei.

De acordo com Ferraz e Dallari (2002, p.72), o artigo referenciado apenas enumerou como direito dos administrados, quando respondem a processo administrativo, prerrogativas implícitas no princípio constitucional da ampla defesa.

A ciência da tramitação do feito, a vista dos autos, a possibilidade de obtenção de cópias dos documentos deles constantes, a ciência da decisão, a possibilidade de apresentar razões e provas antes da decisão, a efetiva consideração das razões produzidas e a assistência por advogado (FERRAZ E DALLARI, 2002, p.72).

Seguindo tais prerrogativas, decorrem-se três direitos inerentes a ampla defesa, quais sejam: direito de informação, direito de manifestação e direito de ter suas razões consideradas. Sobre esses direitos escreveu Alves (2001, p.222), entendendo que

Pelo direito de informação, o acusado tem acesso aos elementos dos autos e deve ser cientificado de todos os atos processuais; o direito de manifestação lhe assegura o pronunciamento em todas as fases, impugnando documentos, contraditando testemunhas, formulando quesitos em perícia; e, em face do direito de ter suas razões consideradas, a comissão tem a obrigação de examinar e enfrentar, uma a uma, as sustentações da defesa.

Seguindo esta linha de pensamento, encontra-se Bacellar Filho (1998, p.275), pois para ele o direito de informação, que chama de direito de ser ouvido

Integra a publicidade do procedimento e o leal conhecimento das atuações administrativas, considerado o segredo enquanto exceção; a oportunidade de expressar suas razões antes e depois da emissão do ato administrativo, interpondo recursos; o direito a se fazer patrocinar e representar profissionalmente (obrigatoriedade quando se coloquem questões jurídicas).

No tocante a este último quesito, ou seja, do direito a ser representado por advogado, apesar de não obrigatório, propicia uma defesa mais técnica, devendo ser utilizado pelo agente público.

Para Da Silva (1999, p.70-71) o direito a ampla defesa

Não deve ser exercido por pessoa leiga, porque a violação desse direito certamente constituirá nulidade insanável, que conseqüentemente irá determinar a restauração de todos os atos processuais, desde onde a defesa deveria ter atuado, e não atuou.

Em que pese não ser obrigatória a constituição de advogado na defesa do processo administrativo disciplinar, sua ausência poderá ser argüida quando ficar claro o erro cometido pelo agente público que estava sozinho realizando sua defesa, anulando os atos decorrentes de tal erro.

Apesar do advogado garantir maior qualidade na defesa, em virtude do conhecimento técnico que possui, algumas autoridades administrativas ainda resistem a sua atuação. Como explicam Ferraz e Dallari (2002, p.71):

Ainda existem autoridades administrativas que tomam a presença do advogado como uma provocação, um acinte, um constrangimento, chegando mesmo a entender que isso é um indício seguro de culpabilidade ou má-fé, pois quem age corretamente, ou efetivamente tem o direito que postula, não precisa de advogado.

Todavia esta posição é absurda, o advogado contribuirá para melhor apuração da verdade, e para que no processo administrativo disciplinar seja assegurado ao acusado, todos os direitos a ele inerentes.

Quanto ao direito de manifestação, consiste, segundo Roberto Dromi apud Bacellar Filho (1998, p.275) no

direito a que toda prova razoavelmente proposta seja produzida, à produção probatória antes da decisão, ao controle da prova produzida pela Administração.

Sobre este direito, acrescenta Da Costa (2002, p.137) que o acusado pode requerer

A realização de diligências, pedindo juntada de documentos, reinquirindo e contraditando testemunhas e apresentando outras alegativas plausíveis, estará o acusado, pessoalmente ou por intermédio de bastante procurador, agindo em prol de sua defesa e, ao mesmo tempo, contribuindo para o total esclarecimento das ocorrências.

Decorre deste direito a possibilidade que o acusado tem de averigüar todos os meios com os quais a Administração está comprovando a acusação que lhe imputa. Ao contrário do que normalmente ocorre, no processo administrativo disciplinar, a Administração deve provar e motivar suas decisões (BACELLAR FILHO, 1998, p.282). O controle sobre as provas produzidas pela Administração faz parte do direito de manifestação, já o de que as decisões sejam motivadas decorre do direito de ter suas razões consideradas.

O direito de ter suas razões consideradas, chamado também de direito a uma decisão fundamentada, para Roberto Dromi apud Bacellar Filho (1998, p.275)

Constitui tanto critério de eficácia política-administrativa, quanto requisito para a implementação do controle judiciário levado a cabo pelos Tribunais competentes.

Ainda acerca da consideração das razões da Administração Pública escreveu Da Costa (2002, p.139):

Não se reduz à mera peça escrita de declarações em que, não raro, se escudam perseguidores e atrabiliários chefes hierárquicos para infligir punições descabidas a subalternos indefesos e desprotegidos.

Logo, as provas e fundamentos trazidos ao processo pelo agente público, devem realmente ser consideradas, não bastando a mera juntada do mesmo aos autos. Como prossegue Da Costa (2002, p.139),

Reduzir simplesmente a termo as declarações do indigitado autor de faltas não exaure o conteúdo da garantia em exame, a qual requer bem mais que isso, chegando a exigir que as procedentes ponderações do acusado sejam levadas em conta.

Vale ressaltar que todas as providências mencionadas, juntas, constituem o direito à ampla defesa e, possuem prazos para sua realização. A comissão estabelece um prazo para juntada de documentos, para a manifestação, acerca de uma prova juntada etc. Entretanto, o prazo estabelecido deve permitir o cumprimento da ação pretendida, não basta dar um prazo de 24 horas para que a parte se manifeste sobre o relatório final da comissão, por exemplo, pois nesse prazo não poderia ser analisado todo o relatório. De acordo com Figueiredo (2004, p.30)

De nada adianta estar consignado na norma jurídica o prazo, se na prática ele se mostra inadequado para a realização dos mencionados direitos. Aqui se aplica, portanto, o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade para que seja fixado ao administrado prazo suficiente para a realização da providência que se faz necessária. Cumpre-se, aí sim, o princípio do devido processo legal em toda a amplitude de sua abrangência (formal e material).

Decorrente do direito de ter suas razões fundamentadas está a obrigatoriedade da autoridade competente fundamentar sua decisão. Como visto anteriormente, ela até poderá decidir em desacordo ao relatório, mas desde que fundamente sua decisão.

No julgamento a autoridade administrativa competente, deverá sempre fundamentar a sua decisão, isto é, ou utilizando dos argumentos constantes do relatório da comissão, ou por convicções próprias, e isto serve tanto para os casos de absolvição como também para os casos de condenação (DA SILVA, 1999, p.90).

Observando à Administração tais direitos do acusado, estará garantido o princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar, atingindo-se assim o ao objetivo primordial deste processo.

Tais princípios, portanto, garantem seja proferida decisão justa e consentânea ao interesse público, atingindo, assim as finalidades do processo administrativo: de um lado garantir o cumprimento dos direitos dos administrados, e, de outro, legitimar a ação do estado em prol de uma utilidade pública (FIGUEIREDO, 2004, p.30).

Após a decisão da autoridade competente, e decorrido todo processo administrativo disciplinar com a devida observância ao princípio da ampla defesa, há que se falar do direito de recorrer da decisão. O direito de interpor recurso administrativo seria um prolongamento da ampla defesa, como ensina Bacellar Filho (1998, p.285):

Em sede de processo administrativo disciplinar, constitui tanto “recurso” inerente à ampla defesa como direito fundamental de petição, reforçando a garantia da revisibilidade das decisões processuais.

Interposto o recurso, cabe salientar a chamada reformatio in peius que “não pode ser admitida frente ao atual ordenamento jurídico constitucional” (BACELLAR FILHO, 1998, p.286). E prossegue o mesmo autor:

Com efeito, a garantia da ampla defesa não se compadece com essa atitude arbitrária que, no passado, quando consentida, atuava como fator de desestímulo às postulações recursais. Nos dias atuais, tratando-se de recurso, tolera-se “a reforma em prejuízo”, quando a autoridade, fazendo antever a sua intenção, faculta ao recorrente a oportunidade de nova manifestação sobre o agravamento pretendido.

Portanto, a reformatio in peius somente é permitida quando a Administração permite ao acusado manifestar-se sobre a nova decisão que será tomada, tendo em vista que a mesma, possivelmente, agravará sua punição.

O POSICIONAMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Da apelação cível número 2004.034051-1, de Videira, que teve como Relator o Desembargador Francisco Oliveira Filho, julgada no dia 10/05/2005, destaca-se:

Antônio Messias Ferreira, por seu procurador, deflagrou actio em face do Município de Iomerê, alegando ter sido exonerado através do Processo Administrativo Disciplinar n. 001/02, que considerou sua prisão em flagrante pelo crime de furto, capitulado no art.155 do Código Penal, como conduta escandalosa e incontinenti, ferindo a moralidade administrativa, segundo os arts. 118, IX e 134, V, ambos do Estatuto dos Servidores Públicos de Iomerê (Lei Complementar n. 05/00). Sustentou a nulidade do procedimento administrativo pelo fato de O presidente da Comissão Processante estar em cargo de confiança. Postulou, então, pela antecipação da tutela a fim de ser reintegrado na função exercida e sua confirmação ao final.

Como na sentença de primeiro grau a lide foi julgada improcedente, apelou o Autor, “afirmando que a ampla defesa restou prejudicada, pois o Presidente da Comissão Processante estar (sic) em cargo de confiança”. Mesmo argumento defendido em primeiro grau.

Para o relator tal alegação não prospera, em razão de constar nos autos documento comprovando que o Presidente da Comissão Processante é servidor público municipal com cargo efetivo e estável. O relator prossegue, “Outro requisito que os membros da Comissão Processante devem obedecer é o da superioridade hierárquica20”. Requisito devidamente comprovado, a exigência da hierarquia é fundamental para o processo administrativo disciplinar, segundo a doutrina de Meirelles (2003, p.667), citada no corpo do acórdão mencionado:

A comissão, especial ou permanente, há que ser constituída por funcionário efetivo, de categoria igual ou superior à do acusado, para que não se quebre o princípio hierárquico, que é o sustentáculo dessa espécie de processo administrativo.

Outro ponto relevante do acórdão é que o processo administrativo disciplinar seguiu o estabelecido no art. 5, LV, da Constituição, assegurando aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

A Comissão Processante efetivamente deu oportunidade de defesa ao servidor público municipal, o qual foi citado a fim de comparecer a audiência para interrogatório, constituindo advogado (fls. 74/75); apresentou rol de testemunhas, no total de cinco (fls. 79), que restaram intimadas para prestar depoimento em audiência (fl. 83); três das cinco testemunhas foram ouvidas (fls. 84/86), encerrando-se a instrução do procedimento administrativo (fl. 87); ofertou alegações finais (fls. 90/95); e, por fim, foi cientificado, através de seu procurador, da decisão final que entendeu por sua demissão (fl. 104).

Portanto, em todas as fases foi dada ao Autor, acusado no processo administrativo disciplinar, oportunidade de defesa, não cabendo alegar que a ampla defesa não foi assegurada. Cabe ressaltar que independente do cometido furto estar tipificado no código penal, sua apuração na esfera penal independentemente da administrativa. Como evidenciado no acórdão

A responsabilidade administrativa [...] não depende do resultado dos processos civil e criminal eventualmente instaurados em razão do mesmo fato. Portanto, apurada a infração administrativa, cabe à autoridade competente aplicar a pena, sem qualquer preocupação com o desfecho dos processos que tramitam nas demais esferas de responsabilidade.

Portanto, cabe à autoridade administrativa tratar sobre o processo administrativo, que é independente do processo civil, e do criminal, que deverão ser apurados nas esferas competentes.

O segundo caso referenciado, é o mandado de segurança de número 2004.019967-8, da Capital, Florianópolis, impetrado por Sílvia Maria Souza dos Santos, contra ato do Secretário de Estado da Articulação Nacional, que através de portaria aplicou pena de suspensão em razão de ato indisciplinar, porém sem observar o princípio da ampla defesa no processo administrativo.

A autoridade coatora alegou “ausência de direito líquido e certo porquanto a legislação estadual (Lei n. 6.745/85, parágrafo único do art. 161), permite a aplicação da pena de suspensão sem o processo administrativos nos casos inferiores a trinta dias”.

Para o relator, restou claro que a Lei citada fere o texto constitucional, não garantindo assim o contraditório e a ampla defesa. Tal Lei guarda semelhança com a verdade sabida, proibida pelo art. 5, LV, da Constituição. Sobre a verdade sabida assim se refere Eliezer Pereira Martins apud Edson Jacinto da Silva (1999, p.30):

De triste memória o princípio da verdade sabida. Princípio fascista, que alguns autores pretendem ver ressuscitado, agora que foi fulminado pela Constituição Federal. Consistia na possibilidade de aplicação de sanção administrativa com fundamento no conhecimento imediato, notório e evidencial da materialidade e da autoria da transgressão disciplinar.

No acórdão, o relator cita Odete Medauar, que vai ao encontro do ensinamento de Eliezer Pereira Martins:

Deve-se notar que, desde a Constituição Federal de 1998, não mais pode vigorar a aplicação de sanção disciplinar pelo critério da verdade sabida; por esse critério, podiam ser aplicadas, de imediato, penas leves, por exemplo, repreensão e suspensão até cinco dias, por autoridade que tivesse conhecimento da falta cometida. Tendo em vista que a Constituição Federal, art. 5, LV, assegura, aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, se torna inconstitucional a imposição imediata de punição, sem observância dessas garantias.

Em razão do exposto, que foi concedida a liminar para “afastar a aplicação da pena de suspensão até a conclusão do devido processo legal, observados o contraditório e a ampla defesa”.

O POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

No Superior Tribunal de Justiça analisa-se o Mandado de Segurança n 9.511, onde o Ministro Arnaldo Esteves Lima foi o relator.

Neste caso Carlos Alberto Ferreira Trindade impetrou Mandado de Segurança contra ato administrativo do Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão que o demitiu por meio de portaria, do cargo de desenhista que ocupava.

Segundo ele, a Comissão de Processo Administrativo Disciplinar concedeu apenas vinte e quatro horas para “tomar ciência, encontrar um advogado, contrata-lo, coloca-lo a par do ocorrido”. Não respeitando assim os princípios da ampla defesa e do contraditório.

Requer, com isso, a declaração de nulidade do ato administrativo, e a reintegração ao cargo que ocupava.

Para o relator “assiste razão ao impetrante quando defende cerceamento de defesa por ter sido notificado a respeito da oitiva de testemunhas, no processo administrativo disciplinar, no dia anterior ao da realização das audiências”.

Fundamenta sua decisão citando o que dispõe a Lei 8.112/1990:

Art. 153. O inquérito administrativo obedecerá ao princípio do contraditório, assegurada ao acusado a ampla defesa, com a utilização dos meios e recursos admitidos em direito.

Art. 156. É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial.

A referida Lei não estipula prazo para tais atos, mas a Lei 9.784/1999, estabelece as regras de intimação nos processos administrativos no âmbito da Administração Federal:

Art. 41. Os interessados serão intimados de prova ou diligência ordenada, com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, mencionando-se data, hora e local de realização.

No processo administrativo disciplinar, que culminou com a demissão do impetrante não foram seguidas as leis mencionadas. Para o relator “não basta apenas comunicar a realização de ato ao acusado, é indispensável que lhe seja conferido prazo razoável para o exercício da garantia da ampla defesa e do contraditório”.

Como explica o representante do Ministério Público Federal, Subprocurador-Geral da República Brasilino Pereira dos Santos em seu parecer:

Face à exigüidade do lapso temporal mencionado, fica evidente que não foi dado ao Impetrante o tempo necessário para que pudesse realizar os preparativos necessários para tal audiência, como, v.g., se inteirar previamente de todos os fatos, colher dados acerca das testemunhas, preparar eventuais questionamentos ou mesmo contactar, de modo eficiente, um defensor para acompanhá-lo durante a audiência.

E que não se venha falar que o comparecimento do Impetrante à audiência teria convalidado a ilegalidade perpetrada pela Administração.

É que, no caso, foi infringido o princípio da ampla defesa. Assim, como no processo penal, o prejuízo é presumido e a nulidade, absoluta.

Dessa forma, na há a necessidade de comprovação do suposto prejuízo ao Impetrante, até porque isso não seria possível na situação posta sob exame. A única certeza é que a presença de um defensor técnico, dotado de conhecimentos jurídicos e com formação universitária e profissional direcionada para o enfrentamento de situações como a tal seria fundamental para a preservação da garantia constitucional da ampla defesa.

Portanto, frente à não observância do princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar, é que a Terceira Seção do Tribunal Superior de Justiça, por decisão unânime, concedeu a segurança pleiteada pelo impetrante. Anulando a portaria que demitiu o impetrante, e determinando sua reintegração ao cargo que ocupava.

O POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

No Supremo Tribunal Federal também é pacífico o entendimento da necessária observância do princípio da ampla defesa. A maioria das jurisprudências encontradas são de Mandados de Segurança contra autoridade que hora não atendeu ao princípio, hora este foi devidamente assegurado, sendo nestes casos negado a segurança pleiteada.

O primeiro caso escolhido trata de um "mandado de segurança [...] que ADAILZO AFONSO COEHN CORREA impetrou contra o Presidente da República, visando a anulação de seu ato de demissão, com retorno ao cargo antes ocupado".

Alega, para tanto, ofensa ao contraditório e a ampla defesa, a Comissão de Sindicância não teria dado oportunidade para inquirição de testemunhas, apresentação de defesa, contestação das acusações, acompanhamento dos atos de instrução, e nem permitiu a interposição de recurso.

Já a autoridade coatora argüiu que o impetrante "foi indiciado em regular Processo Administrativo Disciplinar, no qual lhe foi dada a oportunidade de apresentar sua defesa".

Em seu voto, o relator, Ministro Gilmar Mendes, salientou que a oportunidade de defesa na sindicância não é necessária, em virtude de que a sanção decorreu de posterior Processo Administrativo Disciplinar. E prossegue em seu voto:

A análise dos autos demonstra que no processo administrativo disciplinar em foco houve expedientes destinados a assegurar o exercício do direito de defesa.

O relator cita trecho de documento constante no Processo Administrativo Disciplinar:

Em consagração aos princípios do contraditório e da ampla defesa, insertos nos artigos 5, inciso LV da Constituição Federal [...] considerando que Vossa Senhoria participou das realizações constantes nos autos referidos, fica desde já lhe assegurado o direito de acompanhar todo o processo e mais, de comparecer às audiências pessoalmente ou por intermédio de procurador constituído, que serão realizadas mediante prévia comunicação, ocasiões em que lhe será facultado, através do presidente, a formulação de reperguntas.

Fica claro no trecho reproduzido pelo ministro que foi assegurado o direito a ampla defesa, que foi devidamente exercido. Portanto, foi negada a existência de lesão "uma vez que o impetrante não só teve a oportunidade mas exerceu plenamente esse direito no processo administrativo disciplinar".

A segunda jurisprudência diz respeito ao advogado do impetrante, que não conseguia ter acesso aos autos do processo administrativo disciplinar há mais de dois anos. Sendo assim, entrou com Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal alegando desrespeito ao direito de defesa.

Alega, também, ilegalidade e abusividade do ato preventivamente impugnado, em detrimento ao art. 41, § 1, II, da Constituição Federal.

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1 O servidor público estável só perderá o cargo:

[...]

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

Não bastasse a garantia expressa no art. 5, LV, da Constituição Federal, o artigo mencionado corrobora tal posição, quando repete a garantia da ampla defesa no processo administrativo, onde os servidores estáveis somente poderão perder o cargo após processo administrativos em que seja assegurado a ampla defesa.

Consta no acórdão parecer do Subprocurador-Geral Wallace de Oliveira Bastos sobre o caso em tela:

Nesse passo, percebe-se que, embora tenha apresentado defesa escrita, não se pode concluir que a Administração garantiu a ampla defesa na condução do processo, tendo em vista que até o presente momento - segundo as informações dos autos - não foi possível ao impetrante ter acesso ao feito original, exceto por meio de cópias xerográficas.

No final do seu parecer, conclui pela confirmação do direito pleiteado, com a conseqüente concessão da segurança.

Na decisão o Tribunal "concedeu a segurança para que os autos do processo administrativo retornem à repartição de origem, nos termos do voto do relator".

Em todas as jurisprudências citadas é notório o entendimento da obrigatoriedade na observância do artigo 5, LV, da Constituição Federal. Independentemente da parte favorecida na sentença, resta claro que a decisão baseia-se neste ponto, se foi devidamente assegurado a ampla defesa no processo administrativo disciplinar. Somente nos casos em que à Administração Pública não cumpriu devidamente tal preceito constitucional é que foi parte vencida na lide.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Constituição Federal assegura, em seu artigo 5, LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”.

Com base neste princípio constitucional, verificou-se, no presente trabalho, sua devida observância e aplicação no processo administrativo disciplinar.

Fez-se um apanhado geral acerca da matéria, no primeiro capítulo, que trata da Administração Pública; no segundo capítulo, que cuida do processo disciplinar na Administração Pública, e, por fim, no terceiro, que versa sobre o entendimento dos Tribunais acerca do emprego do princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar.

Desta forma, em virtude do estudo realizado, no primeiro capítulo verificou-se o conceito de Administração Pública no direito brasileiro, os princípios que devem ser seguidos pela Administração Pública, elencados no artigo 37 da Constituição Federal. Bem como os poderes e deveres do administrador público no desempenho de suas funções, e os poderes administrativos, meios com os quais o administrador atende seus objetivos.

No segundo capítulo, tratou-se do processo disciplinar na Administração Pública. A diferença entre processo e procedimento, classificação do processo administrativo disciplinar, o processo administrativo disciplinar em si, e por fim os princípios que regem o processo disciplinar. Aqui já menciona-se o princípio da ampla defesa, tema central deste estudo, e que foi abordado com maior profundidade no terceiro capítulo.

No último capítulo, demonstra-se o entendimento dos Tribunais quanto ao emprego do princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar. Primeiramente, tratou-se do princípio da ampla defesa, especificamente aplicado ao processo administrativo disciplinar, como ele é observado nas fases do processo disciplinar, e mais algumas questões pertinentes ao tema.

Por fim, demonstrou-se o posicionamento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina na observância da ampla defesa. Em seguida, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, e, na seqüência, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Ressaltou-se que as jurisprudências destacadas foram escolhidas aleatoriamente em pesquisa feita aos sites dos Tribunais mencionados, sem um critério definido, apenas com o objetivo de demonstrar o posicionamento dos Tribunais quanto a observância do princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar.

Assim, restou evidenciado o cumprimento inerente do objetivo geral e dos específicos, bem como da problemática proposta neste trabalho monográfico, que se age na devida comprovação do posicionamento dos Tribunais frente à obrigatoriedade da observância do princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar. Todavia, embora pacífico tal entendimento, a Administração Pública por diversas vezes ainda deixa de atentar ao seu cumprimento, como comprovado em algumas das jurisprudências constantes no trabalho.

Ademais, ressalta-se que este trabalho não encerra o necessário destaque a essencialidade da observância da aplicação do princípio da ampla defesa no processo administrativo disciplinar, tal como exposto. Ao contrário, encontra-se o mesmo suscetível às críticas e sugestões da banca examinadora, bem como a estudos a serem realizados posteriormente.


REFERÊNCIAS

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ANEXOS

Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

Jurisprudências do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça.

Jurisprudências do Supremo Tribunal Federal.


Notas

1 “Pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral este é o denominado método indutivo”. (PASOLD, 1999, p.85)

2 Vale também destacar que a expressão Administração Pública, é utilizada de duas formas, em letra maiúscula (Administração Pública), quando se refere as pessoas e órgãos administrativos, e em letra minúscula (administração pública), quando trata da atividade administrativa em si mesma (MEIRELLES, 2003, p.58). No entanto para fins desta monografia não será utilizada qualquer distinção.

3 Ver item 1.2.5.

4 A identificação do local de publicação dos atos oficiais encontra-se, geralmente especificados na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais, e nas Leis Orgânicas dos Municípios.

5 Art. 37, § 1, da CF: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.

6 Lei 8.429/92. Caracterizam improbidade os atos que: art. 9, causem enriquecimento ilícito; art. 10, prejuízo ao erário; art. 11, atentam contra os princípios da Administração Pública.

7 Art. 70.

Parágrafo único, CF: “Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”.

8 Alguns autores, como Maria Sylvia Di Pietro, não consideram a vinculação e a discricionariedade enquanto poderes, mas sim como características dos demais poderes administrativos.

9 Arbitrário: “que depende da vontade de quem age; sem regras” (Houaiss, 2004, p.57).

10 Abusivo: “uso exagerado, injusto ou errado” (Houaiss, 2004, p.06).

11 Art. 84, IV, CF: “Sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”

12 O poder disciplinar (que será tratado no próximo item) decorre do poder hierárquico.

13 Esse estudo tratará adiante mais afundo da questão do processo disciplinar. As diferenças em relação ao processo judicial, seu procedimento, eventuais punições etc.

14 Cabe lembrar que “Processo administrativo disciplinar, [...], é o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores públicos e demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da Administração” (MEIRELLES, 2003, p.666). Assim, a expressão servidor público deve ser entendida em sentido amplo, estando contemplados todos os agentes públicos que estiverem sujeitos a regime funcional da Administração Pública.

15 de ofício, por dever de ofício, em razão do ofício.

16 Ver item 2.4.2.

17 ver item 1.3.1 do 1 capítulo.

18Discrime. do latim discrimen (que separa, separação), é o vocábulo que se usa na mesma significação de linha divisória ou limites entre dois prédios ou imóveis (SILVA, 1984, p.182).

19 Art. 5, LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

20 Lembrando que a hierarquia no processo disciplinar foi tratada no item 2.3.1 do segundo capítulo.



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