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As contribuições de intervenção no domínio econômico e o principio da proporcionalidade

As contribuições de intervenção no domínio econômico e o principio da proporcionalidade

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Almeja-se propor uma definição quanto à sua hipótese de incidência e sua finalidade, o conceito aberto de intervenção no domínio econômico, através de uma interpretação sistemática do texto constitucional, embrenhando na seara do Direito Econômico e frisando alguns aspectos peculiares dessas espécies tributarias.

Sumário:1. Considerações iniciais; 2. O principio da proporcionalidade e a efetivação do sistema constitucional; 3. Finalidade e intervenção no domínio econômico; 3.1. Intervenção e contribuição interventiva; 3.2. Finalidade e destino do produto da arrecadação; 4. A norma impositiva do art. 149 e o princípio da proporcionalidade como critério de aferição de constitucionalidade; 4.1. Adequação; 4.2. Necessidade; 4.3. Proporcionalidade em sentido estrito; 5. Conclusões; 6. Referencias bibliográficas.


1. Considerações iniciais

O objetivo desse trabalho não é repisar o critério de validação finalística das contribuições especiais (sociais, interventivas e corporativas) previstas no art. 149 da Constituição da Republica de 1988, bem delineado no cenário jurídico nacional [1] e aceito em face do perfil programático da Carta Magna.

Almeja-se aqui, diferentemente, trazer à baila as chamadas contribuições de intervenção no domínio econômico e propor uma definição quanto à sua hipótese de incidência e sua finalidade, o conceito aberto de intervenção no domínio econômico, através de uma interpretação sistemática do texto constitucional, embrenhando-nos na seara do Direito Econômico e frisando-se alguns aspectos peculiares dessas espécies tributarias que, inclusive, afastam-nas em certo grau das demais contribuições especiais.

Como resta claro, o estudo da intervenção no domínio econômico mediante contribuições interventivas conduz, indesviavelmente, a uma análise da relação entre as finalidades constitucionalmente albergadas e os meios de que dispõe o Estado para sua consecução. Tal processo não deve prescindir do devido exame dos princípios consagrados na Constituição, e, no contexto atual do Estado Democrático de Direito, deve ser temperado com o princípio da proporcionalidade. A aplicação desse princípio busca a efetivação dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais (concordância prática) e a vedação ao arbítrio das medidas estatais.


2 – O princípio da proporcionalidade e a efetivação do sistema constitucional

O termo proporcionalidade normalmente está associado à noção de justa medida, razoabilidade, prudência, adequação e reflete, essencialmente, um conceito relacional, acerca de meios e fins. O juízo de proporcionalidade se manifesta, portanto, na eleição de um meio, dentre vários, para a consecução de uma determinada finalidade, e ainda, na análise de qual finalidade, em contraposição às demais, deverá prevalecer em uma situação concreta.

A primeira manifestação mais contundente dessa idéia, com traços principiológicos e força cogente, deu-se na seara do Direito Administrativo, como princípio jurídico limitador de medidas estatais sancionatórias à liberdade, à propriedade e a outros bens jurídicos constitucionalmente protegidos dos particulares. Dentro do constitucionalismo moderno, a atuação estatal não mais era limitada somente pelo parâmetro da legalidade formal, mas também devia obediência a limites substanciais, de índole constitucional, como o princípio da proporcionalidade. Logo, tal princípio assume importância inestimável na lapidação da relação jurídica entre o Estado e os particulares.

A doutrina e, principalmente, a jurisprudência alemã contribuíram para a transposição de tal princípio para o Direito Constitucional, e o definiram como instrumento de controle da atividade estatal, através dos comandos de preservação do núcleo essencial das posições subjetivas individuais constitucionalmente protegidas e de concretização dos direitos fundamentais, que deveriam passar da declaração constitucional formal à sua efetivação prática.

Nesse sentido, Helenilson Cunha Pontes vislumbra-o em duas dimensões, complementares entre si; uma de princípio geral de vedação do arbítrio estatal e outra, de concretização prática dos diferentes direitos, interesses e garantias constitucionais presentes no ordenamento jurídico. [2]

O caráter de vedação ao arbítrio colaciona a esse princípio uma função negativa ou de proteção, caracterizando-o como verdadeira norma de bloqueio, na doutrina de Tércio Sampaio Ferraz Junior [3], que visa à proteção do indivíduo contra medidas estatais arbitrárias.

A noção de proibição do excesso (Übermassverbot) deve ser entendida como parâmetro geral de aferição da justa medida da atuação estatal, através da exigência de uma relação racional de meio-fim entre a medida estatal e a finalidade almejada. Nesses termos, o princípio da proporcionalidade comprovará se houve adequação, necessidade e conformidade da medida estatal com a finalidade por ela perseguida.

Já na segunda dimensão, a proporcionalidade consubstancia um instrumento de concretização ótima das pretensões constitucionais que aparentemente possam apresentar-se contraditórias, em situações concretas de colisão de princípios jurídicos. Concebido dessa forma, o princípio da proporcionalidade assume indesviável função positiva de afirmação da normatividade dos comandos constitucionais, ou seja, de resguardo, na classificação de Ferraz Junior.

A Constituição, como um sistema aberto de regras e princípios, deve ser efetivada através da otimização dos comandos nela incrustados. A proporcionalidade, aqui, permite a harmonização dos bens jurídicos constitucionalmente tutelados mediante a análise das circunstâncias fáticas e jurídicas de cada problema prático que se apresente ao intérprete-aplicador. Ela construirá uma solução para o caso concreto, marcado por um confronto de princípios, no sentido de se preservar o núcleo essencial dos bens jurídicos envolvidos.

Assim, o processo de resolução de uma colisão de princípios deverá, necessariamente, alicerçar-se no princípio da proporcionalidade, vez que um princípio que tiver sua carga normativa restringida em face da superioridade de outro diante do caso concreto não pode ser aniquilado pela solução jurídica final, sob pena de desintegração do sistema constitucional.

No entanto, a plena compreensão desse critério de interpretação e integração do ordenamento depende do claro delineamento dos aspectos da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, conformadores do substrato normativo do princípio da proporcionalidade. Tal esforço contribui para a racionalização do processo jurídico decisório, já que permite ao intérprete-aplicador do Direito uma análise profunda acerca da compatibilidade da medida estatal com a Constituição e os princípios que a compõem.

O dever de adequação impõe que a medida estatal seja apropriada ao alcance do desiderato, ou seja, que a existência daquele ato torne mais fácil a consecução dos fins a que ele se presta. Há que se identificar uma relação de causalidade entre o meio proposto e o fim almejado, caso contrário, a medida analisada padecerá pela inobservância do dever de adequação.

Helenilson Cunha Pontes ainda destaca que o juízo de adequação pode não ser efetuado de imediato pelo intérprete-aplicador, quando o objetivo traçado for de longo alcance. Se os efeitos que a medida estatal almeja somente se manifestarão no futuro, uma declaração de inadequação no momento presente deve ser evitada, haja vista o fato de que se presume a validade das escolhas realizadas pelo agente estatal no exercício de competência que o ordenamento lhe atribui. Nesse diapasão, o juízo de adequação deve ser dinâmico, acompanhando a produção dos efeitos pela medida estatal ao longo do tempo, e analisando-os em conformidade com a finalidade a priori estabelecida. Enfim, a medida deve manifestar possibilidade potencial de produzir o efeito almejado para ser considerada adequada. [4]

O dever de necessidade como aspecto do princípio da proporcionalidade consubstancia exigência da adoção do meio limitador mais suave, menos deletério ao interesse jurídico que teve o seu exercício limitado (das mildest Mittel). O juízo de necessidade exige, portanto, uma seleção dos meios, igualmente adequados para atingir o desiderato proposto, diante do grau de intensidade da limitação que cada qual impõe aos vários bens jurídicos constitucionalmente tutelados.

J.J. Gomes Canotilho afirma que esse dever de necessidade revela a idéia de que o cidadão tem "direito a menor desvantagem possível". Assim, "exigir-se-ia sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adotar outro meio menos oneroso para o cidadão" [5].

Vale dizer que à autoridade estatal cabe o juízo de conveniência de determinado ato estatal, porque a ordem jurídica lhe reconhece a competência para agir. No entanto, o conteúdo desse ato e os seus efeitos fáticos e jurídicos devem ser apreciados pelo Poder Judiciário, de modo a se determinar o grau de limitação imposto aos bens jurídicos tutelados pela Constituição. Frise-se que o Poder Judiciário não firmará juízo acerca da conveniência administrativa ou legislativa do ato, mas somente sobre a estrita necessidade de lesão ou limitação por ele gerada a determinados bens jurídicos, sobretudo, quando possam existir outros meios aptos à consecução da finalidade desejada e que causem menor ou nenhuma lesão àqueles bens.

Por fim, o exame da proporcionalidade perante um caso concreto deve perpassar o dever de proporcionalidade em sentido estrito ou de conformidade. Através desse juízo, o intérprete-aplicador do Direito poderá determinar se a relação meio-fim revela-se proporcional, se a vantagem obtida com o alcance daquele fim supera o prejuízo decorrente da limitação concretamente imposta a outros interesses igualmente protegidos.

Helenilson Cunha Pontes ainda afirma que esse aspecto representa a idéia nuclear do princípio da proporcionalidade em sentido amplo, porquanto consubstancia a concreta apreciação dos interesses em jogo, isto é, revela a necessidade de formulação de um juízo de sopesamento entre o meio adotado pela autoridade (e o interesse público que o justifica) e a limitação sofrida pelo indivíduo em parcela de sua esfera juridicamente protegida. [6]

Esse aspecto se diferencia dos demais, pois, nos dois primeiros, o intérprete-aplicador do Direito deve formular juízo acerca da adequação e necessidade de meios vários para o alcance de um desiderato específico, a que a medida estatal analisada se propôs. Já nesse último aspecto, o juízo do intérprete-aplicador recai sobre a própria finalidade para a qual foi eleita a medida estatal, de forma a sopesá-la com os demais objetivos esculpidos na ordem jurídica e os interesses que os compõem.

Em outras palavras, buscar-se-á um fundamento constitucional, dentre os objetivos esculpidos na ordem jurídica, para justificar a finalidade perseguida pela medida estatal e o sacrifício de determinados bens jurídicos constitucionalmente protegidos dela decorrente, o que contribuirá para a melhor e mais justa decisão para o caso concreto, segundo a ideologia constitucionalmente adotada.

Em breve síntese, esse é o desenho do princípio da proporcionalidade na doutrina atual. Diante dessa exposição, indesviável se mostra a pertinência de tal princípio na ordem jurídica constitucional brasileira.

Pensado inicialmente na seara do Direito Administrativo, como instrumento de controle das medidas sancionatórias estatais, e mais tarde, construído pelo Tribunal Constitucional Alemão como efetivador dos direitos e garantias fundamentais, o princípio da proporcionalidade está resguardado no ordenamento constitucional brasileiro, pelo próprio perfil de Estado Democrático de Direito que a República Federativa do Brasil assumiu e pelo objetivo maior de construir uma sociedade livre, justa e solidária.

Em sua dimensão de concordância prática entre os diversos bens tutelados constitucionalmente, tal princípio tem pertinência constitucional, haja vista o vastíssimo leque de direitos expresso no art. 5º e de princípios contidos, por exemplo (no que nos interessa nesse trabalho) no art. 170 relativo à ordem econômica, muitas vezes em aparente oposição, e que necessitam, cada um, de efetivação no plano jurídico pelo intérprete-aplicador do Direito.

O próprio art. 5º, em seu parágrafo 2º reconhece eficácia a outros direitos não explicitados na Constituição, que decorram do regime e dos princípios por ela adotados. O princípio da proporcionalidade é um deles já que, em suas dimensões de vedação ao excesso e concordância prática, constitui conseqüência inelutável do Estado Democrático de Direito.

Como exigência de vedação ao arbítrio, o princípio da proporcionalidade permeia as garantias fundamentais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da igualdade, dentre outras, em seus conteúdo materiais. No âmbito tributário, as limitações constitucionais ao poder de tributar relativas ao não confisco, à isonomia, à capacidade contributiva também contém essa dimensão do princípio da proporcionalidade.

Isto posto, de muita valia será tal princípio ao tratarmos dos critérios de aferição da constitucionalidade da norma impositiva que prescreve a competência da União para instituir contribuições de intervenção no domínio econômico.


3. Finalidade e intervenção no domínio econômico

3.1. Intervenção no domínio econômico e contribuição

Nos exatos termos da CR/88, a União poderá utilizar-se de contribuições interventivas como instrumento de sua atuação no domínio econômico. Tal exação, assim, servirá como instrumento para a União intervir no domínio econômico. Nesse ponto, é necessário definir em que consistiria essa intervenção, no sentido de delinear os contornos exatos da competência definida no art. 149 que devem ser obedecidos quando do seu exercício pelo legislador infraconstitucional.

A primeira idéia é de que se trata de uma atuação em campo originariamente não destinado ao Estado, vez que se contrario fosse, não poderia essa atuação levar a alcunha "intervenção", a qual exprime indesviável caráter de exceção.

A Carta, em seu art. 173, caput, permite ao Estado a exploração direta da economia, ressalvados os casos nela previstos, somente quando necessária aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, nos termos da lei. Aliado a esse dispositivo, o art. 174 disciplina a atuação do Estado como agente normativo, regulador da atividade econômica, no exercício das funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo esse determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Tais artigos revelam o conteúdo de exceção que permeia a atuação do Estado no domínio econômico, sendo possível denominar essa atuação como uma intervenção.

Nesse ponto, o esforço para se definir a expressão "domínio econômico" resta atenuado, vez que, a idéia central refletida pela Constituição é a de que se trataria do loco reservado à atuação dos agentes econômicos privados, no exercício da atividade econômica em sentido estrito [7], não estando, pois, inserido nesse conceito os serviços públicos, área tipicamente de atuação estatal.

Com esse substrato constitucional, a doutrina [8] discriminou essa intervenção do Estado em duas formas, a saber, direta e indireta.

Pela primeira, o Estado intervém no domínio econômico, como verdadeiro agente, assumindo integralmente (por absorção) ou parcialmente (por participação) o controle dos meios de produção e/ou troca de determinado setor da atividade econômica em sentido estrito. Ou seja, o Estado, através de um ente com personalidade jurídica própria (empresa pública, sociedade de economia mista ou subsidiária), atua no domínio econômico, seja sob o regime de monopólio, seja em concorrência com os demais agentes econômicos da iniciativa privada.

De outra mão, ao intervir de forma indireta, o Estado se limita a condicionar, a partir de fora, a atividade econômica privada, exercendo sua função normativa e regulatória. Tal postura pode se dar por meio de duas modalidades (ou técnicas).

Por direção, o Estado exerce pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os agentes particulares, de caráter eminentemente cogente, inclusive para as empresas estatais que desempenhem atividade econômica em sentido estrito.

Já na modalidade de intervenção por indução, a atuação estatal se concretiza mediante a adoção de técnicas regulatórias de estímulo e desestímulo de determinadas condutas, em consonância com as leis do mercado. Aqui, os preceitos, embora deônticos, não são dotados da mesma carga de cogência que afeta as normas de intervenção por direção. Na lição de Eros Grau, trata-se de normas dispositivas [9], com a função de induzir os agentes econômicos a uma opção de comportamento que transcenda os limites do querer individual, em consonância com o interesse econômico e social cuja consecução é o objetivo almejado por elas. Portanto, diante desse "convite" ofertado pelo Estado, ao agente econômico cumpre escolher qual o caminho a ser tomado, se em direção à finalidade da norma – gozando, assim, de condições mais favoráveis para o exercício de sua atividade – ou no sentido oposto, havendo que se submeter a um tratamento mais restritivo.

Em relação a essas duas últimas formas de intervenção, entende Eros Grau que o Estado intervém não mais no domínio econômico, porém sobre ele.

Respaldando-se na distinção feita pelo emérito Professor e na lição de Helenilson Cunha Pontes [10], é possível concluir que a intervenção indireta seria a única autorizada constitucionalmente a balizar a instituição de contribuições de intervenção no domínio econômico, malgrado a literalidade do art. 149 da Carta. O exame, porém, não está completo. Entre as duas modalidades de intervenção, por direção e por indução, fixamos o entendimento de que somente a intervenção indireta por indução poderia servir como finalidade suficiente a legitimar a exação tributária em tela.

A idéia de indução está geralmente associada a estímulos, benefícios, de natureza positiva, por meio dos quais o Estado intenta persuadir os agentes econômicos a assumir comportamentos que, eventualmente, na falta de tais, não seriam adotados. Nesse sentido, a isenção, a redução de tributos, o financiamento público e os incentivos a atividades econômicas configuram formas bastante comuns e eficazes de intervenção do Estado sobre o domínio econômico por indução.

A repercussão de um ônus ou um bônus tributário no domínio econômico é visível. No entanto, não se deve pensar a atuação interventiva-regulatória do Estado apenas como a concessão de vantagens aos agentes econômicos para que se alcance determinadas finalidades. A intervenção, nos termos do art. 174 da CR/88, pode assumir um viés negativo, impondo um ônus (tributário, por exemplo) àqueles que não se conduzirem no sentido de efetivação da finalidade almejada pela medida.

A Constituição não limita o exercício da função regulatória pelo Estado à adoção de medidas de caráter positivo. Ao contrário, a Constituição se preocupou em gizar que uma intervenção estatal deve apontar para a consecução dos objetivos elegidos nela como finalidades que espelhem os princípios da ordem econômica, seja através de uma ação negativa, seja através de uma ação positiva. A adoção, pelo Estado, de políticas econômicas e medidas administrativas ou legislativas no âmbito econômico deverá, sim, levar em conta os fundamentos e os princípios norteadores da ordem econômica explicitados no art. 170. O texto do texto:

"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional;

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente;

VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII – busca do pleno emprego;

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei."

A análise estatal acerca da consecução de alguns desses desideratos pode conduzir à escolha de determinada medida que imponha ônus aos agentes econômicos que não redirecionem suas atividades, em perfeita consonância com a Constituição. [11] É claro que, se uma intervenção no domínio econômico assumir tal caráter restritivo, a limitação imposta terá, necessariamente, que passar pelo crivo do princípio da proporcionalidade, em seus três aspectos (adequação, necessidade e proporcionalidade), instrumento essencial ao Estado Democrático de Direito e garantidor da efetivação dos bens jurídicos constitucionalmente tutelados e da proibição do excesso das medidas estatais. Mas a esse tópico retornaremos mais adiante.

3.2. Finalidade e destino do produto da arrecadação

As reflexões do item anterior servem como subsídios para tentarmos lançar algumas luzes sobre um ponto crucial no estudo das contribuições interventivas e acerca do qual a doutrina atual ainda vacila. Essas são as indagações que se colocam: qual é o papel da contribuição interventiva dentro do contexto de uma intervenção do Estado sobre o domínio econômico? Ela consiste em um instrumento para a captação de recursos que financiarão a intervenção empreendida pela União ou a própria incidência da contribuição, a sua imposição aos agentes econômicos, caracterizaria a intervenção?

Até agora afirmamos que o exercício da competência impositiva do art. 149 diferencia-se das demais presentes no subsistema constitucional tributário por se submeter também a um critério de validação finalístico. A União instituirá contribuições interventivas para que uma finalidade (intervenção no domínio econômico) seja atingida. No entanto, é necessário esclarecer qual é a relação existente entre a contribuição (meio) e a intervenção (fim).

Observando-se o modelo adotado pelo constituinte para as contribuições sociais destinadas à Seguridade Social, cuja matriz inicial se encontra no próprio art. 149, revelar-se-ia, em princípio, um critério para a interpretação do mesmo. Tais contribuições refletem o modelo de identificação da finalidade com o destino do produto da arrecadação, já que o art. 195 determina que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade por meio das contribuições que elenca em seus três incisos. No entanto, a adoção desse modelo para tais contribuições foi explicitada pelo contribuinte no art. 195 e não deve ser considerada como decorrência lógica do art. 149.

Nas exatas palavras do constituinte, a União poderá instituir contribuições de intervenção no domínio econômico como instrumento de sua atuação na respectiva área. A Constituição, nesse ponto, não limitou a atuação do legislador infraconstitucional na escolha do mecanismo regente da relação contribuição/intervenção, permitindo-lhe, segundo o juízo de conveniência legislativa e a política econômica adotada pelo Estado, a eleição do meio mais eficaz para o alcance das finalidades que impulsionam a intervenção Estado.

A definição adotada pela Constituição para a contribuição interventiva apenas deixa claro que a exação deve servir de instrumento à intervenção pretendida. De uma forma ou de outra. Dessa feita, entendemos que a Constituição, por seu art. 149, autoriza a União a instituir uma contribuição interventiva que exerça, por si só, através da sua incidência, a intervenção sobre o domínio econômico. A finalidade da intervenção, que deve estar contida na hipótese de incidência dessa contribuição, não é desprezada nesse modelo, mas realizável segundo outros critérios. [12]

A própria dinâmica das relações econômicas, em sua complexidade, acaba por exigir que o legislador infraconstitucional, quando da imposição de uma medida estatal interventiva aos agentes econômicos, adote diferentes métodos. A feição, aqui, mais se assemelha a dos impostos regulatórios de competência da União (aduaneiros, produtos industrializados e operações financeiras) regidos por aspectos eminentemente extrafiscais, de controle de mercadorias, variações cambiais, estímulo à produção e ao consumo etc.

Ademais, como descrito no item anterior, a intervenção indireta do Estado por indução, mediante o desestímulo de certas condutas em prol de outras, consoantes com o objetivo da intervenção, pode se expressar por um ônus tributário como fator primordial para a concretização do efeito indutivo pretendido.

Entretanto, com esse raciocínio, não se intenta desprezar a possibilidade de aplicação do modelo observado nas demais contribuições do art. 149 (sociais e corporativas) de destinação do produto arrecadado com a contribuição para financiar ações públicas interventivas sobre domínio econômico, como por exemplo, concessão de financiamentos e incentivos, aprimoramento da infra-estrutura de determinados setores através de investimentos públicos, dentre outras formas.

Não é esse o nosso propósito. A demarcação, por vezes mais intensa nesse ensaio, da intervenção por indução através de um ônus tributário (contribuição) se justifica pela novidade que tal raciocínio traz para dentro da sistemática das contribuições no Direito Brasileiro. Afinal, as peculiaridades da ordem econômica (estrutura e funcionalidade), e das relações jurídicas que a compõem, devem servir como substrato para o entendimento da norma tributária impositiva da contribuição interventiva, vez que a própria Constituição tratou de intercruzar os dois subsistemas no art. 149.


4. A norma impositiva do art. 149 e o princípio da proporcionalidade como critério de aferição de constitucionalidade

No mesmo rumo de vários outros comandos constitucionais, a estrutura do art. 149 prescreve uma finalidade a ser alcançada e não desenvolve os traços suficientes, de forma analítica, para a determinação dos meios a serem utilizados. Através desses programas, a Constituição determina que o intérprete-aplicador do Direito concretize, por atos administrativos, legislativos ou judiciais, os princípios jurídicos, garantias e direitos fundamentais, efetivando-se, assim, a gama de valores protegidos detrás de tais normas.

Como exigência da órbita jurídica de um Estado Democrático de Direito, como o que se estabelece no Brasil (art. 1º), a perseguição de tais fins, e a escolha dos meios para tanto, devem ser temperados com o princípio da proporcionalidade, através da obediência aos deveres de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, para que a força normativa da Constituição seja preservada. Por esse pressuposto, extrai-se da norma impositiva do art. 149 um limite implícito ao exercício válido da competência, segundo o qual a hipótese de incidência tributária da contribuição interventiva, meio eleito pelo legislador infraconstitucional como instrumento da intervenção estatal, deve ser adequada, necessária e proporcional à consecução da finalidade a que se destina tal intervenção.

Com efeito. O controle de constitucionalidade na instituição de contribuições interventivas, mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, deve ser estudado em duas dimensões.

Em primeiro lugar, é necessário aferir se a intervenção realmente se destina ao alcance de alguma finalidade albergada pela Constituição (mormente, na ordem econômica) e se a eleição do meio interventivo pela União respeitou os deveres ínsitos ao princípio da proporcionalidade. Tal análise é efetuada, portanto, sob o foco do Direito Econômico, pois, por ela, verifica-se a validade da intervenção per se, dentro dos limites impostos ao Estado na ordem econômica.

Em seguida, nosso olhar se voltará para o Direito Tributário e para a hipótese de incidência tributária da contribuição interventiva. Aqui, o intérprete-aplicador verificará se a hipótese de incidência, por seus elementos material e pessoal, é adequada, necessária e proporcional à finalidade perseguida pela intervenção sobre o domínio econômico.

Pois bem. Sob a ótica do Direito Econômico, o Estado, para intervir no domínio econômico, deve fazê-lo no sentido de concretizar algum dos desideratos constitucionais que regem a ordem econômica. A finalidade proposta por qualquer medida estatal interventiva deve buscar a consecução de alguns dos princípios jurídicos do art. 170. Tais princípios consubstanciam os instrumentos normativos com que o Estado busca garantir a justiça social e a existência digna a todos.

No entanto, a fixação da finalidade não basta para validar determinada medida estatal. Como sabido, os princípios jurídicos, notadamente aqueles de matriz constitucional, são, por natureza, comandos normativos abertos, que apontam em diferentes direções, e cuja efetivação depende de um juízo de proporcionalidade operado pelo intérprete-aplicador diante das circunstâncias fáticas e jurídicas de um caso concreto.

Diante de uma medida estatal interventiva, por exemplo, pode-se afirmar, pelo menos em tese, que todos os princípios do ordenamento conspiram em alguma direção. A oposição entre alguns princípios, portanto, é inevitável, e o seu deslinde deve ser efetuado mediante a elaboração de um juízo de proporcionalidade. Essa operação visa a identificar, nessa ordem: i) quais são os princípios em choque; ii) como, diante das circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto, cada princípio em jogo será atingido na hipótese de aplicação do outro. Desse modo, busca-se afastar a solução que, ao dirigir-se à consecução de determinado princípio, inviabilize a efetivação de algum outro princípio jurídico.

Nesse sentido, é que se entende o princípio da proporcionalidade como instrumento jurídico mediador entre os princípios jurídicos, de forma a permitir uma concordância prática entre eles que otimize a sua efetivação no plano concreto. A medida estatal, portanto, será declarada válida constitucionalmente se o atendimento a determinado princípio preserve o núcleo essencial dos demais princípios do ordenamento, impondo-lhes limitação desproporcional.

Dentro da ordem econômica, determinada medida estatal interventiva haverá, inelutavelmente, que se respaldar em um motivo constitucional, na concretização de um determinado princípio elencado no art. 170. Ademais, em virtude do leque de interesses protegidos pela Constituição, muitas vezes opostos, essa intervenção, por se balizar em um deles (por exemplo, a defesa do meio ambiente), não raro, restringirá o âmbito de eficácia de outro (digamos, a propriedade particular). Esse contraste é absolutamente normal dentro de uma ordem jurídica conformada por princípios como é a Constituição da República de 1988. No entanto, como decorrência inegável do Estado Democrático de Direito, o princípio da proporcionalidade deve ser observado quando da adoção de medidas que promovam o embate entre os demais princípios, no sentido de possibilitar a efetivação máxima de cada um.

A limitação de algum dos princípios do art. 170 da CR/88 deve ser, portanto, adequada, necessária e proporcional (em sentido estrito) em relação à consecução do princípio prestigiado pela medida estatal interventiva. Tomando-se a idéia central da proporcionalidade, as vantagens que derivem dessa intervenção devem superar o prejuízo acarretado pela restrição a algum outro princípio, juízo esse que estará a cargo tanto do legislador, quando da imposição de uma norma interventiva, quanto do juiz, na análise de um caso concreto e seus efeitos jurídicos e fáticos relacionados a essa norma.

Fixado esse primeiro nível de análise, o objeto de estudo passa a ser a hipótese de incidência tributária da contribuição interventiva. Aqui a relação meio/fim se destaca, pois o constituinte se incumbiu de expressa-la no modelo normativo do art. 149.

O exame da proporcionalidade em sentido amplo da hipótese de incidência da contribuição interventiva deve seguir os três deveres impostos por esse princípio.

4.1. Adequação

A adequação exige que o desenho da hipótese de incidência seja apropriado à finalidade da intervenção instrumentalizada pela contribuição. Assim, a relação causal entre a contribuição (meio) e o fim (princípio balizador da intervenção) deve ser examinada pelo intérprete-aplicador.

A intervenção visa a atingir determinado setor do domínio econômico e provocar alterações na realidade de seus agentes econômicos que corrijam as falhas existentes no mercado em prol de um desiderato constitucional. A instituição do gravame tributário deve ser capaz de promover as alterações pretendidas de forma adequada. Assim, a eleição do grupo de sujeitos passivos da contribuição (e das materialidades a serem oneradas) deve guardar um liame lógico–material com a finalidade buscada com a intervenção, ou seja, a escolha do grupo deve contribuir para o alcance da finalidade e não obsta-lo ou dificulta-lo.

Logo, uma contribuição infringirá o dever de adequação se, a propósito de intervir em determinado setor da economia, o Estado seleciona outro setor, sem qualquer relação lógica com aquele a ser atingido pela intervenção, para arcar com ônus tributário. No entanto, cabe, aqui, ressaltar que o dever de adequação não exige uma referibilidade direta entre os sujeitos passivos e aqueles beneficiários da intervenção sobre o domínio econômico. Entender a adequação nesses moldes seria desprezar as nuanças peculiares da atividade econômica e o caráter indutivo de que pode se revestir a intervenção através de uma contribuição.

O que se exige é um liame lógico entre o grupo de sujeitos passivos e a finalidade almejada, e não uma identidade obrigatória entre o grupo e os beneficiários. Se pensarmos, dentro da tipologia já exposta, na hipótese da intervenção indireta por indução, enfrentaremos uma espécie tributária que não tem como fundamento o princípio da contraprestação, como é o caso da taxa, e que, por isso, necessita de um estudo mais complexo. Vejamos com mais vagar essa questão.

Benvenuto Griziotti, expoente da Escola Italiana de Pavia, elaborou instigante estudo acerca do fundamento, da causa jurídica, da imposição tributária, firmando-o na correspondência entre o interesse público à tributação e o interesse privado dos contribuintes. [13]

Em breve síntese, as taxas seriam regidas pelo princípio da contraprestação, isto é, o direito ao tributo repousa na prestação de um serviço ou concessão especial do Poder Público em face do contribuinte obrigado. Já o princípio do benefício aplicar-se-ia aos impostos especiais exigidos dos contribuintes que tenham obtido uma vantagem gerada por uma obra pública (nossa contribuição de melhoria). O princípio da antecipação, por outro lado, se aplicaria aos empréstimos públicos, onde haveria uma correspondência entre o interesse público e o interesse privado. Por esses três princípios observa-se uma relação direta entre as receitas e despesas públicas.

O princípio da capacidade contributiva é aplicável aos impostos diretos e indiretos e indica uma correspondência indireta entre interesse público e privado, já que os sujeitos são chamados a contribuir na medida da sua própria capacidade contributiva, e não em decorrência das vantagens gerais ou particulares possivelmente auferidas. A capacidade contributiva, segundo o autor italiano, é vista como indício das vantagens que os contribuintes obtêm (das despesas públicas) no ato de produzir, conservar e consumar a riqueza.

Por esse raciocínio, Griziotti estabelece os fundamentos da tributação e afasta a idéia de que a lei seria um deles. A lei, para ele, seria apenas a fonte formal da obrigação tributária. Daí, conclui que o Estado não é livre para escolher aleatoriamente entre as diferentes espécies tributárias na busca da receita pública, devendo, sim, eleger aquela que sob o aspecto político, econômico, jurídico e técnico sirva para os fins almejados pela incidência pretendida, os quais constituiriam uma espécie de limitação imanente à atividade impositiva do Estado.

Com base nesse sustentáculo teórico, Helenilson Cunha Pontes afirma que a causa da contribuição interventiva repousa em um princípio distinto daqueles elencados por Griziotti, o princípio da necessidade do mercado [14]. Segundo esse raciocínio, o Estado deve utilizar-se das contribuições interventivas para regular distorções existentes no mercado, que vulnerem determinado princípio da ordem econômica, e que necessitem ser eliminadas ou, pelo menos, atenuadas.

É dentro dessa idéia que afirmamos supra que o dever de adequação, ínsito ao princípio da proporcionalidade, não exige, necessariamente, uma referibilidade direta na delimitação do pólo passivo da contribuição interventiva. O juízo acerca da relação entre contribuintes e beneficiários dependerá da distorção que se quer intenta corrigir com a intervenção.

Em outras palavras, é a necessidade do mercado, fundamento da tributação por essa via, que determinará os níveis de identidade nessa relação, levando-se em conta as circunstâncias jurídicas e fáticas do caso concreto. O aspecto da adequação exige que haja um liame lógico-material entre a eleição dos sujeitos passivos e a finalidade (correção das distorções), ou de forma mais simples, que o alcance da última seja facilitada pela primeira. Se a necessidade do mercado, a distorção existente exigir que haja essa identidade, então ela se mostrará imprescindível. Não se deve, contudo, adotar essa idéia, de forma apriorística, como requisito ao cumprimento do aspecto da adequação.

4.2. Necessidade

Para que uma medida estatal interventiva cumpra o dever de necessidade estampado no princípio da proporcionalidade, deve estabelecer o menor gravame à esfera juridicamente protegida dos indivíduos, a menor restrição possível aos direitos e garantias fundamentais. Nesse sentido, a efetivação do princípio constitucional que fundamente a instituição da contribuição interventiva não se legitima se, para tanto, outro princípio constitucional seja limitado, a ponto de ter seu núcleo essencial vulnerado.

A verificação de atendimento a esse dever de necessidade se dá em dois diferentes níveis, externo e interno, segregados pela sua relação com a hipótese de incidência tributária da contribuição interventiva. [15]

Em nível externo, o intérprete-aplicador deve aferir se a intervenção sobre o domínio econômico realmente necessita de recursos decorrentes de um ônus tributário para que as finalidades que a qualificam sejam alcançadas, visto que podem ocorrer hipóteses nas quais outras medidas, de natureza não tributária, já seriam suficientes.

Ainda sob essa perspectiva externa, cumpre ao intérprete-aplicador se certificar de que não há no ordenamento jurídico espécie tributária outra destinada àquele mesmo fim, caso contrário, a instituição de uma nova exação tributária se mostraria desnecessária.

Em nível interno, o aspecto da necessidade é investigado diretamente na hipótese de incidência tributária. Através dessa análise, busca-se verificar se o ônus econômico imposto pela contribuição à atividade dos agentes econômicos possui a medida necessária à promoção do interesse público objetivado. A limitação ao direito de propriedade dos indivíduos deve ser, portanto, a menor possível, preservando-se o seu núcleo essencial, de forma a ver-se cumprida a exigência constitucional da vedação ao confisco. Ademais, o Estado não encontra guarida constitucional para intervir sobre o domínio econômico através de um ônus tributário desmedido, fora dos padrões de necessidade, que inviabilize o exercício de atividade econômica lícita, em afronta direta ao principio da livre iniciativa, fundante da ordem econômica.

4.3. Proporcionalidade em sentido estrito

O juízo da proporcionalidade em sentido estrito ou conformidade destina-se a averiguar se as vantagens decorrentes da intervenção através de contribuição superam os prejuízos trazidos às órbitas de eficácia dos princípios constitucionais. Analisa-se, nesse estágio, a pertinência da finalidade perseguida com a instituição de uma contribuição perante os demais desideratos constitucionais e a relação entre os níveis de sacrifício que a busca dessa finalidade acarreta aos referidos desideratos e o de efetivação dos princípios constitucionais gerado pela intervenção.

Os princípios da propriedade privada, da livre iniciativa e da livre concorrência poderão ser afetados por uma intervenção como a que se cogita, mas não poderão dela advir efeitos deletérios ao núcleo essencial de tais bens jurídicos constitucionalmente tutelados. As circunstâncias fáticas e jurídicas do caso concreto é que alimentarão a análise do intérprete-aplicador do Direito na constatação da obediência a esse dever de proporcionalidade em sentido estrito.

Como expressão da idéia nuclear do princípio da proporcionalidade, a aplicação desse aspecto consubstancia a afirmação do referido princípio nas dimensões da vedação ao excesso e da concordância prática entre os princípios jurídicos conformadores do ordenamento jurídico.


5. Conclusões

As contribuições de intervenção no domínio econômico são tributos com critério de validação finalistico; a sua utilização pela União justifica-se pela necessidade de se intervir no domínio econômico.

Como relação de meio-fim, contribuição/intervenção, que essencialmente gera ônus aos agentes econômicos em prol de uma intervenção do Estado no domínio econômico, a incidência de tais tributos deve ser analisada sob o prisma do principio da proporcionalidade, em suas acepções de vedação do excesso estatal e de conformação dos direitos, de forma a evitar que os integrantes do grupo selecionado como contribuinte sofram restrições severas e ilegítimas a seus direitos.

Nesse contexto, cumpre-nos definir os contornos da intervenção no domínio econômico perante a Constituição da Republica de 1988. Primeiramente trata-se de conduta estatal excepcional, em área destinada a atuação dos agentes econômicos, sob o império dos princípios da livre iniciativa, livre concorrência e da proteção da propriedade. Posto isso, e pela análise dos arts. 173 e 174, da CR/88 e balizados em firme doutrina, podemos dividir as intervenções estatais em duas espécies:

a) diretas: o Estado atua diretamente na economia, personificado por empresas publicas ou de economia mista, em regime concorrencial (por participação) ou de monopólio (por absorção) – art. 173, CR/88;

b) indiretas: o Estado atua como agente normativo e regulador, através dos poderes de direção (pelo qual se impõem normas cogentes de atuação dos agentes) e de indução (pelo qual se estabelecem normas dispositivas, de estimulo e desestimulo de determinados comportamentos, de acordo com a lógica do mercado e suas possíveis disfunções) – art. 174, CR/88.

A intervenção vislumbrada pelo legislador constituinte a ser instrumentalizada pela imposição tributaria do art. 149 somente se adequa ao tipo de intervenção indireta por indução.

Ademais, há se salientar que em momento algum a CR/88 determina que a contribuição servirá para custear a atividade interventiva do Estado, a posteriori, mas apenas prevê que a União as instituirá como instrumento de sua intervenção, permitindo-se, assim, cogitar da forma de intervenção consubstanciada na própria incidência da contribuição, como norma de estimulo/desestimulo de comportamentos e modificação da dinâmica do mercado.

Em outras palavras, caberá ao legislador escolher a forma mais eficiente de intervenção a ser instaurada, podendo, inclusive, optar por ambas, destinando-se o produto da arrecadação a consecução do fim estabelecido, de regulação ou correção de disfunções do mercado.

Pois bem. Qualquer política de intervenção, seja por meio de contribuição interventiva ou não, no entanto, deve ser submetida ao teste de proporcionalidade, através do confronto da medida com os aspectos da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito ou conformidade.

A adequação dita, em síntese, que a medida deve servir ao objetivo perseguido, deve tornar mais fácil o alcance do fim. Já o dever de necessidade se refere à constatação de que a adoção da medida que acarrete o menor gravame à esfera juridicamente protegida dos indivíduos, a menor restrição possível aos direitos e garantias fundamentais. Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito, ou dever de conformidade, espelha a idéia central da proporcionalidade que é a da escolha do meio que gere uma gama de benefícios que suplante o sacrifício de outros bens juridicamente protegidos, ou seja, a da opção pela medida que melhor opere a função de conformação entre os bens albergados pelo ordenamento.

A análise da validação constitucional de uma contribuição interventiva perante o princípio da proporcionalidade deve-se dar em dois planos. No primeiro, concluir-se-á se a intervenção pretendida com a instituição do tributo atende aos ditames da ordem econômica constitucional e se identifica com algum dos desideratos nela descritos. Em outras palavras, nessa fase, a averiguação se restringirá à intervenção sobre o domínio econômico em si, de sua compatibilidade com as normas constitucionais disciplinadoras da matéria e os princípios conformadores da ordem econômica. O enfoque aqui, portanto, será construído diante do Direito Econômico.

Em seguida, a análise repousa sobre a hipótese de incidência tributaria da contribuição interventiva, sob a lente do Direito Tributário, e deve seguir os três aspectos do princípio da proporcionalidade.

O dever de adequação, em sua exigência de causalidade entre o meio eleito e a finalidade preventiva, penetra nos elementos material e pessoal da hipótese de incidência da contribuição interventiva. Por ele, a eleição dos fatos geradores e dos sujeitos passivos deve guardar um liame lógico com a finalidade pretendida, com a intervenção sobre o domínio econômico. Esses elementos da hipótese de incidência têm que ser apropriados à consecução o desiderato constitucional legitimador da intervenção estatal.

Nesse ponto, destaca-se a possibilidade aventada algumas linhas supra, segundo a qual a própria incidência da contribuição poderia materializar a intervenção sobre o domínio econômico, já que, em consonância com a necessidade do mercado, tal hipótese poderia ser apropriada a promover uma ação interventiva por indução, nos termos estudados nesse trabalho.

Já ao aspecto da necessidade incumbe a função de definir se a hipótese de incidência tributária, tal qual desenhada pelo legislador, promove o efeito menos deletério sobre os bens jurídicos constitucionalmente tutelados que tiveram sua eficácia restringida em prol do alcance de um determinado desiderato, balizador da intervenção sobre o domínio econômico instrumentalizada pela contribuição. Tal exame se faz em duas perspectivas referentes à hipótese de incidência. Sob a perspectiva externa, verifica-se a necessidade de uma imposição tributária para a concretização do interesse público objetivado com a intervenção, se tal não poderia ser efetivada por outros meios, não onerosos à sociedade. Internamente. Sob a perspectiva interna, analisa-se o dimensionamento da obrigação tributária dentro da hipótese de incidência, se o nível de tributação foi o menor possível para o direito de propriedade dos indivíduos garantido constitucionalmente, de forma a impedir a configuração do confisco, a invasão, pelo tributo, do núcleo essencial de tal direito.

Finalmente, a contribuição interventiva deve se submeter ao crivo do aspecto da proporcionalidade em sentido estrito, segundo o qual, a hipótese de incidência tributária e a finalidade de intervenção não podem impor limitações excessivas, desmedidas, ao exercício de outros direitos fundamentais que não aqueles balizadores da ação interventiva estatal, como a livre iniciativa, a propriedade e a livre concorrência. Esse último aspecto do princípio da proporcionalidade veda, portanto, a incidência da contribuição que inviabilize gozo de tais direitos. A busca de um determinado desiderato constitucional deve, mesmo que em menor dimensão, promover a concretização dos demais valores constitucionais existentes, em prol da feição de concordância prática do princípio da proporcionalidade.


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SPAGNOL, Werther Botelho. As contribuições sociais no Direito Brasileiro. Forense. Rio de Janeiro. 2002.


Notas

1 SPAGNOL, Werther Botelho. As contribuições sociais no Direito Brasileiro. Forense. Rio de Janeiro. 2002; GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma espécie sui generis). São Paulo: Dialética, 2000.

2 O princípio da proporcionalidade e o direito tributário, Dialética, São Paulo, 2000, p. 57.

3 Cf. Introdução ao estudo do Direito. 2ª ed. Atlas. São Paulo, 1994, p. 200. O autor constrói uma classificação das normas jurídicas de acordo com suas funções eficaciais, no seguinte modelo: i) normas com função de bloqueio visam a impedir ou cercear a ocorrência de comportamentos contrários ao seu preceito; ii) já aquelas com função de resguardo objetivam assegurar a concretização de uma conduta desejada; iii) e, finalmente, há as normas com função de programa, cujo conteúdo normativo consubstancia um programa, um objetivo, um fim a ser concretizado.

4 O princípio..., pp. 66-67

5 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Almedina. Coimbra, 1993, p. 383.

6 Cf. O princípio..., p. 70.

7GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 8ª ed. Malheiros. São Paulo, 2003, p. 126.

8 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Contribuições de intervenção no domínio econômico. Dialética. São Paulo, 2002, pp. 38-40. Em sentido diverso, Eros Roberto Grau (ob. cit., p.127) afirma que são três as formas de intervenção: por absorção ou participação, por direção e por indução. Para Paulo Roberto Lyrio Pimenta, essas seriam as chamadas técnicas pelos quais as formas de intervenção se manifestam.

9 A ordem..., p. 128.

10 Notas sobre o Regime Jurídico-constitucional das contribuições de intervenção no domínio econômico. In ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.).Grande questões atuais de Direito Tributário. 6º volume. Dialética. São Paulo. 2002,., p. 138.

11 No mesmo sentido, BELLAN, Daniel Vitor. Contribuições de Intervenção no domínio econômico. In Revista Dialética de Direito Tributário nº 78, pp. 28-30. De acordo com o autor, "ora, ao planejar a economia, os dirigentes estatais estarão ponderando à luz dos princípios constitucionais norteadores da atividade econômica quais os melhores a serem trilhados pelo setor produtivo. As conclusões desta análise, porém, não apontarão necessariamente no sentido do incentivo à atividade econômica. Em alguns casos, a ponderação poderá concluir que valores importantes como a proteção ao meio ambiente demandem, eventualmente, medidas restritivas à atividade econômica. Não vemos, portanto, a adoção de um vetor unicamente positivo no artigo 174 da Constituição Federal. O Estado pode planejar suas ações elegendo metas a serem perseguidas. Estabelecidas estas metas, poderá o Estado intervir no domínio econômico por meio das três formas descritas pelo Professor Eros Grau (absorção ou participação, direção e indução".

12 No mesmo sentido, GRECO, Marco Aurélio. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – Parâmetros para sua Criação. In GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins. Dialética. São Paulo. 2000, pp.15, 20 e 27.

13 Apud PONTES, Helenilson Cunha Pontes. Notas..., pp. 139-141

14 Notas..., p. 143.

15 PONTES, Helenilson Cunha. O princípio..., p. 183.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Daniel de Carvalho. As contribuições de intervenção no domínio econômico e o principio da proporcionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 631, 31 mar. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6571. Acesso em: 24 abr. 2024.