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Operações de exportação, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e imunidade.

Comentários à Emenda Constitucional nº 33/01

Operações de exportação, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e imunidade. Comentários à Emenda Constitucional nº 33/01

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A imunidade às contribuições sociais abrange também a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. É uma limitação constitucional ao poder de tributar, auto-aplicável, a qual se deve interpretar ampliativamente.

Resumo: A Imunidade às Contribuições Sociais, prevista no art. 149, § 2º, I, CR/88, abrange também a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, que possui fundamento constitucional neste artigo e no artigo 195, I, ‘c’. É uma limitação constitucional ao poder de tributar auto-aplicável e à qual se deve interpretar ampliativamente, de modo a conferir-lhe a maior efetividade possível. É aplicável também aos casos de exportação indireta (Decreto-lei nº 1.248/72) e equiparada (Decreto-lei nº 288/67). Ainda que lucro e receita não se confundam, esta compõe aquele, conforme se observa de seu modo de apuração, seja pelo regime de lucro presumido, seja pelo regime de lucro real. A Secretaria da Receita Federal não entende pela aplicabilidade da referida imunidade à CSLL, pelo que é necessária a busca ao Poder Judiciário.

Palavras-chave: Tributário – Contribuições Sociais – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL – Imunidade – Emenda Constitucional – Competência Tributária – Lucro Real e Presumido – Exportação Direta e Equiparada – Zona Franca de Manaus – Secretaria da Receita Federal.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. – 2. A IMUNIDADE PREVISTA NA EC nº 33/01 E SEUS EFEITOS: 2.1. Considerações preliminares ao instituto da imunidade – limitação constitucional ao poder de tributar auto-aplicável e de interpretação ampliativa; 2.2. A EC nº 33/01 e a imunidade conferida às receitas decorrentes de exportação: 2.2.1. Paralelo entre a norma contida no artigo 149 da CR/88 antes e após a EC nº 33/01; 2.2.2. Abrangência da norma imunizante – critérios temporal e pessoal – exportações diretas; 2.2.3. Da aplicabilidade da norma imunizante às exportações indiretas; 2.2.4. A equiparação, à exportação, das operações realizadas com a Zona Franca de Manaus. – 3. DA DISTINÇÃO ENTRE RECEITA E LUCRO. – 4. DA APLICABILIDADE INDISTINTA DA NORMA IMUNIZANTE AOS CONTRIBUINTES QUE OPTAM PELO REGIME DE TRIBUTAÇÃO COM BASE NO LUCRO PRESUMIDO E REAL – QUANTIFICAÇÃO DA IMUNIDADE DAS RECEITAS DE EXPORTAÇÃO. – 5. TERMO INICIAL DE VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA IMUNIDADE DA CSLL SOBRE RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO – INAPLICABILIDADE DAS REGRAS DA ANTERIORIDADE GERAL E NONAGESIMAL. – 6. DO ENTENDIMENTO DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL ACERCA DA IMUNIDADE CONFERIDA PELA EC Nº 33/01. – 7. DAS CONCLUSÕES.


1. INTRODUÇÃO.

No decorrer do presente artigo, procuraremos analisar o âmbito de aplicação da imunidade referente às contribuições sociais sobre receitas provenientes de exportação, determinada pela Emenda Constitucional nº 33, de 11 de dezembro de 2001.

Abordaremos especialmente os aspectos da CSLL à luz da referida norma imunizante, com especial atenção sobre as receitas provenientes de exportação (direta, indireta e equiparada) propriamente ditas e as decorrentes de variação cambial.

Buscaremos ainda demonstrar a aplicabilidade indistinta da regra de incompetência tributária para as empresas optantes pelos regimes de apuração de lucro nas suas modalidades real e presumida.


2. A IMUNIDADE PREVISTA NA EC nº 33/01 E SEUS EFEITOS

2.1. Considerações preliminares ao instituto da imunidade – limitação constitucional ao poder de tributar auto-aplicável e de interpretação ampliativa:

De forma preambular, para que se torne mais fácil a compreensão do tema cuja discussão se propõe, é necessário analisarmos o instituto da imunidade, conceituando-o e traçando seus contornos fundamentais, de modo a distingui-lo de outros institutos afins, como o da isenção e o da não-incidência.

Como é cediço, a imunidade tributária é um fenômeno de natureza constitucional. As normas constitucionais que, direta ou indiretamente, tratam do assunto fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com exações, certas pessoas, sejam em função de sua natureza jurídica, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações.

Noutras palavras, as normas constitucionais que veiculam imunidades contribuem para traçar o perfil das competências tributárias. A imunidade opera, pois, no plano da definição da competência tributária, inserindo-se no plano das regras negativas de competência.

Tal instituto deve ser interpretado através de exegese ampliativa, ou seja, às normas imunizantes deve ser conferida a maior eficácia possível, eis que, de forma geral, são normas que conferem direitos ao contribuinte. Por outro lado, as normas tributárias que determinam a oneração de fatos ou de pessoas devem ser interpretadas de forma restritiva, obedecendo-se ao princípio da tipicidade cerrada, eis que contêm em seu bojo normas que restringem direitos ou que conferem obrigações.

Por conseguinte, deve ser levado em conta, ao se buscar o conteúdo e o alcance das regras de imunidade, não só o sistema constitucional como um todo – método sistemático de interpretação –, mas, especialmente, sua teleologia, não procurando restringi-la, mesmo porque ela é ampla e indivisível, não admitindo restrições ou meios-termos. Na letra de Fábio Leopoldo de Oliveira, (1) "ninguém pode ser imune em parte, ou até certo ponto. O instituto não comporta fracionamentos". Ou, como diz expressamente Aliomar Baleeiro, "as imunidades tornam inconstitucionais as leis ordinárias que as desafiam". (2)

Nesse diapasão, ensinam Roque Antonio Carrazza e Eduardo D. Bottallo (3) que, "de fato, se nem a lei pode anular ou restringir as situações de imunidade contempladas na Constituição, por muito maior razão não poderão fazê-lo o aplicador e o interprete da norma tributária. Em termos mais precisos, o direito à imunidade é garantia fundamental, constitucionalmente assegurada ao contribuinte, que nenhuma lei ou autoridade podem desconsiderar. Logo, criar tributos, só a lei pode; violar imunidades tributárias, nem a lei pode."

É importante destacar ainda que as imunidades se caracterizam como normas auto-aplicáveis, independendo de qualquer regulamentação para produzir efeitos, muito embora, em alguns casos, possam ser estabelecidas condicionantes fáticas para a regular fruição da outorga constitucional.

A imunidade se distingue de outros institutos análogos, que em tese produzem o mesmo efeito – não-pagamento do tributo – mas que com ela não se confundem. São eles a não-incidência e a isenção.

Do mesmo modo que a lei tributária pode eleger todos os fatos contidos na competência tributária do ente estatal, pode existir a hipótese de o legislador não desejar tributar determinado fato, ainda que a Constituição da República lhe autorize fazê-lo. Tal fato não foi abordado na lei que descreve a hipótese de incidência de um determinado tributo e, portanto, não poderá ser alcançado pela incidência da imposição. Estão fora da incidência da norma tributária. É a chamada não-incidência tributária.

Às vezes, para evitar dúvidas, o legislador ordinário indica, expressamente, que a lei não incidirá sobre determinada situação. É a chamada não-incidência expressa ou explícita; note-se, porém, que a lei já não incidiria mesmo que não houvesse tal declaração expressa, e o legislador apenas quis reforçar o entendimento, evitando eventuais dúvidas.

Distingue-se a imunidade da isenção, por esta última se originar de uma determinação contida numa lei, e não na Constituição. A lei instituidora da isenção retira parte da hipótese de incidência da norma tributária, o que, para boa parte da doutrina, impossibilitaria a concretização do fato gerador. A não-incidência tributária difere da imunidade pelo fato de que esta impede a instituição da norma impositiva tributária, e aquela decorre do não exercício da competência tributária constitucionalmente autorizada. Em caso de não-incidência, o legislador infraconstitucional poderá, a qualquer tempo, instituir o tributo de sua competência. Porém, o mesmo não ocorre em caso de imunidade: o legislador infraconstitucional não poderá instituir o tributo, eis que as imunidades constituem cláusula pétrea, direito fundamental do contribuinte, não podendo ser subtraído ou substancialmente modificado pelo Poder Constituinte Derivado (4).

Na isenção, não há nenhuma limitação constitucional à competência tributária do ente estatal; ao contrário, ela foi tão plenamente exercida, que o tributante pôde se utilizar da faculdade de não onerar determinados fatos.

É importante destacar que, vez ou outra, a CR/88 pode utilizar as expressões "não incide", "não incidirá", ou ainda, "são isentas", para identificar sobre que hipóteses o legislador infraconstitucional não poderá instituir tributos.

Todavia, sempre que a desoneração decorrer expressamente de comando constitucional, estar-se-á diante de imunidade, ainda que a redação dos dispositivos constitucionais se refiram a institutos análogos, aqui identificados.

Em resumo: as imunidades se diferem da não-incidência tributária, pois, nesta, há possibilidade de instituição de tributo, por parte do legislador infraconstitucional, o que ainda não ocorreu. Tampouco pode ser confundida com a isenção tributária, que será vista mais adiante, que se traduz na superveniência/concomitância de norma tributária que restringe a abrangência de norma instituidora de tributo.

Destarte, relembrados os conceitos relevantes ao tema, passaremos no próximo tópico a demonstrar que, a partir da promulgação da EC nº 33/01, sobreveio em nosso ordenamento novel norma imunizante, que obsta à União Federal de instituir Contribuições Sociais sobre receitas decorrentes de exportação e suspende a eficácia das normas que vão de encontro a ela.

2.2. A EC nº 33/01 e a imunidade conferida às receitas decorrentes de exportação:

2.2.1. Paralelo entre a norma contida no artigo 149 da CR/88 antes e após a EC nº 33/01:

A Constituição da República, em seu artigo 149, trata das contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas. A redação original do mencionado artigo era a seguinte:

"Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto no artigo 146, III, e artigo 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no artigo 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Parágrafo único: Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes de sistema de previdência e assistência social."

A Emenda Constitucional nº 33/01 incluiu no artigo 149 novos parágrafos, tendo as partes recentemente introduzidas a seguinte redação:

"§ 1º (...)

§ 2º. As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:

I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação;

II - poderão incidir sobre a importação de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível;

III - poderão ter alíquotas:

a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro;

b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada.

§ 3º A pessoa natural destinatária das operações de importação poderá ser equiparada a pessoa jurídica, na forma da lei.

§ 4º A lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez."

Desse modo, desde a edição da Emenda Constitucional referida, o texto constitucional determina, expressamente, a imunidade de Contribuições Sociais sobre as receitas decorrentes de exportação, elevando ao nível constitucional a desoneração tributária já prevista para a COFINS, desde a Lei Complementar nº 85/96, e para o PIS, desde a Medida Provisória nº 1.858/99.

Com isso, indubitavelmente, o constituinte revelou seu propósito de fomentar as operações de comércio exterior, fazendo com que nossos bens cheguem ao mercado internacional com preços competitivos. Essa intenção foi claramente demonstrada pelo relator da Proposta de Emenda Constitucional nº 227-B/2000, que resultou na EC nº 33/01, verbis:

"O dispositivo que desonera as receitas de exportação das contribuições sociais e das contribuições de intervenção no domínio econômico é bastante pertinente, e até mesmo imprescindível, pois, dada a acirrada concorrência no comércio internacional não se pode admitir qualquer forma de agregação de tributos a bens e serviços exportados."

Sendo assim, forçoso concluir que, pela mais singela análise dos dispositivos acima citados, as normas em questão têm por objetivo desonerar dos tributos que mencionam as operações de exportação de mercadorias para o exterior, buscando incentivar o desenvolvimento nacional, abrangendo todas as áreas de atuação do indivíduo e da sociedade, através de todos os meios legais de que o Estado dispõe, os quais vão ao encontro, inclusive, do previsto no artigo 3º, inciso II, da Constituição da República de 1988, que estatui como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil garantir o desenvolvimento nacional.

2.2.2. Abrangência da norma imunizante – critérios temporal e pessoal – exportações diretas:

As Contribuições Sociais têm arcabouço constitucional no artigo 149 da Carta Magna, podendo abranger, caso a caso, outros artigos constitucionais, como ocorre com o PIS (artigo 239), o Salário-educação (artigo 212, § 5º) e o extinto FINSOCIAL (artigo 56, do ADCT).

Atualmente, no que concerne ao objeto do presente estudo, está prevista no ordenamento jurídico brasileiro a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL (Lei nº 7.689/88), a respeito da qual passaremos a expor nosso entendimento no que tange à incidência da norma imunizante ora tratada.

A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido encontra seu fundamento constitucional nas normas contidas nos artigos 149, já transcrito, e no artigo 195, I, ‘c’, cuja redação transcrevemos a seguir:

"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) (...)

b) (...)

c) o lucro;"

Na medida em que o § 2º, do artigo 149, se refere às Contribuições Sociais de que trata o caput daquele dispositivo constitucional, a norma imunizante abrange também a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, ainda que esta contribuição tenha por hipótese de incidência e base de cálculo o auferimento de lucro, como se verá mais detalhadamente em tópico próprio, e o PIS e a COFINS tenham por hipótese de incidência e base de cálculo o auferimento de receita. A correção dessa afirmativa é demonstrada tanto pelo próprio Texto Constitucional como pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para os quais as Contribuições para a Seguridade Social, de que trata o artigo 195, são uma espécie pertencente ao gênero das Contribuições Sociais, previsto no artigo 149.

Segundo Celso Ribeiro Bastos, (5) nos termos da Lex Legum, cinco são as modalidades de tributos existentes no ordenamento jurídico: a) impostos (CF, art. 145, I); b) taxas (CF, art. 145, II); c) contribuições de melhoria (CF, art. 145, III); d) empréstimos compulsórios (CF, art. 148); e) contribuições sociais, também conhecidas como contribuições especiais (CF, art. 149).

Daí se infere que compete à União instituir Contribuições Sociais (lato sensu), destinadas às finalidades elencadas na CR/88, Título VIII - Da Ordem Social (stricto sensu) que podem ser assim agrupadas:

a) para o financiamento da seguridade social: ao encargo do (I) empregador, (II) do trabalhador, (III) sobre a receita de concurso de prognósticos, e (IV) de outras fontes quaisquer (p. ex., INSS, PIS/PASEP, COFINS, SAT, CSSL, etc.), e

b) para o financiamento de outros direitos sociais: ao encargo de toda a sociedade, na área da saúde, previdência, assistência social (p. ex., FGTS, salário-educação, etc.).

Não bastasse a própria Constituição deixar bem claro que as contribuições para a seguridade social são uma espécie das contribuições sociais, o Supremo Tribunal Federal consagrou tal entendimento em decisão unânime plenária proferida nos autos do Recurso Extraordinário nº 138.284-CE, assim ementada:

"Constitucional. Tributário. Contribuições sociais. Contribuições incidentes sobre o lucro das pessoas jurídicas. Lei nº 7.689, de 15-12-88.

I - Contribuições parafiscais: contribuições sociais, contribuições de intervenção e contribuições cooperativas. CF, art. 149. Contribuições sociais de seguridade social. CF, arts. 149 e 195. As diversas espécies de contribuições sociais.

II - A contribuição da Lei nº 7.689, de 15-12-88, é uma contribuição social instituída com base no art. 195, I, da Constituição. (...)"

A natureza de contribuição social da CSLL e das outras contribuições para a seguridade social é bem frisada no voto do Ministro Relator, Carlos Velloso, nos trechos abaixo transcritos:

"As diversas espécies tributárias determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4º), são as seguintes: a) os impostos (CF, arts. 145, I, 153, 154, 155 e 156); b) as taxas (CF, art. 145, II); c) as contribuições, que podem ser assim classificadas: c.l. de melhoria (CF, art. 145, III); c.2. parafiscais (CF, art. 149), que são: c.2.1. sociais, c.2.1.1. de seguridade social (CF, art. 195, I, II, III), c.2.1.2. outras de seguridade social (CF, art. 195, parág. 4º), c.2.1.3. sociais gerais (o FGTS, o salário-educação, CF art. 212, parág. 5º, contribuições para o Sesi, Senai, Senac, CF, art. 240); c.3. especiais: c.3.1. de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149).

Constituem, ainda, espécie tributária: d) os empréstimos compulsórios (CF, art. 148).

(...)

A norma-matriz das contribuições parafiscais está contida no artigo 149 e seu parág. único da Constituição:

(...)

O citado artigo 149 institui três tipos de contribuições: a) contribuições sociais; b) de intervenção; c) corporativas. As primeiras, as contribuições sociais, desdobram-se, por sua vez, em: a.1) contribuições de seguridade social, a.2) outras de seguridade social e a.3) contribuições sociais gerais.

(...)

Examinemos, mais detidamente, essas contribuições.

As contribuições sociais, falamos, desdobram-se em: a.l. contribuições da seguridade social: estão disciplinadas no art. 195, l, II e III, da Constituição Federal. São as contribuições previdenciárias, as contribuições do FINSOCIAL, as da Lei nº 7.689, o PIS e o PASEP (CF, art. 239). (...)"

Assim, por serem as Contribuições para a Seguridade Social (artigo 195, CR/88) uma espécie das contribuições sociais previstas no artigo 149, qualquer norma aplicável às contribuições sociais do artigo 149 aplicar-se-á também às contribuições previstas no artigo 195, desde que não haja, para estas, uma norma especial (como, no caso, a da anterioridade de noventa dias), já que uma norma geral posterior não revoga norma especial anterior.

O que a EC nº 33/01 fez, portanto, foi instituir uma verdadeira limitação ao poder de tributar em torno das contribuições sociais, previstas no artigo 149 da Constituição da República, o que resulta tratar-se de imunidade tributária, com todas as suas implicações (limitação constitucional ao poder de tributar auto-aplicável e à qual se deva interpretar ampliativamente). Ora, como não há, no artigo 195, qualquer regra especial estabelecendo que as contribuições daquele artigo incidam sobre receitas decorrentes de exportação, aplicar-se-á a essas contribuições a regra geral do artigo 149, § 2º, I, que determina a imunidade das contribuições sociais sobre receitas de exportação.

Edison Carlos Fernandes (6) preleciona, com clareza:

"Com amparo na vasta e pacífica jurisprudência, tanto administrativa quanto judicial, que as contribuições sociais, apresentadas no artigo 149 e elencadas no artigo 195 do Texto Constitucional possuem natureza tributária. Em decorrência, como conclusão fundamental da espécie em comento, entende-se que a partir da nova redação do artigo 149 da CF/88, cuja redação foi dada pela mencionada Emenda nº 33, as receitas de exportação estão imunes às contribuições sociais. Nesse sentido, tal imunidade alcança tanto a Contribuição para o Programa de Integração Social – PIS e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, cuja exoneração já se encontrava em lei, quanto a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL."

2.2.3. Da aplicabilidade da norma imunizante às exportações indiretas

Da mesma maneira que a norma imunizante deva ser aplicada às exportações diretas, sendo responsável pela desoneração das receitas dela decorrentes, impende ressaltar que, por força do Decreto-lei nº 1.248/72, as operações de venda de mercadorias no mercado interno, para o fim específico de exportação, devem sofrer o mesmo tratamento tributário conferido às exportações diretas.

Isto porque, dispõe o artigo 1º e seu parágrafo único, do Decreto-lei nº 1.248/72, c/c o artigo 3º do mesmo diploma legal, que:

"Art 1º As operações decorrentes de compra de mercadorias no mercado interno, quando realizadas por empresa comercial exportadora, para o fim específico de exportação, terão o tratamento tributário previsto neste Decreto-lei.

Parágrafo único. Consideram-se destinadas ao fim específico de exportação as mercadorias que forem diretamente remetidas do estabelecimento do produtor-vendedor para:

a) embarque de exportação por conta e ordem da empresa comercial exportadora;

b) depósito em entreposto, por conta e ordem da empresa comercial exportadora, sob regime aduaneiro extraordinário de exportação, nas condições estabelecidas em regulamento.

(...)

Art 3º. São assegurados ao produtor-vendedor, nas operações de que trata o artigo 1º deste Decreto-lei, os benefícios fiscais concedidos por lei para incentivo à exportação."

Deste modo, conclui-se que, a partir da Emenda Constitucional nº 33/01, as receitas decorrentes de exportação não mais integram a base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, sejam as exportações que as originem efetuadas diretamente ou por meio de comerciais exportadoras, haja vista o igualitário tratamento dispensado aos produtores-vendedores por força dos artigos 1º e 3º do Decreto-lei acima citado.

2.2.4. A equiparação, à exportação, das operações realizadas com a Zona Franca de Manaus

A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos (art. 1º, do Decreto-lei nº 288/67, que criou a Zona Franca de Manaus).

O diploma legal que instituiu e regulamentou a referida área de livre comércio com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico da região mediante concessão de estímulos às empresas que ali se instalassem foi expressamente recepcionado pela Constituição da República de 1988, conforme se observa da dicção do artigo 40, do ADCT:

"Art. 40. É mantida a Zona Franca de Manaus, com suas características de área de livre comércio, de exportação e importação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco anos, a partir da promulgação da Constituição."

Com essa previsão constitucional de permanência da Zona Franca de Manaus, por período de 25 anos contados a partir de 05/10/88, tem-se que, pelo menos até 05/10/2013, está assegurada a estrutura de incentivos fiscais conferidos àquela área.

O próprio Decreto-lei acima mencionado mostra os contornos de alguns benefícios concedidos às operações realizadas com e pelas empresas lá sediadas, dentre os quais os previstos em seu artigo 4º, que assim dispõe:

"Art. 4º A exportação de mercadorias de origem nacional para o consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou reexportação para o estrangeiro, será para todos os efeitos fiscais constantes da legislação em vigor, equivalente a uma exportação brasileira para o estrangeiro."

Da exegese desse dispositivo legal, dessume-se a equiparação das vendas para consumo ou industrialização na Zona Franca de Manaus, ou para fins de reexportação ao estrangeiro, às exportações diretas ao exterior, para efeitos tributários, nos termos da legislação tributária vigente.

Desta forma, sendo as operações realizadas com empresas sediadas na Zona Franca de Manaus equiparadas à exportação direta (art. 4º, DL nº 288/67), e sendo as receitas decorrentes de exportação imunes à tributação pelas contribuições sociais (art. 149, § 2º, I, CR/88), resulta clara a conclusão de que as receitas decorrentes das operações realizadas com empresas sediadas na Zona Franca de Manaus são imunes, nesse particular.


3. DA DISTINÇÃO ENTRE RECEITA E LUCRO:

Até agora se demonstrou, claramente, a aplicação da imunidade prevista no art. 149, § 2º, relativamente à CSLL. Mas o leitor poderia questionar acerca da distinção da hipótese de incidência desta contribuição social (lucro), que possui conceito diverso de receita, o que poderia constituir óbice à pretensa do contribuinte.

Entretanto, veremos neste capítulo que essa divergência conceitual não obstaculiza a fruição desse incentivo fiscal.

Façamos um retrospecto legislativo e uma análise de sua composição, para ao final apresentarmos nossa conclusão.

A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL foi instituída pela Lei nº 7.689/88 e posteriormente alterada pelas Leis nºs 8.034/90, 8.212/91, 8.541/92, 8.981/95, 9.065/95 e 9.249/95.

Dita contribuição é destinada ao financiamento da Seguridade Social, é devida por todas as pessoas jurídicas domiciliadas no País e as que lhe são equiparadas pela legislação do Imposto de Renda e tem como base de cálculo o lucro líquido do período de apuração antes da provisão para o imposto de renda, ajustado com as adições determinadas e exclusões admitidas, conforme legislação de regência.

Entretanto, a despeito de a norma imunizante ter tratado exclusivamente da desoneração das receitas decorrentes de exportação e de sabermos que os institutos da receita e do lucro são distintos, provar-se-á no decorrer deste tópico que, na verdade, são institutos interdependentes. Para tanto, em lição propedêutica, vale destacar alguns conceitos destes vocábulos, nas diversas disciplinas que os têm como objeto de estudo.

O Direito Comercial distingue-os na Demonstração do Resultado do Exercício, nos seguintes termos (art. 187 da Lei nº 6.404/76, e alterações):

receita bruta das vendas e serviços;

( - ) deduções das vendas, os abatimentos e os impostos;

= receita líquida das vendas e serviços;

( - ) custo das mercadorias e serviços vendidos

= lucro bruto;

( - ) as despesas com as vendas;

( - ) despesas financeiras, deduzidas das receitas;

( - ) despesas gerais e administrativas;

( - ) outras despesas operacionais;

= lucro ou prejuízo operacional;

( + ) receitas não operacionais;

( - ) despesas não operacionais;

= lucro líquido do exercício antes da provisão para o Imposto de Renda;

( - ) provisão para o Imposto de Renda;

= lucro líquido do exercício.

No tocante ao Direito Tributário, área científica para a qual a escrituração contábil é a base para as adições e exclusões previstas na legislação, o conceito de receita é o valor do faturamento mensal (receita bruta), assim entendida a totalidade das receitas auferidas, independentemente da atividade exercida pelo contribuinte e da classificação contábil adotada para a escrituração das receitas, admitidas as exclusões e deduções previstas na legislação em vigor para fins de apuração das bases de cálculo do PIS e da COFINS.

O lucro líquido do exercício, por sua vez, deve ser determinado com observância dos preceitos da Lei Comercial (Decreto-lei nº 1.598/77). A base de cálculo da CSLL devida pelas pessoas jurídicas tributadas com no lucro real é o valor do resultado do exercício, antes da provisão para o imposto de renda ajustado pelas adições e exclusões legais (Lei nº 7.689/88). A base de cálculo da CSLL devida pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro presumido ou arbitrado, e por aquelas dispensadas de escrituração contábil, é o lucro líquido, correspondente a 12% (doze por cento) da receita bruta, na forma definida na legislação vigente (Leis nºs 9.249/95, 9.430/96 e 10.684/03).

Desta feita, a par dos conceitos acima expostos, pode-se perceber de sua análise que a receita e o lucro estão intimamente ligados, sendo o lucro uma parcela que está contida na receita e que, portanto, também deve ser alcançado pela imunidade tributária como a receita o é, pois dele é uma parcela.

Explicitando melhor: a despeito do fato de a base de cálculo da CSLL ser o lucro, tomado pelo seu conceito contábil diverso do de receita, a abrangência da imunidade decorre de que a receita da exportação é componente deste lucro tributável, resultante da depuração da receita pelas despesas, ajustado pelas adições e exclusões previstas em legislação tributária.

Ora, é verdade que a CSLL não tem como fato gerador o auferimento de receita, mas o auferimento de lucro pela pessoa empresarial com aquelas receitas. É verdade também que lucro possui conceito diferente do conceito de receita. Receita não é lucro, lucro não é receita. Mas também não se discute que o lucro com as exportações está contido no conceito de receita das exportações.

Destarte, o Legislador Constituinte Derivado, ao excluir, por meio da edição da EC nº 33/01, do campo de competência tributária as receitas formadoras do lucro (não propriamente o lucro), protegeu de forma mais ampla e efetiva a exportação nacional.

Portanto, norma que imuniza o lucro, de fato não atinge a receita ou o faturamento (minus dixit), pois a receita, produto bruto das vendas de mercadorias e serviços, pode ocorrer com ou sem lucro.

Assim, é possível haver receita ou faturamento sem que ocorra lucro. Mas a recíproca não é verdadeira. Norma que, constitucionalmente, exclui dos possíveis fatos jurígenos as receitas de exportação, ipso facto também exclui o lucro operacional delas resultante, o excedente que delas provém e que compõe o acréscimo patrimonial no exercício, no campo de incompetência ou, como preferem alguns, no campo de não-incidência constitucional.

Ademais, há de se destacar que, nos termos em que reza o Regulamento do Imposto de Renda, aplicável à CSSL, não é possível formar o Lucro Operacional sem as receitas de exportação, senão vejamos:

"Art. 274. Ao fim de cada período de incidência do imposto, o contribuinte deverá apurar o lucro líquido mediante a elaboração, com observância das disposições da lei comercial, do balanço patrimonial, da demonstração de lucros ou prejuízos acumulados. (Decreto-lei nº 1.598, de 1977, art. 7º, § 4º, e Lei nº 7.450, de 1985, art. 18).

§ 1º. O lucro líquido do período deverá ser apurado com observância das disposições da Lei nº 6.404, de 1976 (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 67, inciso XI, Lei nº 7.450, de 1985, art. 18, e Lei nº 9.249, de 1995, art. 5º)."

Nesse diapasão, conclui-se de forma peremptória que receita ou faturamento não é lucro, e que, por isso mesmo, é evidente que a imunidade não se estende ao lucro propriamente dito, mas apenas à parte do lucro da pessoa jurídica formado pelas receitas de exportação, quais sejam, aquelas receitas comprovadamente decorrentes das exportações de bens e serviços, não outras que advenham de vendas de mercadorias e serviços no mercado interno, ou de atividades não operacionais.


4. DA APLICABILIDADE INDISTINTA DA NORMA IMUNIZANTE AOS CONTRIBUINTES QUE OPTAM PELO REGIME DE TRIBUTAÇÃO COM BASE NO LUCRO PRESUMIDO E REAL – QUANTIFICAÇÃO DA IMUNIDADE DAS RECEITAS DE EXPORTAÇÃO:

Em primeiras linhas, diga-se que o fato de a empresa optar pelo regime de tributação com base no Lucro Presumido não obsta a fruição da imunidade aqui tratada, eis que a base de cálculo para as empresas que adotam tal regime de tributação é, justamente, a receita bruta.

Isto, ao contrário do que pode se pensar, somente vem a facilitar a quantificação do benefício fiscal aludido, pois, nesse passo, presume-se o lucro unicamente com base nas receitas auferidas, sem qualquer necessidade de confrontá-las com as despesas realizadas, ou seja, sem que seja necessária a depuração das receitas pelas despesas dedutíveis.

Desta forma, a sistemática de apuração do Lucro Presumido, no que se refere à base de cálculo da CSLL, coloca o contribuinte em situação mais confortável para determinação do quantum que deverá ser recolhido aos cofres públicos, devendo somente fazer incidir a CSLL sobre a proporção das receitas internas e não-operacionais, haja vista a imunidade que alberga as receitas decorrentes de exportação.

Além do mais, pela própria interpretação dos dispositivos que tratam dessa forma de tributação pode-se vislumbrar que o fato gerador da CSLL é trimestral, apurando-se a contribuição devida nos períodos de janeiro a março, abril a junho, julho a setembro e outubro a dezembro, ocorrendo o fato jurídico imponível sempre no último dia de cada trimestre.

A propósito, vejamos a redação do caput do artigo 1º, da Lei nº 9.430/96, aplicável à contribuição em comento por força do artigo 28 (7) do mesmo diploma legal, ipsis litteris:

"Art. 1º. A partir do ano-calendário de 1997, o imposto de renda das pessoas jurídicas será determinado com base no lucro real, presumido, ou arbitrado, por períodos de apuração trimestrais, encerrados nos dias 31 de março, 30 de junho, 30 de setembro e 31 de dezembro de cada ano-calendário, observada a legislação vigente, com as alterações desta Lei.

O regime de tributação com base no Lucro Presumido não comporta ajuste ao final do exercício, eis que os valores pagos no último dia do mês subseqüente a cada trimestre são presumidos como definitivamente devidos, haja vista a inexistência de confrontação das receitas auferidas com as despesas efetuadas."

Diversamente da apuração do Imposto de Renda e da CSLL com base no Lucro Presumido, há a apuração desses tributos com base no Lucro Real, na qual os pagamentos mensais ou trimestrais constituem somente antecipação do pagamento do tributo devido ao final do exercício.

Nesse segundo regime ocorre um único fato gerador somente em 31 de dezembro de cada ano, após o que se apresentará Declaração de Ajuste Anual, na qual se apurará o tributo devido por todo o período e se procederá à restituição dos valores pagos a maior, ou à complementação dos valores remanescentes.

Desta forma, como visto em tópico anterior, receita e lucro não se confundem, este é formado por aquela, após a dedução das despesas nos termos da lei, e sendo as receitas decorrentes de exportação, não deverão ser computadas para efeito de apuração do Lucro Real, sendo este o resultado da confrontação das receitas internas e não-operacionais com o total das despesas dedutíveis.


5. TERMO INICIAL DE VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA IMUNIDADE DA CSLL SOBRE RECEITAS DECORRENTES DE EXPORTAÇÃO – INAPLICABILIDADE DAS REGRAS DA ANTERIORIDADE GERAL E NONAGESIMAL:

Outro ponto relevante a ser considerado é o momento a partir do qual pode o contribuinte excluir da base de cálculo da CSLL as receitas decorrentes de exportação.

Preliminarmente, é de se notar que a regra inscrita no artigo 149, § 2º, I, introduzido pela EC nº 33/01, conforme já demonstrado em tópico próprio, é de eficácia plena, na medida em que determina, de forma imperativa, "as contribuições [...] não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação" sem que se condicione a eficácia dessa norma a qualquer medida legislativa de ordem infraconstitucional.

Muito diferente, por exemplo, da regra de eficácia contida que prevê a exclusão da incidência do ISS sobre exportação de serviços, a medida em que o artigo 156, § 3º, II, da CR/88, dispõe que "...cabe à lei complementar [...] excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior".

Assim, por ser a referida norma de eficácia plena, esta já se produz no exato momento da entrada em vigor daquela, o que se dá nos termos do artigo 5º da EC nº 33/01, segundo o qual "esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua promulgação."

Há que se considerar, ainda, que não se aplica à imunidade prevista no artigo 149, § 2º, I, o princípio da anterioridade, seja geral (artigo 150, III, b), seja de noventa dias (artigo 195, § 6º).

A anterioridade geral – que seria aplicada à CSLL não fosse a exceção prevista no artigo 195, § 6º – não se aplica porque o artigo 150, III, ‘b’, se refere apenas à lei que instituir ou aumentar tributos, o que não ocorre no presente caso, já que a regra imunizante, muito ao contrário, reduz o quantum devido a título de contribuições sociais que incidam de alguma forma sobre a receita, na medida em que exclui das suas bases de cálculo as receitas decorrentes de exportação.

Não se aplica, tampouco, o princípio da anterioridade nonagesimal previsto no artigo 195, § 6º, pois, embora o texto deste dispositivo se refira à lei que houver instituído ou modificado as contribuições previdenciárias, a expressão "modificado" deve ser entendida no sentido de "aumentado", ou seja, da mesma maneira como é entendida a anterioridade geral prevista no artigo 150, tendo em vista que a anterioridade é uma das "limitações ao poder de tributar", verdadeira garantia para o contribuinte perante o Fisco, e que só é aplicada nas situações em que o contribuinte é onerado pela Lei, e não quando a Lei reduz a sua carga tributária.

Nesse sentido já decidiu o plenário do Supremo Tribunal Federal quando julgou a Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 712-DF, ocasião em que asseverou serem os denominados princípios constitucionais tributários oponíveis pelo contribuinte contra o Estado, mas não por este contra aquele.

Assim, como a EC nº 33/01 entrou em vigor, nos termos do seu artigo 5º, na data de sua promulgação, a imunidade da CSLL sobre as receitas decorrentes de exportação tornou-se plenamente vigente em 12 de dezembro de 2001, data de sua publicação.

Desta forma, tomando por base as conclusões deste tópico e do imediatamente anterior, no qual ficou comprovado que a opção pelo regime de tributação pelo Lucro Presumido resulta na ocorrência de fatos geradores trimestrais, sempre no último dia de cada trimestre, e, a opção pelo regime de tributação com base no Lucro Real resulta na ocorrência de um único fato gerador anual em 31 de dezembro, conclui-se, à toda evidência, que se a norma imunizante veio ao mundo jurídico em momento anterior à ocorrência do fato gerador, fato gerador não houve, eis que a imunidade impede a incidência da norma tributária, excluindo da hipótese de incidência o auferimento das receitas decorrentes de exportação para efeito de apuração da CSLL devida.

Conseqüentemente, a CSLL apurada no último trimestre de 2001, cujo fato gerador ocorreu em 31 de dezembro de 2001 (data posterior à promulgação da EC nº 33/01), já deveria ter sido albergada pela norma imunizante, resultando assim num pagamento de valor inferior ao contabilizado, tendo como base de cálculo somente as receitas que advieram das operações comerciais do mercado interno.

E, ainda que se considere que o fato gerador da CSLL é complexivo, e não instantâneo, ainda assim, não se deverá considerar a tributação no período que se findou no dia 31 de dezembro de 2001, haja vista que aos fatos geradores pendentes aplica-se imediatamente a lei tributária nova, nos termos do artigo 105 do CTN.


6. DO ENTENDIMENTO DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL ACERCA DA IMUNIDADE CONFERIDA PELA EC Nº 33/01:

Não bastassem os judiciosos argumentos delineados alhures, que vêm a corroborar a tese ora defendida, a Secretaria da Receita Federal possui entendimento que obstaculiza as empresas exportadoras de retirarem da base de cálculo da CSLL as receitas advindas das operações de vendas ao mercado externo.

Em diversas consultas formuladas por empresas exportadoras, o argumento esposado pelo órgão federal foi o de que a imunidade prevista no artigo 149, § 2º, I, "atinge apenas as contribuições sociais que possuem como base de incidência as receitas decorrentes de exportação, não alcançando a contribuição social incidente sobre o lucro" (8), fundamentando seu entendimento no artigo 2º, da Lei nº 7.689/88 e nos dispositivos constitucionais que fundamentam a instituição da CSLL (artigo 149, § 2º, I, e 195, I, ‘c’).

Contudo, em que pese a manifestação do órgão federal ser vinculante em relação à empresa consulente, tal efeito normativo se limita às partes envolvidas, não tendo, portanto, o condão de tornar obrigatória para todos os contribuintes a interpretação dada pelo órgão à matéria objeto da consulta, mesmo porque a consulta não se encontra dentre as normas complementares a que se refere o artigo 100 do Código Tributário Nacional, não possuindo, desta forma, eficácia normativa erga omnes.

Ademais, é princípio comezinho no nosso ordenamento jurídico a inafastabilidade da apreciação do Poder Judiciário das questões que envolvam conflitos de interesses, mormente os que ocorrem entre a Administração Pública e os administrados.


7. DAS CONCLUSÕES:

Por todo o exposto, conclui-se que:

1) a imunidade contida no artigo 149, § 2º, I, da CR/88, abrange as receitas de exportação inclusive no que se refere à apuração das CSLL devida pelas empresas;

2) embora receita e lucro não se confundam, este é composto por aquela;

3)a quantificação dos efeitos da imunidade é feita de forma indistinta para as empresas que optem pela tributação com base no regime de apuração de Lucro Real ou Presumido, bastando excluir as receitas de exportação da apuração da base de cálculo da referida contribuição;

4) a imunidade sob enfoque é aplicável, aos optantes pelo regime de apuração pelo Lucro Real, desde a data da promulgação da EC nº 33 de 11 de dezembro de 2001, o que abrange o fato gerador anual ocorrido em 31/12/01, podendo ser restituídos todos os valores recolhidos, a título de antecipação, por todo o ano de 2001 em diante, proporcionalmente às receitas de exportação;

5) no que se refere aos optantes pelo regime de tributação com base no Lucro Presumido, a imunidade em questão é aplicável também desde da promulgação da mencionada Emenda, atingindo o fato gerador trimestral ocorrido em 31 de dezembro de 2001, e os subseqüentes;

6) por conta de entendimento contrário da SRF, é necessário aos contribuintes que ajuízem medidas judiciais para verem reconhecido o direito à imunidade de suas receitas decorrentes de exportação.


Notas

1 Curso expositivo de direito tributário. 1. ed. São Paulo: Resenha Tributária, p. 52.

2 Direito tributário brasileiro. 1. ed. Forense: Rio de Janeiro, 1970. p. 87.

3 Operações de exportação e equiparadas e imunidade à contribuição social sobre o lucro. In: Revista Dialética de Direito Tributário, nº 91. São Paulo: Dialética, Abril de 2003. p. 109.

4 Apesar de a doutrina se manifestar de forma contundente nesse sentido e já haver precedente do Excelso Pretório sobre o tema, o legislador constituinte derivado tem adotado conduta que demonstra convicção diversa, como se observa, por exemplo, da supressão, pela Emenda Constitucional nº 20/98, da imunidade prevista no artigo 153, § 2º, II, da CR/88, relativa à exigência do imposto de renda sobre rendimentos provenientes de aposentadoria e pensão, pagos pela Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, a pessoa com idade superior a sessenta e cinco anos, cuja renda total seja constituída, exclusivamente, de rendimentos do trabalho.

5 Curso de direito financeiro e de direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 29.

6 Imunidade da contribuição social sobre o lucro líquido - CSLL para as receitas de exportação após a EC 33/2001. In: Revista Dialética de Direito Tributário, nº 86. São Paulo: Dialética, Novembro de 2002. p. 12.

7 Art. 28. Aplicam-se à apuração da base de cálculo e ao pagamento da contribuição social sobre o lucro líquido as normas da legislação vigente e as correspondentes aos arts. 1º a 3º, 5º a 14, 17 a 24, 26, 55 e 71, desta Lei.

8 Superintendência Regional da Receita Federal - SRRF / 9ª Região Fiscal, verbi gratia.


Autor

  • Leonardo Zehuri Tovar

    Leonardo Zehuri Tovar

    Advogado em Vitória (ES), Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes de Vitória, Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Direito de Vitória, Mestrando em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória, autor de artigos em revistas especializadas

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOVAR, Leonardo Zehuri. Operações de exportação, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e imunidade. Comentários à Emenda Constitucional nº 33/01. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 697, 2 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6823. Acesso em: 18 maio 2024.