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A estrutura conceitual do delito e o finalismo

A estrutura conceitual do delito e o finalismo

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Sumário: 1- A Reforma Penal e o Finalismo. 2- Culpabilidade na estrutura dogmática do delito 3- Estrutura da concepção do delito e suas alteração no finalismo. 4-Teorias Intermediárias. 5- Teorias do Dolo e da Culpa. 6- Críticas as teorias da ação e da culpabilidade. 7- Conclusões


1- A Reforma Penal e o Finalismo

            Em julho de 1984, teve advento a Lei nº 7.209, que alterou a parte geral do Código Penal Brasileiro. Conforme consta da exposição de motivos da parte especial do Código Penal, constatou-se então que "a pressão dos índices de criminalidade e suas novas espécies, a constância da medida repressiva como resposta básica ao delito, a rejeição social dos apenados e seus reflexos no incremento da reincidência, a sofisticação tecnológica, que altera a fisionomia da criminalidade contemporânea, são fatores que exigem o aprimoramento dos instrumentos jurídicos de contenção do crime, ainda os mesmos concebidos pelos juristas da primeira metade do século." (01)

            A reforma levada a efeito encampou conceitos do Finalismo Welzeniano, modificando substancialmente o perfil da parte geral, que era baseada na doutrina causalista.

            Na doutrina causalista, ou causal-naturalista, a ação "é um processo mecânico, muscular e voluntário (porque não é um ato reflexo), em que se prescinde do fim a que essa vontade se dirige. Basta que se tenha a certeza de que o agente atuou voluntariamente, sendo irrelevante o que queira, para se afirmar que praticou ação típica." (02)

            Conforme pondera Miguel Reale Júnior, "o dolo para a teoria tradicional é espécie de culpabilidade, constituindo o vínculo entre o agente e o evento. O dolo é a vontade da ação, mas não a integra; é apenas uma qualidade que lhe é atribuída posteriormente. Dolo e culpa são qualidades atribuíveis à ação conforme a natureza do nexo psicológico que une o agente ao evento." (03)

            Como lembra Luiz Luisi, "esta forma de conceber a ação como uma modificação física causada pela vontade do agente divide a ação em três momentos: a vontade, a manifestação desta vontade através de um fazer ou não fazer, e o resultado, vale dizer, a decorrente modificação do mundo externo. Não se indaga, no entanto, do conteúdo da vontade, isto é, do que o agente realmente quis. Basta a voluntariedade da conduta, ou, na linguagem de Franz von Liszt, a manifestação da vontade consistente ‘na realização ou na omissão voluntárias de um movimento do corpo.’" (04) E acrescenta: "A doutrina naturalista da ação, no fundo, é um produto do positivismo filosófico, isto é, de uma concepção da realidade limitada aos fenômenos sensorialmente apreensíveis e da ciência como simples captação das relações de sucessão ou semelhança dos fatos uns com os outros. A realidade humana é –segundo esta concepção do pensamento filosófico do século XIX- reduzida a fenômenos naturais predeterminados (entre elas a ciência do direito), se reduzem à pesquisa de leis que expressam as relações de semelhança ou de sucessão, constantes e obrigatórias entre os dados. Os conceitos em que se traduz a legalidade da natureza retratam a realidade atual, isto é, o ôntico reduzido ao sensorialmente apreensível. E, sendo o tipo penal a conceitualização da realidade natural da ação, isto é, a subsunção em conceitos do ôntico da conduta, reduzida ao fatual, somente poderá ser ele –como consectário inelutável do entendimento da ação como mera modificação da realidade física, causada pela vontade- de caráter rigorosamente objetivo, uma vez que nesta forma de conceber a ação não tem guarida o axiológico e o subjetivo." (05)

            Também Francisco de Assis Toledo salienta que esta corrente "reflete, como facilmente se observa, a influência das idéias positivistas, dominantes em fins do século XIX, que empreendiam transportar para a área das ciências humanas, psicologia, história, direito etc) os métodos e as leis das ciência da natureza, cujos resultados jamais cessaram de deslumbrar o homem." (06)

            Já Miguel Reale Júnior identifica os elementos que contribuíram para alicerçar a teoria normativa da culpabilidade, que está relacionada ao causalismo. Segundo o penalista "além do liberalismo contribuíram para a elaboração da concepção psicológica da culpabilidade a influência do naturalismo sobre o direito penal e a doutrina da tipicidade tal como formulada por Beling." (07)

            A proposição de estruturação dogmática de uma teoria da ação prescindindo do aporte do elemento subjetivo é reflexo da busca de uma ciência universalista e neutra, baseada na perspectiva de verdades absolutas que podem ser descortinadas pela aplicação do método cientifico então vigente, fato, aliás, que se repercutiu em todos os campos do direito.

            Mas o edifício do causalismo de há muito começou a ter suas bases desgastadas pela reação ao positivismo. De fato, conforme assertoa Cezar Roberto Bitencourt: "A teoria causal da ação que teve boa acolhida em muitos países, foi praticamente abandonada pela dogmática alemã, começando com a advertência de Radbruch que, já no início do século, destacou que o conceito causal de ação era inaplicável à omissão, conforme já referimos. Falta nesta uma relação de causalidade entre a não realização de um movimento corporal e o resultado. Nessas circunstâncias, o conceito causal de ação não pode cumprir a função de elemento básico, unitário, do sistema da teoria do delito." (08)

            Segundo assertoa Fernando Capez, "os questionamentos dirigiram-se à injustificável desconsideração da vontade humana na apreciação do fato típico, por parte dos causalistas." (09)

            Em substituição, surgiu a teoria Finalista da Ação, tendo por corifeu máximo Hans Welzel, e cujos postulados representaram significativas alterações na estruturação da teoria do delito. A propósito leciona Luiz Luisi: "Diferente é o embasamento do tipo penal na doutrina finalista. Para esta, a realidade – e nela se inclui a atividade humana - não é amorfa e caótica. Pelo contrário, é ordenada e prenhe de sentido. A ação humana é realidade, portanto, já organizada, e com um contexto ontológico definido, antes de sua disciplina jurídica. Como consectário, é evidente que os conceitos normativos, isto é, os da lei, bem como os elaborados pelo juiz, ou pela ciência do direito, não transformam, dando ordenação e sentido a uma realidade heterogênea e desorganizada, mas encontrando uma realidade com estrutura ontológica que a faz organizada, e mesmo cheia de valores, limitam-se à descrição dessa realidade. Essa concepção da realidade e do conhecimento que está na base da doutrina finalista da ação e do conseqüente entendimento do contexto e nuanças do tipo penal, tem suas premissas em uma interpretação ontologistizante das categorias kantianas, bem como na fenomenologia de Edmund Husserl e na evidente – embora, de certo modo, minimizada pelo Professor de Bonn - presença do ontologismo de Nicolai Hartmann." (10)

            Além destas premissas teóricas, menciona Cezar Roberto Bittencourt, "o próprio Welzel admite que para a elaboração da doutrina da ação final, foi decisiva a teoria da ação desenvolvida por Samuel von Puffendorf (1636-1694), cujas raízes remontam a Aristóteles." (11)

            O ontologismo presente também é mencionado por Francisco de Assis Toledo que escreve, reportando-se a Welzel: "Parte a doutrina em exame de um conceito ontológico de ação humana. E assim procede por considerar, sem rodeios, que o ordenamento jurídico também tem seus limites. Pode ele selecionar e determinar quais os dados da realidade que quer valorar e vincular a certos efeitos (efeitos jurídicos), mas não pode ir além disso, porque não pode modificar os dados da própria realidade, quando valorados e incluídos nos tipos delitivos. Isso significa que a ciência penal, embora tenha sempre como ponto de partida o tipo delitivo (Tatbestand), necessita transcendê-lo para descer à esfera ontológica, e, com isso, conseguir corretamente compreender o conteúdo dos conceitos e igualmente o das valorações jurídicas. Ora, o resultado dessa descida, uma vez empreendida, é a revelação da estrutura ‘finalista’ a ação humana, que não pode ser negada nem modificada pelo direito, ou pelo legislador." (12)

            Na concepção da Teoria Finalista da Ação, leciona Júlio Fabbrini Mirabete, "como o todo comportamento do homem tem uma finalidade, a conduta é uma atividade final humana e não um comportamento simplesmente causal. Como ela é um Fazer (ou não fazer) voluntário, implica necessariamente uma finalidade. Não se concebe vontade de nada ou para nada, e sim dirigida a um fim" (13).

            Complementa o insigne Francisco de Assis Toledo afirmando que "precisamente por considerarmos a ação humana um fenômeno ético-social, é que damos um passo além para nela também identificar, de um ponto de vista jurídico, a finalidade, o seu aspecto teleológico, como nota fundamental." (14)

            Embora ainda se observem ecos do causalismo mesmo na parte geral do Código Penal, a adoção do finalismo alterou substancialmente a estruturação dogmática da teoria do delito.


2- Culpabilidade na estrutura dogmática do delito

            Uma primeira pergunta que assoma como prévia é: a culpabilidade integra ou não o conceito de delito? A questão suscita divergências e ainda é objeto de debates. Por vários prismas se pode estabelecer um conceito de delito. Podemos ter conceitos formais e materiais. Estes últimos podem ser metajurídicos (critério histórico, ou relativista; e critério da razão abstrata, ou absolutista), ou jurídicos. Os jurídicos, de seu turno, podem ser unitários, ou sintéticos (de natureza realista ou sociológico; de natureza sociológica, ou positivista; e voluntarista, ou conceito nacional-socialista), ou analíticos, ou dogmáticos. (15)

            Interessa-nos o conceito dogmático.

            A propósito do papel da culpabilidade na estrutura do conceito de crime, lembra Walter Coelho que "a culpabilidade, em termos tradicionais, integra a estratificação analítica do delito como fato típico, ilícito e culpável, sendo, porém, respeitável o novo entendimento de que o crime é apenas o fato típico e ilícito, já que a culpabilidade não integraria o ilícito penal, sendo apenas o pressuposto da punibilidade." (16)

            No mesmo diapasão, Júlio Fabbrini Mirabete apostila que "a culpabilidade, tida como componente do crime pelos doutrinadores causalistas, é conceituada pela teoria finalista d ação como a reprovação da ordem jurídica em face de estar ligado o homem a um fato típico e antijurídico. É, em última análise, a contradição entre a vontade do agente e a vontade da norma. Assim conceituada, a culpabilidade não é característica, aspecto ou elemento do crime, e sim mera condição para impor a pena pela reprovabilidade da conduta." (17)

            Diversa, porém, é a posição de Francisco de Assis Toledo, por exemplo, para quem "dentre as várias definições analíticas que têm sido propostas por importantes penalistas, parece-nos mais aceitável a que considera as três notas fundamentais do fato-crime, a saber: ação típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade). O crime, nessa concepção que adotamos, é, pois, ação típica, ilícita e culpável." (18)

            O mesmo escólio é sufragado por Cezar Roberto Bitencourt, que expressamente afirma:"Não acompanhamos o entendimento dominante no Brasil, segundo o qual, ‘crime é a ação típica e antijurídica’, admitindo a culpabilidade somente como mero pressuposto da pena." (19)

            De minha parte, alinho-me com os primeiros, pois não me parece que a presença da culpabilidade seja imprescindível ao delito, já que há resposta penal mesma ante a ausência de culpabilidade (medida de segurança).


3- Estrutura da concepção do delito e suas alteração no finalismo

            Consideremos ou não a culpabilidade como integrante do delito, o fato é que a adoção do finalismo produziu modificações extensas na estrutura dogmática do delito.

            O tipo na teoria causalista é neutro, ou simplesmente descritivo de uma realidade fenomênica. Para o causalismo, "em termos bem esquemáticos, ação é movimento corporal voluntário que causa modificação no mundo exterior. A manifestação de vontade, o resultado e a relação de causalidade são os três elementos do conceito de ação. Abstrai-se, no entanto, deste o conteúdo da vontade, que é deslocado para a culpabilidade (dolo ou culpa)." (20)

            Deveras, "a Europa, durante todo o século XIX e no início do século XX, completamente dominada pelo dogmatismo, refletia o sentimento individualista e liberal do Estado burguês e não via no tipo nenhum conteúdo axiológico, mas uma mera descrição objetiva, com a qual deveria conformar-se o fato natural exterior." (21)

            Mas, "a concepção belinguiana do tipo objetivo, e o entendimento de que o subjetivo pertencia integralmente, no contexto estrutural do crime, à culpabilidade, sofreu as primeiras fissuras com a descoberta dos chamados elementos objetivos do injusto do tipo." (22) Na esteira deste movimento, o finalismo estabelece um conceito de ação vetorial, ou seja, um tipo onde a ação é direcionada e dirigida por uma vontade consciente e direcionada a um fim.

            Para o tipo finalista, "a vontade é a espinha dorsal da ação final, considerando que a finalidade baseia-se na capacidade de vontade de prever, dentro de certos limites, as conseqüências de sua intervenção no curso causal e dirigi-lo, por conseguintemente, conforme a um plano, à consecução de um fim." (23)

            Desta forma, "em seu bojo, como elemento fundante, está o conteúdo do querer, a intenção, o propósito do agente, vale dizer, o dolo." (24)

            O fundamento desta concepção, lembra, com propriedade, Miguel Reale Júnior, reside em que "todo o agir é um conduzir-se. Toda a ação é fruto de uma escolha, e toda a escolha é fundada em valores que se põem como fim de agir. O homem age voltado para um resultado, ou por outras palavras, segundo uma ‘intencionalidade significativa’. O resultado almejado é reflexo de uma valoração que constitui o motivo do agir, conscientemente reconhecido como tal. O fim é sempre valor atualizado, só havendo ação quando existe consciência de um fim." (25)

            E diante disso, conclui Francisco de Assis Toledo, ressai a diferença entre os conceitos clássico e finalista quando, pois "no primeiro, a ação humana, depois de desencadeada, é considerada em seus aspectos externos, numa seqüência temporal ‘cega’, de causa e efeito, como algo que se desprendeu do agente para causar modificações no mundo exterior. No segundo, ela é considerada, em sentido inverso, como algo que se realiza de modo orientado pelo ‘fim’ (pelo objetivo) antecipado na mente do agente. É uma causalidade dirigida." (26)

            A ação, na concepção do finalismo, realiza-se em duas fases, consoante o magistério de Cezar Roberto Bitencourt, a saber: "1a subjetiva (ocorre na esfera intelectiva): a) antecipação do fim que o agente quer realizar (objetivo pretendido); b) seleção dos meios adequados para a consecução do fim (meios de execução); c) consideração dos efeitos concomitantes relacionados à utilização dos meios e o propósito a ser alcançado (conseqüências da relação meio/fim); 2a objetiva (ocorre no mundo real): execução da ação real, dominada pela determinação do fim e dos meios na esfera do pensamento." (27)

            O tipo finalista é, assim, doloso (adotada a teoria da vontade em relação ao dolo direito e a teoria do consentimento em relação do dolo eventual), ou culposo, conforme esteja presente ou não a intencionalidade do resultado.

            O dolo "é conhecimento dos aspectos objetivos do tipo, é o querer a sua concreção." (28) Mas chama a atenção Luiz Luisi para o fato de que "dentro deste entendimento, ou seja, o dolo como elemento do tipo penal, ele é apenas uma realidade psíquica. Não é valorado. É somente o propósito, a intenção do agente, sem caracterizá-lo como censurável ou não, isto é, sem conotações axiológicas." (29)

            A culpa, de seu turno, manifesta-se "na inobservância do dever objetivo de cuidado manifestada numa conduta produtora de um resultado não querido, objetivamente previsível" (30) de modo que "o tipo culposo, portanto, é constituído de uma conduta (e, sendo conduta é finalista), que, por realizada com imprudência, negligência ou imperícia, determina, involuntariamente, uma resultado lesivo ou põe em perigo em bem jurídico protegido pelo direito penal." (31)

            Logo, com a adoção do finalismo, à perspectiva do direito penal, "não interessam os resultados produzidos sem dolo ou culpa, porque sua razão maior de existir funda-se no princípio geral da evitabilidade da conduta, de modo que só se devem considerar penalmente relevantes as condutas propulsionadas pela vontade, pois só estas poderiam ter sido evitadas." (32)

            A ilicitude, com a adoção do finalismo, não sofreu grande alteração, mas a culpabilidade sim.

            Ao causalismo está associada a teoria psicológica da culpabilidade. A respeito, leciona Luiz Flávio Gomes, verbis: "A teoria psicológica da culpabilidade surge com nitidez no denominado ‘sistema causal-naturalista da ação’ de Liszt-Beling, fundamentado detidamente por Radbruch, que ‘fazendo-se da causalidade objetiva e do liame subjetivo partes constitutivas essenciais do delito, dissocia-se sua análise, conseqüentemente, em dois estágios legais, de maneira que a primeira (causalidade) se encontra caracterizada na tipicidade e na antijuridicidade, e a última parte (vínculo psicológico) constitui a base da culpabilidade.’" (33)

            Também Cezar Roberto Bitencourt relaciona a teoria psicológica da culpabilidade ao natural-causalismo. Após mencionar que referida teoria encontra embasamento na decadência da teoria da liberdade da vontade que sustenta o conceito de culpabilidade do direito natural, afirma: "A teoria psicológica da culpabilidade tem estrita correspondência com o naturalismo-causalista, fundamentando-se ambos no positivismo do século XX. Von Liszt reduz a ação a um processo causal originado no impulso voluntário. Nesses termos, ‘culpabilidade é a responsabilidade do autor pelo ilícito que realizou’, ou, em outras palavras, é a relação subjetiva entre o autor e o fato. No mesmo sentido, Bellavista definiu a culpabilidade como ‘a relação psicológica entre o agente e a ação que ocasiona um evento querido ou não querido, ainda que não previsto, mas previsível. Dentro desta concepção, a relação subjetiva entre ação e resultado, o dolo e a culpa não só eram as duas únicas espécies de culpabilidade, como, também, a sua totalidade, na medida em que esta não apresentava nenhum outro elemento constitutivo." (34)

            Já Miguel Reale Júnior identifica no naturalismo e no liberalismo os sustentáculos filosóficos da concepção psicológica da culpabilidade, salientando que "o liberalismo, no desejo de fundamentar eticamente a punição, condicionou-se à existência de uma relação psíquica entre o autor e o fato delituoso, expulsando, outrossim, do campo penal a responsabilidade objetiva, em razão do que o dado subjetivo passava a ser a ratio da responsabilidade. Além do liberalismo, contribuíram para a elaboração da concepção psicológica da culpabilidade a influência do naturalismo sobre o direito penal e a doutrina da tipicidade tal como formulada por Beling." (35)

            Desta forma, para a teoria psicológica, a culpabilidade "só pode estar no psiquismo do agente." (36)

            Verificamos assim, que na teoria da culpabilidade psicológica, o dolo e a culpa representam a ligação subjetiva do agente com o fato, sem a tomada de uma perspectiva axiológica, sendo o dolo e a culpa forma de culpabilidade, que fica exaurida em seu conteúdo com o acréscimo da imputabilidade.

            A teoria em exame sofre várias críticas, sendo a mais contundente a relativa ao fato de ser a culpa normativa, e não psicológica, especialmente a culpa inconsciente. (37)

            De fato, o dever de cuidado parte de uma previsão valorativa efetuada pela norma. O paradigma de cuidado violado é normativo.

            Outro grande problema reside nas causas de exclusão da culpabilidade não obstante permaneça o dolo. Sãos os casos, por exemplo, de incidência de coação moral irresistível.

            Em verdade, a descoberta dos elementos subjetivos do tipo foi o fator decisivo para o abandono da teoria psicológica. A respeito, pertinente o magistério de Luiz Flávio Gomes, verbis: "Com a descoberta dos elementos subjetivos do injusto, enunciados por Hegler e Max Ernest Mayer e desenvolvidos por Mezger, comprovou-se que há dado subjetivo que pertence ao injusto ao mesmo tempo em que há dado subjetivo que não pertence à culpabilidade; com isso, caiu por terra a clássica bipartição do delito em parte objetiva (injusto) e parte subjetiva (culpabilidade)." (38)

            Como lembra Miguel Reale Júnior, "a culpabilidade psicológica não respondia, na verdade, ao imperativo de individualização e eticização da responsabilidade." (39)

            Com o advento da teoria finalista, o dolo e a culpa são expungidos da culpabilidade para o tipo. Surge a teoria normativa pura da culpabilidade, a partir do desenvolvimento dos estudos Reinhard Frank (40) e sob os influxos da teoria teleológica do delito, acerca da qual apostila Luiz Flávio Gomes: "A teoria teleológica do delito, ligada à teoria do conhecimento da filosofia do neokantismo, que revigora o método da significação e a valoração das ciências hermenêuticas, constituiu o maior golpe às concepções causais naturalistas fundamentadoras do sistema Liszt-Beling. Significou a teoria em destaque a última modificação do sistema naturalista, caracterizando-se pela visão normativa de valor do Direito Penal. É o abandono do naturalismo ou positivismo para a introdução no Direito penal do normativismo axiológico." (41)

            A partir da nova concepção, "comprovado que o dolo e a culpa integram a conduta, a culpabilidade passa a ser puramente valorativa ou normativa, isto é puro juízo de valor, de reprovação, que recai sobre o autor do injusto penal, excluída de qualquer dado psicológico" (42), ou seja, "deixa a culpabilidade de ser considerada como aspecto subjetivo do crime (psicológica), que liga o agente ao seu fato, para transformar-se em juízo de reprovação, de censura, que se faz ao agente em razão da sua atuação contrária ao direito ou, mais precisamente, em razão de sua ‘formação da vontade contrária do dever.’" (43)

            Assim, "a culpabilidade, no finalismo, pode ser resumida como o juízo de reprovação pessoal levantado contra o autor pela realização de um fato contrário ao Direito, embora houvesse podido atuar de modo diferente de como o fez" (44), ou, por outras palavras, "é uma qualidade da ação antijurídica, dado que o agente possui o poder de optar pelo valor emanado do direito", de forma que "culpável é a ação antijurídica que podia ter sido omitida." (45)

            Em vista desta perspectiva, a culpabilidade é composta por três elementos, quais sejam: a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa.

            A imputabilidade, giza Miguel Reale Júnior, "é pressuposto da ação, pois o inimputável não age, enquanto se compreenda a ação como escolha entre valores. O ininputável pratica fatos. Desse modo, imputável é o homem que é livre, que possui liberdade" (46), e, ao questionar-se acerca de que liberdade se estaria tratando, conclui: "Liberdade não como concebida pelo indeterminismo da escola clássica, para a qual cada fato é considerada isoladamente, desvinculado de seus precedentes, desligado, pois, de suas razões como que originado do nada." (47)

            Realmente, como assertoa Cezar Roberto Bitencourt, reportando ao magistério de Mir Puig, "a imputabilidade na orientação finalista, deixou de ser um pressuposto prévio da culpabilidade e converteu-se em condição central da reprovabilidade." (48)

            A imputabilidade pode ser conceituada, desta forma, conforme leciona Fernando Capez, como "a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com este entendimento" (49).

            Poderíamos, assim, afirmar que a imputabilidade é a pertinência subjetiva do delito sob o prisma ético.

            No que tange à imputabilidade, verifica-se que a legislação pátria adotou o critério do sistema biopsicológico. (50)

            A potencial consciência da ilicitude suscita uma série de dificuldades, pois está relaciona a proibições diretas ou indiretas e como bem pondera Francisco de Assis Toledo para certas proibições, "os delitos que lhes correspondem são autênticos mala prohibita, e não mala in se, portanto inacessíveis ao leigo (certos delitos falimentares, delitos de sonegação fiscal etc)." (51)

            Esta constatação conduz o preclaro penalista a uma indagação formulada nos seguintes termos: "Como exigir-se, nesse caso, por parte do agente, que se supõe não ser jurista, motivar-se pelo conhecimento da norma, ou pela socialialidade, ou pela imoralidade de uma conduta totalmente neutra ou, ainda, que encontre sua ‘consciência’ profana, com algum esforço, o que nela nunca esteve e não está?"

            É por isso que "a fim de se evitarem abusos, o legislador erigiu como requisito da culpabilidade não o conhecimento do caráter injusto do fato, mas a possibilidade de que o agente tenha esse conhecimento no momento da ação ou omissão." (52)

            E note-se que a análise cinge-se à possibilidade de consciência "no contexto de uma situação concreta reconstruída por quem emite o juízo", de modo que "se era impossível ao agente conhecer a antijuridicidade de seu atuar, não poderia ele conformar a sua vontade à vontade da norma, inexistindo motivação para tal adequação." (53)

            Na verdade, a potencial consciência da ilicitude remanesce no campo da ficção quando contraposta à realidade, figurando como um subterfúgio utilizado para contornar o insolúvel problema de saber-se o que se passa na psique do agente e de considerar-se os inúmeros fatores psicológicos, sociais e circunstanciais que envolvem o delinqüente e o fato delituoso.

            Mas embora questionável a solução, acaba por ser a única forma de não deixar portas abertas para a impunidade que grassaria a largos passos sob o escudo da alegação de desconhecimento da ilicitude.

            Observamos, desta forma, que "segundo a orientação finalista, a ausência de conhecimento da proibição não afasta o dolo natural, mas exclui, isto sim, a culpabilidade -no caso de erro de proibição invencível. Porém, se se tratar de um erro de proibição vencível, a culpabilidade atenua-se, sempre quando não se tratar de um erro grosseiro, ou, melhor dito, de um simulacro de erro." (54)

            A exigibilidade de conduta diversa, ou exigibilidade de obediência do Direito, "não é um juízo sobre o aspecto psicológico do agente, mas antes um juízo acerca de uma situação concreta objetiva, na qual assume relevância, perante o direito, o valor que anima o agente." (55)

            Através da incidência deste critério, "o agente autor de um injusto penal só pode ser reprovado se, nas circunstâncias em que praticou a conduta, lhe era possível exigir comportamento diverso, conforme ao Direito." (56)

            Sob a conformação legislativa, as hipóteses de inexigibilidade de conduta diversa amoldam-se aos casos de coação moral irresistível e obediência hierárquica a ordem não manifestamente ilegal, nos termos do artigo 22 do Código Penal. (57)


4-Teorias Intermediárias

            A evolução do natural-causalismo para o finalismo não se deu de forma abrupta. Medeia uma fase de transição representada pelas teorias social da ação e psicológico-normativa da culpabilidade.

            A teoria social da ação, ou soziale handlungslehre, "concebida inicialmente por E. Schmidt, como forma de aprimorar o conceito naturalístico de ação de von Liszt, partiu para incorporar igualmente o finalismo de Welzel, mas, por considerar que este não esgotava todas as condutas jurídico-penalmente relevantes, findou por unificá-las todas sob a capa larga da ‘relevância social.’" (58)

            A citada teoria "recusa-se a entender a ação como mero fenômeno fisiológico, sob o ponto de vista das ciências naturais. A ação, para o direito penal, não pode se limitar a ser somente modificação no mundo físico. É um conceito valorado, posto que ela somente existe no meio social. É uma realidade que, em síntese, tem basicamente, significação social." (59)

            Com efeito, "a teoria social da ação surgiu como uma via intermediária, por considerar que a direção da ação não se esgota na causalidade e na determinação individual, devendo ser questionada a direção da ação de forma objetivamente genérica." (60)

            Um dos mais marcantes aspectos da teoria social da ação reside no fato de que "a partir da idéia de que o tipo legal abarca sempre uma ação ou omissão anti-social, decorre uma importante conseqüência: se o aspecto social integra o fato típico, para que o agente pratique uma infração penal é preciso que, além da vontade de realizar todos os elementos contidos na norma penal, tenha também a intenção de produzir um resultado socialmente relevante" (61) de modo que "a ação socialmente adequada está desde o início excluída do tipo penal, porque se realiza dentro do âmbito de normalidade social, ao passo que a ação amparada por uma causa de justificação só não é crime, apesar de socialmente inadequada, em razão de uma autorização especial para a realização da ação típica." (62)

            Parte-se, portanto, do raciocínio de que "como o Direito Penal só comina pena as condutas socialmente danosas e como socialmente relevante é toda conduta que afeta a relação do indivíduo para com o seu meio, sem relevância social, não há relevância jurídico-penal. Só haverá fato típico, portanto, segundo a relevância social da ação" (63), não se podendo, porém, "confundir adequação social com o princípio da insignificância" (64).

            A teoria social da ação situa-se, conceitualmente, entre a teoria causalista e o finalismo. Da teoria causalista aproxima-se "enquanto ambas entendem a conduta como produção de um resultado (modificação do mundo físico, para a última; alteração do mundo circundante social, para a primeira, causado pela vontade do agente. E ainda se aproximam porque em ambas as doutrinas basta a simples voluntariedade, não integrando o contexto da ação o conteúdo do querer do agente, isto é, o que o agente quis no momento da ação." (65)

            Mas, esclarece Luiz Luisi, há uma distinção entre estas teorias materializada no fato de que para os defensores da teoria naturalista a conduta é vista como "mera realidade físico-psicológica, sem qualquer matiz axiológico, enquanto que os teóricos da doutrina social da ação a vêem como uma realidade valorada." (66)

            A teoria psicológico-normativa da culpabilidade precede o finalismo, que surgiu na década de trinta, e tem seu marco nos estudos de Reinhardt Frank, no ano de 1907.

            O contexto histórico do período sob o prisma jurídico-filosófico é sintetizado por Cezar Roberto Bitencourt, verbis: "A elaboração normativa da culpabilidade produziu-se no contexto cultural da superação do positivismo-naturalista e sua substituição pela metodologia neokantiana do chamado conceito neoclássico de delito. Sintetizando, em toda a evolução da teoria normativa da culpabilidade ocorre algo semelhante ao que aconteceu com a teoria do injusto. No injusto, naquela base natural-causalista, acrescentou-se a teoria dos valores; ao positivismo do século XIX, somou-se simplesmente o neokantismo da primeira metade do século XX. Na culpabilidade, a uma base naturalista-psicológica acrescenta-se também a teoria dos valores, primeiro com Frank, de forma vaga e difusa, posteriormente com maior clareza, com os autores já citados. Com isso, se superpõe na culpabilidade um critério de caráter eticizante e de nítido cunho retributivo." (67)

            Esta teoria representa a exata transição entre a teoria psicológica e a teoria normativa dita "pura", na medida em que, embora mantenha dolo e culpa na culpabilidade, não mais os considera como exaurintes da culpabilidade, ou seja, não são mais a própria culpabilidade, mas apenas seus componentes. Além disso, o dolo e a culpa já não são exclusivamente naturais, são valorativos. O dolo para a teoria psicológico-normativa é, portanto, normativo (68), aproximando-se, como ressalta Luiz Flávio Gomes, do denominado "dolus malus." (69)

            Insere-se a exigibilidade de conduta diversa (70), passando a culpabilidade a ser "reprovabilidade do ato praticado", de modo que "para ser culpável não basta que o fato seja doloso ou culposo, mas é preciso que, além disso, seja censurável o autor." (71)


5- Teorias do Dolo e da Culpa

            As teorias do dolo e da culpa relacionam-se com a disciplina do erro no âmbito do direito penal e sofreram influência com a adoção do finalismo. Tanto as teorias do dolo como as da culpabilidade têm por pressuposto um dolo normativo, e, por conseguinte, somente podem ser alvitradas a partir da adoção da teoria psicológico-normativa da culpabilidade. (72)

            A teoria extremada do dolo tem por conseqüência uma tratativa unificada do erro de tipo e do erro de proibição. Como o dolo faz parte da culpabilidade, nele estando a consciência da ilicitude, exista erro de tipo ou de proibição (inevitáveis), será sempre excluído o dolo, podendo haver a punição pelo delito culposo, se houver. (73) De fato, haja erro sobre os elementos que constituem o tipo ou sobre a licitude da conduta, restará sempre afastado o dolo, e, portanto, a culpabilidade dolosa, remanescendo intacta a possibilidade da culpabilidade culposa.

            O grande problema detectado na teoria extremada reside no fato de que não são todos os tipos que admitem modalidade culposa.

            Assim, a teoria limitada do dolo "substitui o conhecimento atual da ilicitude pelo conhecimento potencial" (74), ou equiparou aquela à "cegueira jurídica" ou "inimizade ao direito" (75). Esta última construção, atribuída a Mezger, sofreu severas críticas por se distanciar das conquistas do direito penal do fato e da culpabilidade, permitindo uma punição pela conduta de vida, em verdadeiro direito penal do autor.

            Em termos práticos, a tratativa conferida pela teoria limitada do dolo ao erro de tipo e ao erro de proibição é idêntica a da teoria extremada, ou seja, são tratados sem distinção quando à conseqüência: exclusão do dolo e da culpabilidade.

            Fala-se, também, em uma teoria modificada do dolo, sobre a qual disserta Luiz Flávio Gomes, in verbis: "Hoje, na dogmática penal européia, no entanto, já se fala numa nova teoria limitada do dolo, que consiste basicamente no seguinte: parte-se do pressuposto de que a consciência da ilicitude faz parte do dolo; assim, o erro de proibição inevitável exclui a consciência da ilicitude e, em conseqüência, o dolo; este faz parte da culpabilidade, logo, fica excluída, também, a culpabilidade, bem como a responsabilidade penal; se evitável o erro de proibição, o agente será punido com a pena do crime doloso, podendo ser atenuada. Aqui reside a distinção entre esta teoria modificada e a tradicional teoria limitada do dolo, pois, para esta, o erro evitável implica a punição do agente por crime culposo" (76).

            Com o surgimento do finalismo e frente às críticas que contra elas se dirigiram, não resistiram às teorias do dolo, cedendo passo às teorias da culpabilidade (extremada e limitada). (77)

            Com o transplante do dolo para o tipo, restando a consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa insertos na culpabilidade, estabelece-se uma dicotomia no tratamento do erro conforme seja de tipo ou de proibição, a respeito da qual assertoa Cezar Roberto Bitencourt: "Os efeitos do erro agora, com esta nova estrutura da conduta punível, dependerão do seu objeto. Se o erro incidir sobre elemento intelectual do dolo, certamente o excluirá, chamando-se erro de tipo, por recair sobre um dos elementos constitutivos do tipo penal. No entanto, se, nas circunstâncias, o erro incidir sobre potencial consciência da ilicitude, o dolo continuará intacto, afastando, porém, a culpabilidade, posto que ela é elementos constitutivos desta. Este erro sobre a ilicitude chama-se erro de proibição." (78)

            Desta forma, o erro de tipo "vicia o elemento intelectual do dolo –a previsão- impedindo que o dolo atinja corretamente todos os elementos essenciais do tipo. Daí porque essa forma de erro exclui sempre o dolo, que agora está no tipo, e não na culpabilidade. Porém, a exclusão do dolo, que é elemento estrutural da ação típica, deixa intacta a culpabilidade, permitindo a configuração do crime culposo, se houver previsão legal" (79), vale dizer, se houver tipo culposo. Esta conformação leva Luiz Luisi a afirmar que o erro de tipo "é, bem vistas as coisas, uma excludente de tipicidade." (80)

            Já o erro de proibição "anula a consciência da ilicitude que, como se viu, está agora situada na culpabilidade. Por isso é que o erro de proibição exclui, quando inevitável, a culpabilidade. E, como não há crime sem culpabilidade, esta forma de erro impede a condenação, seja por dolo, seja por culpa. Se o erro for evitável atenua a pena, mas a condenação se impõe." (81)

            Para a teoria extremada da culpabilidade, "sobre toda espécie de descriminante putativa, seja sobre os limites autorizadores da norma (por erro de proibição), seja incidente sobre situação fática pressuposto de uma causa de justificação (por erro de tipo), é sempre tratada como erro de proibição." (82)

            É neste ponto que reside a discrepância com a teoria limitada da culpabilidade, pois, "para a teoria limitada há distinção entre duas espécies de erro: uma, a que recai sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação, a que considera tratar-se de erro de tipo permissivo; outra, a que recai sobre a existência ou a abrangência da causa de justificação, a que considera erro de proibição" (83). Neste caso, sendo erro de tipo permissivo, permite-se a punição por crime culposo, se evitável, ao passo que no erro de proibição, se inevitável, exclui a culpabilidade, e, se evitável, implica atenuação da pena. (84)

            O Código Penal adotou a teoria limitada da culpabilidade. (85)


6- Críticas as teorias da ação e da culpabilidade

            Nenhuma das teorias analisadas está indene de críticas. A teoria causal-naturalista da ação apresenta falhas em relação aos crimes omissivos e aos delitos culposos, pois no primeiro caso falta relação de causalidade, e no segundo, o fator decisivo do injusto é o desvalor da ação. (86)

            O grande defeito da teoria causalista reside na desconsideração da adequação típica da intenção. Como ressalta Fernando Capez: "dependendo do elemento subjetivo do agente, ou seja, de sua finalidade, a qualificação jurídica do crime muda completamente (crime doloso, crime culposo ou crime preterdoloso). Não se pode, em vista disso, desconhecer que a finalidade, o dolo e a culpa estão na própria conduta. Também neste caso, pela mera observação externa, alheia ao que se passou na mente do autor, não se sabe qual foi o crime praticado." (87)

            De fato, as dificuldades restam insuperáveis também em relação à tentativa, já que neste caso a ação é dimensionada não pela sua exterioridade, mas, sobretudo, pela intenção. A constatação de uma lesão leve pode ensejar o reconhecimento de uma simples lesão consumada, de uma lesão grave tentada ou de um homicídio tentado. A aferição do delito efetivamente perpetrado está, na hipótese, inarredavelmente associada à consideração da intenção do agente.

            A teoria social da ação apresenta a dificuldade de valer-se de um conceito de "relevância social" que é de difícil determinação. Se o critério para estabelecimento do paradigma de relevância social fica a cargo da lei, então na prática a teoria social nada acresceria ao finalismo, pois tudo se resolveria na tipificação da conduta, onde estaria incluída a avaliação da relevância social. Por outro lado, se o critério fica em mãos do julgador, abre-se espaço para um subjetivismo incompatível com o princípio da isonomia legal, pois não tardaria a vermos julgamentos de fatos semelhantes de forma diametralmente conforme se operasse em uma ou outra região do País ou do mesmo Estado, quiçá.

            Não é admissível que dentro da base geográfica de aplicação da lei penal se chegue a aplicações totalmente destoantes de um mesmo dispositivo quando em voga situações idênticas. A relevância social reflete-se na maior ou menor reprovabilidade da conduta, devendo, portanto, ser avaliada na seara da culpabilidade, a fim repercutir na dosimetria da reprimenda. A aplicação da teoria social da ação, com exclusão da tipicidade conforme fosse o juízo de relevância, simplesmente poderia afastar a incidência da lei penal a fatos que em outros locais, no mesmo tempo, fossem considerados típicos, ilícitos e culpáveis.

            Neste contexto, se me afigura absolutamente correto o pronunciamento de Fernando Capez quando afirma que "parece um tanto vago e carente de critérios hermenêuticos seguros afirmar que um comportamento descrito em um tipo penal não pode ser considerado típico porque não afronta senso de justiça de determinado grupo social. O tal elemento implícito, que seria o dano de relevância social, parece prescindir de precisão dogmática, faltando um método ontológico seguro para estabelecer padrões de segurança na distribuição da jurisdição penal." (88)

            Quanto ao finalismo, há o problema dos delitos culposos, onde não se pode falar em uma ação finalista voltada ao resultado delituoso. Tal crítica, contudo, não encontra base segura.

            A respeito, pertinente o magistério de Francisco de Assis Toledo, verbis: "Diante do exposto, parece-nos rematado equívoco (e este é o argumento-chave de alguns críticos) pretender-se que a teoria finalista falharia nos crimes culposos. Não perceberam os que formulam esta crítica que também aqui, embora de modo diferente, a finalidade da ação humana desempenha papel fundamental. Considere-se, inicialmente, que, se as normas não podem proibir, ou ordenar, meros fenômenos físicos (a morte causada por uma faísca elétrica, por um caminhão sem freios), também nos crimes culposos (e com mais razão nestes) deve o ordenamento jurídico estar proibindo ou ordenando ações ou omissões, sob pena de se cindir por inteiro todo o arcabouço normativo do sistema. Depois, faça-se um exame menos superficial dos delitos culposos e se verá que, no centro de todos eles, está a inobservância de um dever de cuidado (fazer instalações elétricas de modo que possam expor ao perigo a vida de alguém; dirigir um caminhão sem freios) ou a violação de uma proibição (dirigir veículo sem a necessária aptidão), o que já constitui de si mesmo uma conduta voluntária na causa, portanto finalista." (89)

            Também Cezar Roberto Bitencourt observa que "nos crimes culposos, compara-se precisamente a direção finalista da ação realizada com a direção finalista exigida pelo Direito. O fim pretendido pelo agente geralmente é irrelevante, mas não os meios escolhidos ou a forma de sua utilização." (90)

            Luiz Luisi, de seu turno, defende a presença de uma ação finalista no tipo culposo a qual não é atingida por uma falta na sua execução. Diz ele, reportando-se a Welzel: "Em verdade, como foi corretamente assinalado, a assinalado, a ação finalista está presente no delito culposo. A finalidade não é um mero conceito abstrato que serve como base para a enunciação de um juízo. Ela tem existência real, já que deve ser representada na mente do agente, e deve ser querida. No delito culposo a execução da ação é precedida da representação, bem como da volição do fim atípico. E a ação se inicia, começa a ser executada em função deste fim. Portanto, existe basicamente, no delito culposo, a finalidade, não como um momento meramente normativo, mas como um dado efetivo de uma representação, e como conteúdo de uma volição. E, a finalidade ainda está presente, realmente, quando se inicia a execução efetiva da conduta. A rigor, é uma falta na execução de uma conduta finalista –falta esta não permitida pela ordem jurídica, mas efetivamente realizada- que faz com que o propósito perseguido não seja alcançado, ocorrendo em seu lugar, o evento lesivo. A ação finalista real, portanto, está presente efetivamente, e constitui o núcleo basilar do tipo culposo." (91)

            Mas não é qualquer ação finalista que interessa ao Direito Penal, e de fato a ação finalista presente no delito culposo é a que deveria ter sido evitada ou tomada para evitar um resultado contrário ao Direito (rectius: aos fins pretendidos pela norma penal secundária).

            Quanto às teorias da culpabilidade, as críticas, que já foram mencionadas no decorrer da análise de cada uma, advém, basicamente da dificuldade de sintetizar-se um conceito unificado de culpabilidade, envolvendo dolo e culpa (teoria psicológica e psicológico-normativa) e pela presença de um dolo híbrido (psicológico e normativo), o que conduziu Mezger à teoria da "conduta de vida".

            As teorias da culpabilidade que precederam ao finalismo e a teoria normativa pura da culpabilidade, em suas variantes, verbera Miguel Reale Júnior esbarram em três ordens de dificuldades, a saber: "Primeiramente por formularem um conceito binado ou ‘centauresco’ de culpabilidade; em segundo lugar por não determinarem qual o conteúdo da culpabilidade, diferenciando-o da antijuridicidade; e, por fim, pela inclusão ou não da consciência da ilicitude, pois alguns, ao incluí-la, acarretaram a exclusão da culpa do conceito de culpabilidade; outros, ao excluí-la, como Delitala e Bettiol, entraram em contradição com o caráter de reprovação, que constitui a essência da culpabilidade." (92)

            Estas críticas conduziram ao acolhimento do finalismo e da teoria normativa pura da culpabilidade.


7- Conclusões

            Em Direito jamais poderemos alimentar a utopia de construções dogmáticas definitivas. O Direito Penal é um instrumento de força e de intervenção do Estado na sociedade marcado pela máxima coerção. Em sendo a sociedade dinâmica, inserida em um processo de contínua mutação dos valores sociais e culturais, é natural que o Direito Penal também se amolde a um gabarito de constante evolução. Quando isso não ocorre ou se processa em uma velocidade insuficiente, geram-se tensões cujo acúmulo culmina com rupturas.

            A legitimidade da ordem jurídica positivada está relacionada ao grau de eficácia que apta a produzir. Quanto mais consentânea à conformação axiológica da sociedade a que serve, maior é sua eficácia e maior é sua institucionalização por este meio social. Daí a necessidade de constante revisão.

            Fruto deste processo foi a reforma penal entabulada em 1984, que com a adoção do finalismo, aproximou o Direito Penal positivo da realidade científica e social então vigente.

            O causalismo correspondia a uma aplicação indevida de métodos científicos das ciências naturais a Direito, ao passo que o finalismo não descura dos aportes da moderna criminologia e, sobretudo, da psicologia.

            A conjunção da teoria finalista da ação com a teoria normativa pura representam, assim, um importante passo na consolidação de um Direito Penal da culpabilidade e de um Direito Penal do fato, impedindo a utilização totalitária da norma penal.

            Mas não podemos olvidar que o finalismo não encerra a evolução da teoria do delito, sendo o nosso papel de estudiosos do Direito prosseguir com a investigação científica, com o debate e com o questionamento na busca de uma só meta: um Direito Penal mais humano, porém eficaz enquanto instrumento de intervenção na realidade social.


Notas

            1 Exposição de motivos da Nova Parte Geral do Código Penal.

            2 Júlio Fabbrini Mirabete. Manual de Direito Penal, 1a ed São Paulo Atlas, 1995, v. 1, p. 100.

            3 Teoria do Delito. Editora Revista dos Tribunais 1998. p. 122.

            4 O Tipo Penal, a Teoria Finalista e a Nova Legislação Penal, Sérgio Antônio Fabris, 1987, p. 32.

            5 Op. cit., p. 32-33.

            6 Princípios Básicos de Direito Penal. 5a ed., São Paulo, Editora Saraiva, 1994, p. 93. Prossegue o insigne penalista, assinalando que: "Essa concepção e respectiva orientação metodológica deram como subproduto, na área penal, o que Welzel denomina sistema clássico de Liszt-Beling-Radbruch, responsável pela divisão da ação humana em dois segmentos distintos: de um lado, o ‘querer interno’ do agente; de outro, o ‘processo causal’ visível, isto é, a conduta corporal do agente e o seu ‘efeito’ ou resultado. Situava-se no injusto o encadeamento causal externo, e, na culpabilidade, todos os elementos subjetivos, isto é, os elementos internos, anímicos, do agente." (Op. et loc. cit)

            7 Teoria do Delito cit., p. 123.

            8 Teoria Geral do Delito, São Paulo, RT, 1997. p. 43. E acrescenta que "em relação aos crimes culposos, a teoria não teve melhor sorte com a compreensão de que o decisivo do injusto nos crimes culposos é o desvalor da ação, a doutrina da ação fica também superada."( Op. et. loc. cit.)

            9 Curso de Direito Penal. Parte Geral, 4a ed., São Paulo, Editora Saraiva, v. 1, 2002, p. 112.

            10 O Tipo Penal, a Teoria Finalista e a Nova Legislação Penal cit., p. 37-38.

            11 Teoria Geral do Delito cit., p. 43.

            12 Princípios Básicos de Direito Penal cit., p. 97.

            13 Manual de Direito Penal cit., p. 100. E conclui: "A conduta realiza-se mediante manifestação da vontade dirigida a um fim. O conteúdo da vontade está na ação, é a vontade dirigida a um fim, e integra a própria conduta e assim deve ser apreciada juridicamente. Em suma, a vontade constitui elemento indispensável à ação típica de qualquer crime, sendo o seu próprio cerne. Isso, entretanto, não tem o condão de deslocar para o âmbito da ação típica, igualmente, o exame do conteúdo de formação dessa vontade, estudo que há de se reservar para a culpabilidade."(Op. cit., p. 101)

            14 Princípios Básicos de Direito Penal cit., p. 99.

            15 Classificação de Walter Coelho. Teoria Geral do Crime. Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris editor, 1998, p. 24.

            16 Op. cit., p. 37. E conclui: "Sem sombra de dúvidas que o novo entendimento é mais lógico e convincente, pois o delito, como conduta típica e ilícita, pode ensejar, como resposta final, tanto a ‘pena’ como a ‘medida de segurança’. Podemos, pois, reafirmar, em perspectiva bem mais acurada e extensiva, que o crime é o fato humano típico e ilícito, em que a culpabilidade é o pressuposto da pena, e a periculosidade o pressuposto da medida de segurança."( Op. et loc. Cit).

            17 Manual cit. p. 96. De notar que a expressão "antijuridicidade" sofre críticas severas, pois o delito não é antijurídico; pelo contrário, espelha exatamente uma hipótese legalmente prevista, tipificada. Melhor utilizar ilicitude. Também Damásio de Jesus acena para a adoção da teoria dualista, excluindo a culpabilidade como requisito para a existência do crime, e aponta como alinhados a esta concepção Celso Delmanto, René Ariel Dotti, José Frederico Marques e Luiz Flávio Gomes (Código Penal Anotado, 5a edição, São Paulo, Saraiva, 1995, p. 30).

            18 Princípios Básicos de Direito Penal cit., p. 80.

            19 Teoria Geral do Delito cit., p. 33.

            20 Cezar Roberto Bitencourt. Teoria Geral do Delito, São Paulo, RT, 1997, p. 41.

            21 Fernando Capez. Curso de Direito Penal. Parte Geral, 4a ed., São Paulo, Editora Saraiva, v. 1, 2002, p.106.

            22 Luiz Luisi. O Tipo Penal, a Teoria Finalista e a Nova Legislação Penal, Porto Alegre, Sérgio Antônio Fabris, 1987, p. 61.

            23 Cezar Roberto Bitencourt. Teoria Geral do Delito, cit, p. 45.

            24 Luiz Luisi. O Tipo Penal, a Teoria Finalista e a Nova Legislação Penal, cit, p. 62.

            25 Teoria do Delito cit., p. 124-125.

            26 Princípios Básicos de Direito Penal cit., p. 97.

            27 Teoria Geral do Delito cit. p. 44-45.Diversamente, Luiz Luisi observa a existência de dois momentos definidos como de natureza volitiva e de natureza cognitiva.

            28 Luiz Luisi. O Tipo Penal, a Teoria Finalista e a Nova Legislação Penal, cit, p. 63.

            29 Op. cit. p. 64.

            30 Cezar Roberto Bitencourt. Teoria Geral do Delito, cit., p.104.

            31 Luiz Luisi. O Tipo Penal, a Teoria Finalista e a Nova Legislação Penal cit., p. 75.

            32 Fernando Capez. Curso de Direito Penal. Parte Geral, cit., p. 114.

            33 Erro de Tipo e Erro de Proibição, 4a ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais 1999, p. 36. E complementa:"Para a teoria psicológica da culpabilidade esta é o liame, o vínculo ou o nexo psicológico que liga o agente ou pelo dolo ou pela culpa ao seu fato típico e antijurídico. Ela é vista num plano puramente naturalístico ou psicológico, desprovido de qualquer valoração e esgota-se na simples constatação da posição do agente perante sua própria conduta."(Op. cit. p. 37) No mesmo diapasão apostila Fernando Capez. Curso de Direito Penal. Parte Geral, cit., p. 270

            34 Teoria Geral do Delito cit., p. 161.

            35 Teoria do Delito cit., p. 123. E conclui que nesta concepção "dolo e culpa são qualidades atribuíveis à ação conforme a natureza do nexo psicológico que une o agente ao evento." (Op. cit., p. 122)

            36 Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal cit., p. 222.

            37 Como lembra Fernando Capez: "A culpa não pode integrar a culpabilidade psicológica porque é normativa, e não psíquica" (Curso de Direito penal cit. p. 270). Cezar Roberto Bitencourt faz a mesma ponderação, asseverando que: "Enfim, a culpa não consiste em algo psicológico, mas em algo normativo: a infração do dever objetivo de cuidado", e acresce quanto à culpa consciente: "Já na culpa consciente, tentava-se explicar seu caráter psicológico considerando a presunção de conhecimento do perigo, onde existiria a previsibilidade, que seria um conceito relacionado ao psicológico. No entanto, a previsibilidade não encerra nenhuma relação psíquica efetiva, mas somente uma mera possibilidade"(Teoria Geral do Delito cit. p. 163 e 162 respectivamente).

            38 Erro de Tipo e Erro de Proibição cit. p. 39-40. Apontamentos semelhantes são feitos por Fernando Capez (Curso cit., p. 270) e Cezar Roberto Bitencourt Teoria Geral do Delito cit., p. 163.

            39 Teoria do Delito cit. p. 127.

            40 Júlio Fabbrini Mirabete. Manual de Direito Penal, cit., p.196.

            41 Erro de Tipo e Erro de Proibição cit., p. 55.

            42 Fernando Capez. Curso de Direito Penal. Parte Geral, cit., p. 272.

            43 Luiz Flávio Gomes. Erro de Tipo e Erro de Proibição, cit., p. 56.

            44 Cezar Roberto Bitencourt. Teoria Geral do Delito, cit., p. 170.

            45 Miguel Reale Júnior. Teoria do Delito. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1998. p. 146.

            46 Op. cit., p. 146.

            47 Idem ibidem. loc. cit.

            48 Teoria Geral do Delito cit., p. 175.

            49 Curso de Direito Penal cit., p. 273. O citado autor chama a atenção para o fato de que: "O agente deve ter condições físicas, psicológicas, morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade. Em outras palavras, imputável não é apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando sobre a própria vontade, de acordo com esse entendimento." (Op. et loc. cit)

            50 Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal, cit.,.. v. 1. p. 211. Fernando Capez. Curso de Direito Penal. Parte Geral, cit., p. 276. Ad cautelam, é de se rememorar que a implementação da maioridade civil aos dezoito anos, consoante o Código Civil vigente, em nada afeta a maioridade penal, embora uma revisão fosse recomendável.

            51 Princípios Básicos de Direito Penal cit., p. 259.

            52 Fernando Capez. Curso de Direito Penal cit., p. 288.

            53 Miguel Reale Júnior. Teoria do Delito cit., p. 147.

            54 Cezar Roberto Bitencourt. Teoria Geral do Delito cit., p. 176.

            55 Miguel Reale Júnior. Teoria do Delito cit., p. 151.

            56 Luiz Flávio Gomes. Erro de Tipo e Erro de Proibição, p. 57.

            57 A possibilidade de invocação da inexigibilidade de conduta diversa embasada em causas extralegais é controvertida na doutrina e na jurisprudência, havendo inclinação pela necessária quesitação quando a tese for submetida a apreciação em tribunal do Júri. A respeito, pertinente uma consulta a LEAL, Saulo Brum. Júri Popular, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 4a ed. 2001. p. 222 e seguintes. De minha parte, manifesto-me contrário à adoção de uma causa de exclusão da culpabilidade extralegal, visto que permite um largo campo de subjetivismo e contribui para a existência de julgamentos contraditórios em casos assemelhados. Melhor solução seria a utilização das circunstâncias que podem ensejar a exclusão por inexigibilidade de conduta diversa na condição de causas extralegais como circunstâncias de dosimetria da pena. De lege ferenda, poderia ser alvitrada uma causa de diminuição de pena.

            58 Francisco de Assis Toledo. Princípios Básicos de Direito Penal cit., p. 104.

            59 Luiz Luisi. O Tipo Penal, a Teoria Finalista e a Nova Legislação Penal cit., p. 34.

            60 Cezar Roberto Bitencourt. Teoria Geral do Delito cit., p. 47.

            61 Fernando Capez. Curso de Direito Penal. Parte Geral cit., p. 118.

            62 Op. cit., p. 118-119.

            63 Júlio Fabbrini Mirabete. Manual de Direito Penal cit., p. 101-102. Segundo esta autor, são partidários da teoria social da ação (da ação socialmente adequada, da adequação social ou normativa), Johannes Wessels, Eberhardt, Engish Jeschesk, Kienapfel Maohofer, Mezger, R. Lange, Oehler, E. A Wolf, Sabatini, Petrocelli, C Fiore, Soler e entre os juristas brasileiros, Miguel Reale Júnior, Nilo Batista e Everardo da Cunha Luna (Op. et loc cit, nota nº 1).

            64 Fernando Capez. Curso de Direito Penal. Parte Geral cit., p. 119. Lembra o autor que no caso da insignificância "o fato é socialmente inadequado, mas considerado atípico dada a sua ínfima lesividade; na adequação social, a conduta deixa de ser punida porque a sociedade não a reputa mais injusta".

            65 Luiz Luisi. O Tipo Penal, a Teoria Finalista e a Nova Legislação Penal cit., p. 34.

            66 Op. cit. p. 35.

            67 Teoria Geral do Delito cit. p. 166. Os autores referidos pelo jurista são, além de Frank, James Goldschimidt, Berthold Freudenthal e Edmund Mezger.

            68 Fernando Capez. Curso de Direito Penal. Parte Geral cit., p. 271. Cezar Roberto Bitencourt. Teoria Geral do Delito cit., p. 166.

            69 Erro de Tipo e Erro de Proibição cit., p. 59.

            70 Cezar Roberto Bitencourt. Teoria Geral do Delito cit., p. 166.

            71 Francisco de Assis Toledo. Princípios Básicos de Direito Penal cit., p. 223.

            72 A respeito, é lapidar a observação de Luiz Flávio Gomes, verbis: "É entre os autores que acolhem o dolus malus (dolo normativo), cuja nota característica consiste em exigir do agente, no momento da conduta, não só a consciência e a vontade de realizar os elementos integrantes do tipo, como também a consciência atual (real) do injusto (teoria do conhecimento) que surgem as teorias do dolo, a estrita, estrema ou estremada (strenge Vorsatztheorie) e a limitada (eingeschrnnkte Vorsatztheorie)"(Erro de Tipo e Erro de Proibição cit., p. 61).

            73 Francisco de Assis Toledo. Princípios Básicos de Direito Penal cit., p. 282.

            74 Op. cit. p. 283.

            75 Cezar Roberto Bitencourt. Teoria Geral do Delito cit., p. 208.

            76 Erro de Tipo e Erro de Proibição cit., p. 67

            77 Luiz Flávio Gomes elenca pelo menos três críticas, invocando apontamentos de Maurach e Welzel. Seriam elas a distinção notória entre dolo e conhecimento da ilicitude, impossibilitando sua reunião sob o mesmo conceito de dolus malus; a dificuldade de aferir-se a consciência atual da ilicitude e o fato de que o dolo pertence à ação e é o objeto da reprovação da culpabilidade e não sua parte integrante (Erro de Tipo e Erro de Proibição cit., p. 69).

            78 Teoria Geral do Delito cit., p. 209-210.

            79 Op. cit., p. 210.

            80 Luiz Luisi. O Tipo Penal, a Teoria Finalista e a Nova Legislação Penal cit., p. 125.

            81 Francisco de Assis Toledo. Princípios Básicos de Direito Penal cit., p. 284.

            82 Fernando Capez. Curso de Direito Penal. Parte Geral cit., p. 272. A propósito, lembra Luiz Flávio Gomes que: "Até mesmo nas várias hipóteses de erro sobre causas justificantes (= discriminantes putativas) há sempre erro de proibição, com conseqüência de excluir ou atenuar a culpabilidade sem afetar o dolo do tipo. Assim, por exemplo, na legítima defesa putativa, atua o agente com dolo sempre: se seu erro era plenamente justificado pelas circunstâncias (escusável) não há culpabilidade e, em conseqüência, não há responsabilidade penal; de outro lado, se o erro era vencível, inescusável (=erro que deriva de culpa), há a culpabilidade e a teoria em destaque sustenta que nesta hipótese subsiste a responsabilidade penal pelo tipo doloso, com possibilidade de redução da pena do crime doloso. É impossível, de acordo com a teoria extremada da culpabilidade, a condenação do agente por crime culposo" (Erro de Tipo e Erro de Proibição cit., p. 93).

            83 Cezar Roberto Bitencourt. Teoria Geral do Delito cit., p. 210.

            84 O erro de proibição em causas de justificação ou excludentes da ilicitude pode ser direto ou indireto. O erro de proibição indireto nestes casos também é denominado de "erro de permissão", terminologia atribuída a Jescheck. No erro de proibição direito, o agente não conhece a norma penal punitiva, a considera inaplicável ou não vigente (Luiz Flávio Gomes. Erro de Tipo e Erro de Proibição, 4a edição, São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 133). No caso do erro de proibição indireto, ou de permissão, o equívoco incide "sobre a norma permissiva, ou seja, sobre sua existência, sobre sua natureza, sobre sua abrangência ou sobre os seus requisitos, o erro incidirá sobre a própria norma" (Cezar Roberto Bitencourt. Teoria Geral do Delito cit., p. 230).

            85 Exposição de motivos da parte geral do Código Penal, item 17.

            86 Cezar Roberto Bitencourt. Teoria Geral do Delito cit., p. 43.

            87 Curso de Direito Penal. Parte Geral cit., p. 113. Acrescenta, ainda: "Partindo desse pressuposto, distinguiu-se a finalidade da causalidade, para, em seguida, concluir-se que não existe conduta típica sem vontade e finalidade, e que não é possível separar-se o dolo e a culpa da conduta típica, como se fossem fenômenos distintos", e conclui: "Não se pode mais aceitar a existência de crimes, ignorando a vontade, como se as pessoas não fossem dotadas de razão e de livre-arbítrio e como se todos os resultados, a priori, fossem idênticos. Não existe conduta relevante para o Direito Penal se não for animada pela vontade humana" (Op. et loc. cit.).

            88 Op. cit., p. 120. Igualmente correta a sua conclusão de que: "Em um Estado de Direito deve existir a opinabilidade, mas não a transposição desta expressividade a um ordenamento confiado, por razões de seguridade jurídica e de distribuição funcional do trabalho social, a um órgão específico como é o poder judiciário".

            89 Francisco de Assis Toledo. Princípios Básicos de Direito Penal cit., p. 102. E acresce o festejado jurista: "Mas, ainda aqui, mesmo que assim não fora, inexistiriam maiores problemas para o finalismo, pois, conforme observou agudamente Bockelmann, um de seus críticos, se há dificuldades, na teoria finalista, para subordinar a ação dolosa e culposa a um conceito superior, unitário, o mesmo ocorre nos demais sistemas, pois a natureza oposta do dolo e da culpa não deixa de provocar as mesmas dificuldades em todas as teorias". Conclui o autor mencionando comportamento que deveriam ser "finalisticamente evitados", expressão que sintetiza lapidarmente a aplicação do finalismo ao delito culposo.

            90 Teoria Geral do Delito cit., p. 46.

            91 O Tipo Penal, a Teoria Finalista e a Nova Legislação Penal cit., p. 84. E adiante complementa, retomando a temática da presença de uma ação finalista no delito culposo: "Uma atividade finalista, como se demonstrou, está obrigatoriamente na base do delito culposo. Sem ela, aliás, é inviável qualquer forma de fato delituoso. Porém, este tipo delituoso, ou seja, o tipo culposo, implica uma conduta que na sua concreção não realiza o fim a que se propôs, por ter sido realizada com negligência, imprudência ou imperícia."(Op. cit., p. 99)

            92 Teoria do Delito cit., p. 144.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A estrutura conceitual do delito e o finalismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 710, 15 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6868. Acesso em: 24 abr. 2024.