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Prescrição na execução fiscal

Possibilidade de sua argüição em sede de exceção de pré-executividade

Prescrição na execução fiscal: Possibilidade de sua argüição em sede de exceção de pré-executividade

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1. Primeiras Linhas

Inicialmente, importa explicitar o interesse das presentes linhas, que visam chamar a atenção para a possibilidade de se argüir prescrição do crédito tributário, ou daqueles a ele equiparado, por meio do conhecido expediente de defesa de pré-executividade no bojo da ação de execução fiscal.

Sabe-se que a Lei 6.830/80 (A Lei de Execuções Fiscais) regula o procedimento das execuções de maior interesse da Administração Pública. Este diploma legal estabelece, por conta de seu art. 16, o "único" meio de impugnação do título executivo: os embargos de executado. Todavia, é de se observar, o §1º, do mesmo art. 16, fixa, como pressuposto de conhecimento dos embargos, a prévia garantia do juízo com o montante integral da dívida em execução.

Diante do que se expôs até aqui, resulta que, por exigência legal, por mais nulo ou inexigível seja o título, para que o contribuinte se defenda da pretensão executiva da Fazenda é imperativo ver-se privado de seu patrimônio, de forma a satisfazer o preceito contido no §1º do art. 16 da Lei 6.830/80 e, somente assim, ter sua demanda cognitiva de embargos do executado admitida e analisada em seu mérito.

Assim, no afirmado acima é que reside o proveito de se estudar a possibilidade que tem o contribuinte de defender-se de um título executivo, cujo crédito esteja prescrito e, portanto, inexigível, sem que se faça necessária a constrição patrimonial exigida para a propositura regular dos embargos de executado.


2. Breves esclarecimentos acerca do instituto da Exceção de Pré-Executividade

É sabido e consabido que o uso da exceção de pré-executividade como modalidade de defesa dos executados foi francamente abraçado após o célebre caso da Companhia Siderúrgica Mannesman, no qual o saudoso Mestre Pontes de Miranda (1974, p. 128), ao elaborar brilhante parecer, percebeu a possibilidade de se argüir, através de simples petição, a ausência de um dos elementos de constituição válida do título executivo, levando ao conhecimento do juízo matéria que normalmente seria detectável quando da análise dos pressupostos e condições da ação. A pedra de toque desse expediente de defesa é o fato de se frustrar a pretensão executiva por meio de mera petição, sem a injusta constrição patrimonial exigida pela sistemática dos embargos, trazendo ao conhecimento do juízo matéria que poderia/deveria ser conhecida de ofício.

O Código de Processo Civil, precisamente em seu art. 586, prediz os elementos inerentes aos títulos executivos. Nesse passo, são elementos essenciais ao título executivo: a liquidez, certeza e exigibilidade. Por certo, é dever do juiz, ao realizar juízo de admissibilidade da ação de execução, verificar a existência ou não de todas aquelas qualidades do título, sem as quais impossível se faz o exercício da pretensão executiva.

Pois bem. Nada obstante o comando legal, não se pode ter dúvida de que, para que haja título executivo líquido, certo e exigível, é imprescindível que o pretenso crédito tributário seja igualmente exigível. Não o sendo, ceifado estará um dos elementos do título posto em execução, qual seja, a exigibilidade. Exemplo clássico do que se diz são as hipóteses de decadência, instituto que, em ocorrendo, fulmina o direito material, ou seja, extingue o próprio crédito, tornando-o inexigível/inexeqüível pelo credor, pois não há o que se exigir.

Prosseguindo no raciocínio que se pretende erigir, o art. 598, do Código de Processo Civil, dispõe que as normas que regulam o processo de conhecimento, naquilo em que não forem conflitantes, aplicam-se ao processo de execução. Por seu turno, o art. 295, inciso IV, do mesmo diploma em estudo, autoriza ao juiz o indeferimento liminar da petição inicial quando verificar a ocorrência de decadência e prescrição, devendo, por conseguinte, extinguir o processo com decisão de mérito. Portanto, aqui estamos diante da matéria reconhecível de ofício pelo juiz e que interessa ao presente estudo.

Contudo, não se pode olvidar o art. 219, §5º, daquele mesmo diploma processual, que estabelece exceção à regra. Ou seja, em regra, é poder/dever do juiz, em reconhecendo a prescrição, decretá-la de ofício, salvo apenas quando se tratar de direitos patrimoniais. Com isso, conclui-se pela possibilidade de ser matéria de exceção de pré-executividade, em princípio, a decadência e a prescrição, ressalvada, nesta última, as hipóteses em que se litigue por direitos patrimoniais. Portanto, não se trata de vedação ao conhecimento da prescrição pura e simples, mas proteção ao patrimônio dos particulares.

Entretanto, como haverá de se demonstrar adiante, a exceção aplicável à prescrição no Código de Processo Civil não se aplica ao processo de execução fiscal quanto à impossibilidade de seu conhecimento em exceção de pré-executividade, seja em razão dos efeitos da prescrição nas relações de direito tributário, seja por força de princípios constitucionais que orientam a atividade da administração pública.

No mais, importa elucidar que na particular hipótese da execução fiscal, a denominada exceção de pré-executividade não se inclui no conceito proibitivo do §3º, do art. 16 da Lei nº 6.830/80. O vocábulo ‘exceção’ empregado para denominar a modalidade de defesa em análise é significante que merece ser entendido em seu sentido amplo, não podendo ser confundido com as ‘exceções’ previstas na legislação processual em vigor, especificamente no art. 304 do Código de Processo Civil. Há, inclusive, aqueles que criticam a denominação dada, entendendo que o conceito técnico e mais apropriado para a exceção de pré-executividade é, em razão de suas características, objeção de pré-executividade.

Isso porque, as exceções propriamente ditas tratam de matérias dependentes, necessariamente, de provocação da parte. Já as objeções têm conteúdo que o juiz pode/deve conhecer de ofício. Esta, como vimos, a razão de ser da exceção de pré-executividade, trazer ao juiz questões de ordem pública que objetam processual ou materialmente a execução. Portanto, a exceção de pré-executividade tem natureza de objeção, devendo o termo exceção utilizado, para aqueles que o defendem, ser entendido sem o rigor técnico que a expressão pode carregar, mas sim como menção ao fato de que tal instituto encerra um expediente de defesa.

Aliás, mesmo na sistemática do Código de Processo Civil, as exceções, institutos aos quais, inclusive, a Lei de Execuções Fiscais fez remissão, foram genericamente nominadas de maneira atécnica pelo legislador, pois este usou o gênero para denominar espécies distintas. De toda sorte, verdade é que o conceito de exceção previsto no vigente Código de Processo Civil, bem como o encontrado na Lei de Execuções Fiscais, não se confunde com a defesa de pré-executividade, que, portanto, passa ao largo da vedação aqui combatida. Apóiam tal conclusão os dizeres de Alberto Camiña, que ao tratar do assunto registra:

"Evidentemente essa noção não se presta ao instituto ora em estudo (Exceção de Pré-Executividade). Em primeiro lugar a exceção de suspeição e a de incompetência relativa nada têm que ver com exceção de pré-executividade. Em segundo lugar, porque incompetência absoluta e impedimento, mesmo dentro da técnica do Código de Processo Civil, não são exceções, mas temas próprios da chamada objeção processual." (2000, p. 38)

Com isso, refuta-se o argumento de que a Lei de Execuções Fiscais, ao prever a vedação ao uso das exceções no processo de execução fiscal, teria afastado a possibilidade da utilização do expediente de defesa de pré-executividade ora em análise. Assim, ultrapassada essa discussão, vejamos os efeitos da prescrição e suas conseqüências no que tange à exceção de pré-executividade.


3. Momento processual para a apresentação da Exceção de Pré-Executividade

A doutrina e a jurisprudência têm se preocupado em determinar qual ou quais seriam os momentos oportunos para o manejo da exceção de pré-executividade. Rodrigo Dalla Pria, defendendo uma sistemática lógica de positivação da norma jurídico-tributária, afirma que existem momentos específicos para que determinados instrumentos processuais possam surtir regularmente seus efeitos. Com isso, afirma o autor, diante do estágio de positivação da norma jurídica, o único momento em que a exceção de pré-executividade estaria apta a produzir seus efeitos seria antes da citação em execução. Ultrapassado esse momento, toda e qualquer matéria a ser alegada em defesa do executado deveria ser veiculada na ação de embargos (CONRADO, 2003, p. 65).

Em razão de a legislação dispor que nos embargos deve ser alegada toda a matéria útil à defesa do executado (art. 16, §2º, da Lei 6.830/80), é possível entender-se que após o prazo para a apresentação dos embargos não se poderia mais fazer uso da exceção de pré-executividade. Alega-se que faltaria interesse. Entretanto, quando se trata de matéria de ordem pública, objeto próprio da exceção de pré-executividade, não é apenas o interesse dos litigantes que se busca resguardar, mas toda a ordem jurídica, vez que há interesse público em que não se permita a prática de atos nulos com os quais não poderá conviver a segurança jurídica.

É claro, entretanto, que havendo sentença trânsita em julgado na ação de embargos não se poderá pretender que a petição de exceção de pré-executividade tenha o condão de desconstituí-la, eis que para isso existem instrumentos e procedimentos apropriados. Mas considerando a natureza da exceção de pré-executividade, bem como as matérias possíveis de serem por ela objetadas, não há que se cogitar de interesse da parte em apresentá-la como requisito de admissibilidade. Em verdade, interesse sempre existirá, pois este se consubstancia na escorreita aplicação das normas do sistema jurídico sem o que sua integridade restará comprometida.

Além do mais, os embargos de executado afiguram-se como ação autônoma, podendo conviver com a exceção de pré-executividade apresentada na ação de execução. Tanto é assim, que a apresentação da exceção de pré-executividade não interfere no prazo para a oposição dos embargos de executado, que continua normalmente a fluir.

Entendimento semelhante encontra-se nos dizeres de Alberto Camiña, em textual:

"Embargos do executado e exceção de pré-executividade convivem harmonicamente no sistema processual: a) o emprego de uma das vias não exclui a outra; b) os dois institutos podem ser manejados concomitantemente; c) apreciada a exceção, é possível o ajuizamento dos embargos; d) ajuizados os embargos, e julgados no mérito, é possível, ainda, intentar a exceção para argüição de razão omissa nos embargos; e) extemporâneos os embargos, cabível a exceção de pré-executividade". (2000, p. 221)

Do exposto, portanto, conclui-se que, sendo dever do Estado-juiz zelar pela aplicação das normas jurídicas procedimentais e diante do interesse público em ver a definitiva solução dos conflitos, sem mácula de nulidades, a oposição de matérias de ordem pública através da exceção de pré-executividade não podem encontrar óbice algum quanto ao seu conhecimento, ressalvada exclusivamente a coisa julgada. Logo, é cabível a exceção de pré-executividade, após o ajuizamento da execução, antes da citação e após a citação, durante o prazo para embargos e mesmo após a prolação de sentença e ainda que, eventualmente, tenha sido matéria de preliminar dos embargos, desde que antes do trânsito em julgado da sentença.


4. Possibilidade de conhecimento ex officio de alegação de prescrição do crédito em sede de execução fiscal: Prescrição no Direito Tributário Vs. Prescrição no Direito Privado

Fixadas essas premissas, nada obstante a vedação legal de reconhecimento da prescrição de ofício pelo juiz quando se tratar de direitos patrimoniais, as relações jurídicas de direito tributário são de natureza bem diferente daquelas relações entre particulares. Destacam-se, entre outras, o efeito que tem o instituto da prescrição numa e noutra relação jurídica, bem como os sujeitos das relações, mormente quanto ao sujeito ativo detentor do crédito, no caso, o Estado.

A vedação que o Código de Processo Civil faz em relação à possibilidade de conhecimento da prescrição de ofício pelo juiz, quando se tratar de direitos patrimoniais, existe em razão de que a prescrição no direito civil, como maciça doutrina vem afirmando, e a Lei 10.406/2002 veio confirmar em seu art. 189, atinge o direito à pretensão. Ou seja, o direito material ao crédito permanece incólume aos efeitos da prescrição, ficando apenas o credor impedido de buscar perante o Estado-juiz a satisfação de seu crédito. Tanto é assim, que mesmo prescrito o crédito, admite-se que, em não sendo alegada a prescrição oportunamente pelo executado, a execução prossiga e o credor veja seu crédito satisfeito. Resta, portanto, bastante claro, que somente é possível essa hipótese em razão do reconhecimento de que a prescrição não afeta o direito material ao crédito, senão a prescrição nunca seria renunciável e não se admitiria o "indevido" enriquecimento do credor, ao contrário do que ocorre. Nesse sentido, Antonio Luiz da Câmara Leal já afirmava a distinção defendida linhas acima, denotando os efeitos da prescrição da seguinte forma:

"Diante de tão clara elucidação, teremos que reconhecer que a prescrição só pode ter por objeto a ação, e não o direito, posto que este sofra também os seus efeitos, porque ela, extinguindo a ação, o torna inoperante.

Esse fenômeno, porém, não é um efeito direto e imediato da prescrição, mas uma conseqüência da extinção da ação, e pode, em certos casos, deixar de verificar-se. É assim que os direitos creditórios, resultantes de títulos cambiais, sobrevivem à prescrição da ação executiva conferida a esses títulos, podendo ser exigidos por meio de ação ordinária, depois de extinta, pela prescrição, a ação executiva." (1959, p. 25)

Diferentemente, temos a decadência que, em razão de macular o direito material ao crédito, pode ser oposta a qualquer momento contra a pretensão do credor, impedindo o pré-falado enriquecimento indevido.

A vedação proposta pelo legislador, visando a impedir que o juiz decrete, sem provocação da parte, a prescrição numa relação jurídica de direito privado, é conseqüência inerente ao direito à propriedade, devendo ser defeso que um terceiro, estranho à lide, como é o caso do Estado representado pelo juiz, interfira imotivadamente no patrimônio dos litigantes, ainda mais porque o direito material ao crédito, como se afirmou anteriormente, resistiu à prescrição. Noutras palavras, o credor ainda possui direito ao crédito, com a prescrição apenas fica sem direito à pretensão, razão pela qual não pode o juiz interferir naquela relação patrimonial, cabendo unicamente ao devedor opor-se à intenção creditícia do credor alegando em seu favor a prescrição.

Ainda Antonio Luiz da Câmara Leal, após afirmar em sua obra o caráter patrimonial do instituto da prescrição, pois representa proveito econômico ao prescribente, conclui:

"Deixando, pois, o legislador ao prescribente a liberdade de utilizar-se, ou não, do beneficio da prescrição, permitindo-lhe renunciá-la expressa ou tacitamente, não podia conferir ao juiz uma autoridade incompatível com essa liberdade, investindo-o do poder de decretar a prescrição contra a vontade do beneficiário, ou diante da presunção de sua renúncia pela não-argüição. Daí a regra, muito logicamente estatuída, de que a prescrição, como beneficio que é, depende de ser invocada pelo prescribente, para ser conhecida e julgada pelo juiz, porque invito beneficium non datur." (1959, p. 93-94)

Nesse cenário, tem-se defendido que a prescrição na execução fiscal não poderia ser conhecida de ofício pelo juiz por se tratar de direito patrimonial, mas, inobstante isso, deve ser acolhida em exceção de pré-executividade para impedir o prolongamento desnecessário do litígio, privilegiando, assim, o princípio da economia processual [01]. Contudo, não deve ser esse o entendimento a prosperar, eis que não promove a integração e coerência tão necessárias ao sistema jurídico.

Nessa linha de convicções, importa ressaltar que os efeitos da prescrição no direito tributário são bem diversos daqueles no âmbito do direito civil. No direito tributário, a prescrição atinge não só a pretensão ao crédito, mas também o próprio crédito, o direito material em si.

Como se pode observar, o art. 156, inciso V, do Código Tributário Nacional, dispõe, expressamente, que a prescrição fulmina a existência do crédito tributário, inexistindo assim relação jurídica de direito material entre devedor e credor após o decurso do prazo prescricional. Conclusões semelhante a doutrina já assentou, pois com relação a decadência não se tem maiores dificuldades em aceitar sua alegação em sede de exceção de pré-executividade. Nessa direção de pensamentos já lecionou Alberto Camiña Moreira:

"No campo do direito tributário, porém, o direito positivo reconhece a decadência como forma de extinção do crédito (art. 172 do CTN); assim, esse meio extintivo pode ter repercussão no processo de execução fiscal. Que a matéria pode ser alegada por meio de embargos é fora de dúvida. Mister verificar se pode ser aduzida por meio de exceção de pré-executividade.

É quase unânime, entre nós, o entendimento de que a decadência pode ser conhecida de ofício pelo juiz. Nesse sentido, escreveu Clito Fornaciari Júnior que o juiz pode indeferir a petição inicial da execução fiscal se verificar ter ocorrido a decadência, verificação essa feita de ofício, o que justifica a utilização pelo próprio executado, por meio de exceção de pré-executividade." (2000, p. 175)

É curioso notar, todavia, que se aceitou apenas a decadência como matéria tributária argüível em exceção de pré-executividade quando, deveras, a prescrição encontra-se no mesmo dispositivo legal e a ela se atribuiu igual tratamento e efeitos no tocante a extinção do crédito tributário. A esse propósito, inclusive, Danilo Knijnik, citando Calmon de Passos, deixou assente o posicionamento de que toda causa de extinção do crédito tributário deve ser conhecível de ofício pelo juízo da execução e, portanto, argüível em sede de exceção de pré-executividade. Em textual:

"No estabelecimento destas objeções materiais, CALMON DE PASSOS afirma que "no campo do direito material, constituem exceções os fatos extintivos e impeditivos que não alcançam o direito do autor na sua essência; não podem ser considerados de oficio pelo juiz, sob pena de burla ao principio dispositivo. Já os que atingem o direito na sua essência, os que o extinguem, são objeções e devem ser considerados de oficio, independentemente de regra expressa que a isso autorize."" (2001, p. 179)

Para demonstrar não ser voz solitária o entendimento aqui esposado, recorra-se às sempre valiosas palavras do professor Hugo de Brito Machado:

"Nos termos do art. 156, inciso V, do Código Tributário Nacional, a prescrição e a decadência extinguem o credito tributário. Se extinto o crédito, inexistente este, é evidente que a execução não pode ser admitida. Tal circunstância pode também ser alegada no juízo de admissibilidade, independentemente de penhora.

Repita-se que a tese segundo a qual não se pode admitir a alegação de prescrição, na denominada exceção de pré-executividade, funda-se no argumento de que se trata de matéria concernente ao mérito. Tal restrição nós afastamos ao sustentar, como sustentamos, que a defesa formulada antes da penhora não configura exceção, mas um questionamento da admissibilidade da execução.

Se não aceitarmos a alegação de prescrição, não teremos como aceitar a alegação de pagamento, que é a defesa mais freqüente, e mais amplamente aceita no juízo de admissibilidade, até porque seria verdadeiro absurdo rejeitá-la." (v. 22, 1997, p. 20-21)

Diga-se, por oportuno, que a legislação tributária, consoante dispõe o art. 109 do Código Tributário Nacional, estabelecendo que os efeitos dos institutos de direito privado no direito tributário não são necessariamente equivalentes, parece autorizar o que se diz no presente estudo. Assim, o instituto da prescrição permanece íntegro em seu delineamento há muito construído pela doutrina civilista. Ocorre, entrementes, que nas relações de direito tributário, por força de lei, os efeitos deste instituto ganham nova roupagem e são capazes de não só alcançar a pretensão, mas também o direito em si, ex vi do art. 156, inciso V, do Código Tributário Nacional.

Ainda, Paulo de Barros já ressaltou os efeitos da prescrição no direito tributário, externando o equívoco que há em não se entender que, como com a decadência, a prescrição extingue o crédito tributário:

"Outro deplorável equívoco repousa na teoria perante a qual, sendo paga uma dívida caduca, terá cabimento a repetição, porque desaparecera o direito do sujeito ativo (isto é, o crédito). Contudo, tratando-se de débitos prescritos, não caberia a restituição, porquanto, embora houvesse perecido a ação, o sujeito pretensor continuava titular do direito. De qualquer ângulo pelo qual se examinem as duas situações, o nexo obrigacional estará extinto. Até o Código Tributário o reconhece, catalogando o instituto entre as formas extintivas." (2004, p. 471)

Por essa razão, em vista do particular efeito da prescrição no direito tributário, inexistindo direito ao crédito por parte da Fazenda, exatamente como nas hipóteses de decadência, é perfeitamente possível a argüição da prescrição em sede de exceção de pré-executividade ou, para os que preferem, objeção material de pré-executividade.


5. Possibilidade de conhecimento ex officio de alegação de prescrição do crédito em sede de execução fiscal: Ofensa ao Princípio da Moralidade

Demonstrada a possibilidade de reconhecer-se de ofício a prescrição do crédito tributário, em razão de os efeitos da prescrição nessa seara atingirem irremediavelmente o direito material, a verdade é que não só esse argumento milita em favor de tal abertura para o uso da exceção de pré-executividade.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, passou a integrar o corpo do art. 37 da Constituição Federal, como norteador vinculante da atividade da administração pública, o princípio da moralidade administrativa. Este princípio veio ao ordenamento jurídico não apenas para complementar o princípio da legalidade, mas exigir do comportamento da administração pública e de seus agentes conduta objetivamente comprometida com a moralidade.

Importa, destarte, traçar o alcance do princípio da moralidade para demonstrar sua pertinência ao assunto em debate. Nesse passo, é mister trazer à baila a crítica feita por Hugo de Brito ao senso comum doutrinário acerca do seu alcance, afirmando que "os vários doutrinadores reproduzem lição de Maurice Hauriou, segundo a qual a moralidade administrativa deve ser entendida como "o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da administração"" (MARTINS, 1998, p. 63).

É de se acatar a relevância da crítica acima reproduzida, pois não se pode crer em tamanha redução do espectro do princípio da moralidade, quase o reduzindo ao pré-existente princípio da legalidade e tornando-o mera redundância ineficaz do texto constitucional. O princípio da moralidade, bem a propósito mencionado após o princípio da legalidade, diz mais que isso. É comando imperativo que exige a moralidade objetiva do Estado no exercício de sua função social. Não apenas no cumprimento das leis, mas inclusive na feitura dessas, e mais, exige-se moralidade na prática de atos em suas relações com os particulares, os cidadãos, no cumprimento de contratos, no fornecimento de serviços e, ainda, nos processos administrativos e judiciais em que for parte.

Essa a conclusão em que o mesmo autor deságua seus ensinamentos e que, por insuperável brilhantismo, transcreve-se:

"A moralidade administrativa, portanto, já não deve ser entendida como o conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interna da Administração Pública. Pelo menos se como disciplina interior se entende aquela elaborada no interesse do Estado-administração, interesse público secundário que não coincide necessariamente com o interesse público primário, ou interesse do povo. No dizer de Cármen Lúcia, "o Estado não é fonte de uma Moral segundo suas próprias razões, como se fosse um fim e a sociedade um meio. O Estado é a pessoa criada pelo homem para realizar os seus fins numa convivência política harmônica. Quando e onde o Estado arvora-se em fonte de uma Moral e transforma-se em um fim, não há, ali, qualquer Moral prevalecendo, pela circunstância de que ali se estará a aplicar regras antidemocráticas, de voluntarismo do eventual detentor do Poder, sem preocupação com o ideário jurídico da sociedade"" (MARTINS, 1998, p. 64)

O Estado, nas relações com os particulares, estará sempre em situação de superioridade, sendo certo que, ao se valer dessa superioridade para praticar atos contra os interesses primários da sociedade (vedação ao enriquecimento sem causa) em prol de interesses secundários da administração (necessidade arrecadatória) estará atuando em dissonância com o princípio da moralidade.

Sendo marcante o campo de atuação do princípio da moralidade, que bem ao contrário deve ser interpretado de forma ampla a fim de garantir estabilidade jurídico-social aos cidadãos que legitimam a atuação do Estado, não se pode ter dúvida de que, p.ex., a cobrança de tributos que a administração sabia/deveria saber serem indevidos fira inequivocamente o princípio da moralidade. Semelhantes são os dizeres de José Eduardo Soares de Melo, para quem "arranha, ainda, o princípio da moralidade, o ajuizamento de executivo fiscal após o contribuinte haver efetuado depósitos (administrativo ou judicial), pertinentes a medidas cautelares, ações declaratórias, anulatórias, consignatórias e mandados de segurança" (MARTINS, 1998, p. 107).

Noutro giro, mas no mesmo sentido, muitas vozes se indignariam com situação em que o Fisco viesse a executar tributo já pago pelo contribuinte, o que certamente agride ao princípio da moralidade. Porém, a hipótese de tributo pago não se distingue da situação em que o Fisco pretenda exigir tributo inexistente, ou igualmente extinto, merecendo a mesma reprovação, portanto, a execução de tributo afetado pela prescrição tributária.

Como que num alinhamento proposital de idéias, foi de grande felicidade a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no julgamento dos embargos de declaração em Apelação Cível, processo nº 2002.02.01.000437-7, publicado no D.J. de 29/10/2002, página 259, no qual funcionou como relator o ilustre Juiz Federal Ney Fonseca e que resume em algumas linhas todo o pensamento do presente trabalho:

"ADMINISTRATIVO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - EXECUÇÃO FISCAL - POSSIBILIDADE DA DECRETAÇÃO DE OFÍCIO DA PRESCRIÇÃO - ARTIGO 174 DO CTN - HIPÓTESE DE EXTINÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO - ATINGIMENTO DO FUNDO DE DIREITO - COBRANÇA INDEVIDA - MÁCULA AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE.

I - A cobrança de tributo pela Administração Pública que se encontra prescrito traduz mácula ao princípio da moralidade administrativa, vez que se permitiria ao agente lançar e cobrar crédito inexistente.

II - A decretação da prescrição de ofício não só impede a cobrança de crédito extinto, como também que o contribuinte pagando venha a propor a ação de repetição do indébito.

III - Embargos de declaração improvidos."

Em seu voto, o eminente Relator expôs:

"A prescrição no campo de direito privado, regulado pelo Código Civil e Processual Civil, nos artigos 166 e 219 § 5º, tem por fim regular relações jurídicas patrimoniais disponíveis entre pessoas que se encontram em igual plano de igualdade, decorrendo daí a impossibilidade de sua declaração de ofício.

Diversamente, ocorre no campo do Direito Público, vez que a Administração Pública guarda obediência ao princípio da moralidade (art. 37 da CF/88), que impõe ao administrador conduta, de molde que o ato administrativo por ele praticado guarde fundamento de validade.

Neste sentido, observa-se que a prescrição tributária, prevista no artigo 174 do CTN, atinge a própria relação jurídica de direito material, resultando na extinção do crédito tributário (art. 156 do CTN).

Assim sendo, ao se permitir ao servidor público que faça a cobrança de tributo que sabe ou deveria saber indevido, vez que prescrito, tem-se que tal ato, no âmbito da Administração, será tido como inválido, ante ofensa ao princípio da moralidade, instituído no artigo 37 da Constituição Federal, razão pela qual se torna possível a sua decretação de ofício."

Aliás, é de reconhecer-se que o pagamento de tributo prescrito configura, sem sombra de dúvidas, pagamento indevido, razão pela qual nasce direito de repetição para o contribuinte. Para firmar esse posicionamento serve-se do trecho da ementa do acórdão citado alhures, segundo o qual "a decretação da prescrição de ofício não só impede a cobrança de crédito extinto, como também que o contribuinte pagando venha a propor a ação de repetição do indébito". Essa conclusão, que decorre do fato de que crédito tributário prescrito é crédito inexistente, é imperativa por força do princípio da moralidade administrativa, que repele a idéia de que a Administração Pública possa enriquecer-se indevidamente às expensas do cidadão. Em última análise, é dever do Poder Público, portanto, sob pena de ferir-se a moralidade administrativa, evitar o enriquecimento sem causa dos cofres públicos em detrimento do patrimônio do particular.

Partindo-se da premissa, aparentemente sustentável, de que o crédito tributário prescrito é inexistente e de que eventual pagamento espontâneo afigura-se como indevido e repetido deve ser, resulta óbvio que sua exigência por parte do ente público tributante encerra agressão ao princípio constitucional da moralidade administrativa. Até porque, seria ilógico admitir-se ser indevido o pagamento de tributo prescrito, acatando-se tese segundo a qual há a possibilidade de repetição do tributo prescrito pago, e, numa contra-mão de idéias, permitir-se que haja execução fiscal com base em título com crédito prescrito. Ou pior, exigir do executado, para defender-se, o depósito do montante integral em execução fundada em título representativo de crédito inexistente/prescrito.

Portanto, permitir-se a execução nesses moldes, e ainda, exigir-se que o contribuinte, para defender-se dessa atividade executiva vazia de fundamento jurídico, tenha que dispor de seu patrimônio para alegar em embargos de executado a prescrição afronta, inequivocamente, a lealdade e honestidade que se espera da administração pública, invertendo a ordem das coisas, vez que o Estado deve ser meio e não fim da sociedade. Ainda mais se imaginar hipótese em que o contribuinte executado injustamente tenha patrimônio insuficiente para a garantia do juízo. Em suma, tal situação não parece poder prosperar ao confronto com o princípio constitucional da moralidade administrativa.


6. Conclusão

Reconhecendo-se a relativa autonomia das normas de direito tributário, demonstrou-se que os efeitos da prescrição nesta seara não são os mesmos daqueles emanados pelo mesmo instituto no campo do direito civil. Essa constatação implica em importante corolário, qual seja a possibilidade de se incluir no rol de matérias argüíveis em sede de exceção de pré-executividade, especialmente quando se tratar de execução fiscal, a prescrição.

A prescrição, nas relações de direito tributário, tem o condão de extinguir o crédito tributário, esvaziando a pretensão da Fazenda de ajuizar ação de execução com base em título executivo representativo de crédito prescrito. Todavia, se por qualquer razão venha a ser ajuizada ação de execução fiscal nos moldes acima referidos, o contribuinte não estará obrigado a sofrer a injusta constrição patrimonial prevista na sistemática dos embargos de executado, depositando o montante integral em execução. Isso porque, nesses casos, a alegação de prescrição mostra-se apta a ser reconhecida de ofício pelo juiz, o que autoriza sua oposição em exceção de pré-executividade.

Ademais, inexistindo crédito tributário prescrito, como inexiste, sua execução em face do cidadão, caso provoque algum tipo de constrangimento patrimonial, seja pelo efetivo pagamento ao final da execução seja pela exigência de garantia do juízo, malfere o princípio constitucional da moralidade administrativa na medida exata em que agride a lealdade e honestidade que se espera do administrador, bem como promove o indevido enriquecimento dos cofres públicos em detrimento do patrimônio dos particulares.

Por todas essas razões, não se pode admitir o prosseguimento da execução fiscal fundada em título representativo de crédito prescrito, sendo imperativo, quando comprovada a prescrição, o conhecimento da exceção de pré-executividade, a qualquer tempo na execução fiscal, salvo a existência de coisa julgada, com a conseqüente extinção da execução.


Bibliografia:

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

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NOTAS

01 PROCESSUAL CIVIL – EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – PRESCRIÇÃO – TERMO A QUO: DO DESPACHO QUE DETERMINA A CITAÇÃO (ART. 8º, § 2º, DA LEF) OU DA DATA DA CITAÇÃO (ART. 219 DO CPC E ART. 174, § ÚNICO, DO CTN).

1. A exceção de pré-executividade, como defesa excepcional, não tem o condão de substituir os embargos, ação própria para o executado formular sua impugnação.

2. A exceção de pré-executividade limita-se às objeções que, por serem de ordem pública, podem ser decretadas de ofício pelo julgador.

3. Prescrição não é objeção e, em princípio, não poderia ser argüida, senão via embargos, tolerando-se a via escolhida, exceção, em nome do princípio da economia processual.

4. A jurisprudência do STJ, após divergências, pacificou-se no sentido de admitir como termo a quo para a contagem da prescrição a data da citação, como estabelecido no CTN, no CPC e no CC, afastando-se o rigor da LEF, que indica a data do despacho que ordena a citação.

5. Recurso especial desprovido. (Resp. nº 437.183, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, julgado em 04/05/2004)


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CASSES, Rafael Fiuza. Prescrição na execução fiscal: Possibilidade de sua argüição em sede de exceção de pré-executividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 708, 13 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6879. Acesso em: 19 abr. 2024.