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Análise econômica do direito e as políticas públicas ambientais

Análise econômica do direito e as políticas públicas ambientais

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Examinam-se quais os critérios ambientais definidores dos novos parâmetros de financiamento das políticas públicas ambientais, a partir da obra "Ações ambientais afirmativas", de Edival Braga.

A Análise Econômica do Direito (AED) visa promover uma discussão mais técnica acerca das proposições legislativas e das políticas públicas em geral. Ao explorar a interdisciplinaridade que há entre Direito, Economia e Ciência Política, esta abordagem assume como premissa que os indivíduos comportam-se de forma racional, sempre reagindo a incentivos para maximizar os próprios benefícios. É com fundamento na AED que Edival Braga apresenta a obra, ora resenhada, "Ações Ambientais Afirmativas", fruto de sua dissertação de mestrado em Economia.

No início da obra, Braga constata que a consecução de qualquer política pública passa, necessariamente, pelo bom planejamento do arranjo financeiro que viabilizará o empreendimento. Consequentemente, ele faz crer que boa parte dos problemas ambientais enfrentados no país, como a incorreta destinação de resíduos sólidos, são frutos da precariedade e imprevisibilidade das fontes de financiamento das políticas públicas que endereçam esta questão. 

Em seguida, sugere a instituição, por exemplo, de incentivos fiscais no âmbito municipal àqueles munícipes que aderíssem à coleta seletiva de lixo. Como contrapartida a esta renúncia de receitas, no entanto, não seria criado novo tributo municipal, mas promover-se-ia uma revisão, incluindo critérios ambientais, aos atuais critérios de distribuição dos valores repassados aos entes federativos via Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM), privilegiando os municípios e estados que implementassem e fomentassem tais políticas.

A esta ação coordenada entre os entes federativos para financiar e fomentar políticas de preservação do meio ambiente, Braga dá o nome de ações afirmativas ambientais. A inspiração para o termo, Braga trouxe das ações afirmativa do Governo Federal, como a política de cotas raciais, que buscou promover a igualação efetiva dos diversos indivíduos a partir da desigualação positiva entre eles. Ao privilegiar a questão ambiental, proporcionando incentivos financeiros àqueles que aderíssem à coleta seletiva, fomentando-a, o problema da destinação de resíduos sólidos poderia, na opinião de Braga, ser mitigado ou solucionado, concorrendo para a preservação do meio ambiente. 

A minuciosa descrição da atual carga tributária no Brasil, complexa e pesada ao contribuinte, bem como as disposições ambientais abrigadas na Constituição Federal, que permitem a concessão de benefícios fiscais para preservação do meio ambiente, justificam a tese elaborada por Braga. Outro ponto explorado pelo autor, neste sentido, diz respeito à importância da efetiva aplicação da Política Nacional dos Resíduos Sólidos e suas interações com as Políticas Regionais e Municipais, como diretriz geral aplicável ao assunto.

Ele propõe também que se faça dotação orçamentária específica para despesas com políticas ambientais, prevendo aplicação obrigatória de recursos, à semelhança do que ocorre com a saúde e a educação. Embora não se verifique, empiricamente, que a saúde ou a educação públicas no Brasil apresentem níveis de excelência, Braga sugere que esta vinculação orçamentária poderia endereçar, de maneira eficaz, a questão do financiamento de políticas ambientais do país.

Como parte subsidiária de sua tese, Braga traz também o papel que as instituições religiosas poderiam desempenhar no engajamento da sociedade para a preservação do meio ambiente. A título de informação, em 2015, ao editar a Encíclica Laudato Si, Papa Francisco releva as questões ambientais aos adeptos do catolicismo, algo alinhado, mesmo que não intencionalmente, à tese do autor.

Pois bem, as ideias trazidas por Braga, conjugadas aos fundamentos da AED, parecem fazer sentido, em um primeiro momento. Entretanto, a AED pressupõe, como dito anteriormente, o que se conhece por indivíduo médio racional, algo a que o brasileiro, definitivamente, não se amolda. Para constatar tal fato, basta examinar, por exemplo, as políticas públicas de trânsito. Há algumas décadas, embora não se questionasse a importância do uso do cinto de segurança na preservação de vidas (e haveria maior incentivo que a manutenção da própria vida?),  não havia política pública que fizesse a maior parte dos motoristas utilizar o aparato de proteção. Foi necessário instituir o pagamento de multas para a norma “pegar”e “convencer” o cidadão a utilizar o cinto. 

Muito embora ainda haja políticas de trânsito que enfrentem problemas semelhantes, como as que tratam dos casos de embriaguez ao volante, infração cuja multa beira os R$ 3.000,00, o exemplo da solução encontrada para o caso do cinto de segurança reforça a ideia de que o brasileiro responderia melhor a estímulos negativos. De certo, junto à cobrança de multa por falta de uso do cinto, houve indispensável intensificação da fiscalização e forte investimento em programas de conscientização nos meios de comunicação e nas escolas, duas ações que Braga não deixa de mencionar em seu trabalho. 

Outra questão a ser pontuada no trabalho de Braga diz respeito ao modo de operacionalização desses incentivos financeiros. Como bem descrito, quanto melhor a situação socioeconômica do indivíduo, maior é o seu potencial de geração de resíduos sólidos pela gradual alteração de seu perfil de consumo. Consequentemente, as camadas mais abastadas são as que produzem mais e melhores resíduos sólidos para a cadeia de reciclagem (alumínio, vidro, plástico etc) e, por este motivo, estes indivíduos seriam os beneficiados com o incentivo fiscal. Por outro lado, o sujeito de baixa renda, muitas vezes sem moradia, ou cujo lixo pouco contribui para abastecer a cadeia de reciclagem, não seria contemplado em nada com este tipo de intervenção. Alegar que haveria incremento de oportunidade para catadores de recicláveis só faz aumentar o abismo existente entre as camadas sociais do Brasil.

Ademais, além de privilegiar estratos da sociedade já possuidoras de diversos privilégios, ao se remanejar recursos do FPM, como Braga propõe, muitos municípios pequenos que só contam com esta fonte de receita seriam prejudicados por uma característica inerente a eles, qual seja a inexistência de mínimas condições técnico-operacionais de desenvolver uma política ambiental.

Portanto, na hipótese de se implantar uma política de (des)incentivos, algo baseado no tripé, pesadas multas - intensa fiscalização - programa de conscientização, poderia ser uma alternativa mais eficaz para a questão ambiental. Isso, pois, separar o lixo adequadamente deveria ser a regra (assim como guiar com o cinto de segurança) e quem o faz, não faz nada além do óbvio e isso, certamente, não é merecedor de maiores recompensas. A conduta diversa é que deve ser exemplarmente punida, inclusive pecuniariamente. Assim, além de se coibir ostensivamente a conduta diversa, arrecadar-se-iam recursos para dar suporte à fiscalização e aos programas de conscientização, cobrindo uma lacuna que há na tese de Braga quanto à fonte de recursos para cobertura da renúncia de receita dos incentivos fiscais propostos.

Deste modo, as medidas elencadas por Braga fazem sentido sim, mas em um país com menos desigualdades sociais e regionais. Entretanto, de fato, a disponibilidade de recursos financeiros é peça fundamental para a implementação  de  qualquer política pública e Braga é feliz ao enfatizá-la. No entanto, algumas intervenções legislativas seriam necessárias para concretizar as ações propostas por ele. Intervenções estas, que estariam circunscritas nas fases de formulação de alternativas e de tomada de decisões dentro do processo de elaboração de políticas públicas, conhecido como Ciclo de Políticas Públicas (SECCHI, 2013). 

Porém, outra fase deste ciclo, tão importante quanto a disponibilidade de recursos, é a formação da agenda, entendida como um "conjunto de problemas ou temas entendidos como relevantes" nas palavra de Secchi. Em políticas públicas, a “agenda institucional” elenca o que o poder público já decidiu enfrentar, enquanto a “agenda política” trata do que a comunidade política percebe como merecedor de intervenção pública. Percebe-se, portanto, que a questão ambiental se faz presente na agenda política do Brasil, mas por alguma razão, não se encontra na agenda institucional. Assim, como defendido no campo de públicas, verifica-se que qualquer arranjo de financiamento de políticas públicas é consequência de uma decisão política.

Ao somente citar e não aprofundar sobre a componente política que envolve a implementação de políticas públicas, enfatizando somente a questão do financiamento, Braga acaba por não explorar a questão de que, sem o elemento de decisão desempenhado pelos políticos, o financiamento acaba sendo uma obra de ficção. Afinal de contas, parafraseando Marco Polo, em seu diálogo com Kublai Khan, ricamente narrado por Ítalo Calvino em As Cidades Invisíveis, sem políticos, o financiamento não existe. No entanto, não se pode retirar a importância da obra de Braga, pois ela faz despertar o interesse e traz luz ao assunto, de modo a fomentar discussões que podem levar a medidas de enfrentamento ao grave problema ambiental que já se descortina no horizonte do país. Soluções que podem e devem ser simples, mas, jamais, isoladas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRAGA, E. Ações Ambientais Afirmativas - Critérios ambientais definidores dos novos parâmetros de financiamento das políticas públicas ambientais. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.

CALVINO, I. As cidades invisíveis (Título original: Le città invisibili). 2ª Edição. Tradução: Diogo Mainardi. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

CAMPOS, H. K. T. Renda e evolução da geração per capita de resíduos sólidos no Brasil. Eng Sanit Ambient - v.17 n.2 - abr/jun 2012. p171-180

SECCHI, L. Políticas Públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2ª Edição. São Paulo: Cengage Learning, 2013.



Informações sobre o texto

Resenha crítica elaborada por ocasião do I CONCURSO DE RESENHA (CRÍTICA) EM LIVROS JURÍDICOS DA FACULDADE DE DIREITO da Universidade de Brasília (UnB) promovido pelo Projeto Habeas Liber entre os meses Maio e Junho de 2018.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SASAKI, Rubens Makoto. Análise econômica do direito e as políticas públicas ambientais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5878, 5 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68859. Acesso em: 19 abr. 2024.