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Da distinção ontológica entre crimes econômicos em sentido amplo e estrito

Da distinção ontológica entre crimes econômicos em sentido amplo e estrito

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É nítida a importância da distinção ontológica entre crimes econômicos em sentido amplo e em sentido estrito, sendo esta diferença significativa na construção da ciência contemporânea do direito penal, em sua atual quadra de evolução epistemológica.

1. PROLEGÔMENOS

O direito penal foi destinatário de significativo desenvolvimento do ponto de vista doutrinário no último século, por vezes acompanhado da evolução na jurisprudência dos tribunais pátrios que, adotando o entendimento esposado principalmente na doutrina comparada germânica, acolheu no Brasil variadas tendências juspenalistas provenientes do direito alemão.

Mormente a partir dos estudos que culminaram na teoria da ação final ou finalismo, propugnados pelo professor germânico Hans Welzel1, de forma potencial entre os anos 1930 e 1960, e pelas elucubrações teóricas calcadas no funcionalismo da filosofia pós-moderna prelecionada na Escola de Frankfurt, que resultaram nas teorias do funcionalismo teleológico e no funcionalismo sistêmico, desenvolvidas respectivamente pelos professores alemães Claus Roxin2 e Günther Jakobs3, a doutrina juspenalista brasileira reuniu o arcabouço necessário para abordar delitos que, por sua natureza, não poderiam ser integralmente elucidados pelas correntes de pensamento tradicionais da dogmática jurídico-penal.

Uma categoria que nos últimos anos tem despertado a atenção não apenas da ciência do direito penal mas também da comunidade jurídica é a dos delitos econômicos. Não apenas a dogmática jurídico-penal, mas também a criminologia tem dedicado percucientes estudos acerca dos assim denominados white collar crimes, em designação da doutrina comparada norte-americana.

A criminalidade econômica é fruto da evolução do sistema capitalista, mormente do capitalismo financeiro a partir do século XX, cuja tangibilidade decorrente da segunda revolução industrial era cada vez mais rarefeita, diante da evolução do mercado de capitais e das atividades das bolsas de valores ao redor do mundo.

O presente artigo científico visa a promover uma delimitação teórica, sob o ponto de vista ontológico, entre as categorias de delitos econômicos em sentido amplo (crimes econômicos lato sensu) e em sentido estrito (crimes econômicos stricto sensu), em especial a partir das implicações midiáticas em casos como o da “operação lava-jato” no Brasil.

Desde logo sustenta-se que expor uma distinção conceitual sob o ponto de vista ontológico não significa uma aproximação ao criticado ontologismo do sistema finalista propugnado pela citada teoria do professor alemão Hans Welzel, ainda acolhida no texto do Código Penal Brasileiro a partir da reforma promovida pela Lei n. 7.209/1984. Há que se ater a parâmetros objetivos quando se aborda a ciência do direito penal, sob pena de convertê-la ao subjetivismo arbitrário.

Nesse sentido, este estudo tem por objetivo geral apresentar a definição de crimes econômicos e suas categorias sob a égide da ciência do direito penal contemporânea, inserida em um Estado Democrático e Social de Direito que adota um modo de produção capitalista de matriz intervencionista, como ocorre na experiência brasileira.

Ademais, o objetivo específico deste trabalho é sustentar a distinção ontológica entre crimes econômicos lato sensu e crimes econômicos stricto sensu, como forma de subsidiar eficazmente a aplicação da pena e a fundamentação das decisões judiciais condenatórias em tais categorias delitivas.

O que se observa hodiernamente na prática forense é a imperfeita abordagem dos delitos econômicos por parcela dos juízes criminais, em parte fruto do reduzido quantitativo de estudos sobre a matéria na doutrina brasileira, o que dificulta uma adequada hermenêutica da criminalidade econômica na jurisprudência pátria.

O principal objetivo deste artigo científico é iniciar um debate mais consistente sobre a temática que, embora eminentemente teórica, deita raízes na política legislativa e na prática jurisprudencial em matéria criminal. Outrossim, tenciona-se construir uma teoria tipicamente brasileira sobre a criminalidade econômica, auxiliando decisivamente na evolução da doutrina juspenalista nacional, ainda carente de estudos sobre o tema.

A metodologia aplicável ao presente artigo científico é de natureza qualitativa, envolvendo o levantamento bibliográfico dos principais livros e compêndios de direito penal e criminologia relacionados direta e indiretamente com o estudo dos delitos econômicos, dado o cariz eminentemente teórico do objeto de estudo em comento. Valer-se-á do método dedutivo, expondo elementos da teoria geral do delito para abordar especificamente a criminalidade econômica e sua distinção ontológica.

O referencial teórico, por sua vez, são os estudiosos que sustentam o funcionalismo penal na teoria do delito, mormente as teorias teleológico-moderada e limitadora da pena, respectivamente desenvolvidas na doutrina comparada germânica dos professores Claus Roxin e Winfried Hassemer4.


2. ESCORÇO HISTÓRICO DO CONCEITO ANALÍTICO DE DELITO

Um dos temas de maior relevância no estudo dos fundamentos do direito penal é o conceito de delito, na medida em que compõe a própria definição da disciplina em comento. Definir o crime, em suma, é definir o próprio direito penal, nos termos propostos por vários juspenalistas da doutrina brasileira e estrangeira.

Nesse sentido, o professor alemão Franz Von Liszt define o direito penal como “conjunto das prescrições emanadas do Estado, que ligam ao crime, como fato, a pena como consequência”5; o também alemão Edmund Mezger o define como “conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, ligando ao delito, como pressuposto, a pena como consequência”6; o professor espanhol Luis Jiménez de Asúa, por sua vez, define como “conjunto de normas y disposiciones jurídicas que regulan el ejercicio del poder sancionador y preventivo del Estado, estableciendo el concepto del delito como presupuesto de la acción estatal, así como la responsabilidad del sujeto activo, y asociando a la infracción de la norma una pena finalista o una medida aseguradora”7.

Na doutrina brasileira, o professor Eduardo Magalhães Noronha define o direito penal como “conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, tendo em vista os fatos de natureza criminal e as medidas aplicáveis a quem os pratica”8; o professor Damásio Evangelista de Jesus, membro do Ministério Público estadual de São Paulo, seguindo as lições de José Frederico Marques, define a disciplina como “conjunto de normas que ligam ao crime, como fato, a pena como consequência, e disciplinam também as relações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a aplicabilidade das medidas de segurança e a tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado”9; para o professor Fernando Galvão, é “o ramo do direito público que reúne os princípios e as normas jurídicas que limitam o poder punitivo do Estado, estabelecendo que a prática de determinadas condutas tenha como consequência a aplicação das penas ou de medidas de segurança”10; o professor Nilo Batista, ao decotar uma das acepções do direito penal, o define como “conjunto de normas jurídicas que, mediante a cominação de penas, estatuem os crimes, bem como dispõem sobre seu próprio âmbito de validade, sobre a estrutura e elementos dos crimes e sobre a aplicação e execução das penas e outras medidas nelas previstas”11; por fim, para o professor e membro do Ministério Público estadual de Minas Gerais Rogério Greco, “direito penal objetivo é o conjunto de normas editadas pelo Estado, definindo crimes e contravenções, isto é, impondo ou proibindo determinadas condutas sob a ameaça de sanção ou medida de segurança, bem como todas as outras que cuidem de questões de natureza penal, v.g., excluindo o crime, isentando de pena, explicando determinados tipos penais”12.

Vê-se, pois, que o conceito de crime encontra-se imbricado na essência da dogmática jurídico-penal, sendo parte integrante da própria definição de direito penal. Todavia, observa-se que o conceito de delito, em especial seu conceito analítico, sofreu profundas alterações na teoria do direito penal do último século, especialmente nas passagens do paradigma causal-naturalista para o causal-valorativo, deste para o finalista e, enfim, para o atual panorama funcionalista na ciência do direito penal.

A definição de crime (ou delito) pode ser aferida legalmente pelo disposto no art. 1º do Decreto-Lei n. 3.914, de 9 de dezembro de 194113, conhecido como Lei de Introdução do Código Penal e da Lei de Contravenções Penais. Tal definição legal apresenta importante nota distintiva entre os crimes e as contravenções14, especialmente quanto ao tipo de sanção penal aplicável a cada uma das espécies de infração penal.

Todavia, há que se apresentar um conceito de delito que ostente elementos de cientificidade, necessidade esta que trouxe prolífero debate na ciência do direito penal a partir de meados do século XIX, desde a égide da teoria da conduta causal-naturalista até a atual abordagem funcionalista.

Uma didática exposição sobre a trajetória evolutiva do conceito de delito é trazida na referenciada obra do professor Damásio Evangelista de Jesus, que estrema o conceito de crime em quatro sistemas, a saber: formal; material; formal e material; formal, material e sintomático – sustentando a prevalência dos dois primeiros. Reputa-se pertinente o excerto do referido estudo propugnado pelo insigne jurista, nos termos que seguem, in verbis:

“Formalmente, conceitua-se o crime sob o aspecto da técnica jurídica, do ponto de vista da lei. Materialmente, tem-se o crime sob o ângulo ontológico, visando a razão que levou o legislador a determinar como criminosa uma conduta humana, a sua natureza danosa e consequências. O terceiro sistema conceitua o crime sob os aspectos formal e material conjuntamente. Assim, Carrara, que adotava o critério substancial e dogmático, definia o delito como 'a infração da lei do Estado, promulgada para proteger a segurança dos cidadãos, resultante de um ato externo do homem, positivo ou negativo, moralmente imputável e politicamente danoso'. O quarto critério visa ao aspecto formal e material do delito, incluindo na conceituação a personalidade do agente. Ranieri, sob esse aspecto, define o delito como 'fato humano tipicamente previsto por norma jurídica sancionada mediante pena em sentido estrito (pena criminal), lesivo ou perigoso para bens ou interesses considerados merecedores da mais enérgica tutela', constituindo 'expressão reprovável da personalidade do agente, tal como se revela no momento de sua realização'. Dos quatro sistemas, dois predominam: o formal e o material. O primeiro apreende o elemento dogmático da conduta qualificada como crime por uma norma penal. O segundo vai além, lançando olhar às profundezas das quais o legislador extrai os elementos que dão conteúdo e razão de ser ao esquema legal”15.

Outrossim, o conceito analítico de crime adotado pelo direito brasileiro, ainda legalmente vinculado ao modelo finalista de direito penal elaborado por Hans Welzel na primeira metade do século XX, entende o delito como fato típico, ilítico (ou antijurídico) e culpável. Ainda que se tenha elaborado por parte da doutrina brasileira o que pode ser denominado de teoria finalista moderada bipartida, em que a culpabilidade não seria considerada elemento do crime, mas pressuposto de aplicação da pena16, o conceito analítico tripartido de crime ainda é a posição segura da maioria dos estudos brasileiros na ciência do direito penal.

Considerando o conceito material de crime, desenvolvido sob o aspecto ontológico, torna-se viável a elaboração de uma teoria ontológica dos delitos econômicos, a iniciar pela elaboração do conceito de delito econômico.

Preliminarmente, entretanto, ressalte-se que a criminalidade econômica é dotada de peculiaridades que a diferencia da abordagem hodierna dos crimes tradicionais, considerando tratar-se de fenômeno típico da atual quadra evolutiva do modo de produção capitalista, oriundo do mercantilismo quinhentista. Ademais, o capitalismo financeiro é fenômeno recente na história da humanidade, considerando como marco em tal fenômeno socioeconômico a criação do mercado de valores mobiliários, em especial as primeiras bolsas de valores, com destaque para a Bolsa da Antuérpia, Bélgica, em 153117.

A doutrina penalista, observando a criação de tipos penais diferenciados a partir de meados do século XX, especialmente ligados à violação de bens jurídicos ligados aos direitos humanos de terceira dimensão18, trouxe nova abordagem à epistemologia do direito penal, questionando o alegado ontologismo do modelo finalista do professor alemão Hans Welzel, e vindicando uma retomada valorativa no estudo do crime e da conduta delitiva.

Nesse desiderato, reputa-se pertinente trazer à colação didático escólio doutrinário da lavra do professor Cezar Roberto Bitencourt sobre o funcionalismo no direito penal e suas principais teorias, a saber, o funcionalismo teleológico ou moderado (Claus Roxin), o funcionalismo radical sistêmico (Günther Jakobs) e o funcionalismo preventivo limitador da pena (Winfried Hassemer), que deitam raízes também no estudo justificador da sanção penal. Segue a posição do ilustre jurista, in verbis:

“Com esse ponto de partida, Roxin pretende evidenciar que o Direito Penal não deve ser estruturado deixando de lado a análise dos efeitos que produz na sociedade sobre a qual opera, isto é, alheio à realização dos fins que o legitimam. Por isso, sustenta que quando as soluções alcançadas no caso concreto, por aplicação dos conceitos abstratos deduzidos da sistematização dogmática, sejam insatisfatórias, elas podem ser corrigidas de acordo com os princípios garantistas e as finalidades político-criminais do sistema penal. Em outras palavras, a configuração do sistema de Direito Penal passa a ser estruturada teleologicamente, atendendo a finalidades valorativas. (…) Jakobs, por sua vez, incorporando fundamentalmente a teoria dos sistemas sociais de Luhmann, concebe o Direito Penal como um sistema normativo fechado, autorreferente do Direito positivo, em função da finalidade de prevenção geral positiva da pena, com a exclusão de considerações empíricas não normativas e de valorações externas ao sistema jurídico positivo. (…) A função da pena, segundo Hassemer, é a prevenção geral positiva: 'a reação estatal perante fatos puníveis, protegendo, ao mesmo tempo, a consciência social da norma. Proteção efetiva deve significar atualmente duas coisas: a ajuda que obrigatoriamente se dá ao delinquente, dentro do possível, e a limitação desta ajuda imposta por critérios de proporcionalidade e consideração à vítima. A ressocialização e a retribuição pelo fato são apenas instrumentos de realização do fim geral da pena: a prevenção geral positiva. No fim secundário de ressocialização fica destacado que a sociedade corresponsável e atenta aos fins da pena não tem nenhuma legitimidade para a simples imposição de um mal. No conceito limitador da responsabilidade pelo fato, destaca-se que a persecução de um fim preventivo tem um limite intransponível nos direitos do condenado. Uma teoria da prevenção geral positiva não só pode apresentar os limites necessários para os fins ressocializadores, como também está em condições de melhor fundamentar a retribuição pelo fato”19.

O excerto supra, ao apresentar didaticamente a evolução epistemológica do direito penal (expressão cunhada pelo professor Bitencourt), a partir do modelo funcionalista, expõe a retomada valorativa da doutrina penalista ante ao questionado ontologismo do modelo finalista de Welzel.

Contudo, sustenta-se no presente artigo científico que não se pode abandonar o estudo do objeto, a saber, a ontologia de determinada realidade observada no mundo fenomênico, com base nos alegados exageros metodológicos de determinada teoria do conhecimento – no caso em tela, o finalismo enquanto teoria epistemológica do direito penal.

Logo, a abordagem ontológica e, nesse sentido, a distinção entre delitos econômicos em sentido amplo e em sentido estrito sob o viés ontológico, conforme doravante se refletirá, não pode ser olvidado em uma abordagem sistemática e científica do direito penal, sendo importante para a compreensão dessa nova realidade no âmbito da dogmática jurídico-penal e mesmo da criminologia, adotando-se a teoria crítica20.


3. DISTINÇÃO ONTOLÓGICA ENTRE OS DELITOS ECONÔMICOS

A criminalidade econômica pode ser observada sob o ponto de vista da ciência total do direito penal, seguindo teoria elaborada na doutrina comparada lusitada pelo professor Jorge de Figueiredo Dias21, que considera o estudo juspenalista sob o viés de três diferentes províncias: a dogmática jurídico-penal, a criminologia e a política criminal.

Considerando o desenvolvimento do sistema financeiro doméstico e internacional, bem como da proteção oferecida aos direitos humanos de terceira dimensão, o Estado brasileiro, no exercício de sua função legiferante e seguindo tendência do ordenamento jurídico estrangeiro, propugnou a criação de novos tipos penais, inseridos no Código Penal Brasileiro ou na legislação penal extravagante.

Exemplos dessas novas modalidades delitivas podem ser observados nos tipos penais previstos na Lei n. 7.492/1986 (Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional); Lei n. 8.666/1993 (Estatuto Jurídico da Contratação Pública ou Lei de Licitações); Lei n. 9.605/1998 (Lei dos Crimes contra o Meio Ambiente); Lei n. 9.613/1998 (Lei dos Crimes de Ocultação de Bens, Direitos e Valores ou Lei dos Crimes de “Lavagem de Dinheiro”); Lei n. 12.737/2012 (alteração do Código Penal Brasileiro para iserir a tipificação criminal dos delitos informáticos); dentre outros.

Além disso, parcelas do Código Penal Brasileiro como seu Título XI da Parte Especial, dedicado aos “Crimes contra a Administração Pública”, demonstram que o direito penal nacional passa a sancionar condutas lesivas a bens jurídicos de natureza supraindividual – o que de certa forma poderia conflitar com antigos axiomas da dogmática jurídico-penal tradicional, como a função proibitiva de incriminações vagas e indeterminadas detida pelo princípio da legalidade, norteada pelo brocardo latino nullum crimen nulla poena sine lege certa22.

Todavia, vem se promovendo uma releitura da proteção penal destinada a bens jurídicos de natureza supraindividual, especialmente no contexto do compliance penal23 como forma de autorregulação por parte de organizações públicas e privadas, a fim de se evitar a violação da esfera jurídica de determinadas coletividades, como a dos consumidores, idosos, crianças, cidadãos, dentre outros.

Os crimes econômicos, nesse sentido, podem ser considerados uma categoria delitiva autônoma, inseridos na classificação doutrinária de crimes. E tal gênero, sustenta-se no presente artigo científico, pode ser decomposto em duas espécies bem definidas, a saber: crimes econômicos em sentido amplo ou lato sensu, e crimes econômicos em sentido estrito ou stricto sensu.

A classificação proposta leva em consideração uma abordagem ontológica no estudo dos delitos econômicos. O estudo da ontologia, no espectro da filosofia jurídica, pode ser associada ao que o professor Miguel Reale cognomina ontognoseologia, sendo dela o estudo de suas condições objetivas. Relevante transcrever, para melhor cognição do ora exposto, escólio doutrinário da lavra deste saudoso jusfilósofo, na forma como segue, in verbis:

“Ora, a Lógica formal e a Metodologia formam em conjunto o campo da Lógica Positiva, subordinando-se ambas à Ontognoseologia, que é a teoria transcendental do conhecimento, cujo problema essencial é o da correlação primordial entre pensamento e realidade, entre o sujeito cognoscente e algo a conhecer. Podemos, pois, conceituar a Ontognoseologia como sendo a doutrina do ser enquanto conhecido e das condições primeiras do pensamento em relação ao ser. (…) A Ontognoseologia desdobra-se, por abstração, em duas ordens ou momentos distintos de pesquisas: ora indaga das condições do conhecimento pertinentes ao sujeito que conhece (Gnoseologia); ora indaga das condições de cognoscibilidade de algo, ou, por outras palavras, das condições segundo as quais algo torna-se objeto do conhecimento, ou, em última análise, do ser enquanto conhecido ou cognoscível (Ontologia, tomada esta palavra em sentido estrito). Poderíamos, em síntese, dizer que a Ontognoseologia desenvolve e integra em si duas ordens de pesquisas: uma sobre as condições do conhecimento do ponto de vista do sujeito (a parte subjecti) e a outra sobre essas condições do ponto de vista do objeto (a parte objecti)”24.

Considerando a ontologia como parte do estudo da ontognoseologia, apresentar uma distinção ontológica entre delitos econômicos lato sensu e stricto sensu envolve não apenas uma abordagem no plano da dogmática jurídica, do direito positivo, mas também no âmbito da filosofia jurídica, nos termos da classificação supra.

Sustenta-se que a carga valorativa implementada na teoria do delito, considerando a atual evolução epistemológica do direito penal (em apropriação do termo alcunhado pelo professor Cezar Roberto Bitencourt) tem promovido gradativo retorno ao subjetivismo que ensejou a criação do modelo finalista, hoje criticado por seu ontologismo. Ora, ratifica-se que a crítica ao ontologismo não pode ser manejada para se adotar uma postura doutrinária antiontológica, considerando a importância que a ontologia possui como suporte filosófico para a teoria do conhecimento (epistemologia).

Os delitos econômicos, chamados pela doutrina comparada norte-americana de white collar crimes (“crimes do colarinho branco”)25, tem em sua definição objeto de grande controvérsia no âmbito da dogmática jurídico-penal e da criminologia. O professor Edwin H. Sutherland os definia como: “crime cometido por uma pessoa respeitável e de alta posição social no decurso de sua atividade profissional”26; o professor Herbert Edelhertz, por sua vez, conceituava o white collar crime como “um ato ilegal, ou uma série desses atos, cometido por meios não físicos e por encobrimento ou fraude, a fim de obter dinheiro ou bens, evitar o pagamento ou a perda de dinheiro ou bens, ou ainda vantagens pessoais ou empresariais”27. Tais definições, originárias nos estudos sobre a matéria, carecem de completude no conteúdo atual de tais atos ilícitos penais.

A tipologia dos crimes econômicos é objeto de prolíferos debates no âmbito da criminologia, como pode ser visto nos estudos dos professores Clinard e Quinney, por exemplo, adotam tipologia comungada por parte dos criminólogos que distinguem os delitos profissionais dos corporativos, como espécies de crimes econômicos.

Tal classificação é alvo de severas críticas do professor James William Coleman, que em referenciada obra traduzida para a língua portuguesa tece as seguintes considerações, in verbis:

“O trabalho dos criminologistas, com certeza, seria facilitado se cada crime do colarinho branco pudesse ser claramente classificado como organizacional ou profissional e, na verdade, em edições anteriores deste livro, tentou-se fazer exatamente isso. Mas, infelizmente, a vida real é mais complexa do que os esquemas analíticos desenvolvidos para contê-la, e alguns crimes não podiam ser enquadrados em nenhuma categoria. Entre os exemplos mais importantes estão os numerosos casos da indústria de poupança e empréstimos, em que os executivos do primeiro escalão de instituições financeiras usaram a organização como ferramenta para desfalcar financeiramente a própria organização. Esse tipo de crime, que Calavita e Pontell apelidaram de desfalque coligido, 'representa uma espécie híbrida (crime organizacional e profissional): um 'crime da corporação contra a corporação'. A distinção entre o crime organizacional e o profissional ainda é muito útil para ser abandonada, porém, mais do que conceituada como uma dicotomia, ela deve ser vista como um continuum”28.

A crítica elaborada supra traz como exemplo significativo um tipo penal (desfalque coligido) que no ordenamento jurídico brasileiro seria associado aos crimes de gestão fraudulenta e gestão temerária, previstos no art. 4º e parágrafo único da Lei n. 7.492/1986, que trata dos crimes contra o sistema financeiro nacional.

Essa indagação leva a sustentar-se, no presente artigo científico, a distinção entre delitos econômicos lato sensu – que englobariam todos aqueles que atentassem contra bens jurídicos de natureza supraindividual não ligados a manutenção e desenvolvimento de um modo de produção econômica adotado pelo país que o tipifica – dos delitos econômicos stricto sensu – que violam diretamente bens jurídicos supraindividuais ligados ao equilíbrio mercadológico e a manutenção e desenvolvimento do modo de produção econômica adotado no país que o tipifica.

Considerando que o Brasil adota o modo de produção capitalista, os crimes contra o sistema financeiro, contra a economia popular (Lei n. 1.521/1951), de ocultação de bens, direitos e valores, de concorrência desleal (art. 195 da Lei n. 9.279/1996), dentre outros ligados diretamente à manutenção do capitalismo podem ser classificados como delitos econômicos stricto sensu. Em contrapartida, os crimes contra a administração pública em geral, os crimes ambientais, os crimes contra a organização do trabalho29, dentre outros, que afetam indiretamente o modo de produção capitalista, podem ser qualificados como delitos econômicos lato sensu.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, verifica-se a importância da distinção ontológica entre crimes econômicos em sentido amplo e em sentido estrito, deveras significativa na construção da ciência contemporânea do direito penal, em sua atual quadra de evolução epistemológica.

Compreender os delitos econômicos como categoria autônoma de crimes em uma classificação doutrinária contempla a proteção dada pelo direito penal aos bens jurídicos de natureza supraindividual, mormente aqueles ligados ao equilíbrio mercadológico inserido no contexto do modo de produção capitalista, o que sem dúvidas engloba o mercado financeiro, reputando-se de grande relevo a repressão aos crimes contra o sistema financeiro nacional.

Logo, a classificação de natureza ontológica ora apresentada neste artigo científico não é apenas importante no estudo da dogmática jurídico-penal, mas também possui reflexos marcantes na criminologia, na política criminal e na filosofia jurídica, dada a importância que deve ser conferida à ontologia como aporte teórico para a compreensão da teoria do conhecimento aplicada ao direito penal, especialmente no atual contexto dos sistemas funcionalistas às teorias da conduta e do delito, com destaque para o modelo de prevenção geral positiva limitadora da pena de Hassemer e da teoria discursiva do direito penal como consectária de uma leitura jurídica da filosofia de Habermas.

O retorno a paradigmas calcados na ontologia – e mais ainda, na ontognoseologia, conforme propugnada por Miguel Reale – não indicará o retorno a equívocos semelhantes ao ontologismo do sistema finalista de Welzel, que deita raízes no positivismo kelseniano. O eterno evolver da ciência do direito penal permite aos teóricos o constante aprofundamento visando ao fim principal desta província da ciência jurídica, a saber, limitar o arbítrio no exercício do jus puniendi estatal, o que estimula a elaboração de um estudo de natureza neopositivista como o presente.


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NOTAS DE RODAPÉ

1Cf. WELZEL, Hans. Das Deutsche Strafrecht: Eine systematische Darstellung. Alemanha: De Gruyter Lehrbuch, 1969.

2Cf. ROXIN, Claus. Política Criminal y Sistema del Derecho Penal. Tradução: Francisco Muñoz Conde. 2. ed. Buenos Aires: Editorial Hammurabi, 2000. Sobre o funcionalismo teleológico ou moderado desenvolvido pelo professor Claus Roxin, colaciona-se excerto doutrinário da lavra do professor Fernando Galvão, desembargador estadual do Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais, in verbis: “Criticando o sistema ontológico finalista, que teria aprisionado a dogmática penal em suas estruturas lógico-reais, Roxin pretendeu resgatar a perspectiva valorativa neoclássica, reorientando-a conforme os fins do Direito Penal e seus princípios políticos. Segundo Roxin, no Estado Democrático de Direito a finalidade útlima do Direito Penal deve ser a proteção de bens jurídicos, o que implica em restrição ao poder punitivo estatal. A reorientação proposta, conciliatória com os fins do Direito Penal e operacionalizada por seus princípios, conduz a uma funcionalização do Direito. Como o Direito Penal persegue realizar alguns fins, a missão da dogmática deve ser, entre outras, refletir esta finalidade em suas estruturas conceituais. A proposta constitui um avanço em relação aos postulados neokantianos do sistema neoclássico na medida em que substitui os valores culturais pelos critérios mais seguros e sistematizados pelos princípios político-criminais da moderna teoria dos fins da pena” (GALVÃO, Fernando. Direito Penal: parte geral. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 211-212).

3Cf. JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: noções e críticas. Tradução: André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. Sobre o funcionalismo sistêmico do professor Günther Jakobs, expõe-se a abalizada opinião dos professores Enrique Peñaranda Ramos, Carlos Suárez González e Manuel Cancio Meliá, in verbis: “Na concepção de Jakobs, o Direito Penal obtém sua legitimação material de sua necessidade para garantir a vigência das expectativas normativas essenciais (aquelas de que depende a própria configuração ou identidade da sociedade) diante das condutas que expressam uma regra de comportamento incompatível com a norma correspondente e colocam nesta, portanto, uma questão como modelo geral de orientação no contrato social” (RAMOS, Enrique Peñaranda; GONZÁLEZ, Carlos Suárez; MELIÁ, Manuel Cancio. Um Novo Sistema do Direito Penal: considerações sobre a teoria de Günther Jakobs. Tradução: André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Barueri: Manole, 2003).

4Cf. HASSEMER, Winfried. Direito Penal Libertário. Tradução: Regina Greve. Coordenação e Supervisão: Luiz Moreira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

5VON LISZT, Franz. Tratado de Direito Penal. t. 1. Tradução: José Hygino Duarte Pereira. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia. Editores, 1899, p. 1.

6MEZGER, Edmund. Tratado de Derecho Penal. t. 1. Tradução: José Arturo Rodriguez Muñoz. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1946, p. 3.

7ASÚA, Luis Jiménez. Tratado de Derecho Penal, t. 1. Buenos Aires: Editorial Losada, 1950, p. 27.

8NORONHA, Eduardo Magalhães. Direito Penal: introdução e parte geral. v. 1. 38. ed. São Paulo: Rideel, 2009, p. 4.

9JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: parte geral. v. 1. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 5.

10GALVÃO, Fernando. op. cit., p. 29.

11BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 48.

12GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. v. 1. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015, p. 7. Observe-se que o referido estudioso associa o conceito de direito penal ao que a doutrina pátria convencionou denominar direito penal objetivo, que é apenas uma das acepções jurídicas para a expressão, na opinião do citado professor Nilo Batista.

13“Decreto-Lei n. 3.914/1941. Art. 1º. Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”.

14Tradicionalmente, as contravenções eram alcunhadas de crimes anões, expressão usada pelo professor Nelson Hungria.

15JESUS, Damásio Evangelista de. op. cit., pp. 148-149.

16Compactuam desta teoria, dentre outros, os professores René Ariel Dotti, Damásio Evangelista de Jesus, Julio Fabbrini Mirabete e Celso Delmanto. Cf. DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal: parte geral. v. 1. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: parte geral. v. 1. 33. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto; DELMANTO, Fábio M. de Almeida. Código Penal Comentado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

17Destaque-se excerto de artigo de opinião de Juliano Lima Pinheiro, in verbis: “Durante toda a Idade Média e até o século XVII, as funções das bolsas se resumiam à compra e venda de moedas, letras de câmbio e metais preciosos. Os negócios, então, eram limitados pelas dificuldades de comunicação, escassez de capitais e ausência de crédito. A palavra bolsa, no sentido comercial e financeiro tem origem no fim do século 13 do nome da família de nobres belgas, os Van der Buerse, cujo brasão de armas era três bolsas de pele, simbolizando honradez e méritos por sua atuação na área mercantil. (…) A primeira Bolsa oficial surgiu em 1531 em Antuérpia na Bélgica, designada por Nieuve Beurse. Nesta Bolsa, realizavam-se negócios especulativos influenciados por boatos que afetavam a evolução dos preços. A instabilidade trazida por Bolsas de caráter mais especulativo levou a Inglaterra a construir sua própria Bolsa para assegurar uma maior proteção da sua economia. Dessa forma nasceu, em 1571, a Bolsa de Londres (Royal Exchange), que atuou como pilar do império britânico, tendo adquirido grande relevância nos séculos XVIII e XIX com a Revolução Industrial” (PINHEIRO, Juliano Lima. História da Bolsa de Valores. Mercado Comum. 5 jun 2014. Disponível em: http://www.mercadocomum.com/site/artigo/detalhar/historia_da_bolsa_de_valores/mat erias-publicadas. Acesso em 28 jun 2018).

18Conforme teoria desenvolvida na doutrina comparada polonesa pelo professor Karel Vasak, e difundida pelo professor italiano Norberto Bobbio. Cf. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução: Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

19BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 1. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, pp. 133, 135 e 171.

20Cf. BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Coleção Pensamento Criminológico. 3. ed. Tradução: Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

21Cf. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito Penal: parte geral, Tomo I – Questões Fundamentais; A Doutrina Geral do Crime. v. 1. 2. ed. Portugal: Coimbra Editora, 2012.

22O professor Nilo Batista tece considerações sobre esta função do princípio da legalidade penal nos termos que seguem, in verbis: “Alguns autores deslocam a enfase para a subjetivização da imprecisão do preceito, isto é, para o aspecto de que o preceito deve ser 'determinado e especificado de modo tal a fazer ver c1aramente ao cidadiio a conduta a seguir, e os limites do proprio livre comportamento'. Tal aspecto, importante sem dúvida, eni predominante nas teorias preventivo-gerais, mais ou menos remontaveis a Feuerbach, que se construam a partir da ideia de 'intimidação penal'; sua crítica deverá considerar os problemas da ineficácia motivadora da norma penal (que pertence à criminologia) e da ficção da presunção do conhecimento da lei (que é estudado na teoria do crime, ao tratar-se do erro). De qualquer modo, é correto extrrair-se, do texto constitucional brasileiro ('lei anterior que o defina'), urn direito subjetivo público de conhecer o crime, correlacionando-o a um dever do Congresso Nacional de legislar em matéria criminal sem contornos semânticos difusos. Com toda a procedência se observa, diante das graves medidas restritivas que se abatem sobre o acusado num processo criminal, que a criação de incriminações vagas e indeterminadas transcende a violação do princípio da legalidade para ofender diversos direitos humanos fundamentais” (BATISTA, Nilo. op. cit., pp. 79-80).

23O direito penal contemporâneo tem sofrido cada vez mais a influência do direito econômico e da ciência econômica, em especial os influxos da quadra evolutiva da economia política. Nesse sentido, o princípio da legalidade conforme sua acepção tradicional sofre significativa releitura, a fim de abarcar outras espécies normativas e reguladoras, ainda que desprovidas de natureza jurídica – tendo, contudo, matriz jurígena. Pertinente, nesse desiderato, a opinião dos professores Renato de Mello Jorge Silveira e Eduardo Saad-Diniz, em excerto doutrinário que segue, in verbis: “A lex mercatoria como fonte optata para solução de conflitos comerciais conseguiu, em um primeiro momento, suplantar toda a sorte de fronteiras. Ela estabelece o que Mongillo chama de técnica de nivelamento do campo do jogo, estabelecendo um modelo bottom-up. De fato, desde uma óptica penal econômica, o caminho tem sido trilhado, basicamente, como coloca Viada, por influências informais, e não necessariamente de vinculação obrigatória, fortemente influenciado pela soft law. Note-se que o 'moderno' Direito Penal, apontado embrionariamente por Hassemer em fins dos anos 1980 e início dos 1990, que se contraporia ao Direito Penal da Ilustração, parece se distinguir deste também em suas fontes, justamente por buscar a necessária resposta a um fenômeno decorrencial da própria globalização, vale dizer, aos crimes supraindividuais (dos quais os crimes econômicos são parte integrante). A busca por standards mínimos de segurança bradados pela globalização acaba por fomentar uma estandardização do próprio sistema penal, e daí é que se vê um, cada vez mais frequente, socorro ao uso da soft law” (SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, Direito Penal e Lei Anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2015, pp. 44-45). Observe-se que os professores da escola paulista de direito penal afirmam ser os crimes econômicos espécies do gênero de delitos supraindividuais, enquanto que no presente artigo científico sustenta-se a existência de delitos econômicos lato sensu e stricto sensu – o que, embora do ponto de vista científico promova distinção metodológica entre ambas as matrizes teóricas, traz como resultado a mesma conclusão, a de que não se pode indistintamente denominar delitos supraindividuais de delitos econômicos.

24REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, pp. 29-30.

25A expressão foi criada pelo criminólogo estadunidense Edwin H. Sutherland em 1939, em discurso feito à American Sociological Society (Sociedade Americana de Sociologia).

26Cf. SUTHERLAND, Edwin H. White Collar Crime. Estados Unidos da América do Norte: Dryden Press, 1949.

27Cf. EDELHERTZ, Herbert. The Nature, Impact and Prosecution of White Collar Crime. Estados Unidos da América do Norte: Government Printing Office, 1970.

28COLEMAN, James William. A Elite do Crime: para entender o crime do colarinho branco. Tradução: Denise R. Sales. 5. ed. Barueri: Manole, 2005, p. 19.

29Neste ponto, os crimes contra a organização do trabalho (Código Penal Brasileiro, arts. 197 a 207), nada obstante culminarem em prejuízos na economia da nação – mormente no delito de paralisação de trabalho de interesse coletivo (Código Penal Brasileiro, art. 201), denominado popularmente de locaute ou lockout no transcurso da greve geral dos caminhoneiros brasileiros, em 2018 –, estariam classificados como delitos econômicos lato sensu, por não afetarem diretamente o mercado e o modo de produção econômica adotado no país, sendo seus efeitos meramente reflexos ou indiretos.


Autor

  • Divo Augusto Cavadas

    Divo Augusto Pereira Alexandre Cavadas é Advogado e Professor de Direito. Procurador do Município de Goiânia (GO). Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO). Especialista em Direito Penal e Filosofia. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Realizou estudos junto à Universidad de Salamanca (Espanha), Universitá di Siena (Itália), dentre outras instituições. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Diplomado pela Câmara Municipal de Goiânia e Comendador pela Associação Brasileira de Liderança, por serviços prestados à sociedade.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVADAS, Divo Augusto. Da distinção ontológica entre crimes econômicos em sentido amplo e estrito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5624, 24 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69741. Acesso em: 19 abr. 2024.