Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/69960
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O mandado de injunção e as alterações da Lei 13.300/2016

O mandado de injunção e as alterações da Lei 13.300/2016

Publicado em . Elaborado em .

A lei regulamentadora do mandado de injunção trouxe várias inovações, dentre elas, as soluções para os casos de omissões normativas, parciais ou totais.

RESUMO: A principal função desse estudo é analisar as alterações que foram trazidas pela Lei 13.300/2016 sob a ótica da efetivação dos direitos dos cidadãos. Em detrimento da função do mandado de injunção de evitar a ineficácia das normas constitucionais se tornou imprescindível a regulamentação de tal instituto após um vácuo de 28 anos sendo, portanto, um marco importante no Direito Brasileiro. Dentre as alterações trazidas pela lei são evidenciadas: a adoção da posição concretista que já estava sendo adotada pelo STF em suas decisões, o alargamento dos legitimados para a impetração da espécie coletiva, a abertura de possibilidade de efeitos inter partes e erga omnes, a marca de transitoriedade do instituto, as possibilidades diante de omissão parcial e da ação revisional. Essas alterações permitiram um maior resguardo no exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Palavras-chave: Remédio Constitucional. Regulamentação. Efetivação dos direitos.


Introdução

O presente trabalho tem como tema análise das alterações trazidas pela lei 13.300/2016 ao processo e julgamento do mandado de injunção individual e coletivo.

Nesta perspectiva, construiu-se questões que nortearam este trabalho:

  • Quais as alterações foram trazidas pela Lei 13.300/2016 ao instituto do mandado de injunção?
  • Quais os benefícios que essas alterações trouxeram aos cidadãos na efetivação e fruição dos seus direitos.

A Constituição Federal previu um rol de direitos e garantias fundamentais. No entanto, para o exercício pleno de alguns desses direitos, é indispensável a edição de lei ou outro ato normativo regulamentador (art.37, da CF/88). O constituinte preocupado com a demora na regulamentação de tais direitos, criou a figura do mandado de injunção.

Conforme BERNARDES,

“O mandado de injunção (MI) é instrumento processual instituído especialmente para fiscalizar e corrigir, concretamente, as omissões do Poder Público em editar as normas necessárias para tornar efetivos direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5°, LXXI, da Constituição).”

A lei 13.300/2016 encerrou um vácuo legislativo de 28 anos no que tange à regulamentação do mandado de injunção desde sua criação pela Constituição Federal de 1988. Todavia, desde os primeiros grandes debates realizados pelo Supremo Tribunal Federal ficou esclarecido que a necessidade de regulamentação não poderia ser confundida com a (auto)aplicabilidade da norma do artigo 5°, inciso LXXI, da Constituição. Ficou decidido que tal norma teria aplicabilidade imediata, aplicando-se, no que cabível, as normas do mandado de segurança. A solução adotada pelo STF tornou possível a utilização do remédio, no entanto, não atestou a desnecessidade de regulamentação através de uma futura lei ordinária.

O recente desenrolar dos debates jurisprudenciais do Mandado de Injunção no STF – destacadamente os casos de omissão constitucional a respeito da omissão quanto ao dever legislativo de regulamentar os direitos de greve dos servidores públicos e da aposentadoria especial dos servidores públicos – acabou tornando indispensável a edição de tal lei regulamentadora.

Neste contexto, o objetivo primordial deste estudo é, pois, analisar as alterações que a lei regulamentadora trouxe ao instituto constitucional e o ganho na efetividade dos direitos trazido aos cidadãos brasileiros.

Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico, a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados na literatura e artigos científicos divulgados no meio eletrônico.

O texto final foi fundamentado nas ideias e concepções de autores como:  Barroso (2012), Bastos (1999), Boldrini (2012), Canotilho (1993), Cavalcante (2017), Hesse (1991), Ferrajoli (2010) e Moraes (2017).


Desenvolvimento

A lei regulamentadora adotou a posição corrente concretista individual, sendo esta majoritária e já adotada pela Suprema Corte em seus julgado, vindo a sedimentar tal entendimento. Essa posição se baseia na premissa de que, o juiz ao reconhecer o estado de mora, deferirá uma ordem para que o impetrado edite a norma regulamentadora dentro de um prazo razoável estipulado pelo legislador. Não ocorrendo tal edição, caberá ao Judiciário exercer os atos necessários para permitir que o impetrante exerça o seu direito constitucional subjetivo não fruído pela inexistência de regulamentação.  Tal posição se materializou no artigo 8° da lei:

Art. 8º  Reconhecido o estado de mora legislativa, será deferida a injunção para:

I - determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora;

II - estabelecer as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados ou, se for o caso, as condições em que poderá o interessado promover ação própria visando a exercê-los, caso não seja suprida a mora legislativa no prazo determinado.

Tal providência permite uma garantia maior ao cidadão de ver garantido a fruição de seus direitos visto abrir a possibilidade de adoção de providências diretas por parte do judiciário em caso de omissão diante da determinação de prazo para que haja a edição de norma regulamentadora.  Além disso, diante de situações emergenciais pode o magistrado adotar a segunda hipótese imediatamente, para que o jurisdicionado goze do seu direito subjetivo.

A adoção de diferentes modalidades de eficácia subjetiva é outra mudança trazida pela lei regulamentadora. O artigo 9° disciplina que até o advento da norma regulamentadora, terá a decisão efeito inter parte, ou seja limitada as partes. No entanto, em seu parágrafo primeiro não elimina a possibilidade de ser conferida eficácia ultra partes ou erga omnes à decisão, quando isso for indispensável ao exercício do direito.

Conforme BARROSO,

A atribuição de eficácia geral à disciplina temporária assim instituída confere racionalidade ao sistema e tutela a isonomia, evitando que situações semelhantes recebam tratamentos distintos por motivos diversos. Em segundo lugar, veja-se que os poderes constituídos em geral, incluindo o legislador, estão submetidos à Constituição. No caso, o principal fator de legitimação da atuação do Judiciário é a omissão de outro Poder, que tinha como efeito a paralisação da eficácia de normas constitucionais.

Fica evidente a necessidade do efeito erga omnes em determinadas situações para tutelar os direitos difusos e coletivos, permitindo igualdade nas decisões e portanto albergado pelo principio da máxima efetividade dos direitos e garantias fundamentais.

Outra alteração trazida é a possibilidade do magistrado estender as decisões transitadas e julgadas a novos casos concretos por decisão monocrática do relator. Tal mudança traz maior celeridade nos julgamentos, devendo todavia o órgão julgador verificar a representatividade adequada a fim de garantir os interesses daqueles que não estão participando do processo, mas que são afetados por ele.

A lei regulamentadora também delineou a natureza transitória do mandado de injunção, pois a medida em que as omissões são supridas, tal instituto perde sua razão de ser. Fica também evidenciado a natureza subsidiária, atuando somente em casos de omissão total ou parcial de norma. Essas características atuam em consonância com a perfeita harmonia dos poderes, visto não ser atividade típica do judiciário a atividade legislativa e regulamentadora (executiva). Esse caráter é de extrema valia para o cidadão visto a proteção deste contra qualquer atuação ativista do judiciário na produção legiferante, tendo em conta ser um direito deste a escolha de representantes, através de um processo democrático de eleição.

A incorporação da possibilidade de writ em casos de omissão parcial foi uma inovação que ampliou o seu raio de atuação, visto a necessidade da norma editada pelo legislador ser suficiente para garantir o exercício do direito. O artigo 2°, em seu parágrafo único estabelece que “Considera se parcial a regulamentação quando forem insuficientes as normas editadas pelo órgão legislador competente.”.  Essa mudança permitiu ao cidadão a garantia de ver o seu direito ser plenamente incorporado ao seu patrimônio, não sendo suficiente a mera existência de uma norma reguladora, mas a plenitude de tal norma.

Outra alteração importante foi o aumento do rol de legitimados para a impetração do mandado de segurança coletivo, sendo pela lei tais:

Art. 12.  O mandado de injunção coletivo pode ser promovido:

I - pelo Ministério Público, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis;

II - por partido político com representação no Congresso Nacional, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas de seus integrantes ou relacionados com a finalidade partidária;

III - por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 (um) ano, para assegurar o exercício de direitos, liberdades e prerrogativas em favor da totalidade ou de parte de seus membros ou associados, na forma de seus estatutos e desde que pertinentes a suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial;

IV - pela Defensoria Pública, quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5o da Constituição Federal.

Parágrafo único. Os direitos, as liberdades e as prerrogativas protegidos por mandado de injunção coletivo são os pertencentes, indistintamente, a uma coletividade indeterminada de pessoas ou determinada por grupo, classe ou categoria.

Houve o acréscimo de tal competência ao Ministério Público e a Defensoria Pública, sendo portanto um ganho aos cidadãos visto ser tais instituições auxiliares a função jurisdicional do Estado e portanto presentes e atuantes nos direitos da coletividade.  No que tange ao Ministério Publico o mesmo será legitimo quando a tutela for requerida for especialmente relevante a defesa da ordem jurídica, do regime democrático ou dos interesses sociais ou individuais indisponíveis. A Defensoria Pública caberá atuar quando a tutela requerida for especialmente relevante para a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, na forma do inciso LXXIV do artigo 5° da CF/88.

A última novidade a ser destacada nesse estudo é a possibilidade de ação revisional em sede de decisão de MI, quando da superveniência de modificações fáticas ou de direito. Segundo o artigo da lei:

Art. 10. Sem prejuízo dos efeitos já produzidos, a decisão poderá ser revista, a pedido de qualquer interessado, quando sobrevierem relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito. Parágrafo único. A ação de revisão observará, no que couber, o procedimento estabelecido nesta Lei.

Tal ação não tem o condão de desconstituir a coisa julgada, tal como uma ação rescisória. Apenas rediscutir a aplicabilidade da decisão oferecida pelo Poder Judiciário diante de modificações nas circunstancias de fato e de direito.  É portanto necessário que haja uma decisão anterior e que tenha sido outorgada para que haja a implementação de tal ação, que possui natureza autônoma. Tal novidade é de extrema valia para que se oportunize uma nova apreciação diante de mudanças drásticas, sem ter-se a necessidade de desconstituir a já existente.


Conclusão

A Constituição Federal de 1988 criou uma figura singular para atender as especificidades do país, com contornos próprios e, portanto, garantir a plena efetivação dos direitos pelos cidadãos: o mandado de injunção, não havendo assim similitude no direito estrangeiro. A ausência de regulamentação de tal instituto por mais de 28 anos aliada a uma posição não concretista que vigorou por muitos anos no STF, permitiu que esse mecanismo fosse ignorado e tratado com superficialidade pela Doutrina Brasileira. No entanto, após a edição da lei 13.300/2016 e do overruling que fez a posição concretista tomar posição central na corte maior pode se conjecturar que boas mudanças virão e trarão consigo maior efetividade ao direito. Acredita-se que com o aumento da efetividade do Writ, haverá aumento da quantidade de ações nos tribunais, que atualmente são irrisórias.

Dessa forma, a lei regulamentadora trouxe várias inovações tais como soluções para os casos de omissões normativas, tanto parciais ou totais. Foram estabelecidos os procedimentos que disciplinarão as situações concretas, aumentado o rol de legitimados ativos para o mandado coletivo, a possibilidade de ação revisional, a extensão da eficácia em erga omnes, a definição da natureza transitória e subsidiária e adoção da posição concretista individual intermediária.

Todas essas mudanças trouxeram benefícios diretos para os cidadãos, pois permitiram o tratamento isonômico, maior celeridade, garantia da fruição de direitos e o ataque frontal e direto à síndrome da inefetividade das normas constitucionais através de um instrumento agora regulamentado e aperfeiçoado. Portanto, tal lei foi de extrema importância para a consolidação desse remédio constitucional e irá se refletir em maior efetivação de direitos pelos cidadãos.


REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

BOLDRINI, Rodrigo Pires da Cunha. Garantia de direitos e separação dos poderes. Dissertação de Mestrado. USP. 2012. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2134/tde-27082013-141654/en.php>. Acesso em: 04 dez. 2017.

CANOTILHO, J. J. Gomes (coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira). As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Editora Saraiva, 1993.

CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Primeiros comentários à Lei 13.300/2016 (Lei do Mandado de Injunção). Disponível em: <http://www.dizerodireito.com.br/2016/06/primeiros-comentarios-lei-133002016-lei.html>. Acesso em: 29 nov. 2017.

CUNHA JUNIOR, Dirley da. Controle de constitucionalidade: teoria e prática. 4. ed. rev, ampliada e atualizada. Salvador: Juspodvm, 2010.

FERRAJOLI, Luigi. Democracia y garantismo: edición de Miguel Carbonell. 2. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2010.

FONSECA, João Francisco N. da. O Processo do Mandado de Injunção. São Paulo: Saraiva, 2016.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.

MARQUES, Igor Emanuel de Souza; NETO, Dilson Cavalcanti Batista. As inovações da nova lei do mandado de injunção e o esvaziamento da adi por omissão. Constituição e democracia III. Organização CONPEDI/UNICURITIBA; Coordenadores: André Parmo Folloni, Julia Maurmann Ximenes, Ricardo Dos Reis Silveira – Florianópolis: CONPEDI, 2016. Disponível em: <https://www.conpedi.org.br/publicacoes/02q8agmu/u24ek09c/Cvrm1iybXvSzF2zS.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2017.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. – 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2017. Versão epub.

OLIVEIRA, Ana Carolina Ribeiro de. Mandado de injunção à luz da separação dos Poderes. Disponível em: <http://www.osconstitucionalistas.com.br/mandado-de-injuncao-a-luz-da-separacao-dos-poderes>. Acesso em: 22 nov. 2017.

PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas: ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.


Autor

  • José Luiz de Sousa Neto

    Atual TRF2. Foi Advogado e membro da comissão corporativa da OAB-ES. Pós Graduado USP. Administrador e especialista em Controladoria e Finanças na FUCAPE. Graduado em Direito pela Universidade Estácio de Sá e pós graduado em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes. Formado em Comércio Exterior e Contabilidade pela UVV. Foi Advogado concursado do Banco do Estado do Espírito Santo, exercendo Gestão e Advocacia Pública.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.