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A responsabilidade jurídica do adolescente em conflito com a lei penal

A responsabilidade jurídica do adolescente em conflito com a lei penal

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Trata-se do público infanto-juvenil que infringe as leis penais do ordenamento jurídico brasileiro, apresentando um breve histórico sobre a responsabilização penal desses adolescentes na história do nosso país.

Resumo: Este trabalho tem como escopo tratar sobre o público infanto-juvenil que infringe as leis penais do ordenamento jurídico brasileiro, é feita uma análise geral através de um breve histórico sobre a responsabilização penal desses adolescentes na história do nosso país, mostrando o seu desenvolvimento ao longo dos anos, bem como aborda as medidas socioeducativas que o Governo brasileiro aplica para transformar esta realidade social, pois, ainda que haja muitos problemas a serem sanados, as Medidas Socioeducativas trouxeram muitas melhorias para o tratamento desses jovens e a diminuição da arbitrariedade por parte dos detentores de poder.


1. INTRODUÇÃO

A implementação dos direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil é um tema que gera muitos estudos e indagações. É nesse contexto que a responsabilidade penal assume importante relevância, pois coexistem ideias de defesa do sistema de justiça infanto-juvenil ao lado de ideias que pregam a redução da maioridade penal.

Nesse diapasão, o objetivo desse estudo é demonstrar os aspectos jurídicos do instituto da responsabilidade penal do menor infrator, à luz do Código Penal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, visando analisar sua evolução e apontando a importância das medidas socioeducativas, como ferramenta da execução da responsabilidade penal, bem como, os aspectos psicológicos que envolvem essa discussão, assim, esclarecendo como a sociedade e o sistema jurídico observa o menor infrator.

Para tanto, é necessário que se entenda que foi através das mudanças societárias, essas que fomentaram grande intervenção nas relações sociais, que se passou a dedicar importância aos indivíduos que se encontravam em desenvolvimento psicossocial, visto que, estas pessoas seriam as próximas formadoras dos ideais sociais, influenciando nas decisões das nações. Em outras palavras, passou-se a discutir a situação das crianças e adolescentes, editando-se normas que regulassem essa faixa etária tão abandonada.

Dessa forma, edição de normas para essa faixa etária no Sistema Jurídico Brasileiro se deu em duas fases. A primeira fase é denominada fase da Situação Irregular, visto que as crianças e adolescentes só recebiam a devida atenção quando estavam em uma situação irregular, fora do berço familiar, por exemplo. Podemos percebê-la já nas Ordenações Filipinas, estas que estavam em vigência quando, em terras brasileiras, D. João VI desembarcou com sua corte, em 1808. Assim, de acordo com essas ordenações, as crianças eram severamente punidas, sem muita diferenciação dos adultos, pois a partir de sete anos a criança responderia por seus atos, ou seja, possuía imputabilidade penal, contudo ele eximia-se da pena de morte e lhe era concedido a redução da pena. Ainda, era adotado um sistema “jovem adulto” que iniciava entre dezessete e vinte e um anos, nessa faixa etária os infratores poderiam ser condenados à morte ou ter a sua pena diminuída, ademais, a imputabilidade penal plena se instaurava aos vinte e um anos.

Por conseguinte, em 1830 foi promulgado o primeiro Código Penal – Código Criminal do Império do Brasil, que fixou a imputabilidade plena aos 14 anos de idade e estabeleceu um sistema biopsicológico para a punição de crianças na faixa etária de sete a quatorze anos, sendo estes passíveis de recolhimento às casas de correção quando agissem com discernimento, podendo ser considerados relativamente imputáveis. O Código Penal de 1890 permaneceu com a adoção do critério biopsicológico, contudo estabeleceu inimputável penalmente o menor de até nove anos. È importante ressaltar que, contemporâneo ao Código Penal de 1890, começaram a surgir alguns pensamentos que oscilavam entre preocupação com a defesa da criança e preocupação com a defesa da sociedade, decorrentes da Proclamação da República, quando as elites intelectuais, políticas e filantrópicas começaram a discutir a temática da criança.

Desta forma, foi apenas em 1927 com gestação do Código de Menores que a responsabilidade penal do menor passou a ser tratada efetivamente. Influenciado pelo movimento internacional pelos direitos das crianças que inaugurou o reconhecimento da sua condição distinta do adulto, no século XX, e pela criação do Tribunal de Menores no Brasil, em 1923, o aludido diploma consolidou leis de assistência e de proteção aos menores, mostrando-se profundamente preocupado com essa faixa etária, como bem afirma a Promotora de Justiça, Janine Borges: “O Código de Menores reflete um profundo teor protecionista e a intenção de controle total das crianças e jovens, consagrando a aliança entre Justiça e Assistência, constituindo novo mecanismo de intervenção sobre a população pobre.” (BORGES, Janine. Revista do Ministério Público. n° 51. Pág. 267.). Foi nesse momento que se construiu a categoria do menor, uma categoria que simbolizava a infância pobre e potencialmente perigosa, diferenciando-a do resto da infância.

Nesse diapasão, a segunda fase, denominada Doutrina da Proteção Integral, se deu com a Convenção das Nações Unidas, em 1989, que se Consagrou a Doutrina da Proteção Integral, esta que deu nome a segunda fase, 30 anos após a Declaração dos Direitos das Crianças que foi adotada pela Assembleia das Nações Unidas. Tal Doutrina, dentre outras determinações, declarou que a família em conjunto com a sociedade e o Estado devem assegurar, à criança e ao adolescente, prioritariamente, os direitos: à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além disso, devendo colocá-los a salvo de negligências, exploração, violência, discriminação, crueldade e opressão. 

No Brasil, essa Doutrina foi consolidada na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, que versa:

 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988. pág.).

A partir dessa análise histórica, podemos perceber a gradativa evolução da problemática do sistema infanto-juvenil sob a ótica penal. Assim, é importante o entendimento da maneira como o atual Código Penal Brasileiro trata essa questão, que está sobre regência da Doutrina da Proteção Integral, consagrada na CF/88, como foi anteriormente mencionado. (SOARES, [entre 2000 e 2017]).


2. METODOLOGIA

A realização do presente trabalho abordou uma pesquisa de natureza básica, intencionando ampliar o conhecimento sobre o tema, sem se ter uma aplicação imediata. Para tanto, utilizou-se o método indutivo científico, pois a partir de algumas análises, chegou-se a uma conclusão generalizada. Ainda, utilizou-se o procedimento bibliográfico para análise de fontes históricas e jurídicas concerne à responsabilidade penal e o procedimento documental. Por meio desta metodologia, foi feita uma evolução histórica e uma análise jurídica sobre a responsabilidade penal do menor infrator, verificando-se a sua relevância social.  


3. RESULTADOS E DISCUSSÕES

O Código Penal afirma a inimputabilidade do menor de dezoito anos. A imputabilidade é ato cometido por agente a fim de que se apliquem a ele as sanções penais previstas em lei, ou seja, seria atribuir uma penalidade mediante uma conduta; já a inimputabilidade faz referência às condutas que não se podem considerar imputável, que não sofrerão juízo de reprovabilidade. A menoridade no ponto de vista penal é vista como um desenvolvimento mental incompleto, vislumbrado através de um critério puramente biológico, onde entendeu o legislador que o menor de dezoito anos não goza de uma capacidade inteira para que se possa aplicar aos atos cometidos por ele uma prática de ato ilícito ou um fato típico (GRECO, 2015).

 A inimputabilidade do adolescente em conflito com a lei vem regida no Artigo 27º do Código Penal Brasileiro: “os menores de 18 (dezoito) anos são inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial” (BRASIL, 1940), legislação essa que iremos tratar adiante. A questão da inimputabilidade do menor encontrada no artigo citado é tão indispensável que foi tratada na Constituição Federal, em seu Artigo 288º, com mesma redação do Artigo 27º do Código Penal.

 A maioridade para fins de Direito Penal é adquirida no primeiro minuto de seu aniversário, não importando o horário de nascimento (GRECO, 2015), mas antes que sejam punidos por estes, há outros documentos jurídicos que se responsabilizam pelos menores de dezoito. A punição oferecida aos menores infratores se dá através do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.8.069/90) e do Estatuto da Juventude (Lei n.12.852/13), se diferenciando da punição de um adulto comum, evitando, assim, a arbitrariedade sobre os menores de idade. É necessário afirmar que, para o Estatuto da Criança e do Adolescente, é elencando em seu artigo 2º a definição das idades da criança e do adolescente, sendo a primeira até os 12 anos e os segundo entre 12 e 18 (BRASIL, 1990). Já o Estatuto da Juventude, vem elencado no § 1º do artigo 1º que jovens são todos aqueles entre 15 e 29 anos (BRASIL, 2013). No que diz respeito ao Estatuto do Jovem, aqueles que têm 18 e 29 anos só serão responsabilizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente se tiverem cometido atos infracionais antes de completarem os 18.

É importante ressaltar a definição de ato infracional pelo Estatuto para que possamos estudar suas medidas de reintegração social desses menores infratores, considerando infração penal como uma “conduta descrita como crime ou contravenção penal” (BRASIL, 1990), desde que seja cometido entre as idades definidas no Estatuto da Criança e Adolescente (entre 12 e 18 anos).

Aludido Estatuto será o responsável por aplicar a estes menores de dezoito anos algumas medidas para que sejam responsáveis, de uma forma adequada, pelos seus atos; regras essas que são chamadas de Medidas Socioeducativas e Medidas Protetivas, dispostas no rol do artigo 112 e 101 deste Estatuto, respectivamente, trazendo normas para as autoridades que são competentes aplicarem aos adolescentes que violaram a lei, evitando que estes voltem a desrespeitá-la, como uma regeneração deste menor (MATOS, 2012, p. 02 apud BARROSO FILHO, 2011).

O verdadeiro interesse das Medidas Socioeducativas é a chamada ressocialização, ou seja, é o interesse de reintegrar o jovem para a sociedade, a fim de que este mesmo não cometa delitos novamente. É diferente das Medidas Protetivas, que visam proteger a crianças, que ainda não tem discernimento para entender o ato infracional que cometeu; a primeira diz respeito a aplicar sanções voltadas para a educação, para que seja repreendido da forma correta pelo o erro que cometeu e a segunda será aplicada unicamente em casos em que a criança não possuir sensatez para definir seu ato como infracional (COUTO, 2013).

Ademais, tais medidas foram instituídas considerando que esses indivíduos atravessam uma etapa peculiar em sua formação, necessitando algo que vai além da punição ou adaptação social, necessitando da criação de possibilidades para o surgimento de um indivíduo autônomo e crítico, capaz de se assumir como cidadão, como ator social em constante interação com a família e a sociedade.

Portanto, é fundamental que, nesse momento, haja a atuação do psicólogo, bem como outros profissionais que lidem especificamente com esse público, visto que os mesmos são capacitados para atuar na busca do bem-estar do adolescente, ajudando-o a encontrar na justiça a ressignificação do seu ato e de responsabilização por ele, bem como de estratégias para lidar com essa realidade. Tal atuação, ainda, configura-se como uma forma de construção da subjetividade, tornando esse adolescente em conflito com a lei em um indivíduo com histórias, demandas, ele passa a ser um indivíduo em desenvolvimento. Isto é, o psicólogo passará a acompanhar o processo de subjetivação que traz condigo uma trajetória familiar que está inserida em determinado contexto socioeconômico determinado historicamente. Consequentemente, tornando a prática de justiça mais humana. (ALVES, 2009).

Por conseguinte, fala-se ainda que uma das maiores mudanças trazidas na Lei. 8.069/90 foi o controle de arbitrariedade que anteriormente não existia sobre o menor. Vejamos, em conformidade com Matos (2012 apud MACHADO, 2003, p. 56), “nenhum adolescente será privado de liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial”, este é o entendimento do artigo 106, impossibilitando de que prendam qualquer menor desamparado por imaginá-los como suspeito ou que colocam a segurança social em risco sem nenhuma prova, apenas por preconceito.


4. CONCLUSÃO

Com base no que foi explanado, é concludente que a responsabilização penal do menor mostrou-se através do tempo mais preocupada com a proteção do menor, do que com a defesa da sociedade, abandonando uma visão excludente e adotando uma visão mais socialista e humanitária, buscando entender as limitações biológicas e necessidades da infância e juventude, criando, dessa forma, um sistema próprio, adequado a situação desses indivíduos.

 É também notório que as alterações jurídicas que se mostraram através desta historicidade melhoraram a forma como são tratados estes menores, evitando a arbitrariedade que era imposta sobre eles. O Direito da criança e do adolescente passou a ser respaldado nos Direitos Humanos, sendo assegurados pela Constituição Federal e passou a ser responsabilidade do governo, a sociedade e a família pela proteção desses jovens em conflito com a lei (MATOS, 2012). 

Outra mudança importante citada foram as Medidas Socioeducativas e as Medidas Protetivas que substituíram as sanções penais que poderiam colocar em risco o desenvolvimento destes menores (COUTO, 2013). O foco principal dessas medidas tornou-se a reintegração social dos que cometeram os atos infracionais, ou seja, a reinserção na sociedade de maneira adequada sem que estes voltem a cometer atos de infração novamente.

No entanto, apesar das melhores citadas, o Estatuto da Criança e do Adolescente não surtiu completamente os efeitos desejados, já que as principais dívidas do país para com estes adolescentes estão relacionadas à desigualdade social. É de extrema importância o Brasil ter aceitado esta lei, pois com ela veio muitas melhorias, mas ainda há muitas lacunas a serem preenchidas (VOLPI, 2015) faz referência ao fato que dita lei pode ter diminuído a mortalidade infantil, mas não diminuiu o homicídio causado por estes menores. No entanto, o problema não é causado pela redação lei e sim pela falta de ação pública quanto à aplicação das medidas redigidas por ela.

Ademais, é imprescindível que concomitante à aplicação das medidas socioeducativas, exista um acompanhamento psicológico do adolescente em conflito com a lei, visto que, só dessa forma haverá um processo de subjetivação, nos levando a entender a real problemática do indivíduo e a sanção a ele aplicada terá mais efetividade, dado que será aplicada conforme suas necessidades, bem como, possibilitando um processo de ressocialização e ressignificação dos seus atos.

É conclusivo, destarte, que para sanar a problemática do adolescente em conflito com a lei, haja uma efetividade na aplicação das normas, visto que, todo o aparato jurídico é existente, não necessitando da criação de novas normas. Além disso, é basilar a incumbência à sociedade do cuidado aos menores, da proteção e busca por seu resgate. Somente dessa forma, consolidaremos a Doutrina da Proteção Integral, bem como, os Direitos das Crianças e Adolescentes, que serão os responsáveis pela sociedade próspera.


5. REFERÊNCIAS

ALVES, Cândida et al. Adolescência e Maioridade Penal: Reflexões a partir da Psicologia e do Direito. Psicologia Política, Brasil, v.9, n.17, p 67-83, jan./jun. 2009.

SOARES, Janine Borges. A Construção da Responsabilidade Penal do Adolescente no Brasil: uma análise histórica. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id186.htm>. Acesso em: 6 out. 2017.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Parte geral, Rio de Janeiro: Impetus, 2015.

BRASIL. Código Penal - Decreto-Lei nº 2.848. Promulgado em 7 de dezembro de 1940. Brasília, DF, 1940.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069. Promulgado em 13 de julho de 1990. Brasília, DF, 1990.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, DF, 1988.

BRASIL. Estatuto da Juventude - Lei nº 12.852. Promulgado em 5 de agosto de 2013. Brasilia, DF, 2013.


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