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A mora

A mora

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O retardamento na solução de uma obrigação denota a inadimplência. A mora não é um fato jurídico, mas efeito de um fato jurídico. Saiba um pouco mais sobre isso.

I – O TEMPO NO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES E A CULPA

O retardamento na solução de uma obrigação denota a inadimplência.

O devedor, ou credor, constitui-se em mora porque demora em prestar ou em receber. A mora não é um fato jurídico, mas efeito do fato jurídico. 

Para Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, tomo XXIII, ed. Bookseler, pág. 152), a mora, ou é efeito imediato do fato jurídico, ou do advento do termo, por mínimo que seja, ou da condição ou é efeito da interpelação, ato jurídico stricto sensu.

A mora, compreendendo a do que cometeu o ato ilícito stricto sensu, era a mora em sentido largo, que também compreendia a do esbulhador, a dos créditos de menores, a do devedor que se não encontrava.

Caindo em mora o devedor há de se saber se ainda é útil ao credor a prestação tardia. Se não no é, não se pode pensar em purgação em mora. Mas é preciso apurar-se ainda se é possível. 

Já se tinha dos termos do artigo 952 do Código Civil de 1916 que na falta de ajuste e na ausência da disposição especial na lei, de que resulte o termo decorrente da própria natureza da obrigação é esta exigível imediatamente.

Se a obrigação é condicional, somente poderá demandar-se após o implemento da condição, cumprindo ao credor a prova de sua vigência pelo devedor.

Só o fato de haver mora ex re, que não exige a culpa do devedor(H. Siber, Romisches Recht, II, 254 s) bastaria para que não se pudesse falar de culpa como elemento da mora. Pelo simples fato de chegar a data em que se havia de prestar e não se prestou, há mora. No direito clássico, a mora somente podia ser ex persona e não havia duas espécies de mora, a mora ex re e a mora ex persona, mas apenas a mora ex persona ou mediante interpelação.

No direito de Justiniano, a interpellatio era meio de prova da falta e não requisitada mora. A exigência da interpelação, no direito comum, era tirada pelos juristas da L. 32, pr. D, de rebus creditis si certum petetur et de condictione.

Na opinião de Pontes de Miranda(obra citada, pág. 156), a mora ex re não foi criação medieval, mas de Justiniano. Chegou até os sistemas jurídicos de hoje, através do direito comum. Assim expôs que no Código Civil havia duas espécies de mora ex re, nos artigos 397 e 398.

Se o direito romano adotava o princípio da culpa, a unidade de opinião quebrou-se na Idade Média.

Segundo Pontes de Miranda(obra citada, pág. 156), o artigo 963 do Código Civil de 1916, a que no Código Civil de 2002 corresponde o art. 396, foi redigido para que o direito brasileiro tomasse posição; ou a) exigir o elemento da culpa ou b) não o exigir. Adotou-se a segunda atitude, que é a do princípio da imputabilidade, ou da causação, em vez do princípio da culpa. Essa opinião se firmou com P. Oertmann, Ernst Meumann, dentre outros, segundo Pontes de Miranda.

Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 53, § 3º, lê-se: “Porém, se a coisa perecesse por caso fortuito, não será obrigado o comodatário a pagar o dano, salvo quando no dito caso fortuito interviesse culpa sua; assim como se pedisse um cavalo emprestado para ir a uma certa romaria, e fosse à guerra, ou saísse aos touros, aonde lhe matassem o cavalo, ou se foi em mora de tornar a coisa emprestada à seu tempo, ou entre as partes foi acordado, que o recebeu a coisa emprestada, ficasse obrigado aos casos fortuitos”.

Atribuiu-se a Carlos de Carvalho(Nota Consolidação, art. 877) ter adotado o princípio da culpa. Mas Carlos de Carvalho admitia a mora sem culpa.

No Código Comercial nenhuma alusão se fez à culpa. A despeito disso J. X. Carvalho de Mendonça(Tratado de direito comercial, VI, livro IV, 362), segundo Pontes de Miranda, mergulhou no direito romano e tirou a regra jurídica que hoje está no artigo 396 do Código Civil, que a “culpa” é elemento da mora do devedor.

Quando a obrigação é a termo, não é lícito ao credor reclamar seu cumprimento antes do respectivo advento, sob pena de ser classificado seu procedimento como ilícito e obrigado a esperar o que faltava para o vencimento.

Tem-se do Código Civil em vigência:

Art. 332. As obrigações condicionais cumprem-se na data do implemento da condição, cabendo ao credor a prova de que deste teve ciência o devedor.

Sabe-se, então, que uma das circunstâncias que acompanham o pagamento, forma de extinção das obrigações, é o tempo. A obrigação deve executar-se de forma oportuna.

Cogita-se na mora do devedor, mais comum, e ainda na mora do credor, que pode determinar o ajuizamento de uma ação de consignação em pagamento, caso ele, o credor, de forma prevista na lei, não queira receber o pagamento.

A mora solvendi é a ausência de pagamento oportuno da parte do devedor. Para sua caracterização concorrem três fatores: exigibilidade imediata da obrigação, inexecução culposa e constituição em mora.

A exigibilidade imediata pressupõe ainda a liquidez e a certeza. Para que se diga em mora, é mister, pois, e antes de tudo, que exista uma dívida, e que esta seja certa: a saber, decorre da obrigação, seja convencional ou não, de uma obrigação determinada.

A certeza não acompanha apenas a obrigação pecuniária ou a de dar, mas está presente ainda na de fazer ou não fazer. Certa é a prestação caracterizada por seus elementos específicos. Liquida quando, além de certeza do débito, está apurado o seu montante ou individualizada a prestação.

O Código Civil de 1916 ao tratar da liquidação das obrigações estatuiu a fluência dos juros moratórios nas obrigações ilíquidas desde a inicial(artigo 1.536, § 2º). Nas obrigações decorrentes de crime, que contém juros compostos, desde o tempo deste(artigo 1.544).

A culpa do devedor é outro elemento essencial para a mora debitoris, segundo Caio Mário da Silva Pereira(Instituições de Direito Civil, volume II). 

Não há mora do devedor se não houver fato ou omissão a ele imputável.


II – CONTAGEM E CÁLCULO DOS JUROS DE MORA

Observe-se o artigo 405 do Código Civil atual:

Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.

Por sua vez, determina o artigo 406 do Código Civil: .

Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

A matéria apresenta várias divergências como se lê do que escreveram Gilberto Canhadas Filho e André Tan Oh(Juros monetários nas demandas judiciais):

“Assim, com fundamento no caput do artigo 406 do CC, combinado com o parágrafo primeiro do artigo 161 do CTN, tornou-se corriqueira a aplicação de juros moratórios à razão de um por cento ao mês.

No entanto, importante ressaltar que o atual Código Civil não fixa os juros de mora em um por cento. Veja-se:

“Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” (grifo nosso).

Portanto, ao contrário do Código Civil de 1916, que fixava os juros de mora em seis por cento ao ano, o atual Código Civil apenas determina que, caso as partes não tenham pactuado uma taxa de juros aplicável, deverá ser fixada a taxa que estiver em vigor para o pagamento de impostos da Fazenda Nacional.

Com a atenta leitura desses dispositivos, surge o questionamento quanto à taxa aplicável para os casos em que não tenha havido estipulação antecedente expressa.

Inúmeros julgados endossam a aplicação de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, sendo estes fixados pelo artigo 161, §1º, do Código Tributário Nacional, conforme verifica-se:

“[...] CONSOLIDAÇÃO DO MONTANTE DEVIDO Juros de mora Incidência a razão de 1% ao mês, a contar da citação Exegese do disposto no artigo 406, do Código Civil, e artigo 161, § 1º, do Código Tributário Nacional Atualização monetária Aplicação da Tabela Prática do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Impugnação do quantum devido a título de verba honorária Incidência à razão de 10% sobre o valor da condenação Aplicação do disposto no artigo 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil”1.

No entanto, o Código Tributário Nacional, expressamente, determina a aplicação da taxa de 1% (um por cento), apenas nos casos em que a lei não dispuser de modo diverso: “Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária. § 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.” (grifo nosso)

Contudo, outra corrente jurisprudencial vem se estabelecendo, autorizando a aplicação da Taxa Selic, com fundamento nos artigos 13 da lei 9.065/95 e 39, §4º, da lei 9.250/95.

Isso porque as leis mencionadas são posteriores ao Código Tributário Nacional e fixam a taxa SELIC para cálculo de juros de títulos federais, como é o caso do artigo 13 da lei 9.065/95:

Art. 13. A partir de 1º de abril de 1995, os juros de que tratam a alínea c do parágrafo único do art. 14 da Lei nº 8.847, de 28 de janeiro de 1994, com a redação dada pelo art. 6º da Lei nº 8.850, de 28 de janeiro de 1994, e pelo art. 90 da Lei nº 8.981, de 1995, o art. 84, inciso I, e o art. 91, parágrafo único, alínea a.2, da Lei nº 8.981, de 1995, serão equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente. (grifos nossos)

Merece destaque, ainda, a lei 9.250/95, que trouxe alterações sobre a arrecadação do Imposto de Renda e reforça a aplicação da Taxa Selic para títulos federais, nos seguintes termos:

“§ 4º A partir de 1º de janeiro de 1996, a compensação ou restituição será acrescida de juros equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, calculados a partir da data do pagamento indevido ou a maior até o mês anterior ao da compensação ou restituição e de 1% relativamente ao mês em que estiver sendo efetuada.” (grifo nosso)

Aliás, esse é o entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça:

"CIVIL. JUROS MORATÓRIOS. TAXA LEGAL. CÓDIGO CIVIL, ART. 406. APLICAÇÃO DA TAXA SELIC. 1. Segundo dispõe o art. 406 do Código Civil, "Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional". 2. Assim, atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere o referido dispositivo é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95, 84 da Lei 8.981/95, 39, § 4º, da Lei 9.250/95, 61, § 3º, da Lei 9.430/96 e 30 da Lei 10.522/02). 3. Embargos de divergência a que se dá provimento."2 (grifos nossos)

Tal entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu o posicionamento do STJ sobre o tema.

Por outro lado, ainda nos deparamos com julgados aplicando os juros de 1% ao mês, conforme recente decisão da 21ª Câmara de Direito Privado de São Paulo:

“CONTRATO BANCÁRIO - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - Legalidade - Prestações fixas - Conhecimento prévio do ágio bancário que descaracteriza ilícita capitalização para fins de usura – JUROS DE MORA - incidência no percentual de 1% ao mês, a teor do que prescreve o artigo 406 do Código Civil, combinado com o art. 161, § 1o do Código Tributário Nacional - Recurso provido em parte - Sentença reformada em parte. RESPONSABILIDADE CIVIL - Indenização por danos morais - Inclusão do nome do autor em banco de dados - Prejuízo de ordem moral não comprovado - Autor já possuía restrições quando do apontamento aqui discutido - Recurso provido em parte - Sentença reformada em parte”.3 (Grifos nossos)

Como se vê, o Código Civil é claro ao dispor que os juros moratórios deverão ser fixados com base na taxa em vigor para cálculo da mora de tributos devidos à Fazenda Nacional, qual seja, a taxa SELIC, conforme disposto por leis especiais posteriores ao Código Tributário Nacional.”

Em precedentes relatados pela ministra Denise Arruda (REsp 830.189) e pelo ministro Francisco Falcão (REsp 814.157), a 1ª Turma do STJ entendeu que a taxa em vigor para o cálculo dos juros moratórios previstos no artigo 406 do CC é de 1% ao mês, nos termos do que dispõe o artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional, sem prejuízo da incidência da correção monetária. Já em precedentes relatados pelos ministros Teori Zavascki (REsp 710.385) e Luiz Fux (REsp 883.114), a mesma 1ª Turma decidiu que a taxa em vigor para o cálculo dos juros moratórios previstos no artigo 406 do Código Civil é a Selic.

A opção pela taxa Selic tem prevalecido nas decisões proferidas pelo STJ, como no julgamento do REsp 865.363, quando a 4ª Turma reformou o índice de atualização de indenização por danos morais devida à sogra e aos filhos de homem morto em atropelamento, que inicialmente seria de 1% ao mês, para adotar a correção pela Selic. Também no REsp 938.564, a turma aplicou a Selic à indenização por danos materiais e morais devida a um homem que perdeu a esposa em acidente fatal ocorrido em hotel onde passavam lua de mel.


III – OS JUROS DE MORA E O ARTIGO 407 DO CÓDIGO CIVIL

Os juros moratórios são indenização ao credor; não restituição das vantagens que em ou poderia ter o devedor como ter ficado com a prestação.

Para Pontes de Miranda(obra citada, pág. 218), “ninguém, atentamente, poderia pretender que os juros moratórios só se contam se houve culpa do devedor. Trata-se, precisamente, de indenização ao credor que a lei considerou prejudicado. O expediente técnico da contagem de juros moratórios, com taxa legal, teve a finalidade de evitar as dificuldades de avaliação dos danos. Com ele, dispensou-se qualquer alegação e prova deles, e fez-se surgir à pretensão a juros moratórios ainda que, faticamente, não tenha havido danos, ou não possam ser provados, ou se haja provado não terem existido.

Por sua vez, dita o artigo 407 do Código Civil:

Art. 407. Ainda que se não alegue prejuízo, é obrigado o devedor aos juros da mora que se contarão assim às dívidas em dinheiro, como às prestações de outra natureza, uma vez que lhes esteja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes.

Em 2011, a Quarta Turma do STJ decidiu, por maioria, no julgamento julgamento do REsp 903.258/RS, que, “em se tratando de indenização por dano moral, os juros moratórios devem fluir, assim como a correção monetária, a partir da data do julgamento em que foi arbitrado em definitivo o valor da indenização”. Nos termos do voto da Ministra Relatora Maria Isabel Gallotti:

"[...] como a indenização por dano moral (prejuízo, por definição, extrapatrimonial) só passa a ter expressão em dinheiro a partir da decisão judicial que a arbitrou, não há como incidir, antes desta data, juros de mora sobre quantia que ainda não fora estabelecida em juízo. Dessa forma, no caso de pagamento de indenização em dinheiro por dano moral puro, entendo que não há como considerar em mora o devedor, se ele não tinha como satisfazer obrigação pecuniária não fixada por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes. Incide, na espécie, o art. 1.064 do Código Civil de 1916, segundo o qual os juros de mora serão contados ‘assim às dívidas de dinheiro, como às prestações de outra natureza, desde que lhes seja fixado o valor pecuniário por sentença judicial, arbitramento, ou acordo entre as partes’. No mesmo sentido, o art. 407 do atual Código Civil. Ainda em 2011, a Segunda Seção do STJ apreciou, no julgamento do REsp 1.132.866/SP, a questão do termo inicial dos juros de mora nas obrigações de compensação por dano moral. A Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, invocando o acórdão da Quarta Turma, manteve o posicionamento quanto à incidência dos juros somente a partir do momento da condenação. Prevaleceu, contudo, a tese oposta, na linha do voto do Ministro Sidnei Beneti, Relator para Acórdão neste Recurso Especial. Conforme observou o eminente Ministro: "[...] os juros moratórios diferem, etiologicamente, da correção monetária, pois esta serve como mera atualização do valor fixado, de modo que seu curso deve dar-se a partir da data cujas bases monetárias, atuais ou passadas, tenham sido consideradas para arbitrar a indenização, ao passo que os juros de mora, no caso de indenização, de qualquer natureza, devem correr a partir da data do evento causador do dano. Não obstante a indenização por dano moral só passe a ter expressão condenatória em dinheiro a partir da decisão judicial que a arbitra, a mora que fundamenta a incidência dos juros existe desde o ato ilícito que desencadeou a condenação à reparação dos danos morais.35 Não obstante o posicionamento adotado, por apertada maioria, na Segunda Seção do STJ, a questão ainda gera acirrado debate, o que parece se comprovar com a afetação do REsp 1.479.864/SP à sistemática dos recursos repetitivos, por decisão de 2015 do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. A decisão tem por escopo que o julgamento do Recurso Especial possa [...] uniformizar do entendimento sobre as seguintes questões jurídicas: (i) distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual em danos causados por acidentes ferroviários; (ii) termo inicial dos juros de mora incidentes na indenização por danos morais nas hipóteses de responsabilidade contratual e extracontratual.36 Como se percebe, boa parte dessas questões se relacionam à concepção segundo a qual seria injusto responsabilizar o devedor que não pode cumprir sua obrigação, por desconhecê-la. Ignorando-se a função dos juros no ordenamento jurídico brasileiro – v. item 1, supra, – busca-se apoio dogmático com a interpretação enviesada do art. 407 do Código Civil. Cumpre analisar, portanto, a norma objeto da controvérsia. O art. 407 reproduz, quase integralmente, o art. 1.064 do Código Civil de 1916. A alteração reduz-se à substituição da expressão “desde que” pela locução “uma vez que”. Não é difícil perceber que a alteração em nada auxiliou na solução da questão, já vetusta, de se “[...] saber se a expressão legal ‘desde que’ é causal ou, ao invés, temporal”.

A matéria já era objeto de calorosa discussão quando da redação do artigo 1.064 do Código Civil.

Pontes de Miranda (2012b, p. 85) asseverava a existência de três regras jurídicas decorrentes do aludido artigo, ressaltando, quanto à terceira, não haver relação com a fluência dos juros de mora: “Há três regras jurídicas no art. 1.064: a primeira estabelece o princípio da desnecessidade de dano para eficácia da mora (= mora surte efeitos ainda que nenhum prejuízo tenha havido); a segunda estabelece que, nas dívidas de dinheiro, a mora tem os efeitos de produção de juros desde que ela ocorre, inclusive na espécie do art. 962; a terceira faz depender da sentença, judicial ou arbitral, ou do acôrdo dos interessados a contagem dos juros, nas dívidas em que a prestação não seja de dinheiro, não, porém, a fluência, que é desde a mora”. Propunha o autor distinção quanto à contagem e à fluência dos juros moratórios, à luz da jurisprudência da época: “Alguns acórdãos confundem, lamentavelmente, fluência e contagem: 1.ª Câmara Cível da Côrte de Apelação do Distrito Federal, 7 de janeiro de 1918 (R. de D., 48, 567; R. J., 11, 159), e 2.ª Câmara, 13 de outubro de 1922, (R. de D., 68, 390; contra, a 15 de julho de 1921, R. de D., 62, 323). [...] A 3.ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, a 5 de junho de 1952 (R. dos T., 203, 194), julgou certo, dizendo que os juros da mora se somam desde a citação inicial, mas sobre o principal, posteriormente determinado na sentença de liquidação. Viu bem a diferença entre fluência e contagem de juros. Apenas deveria ter dito, mais explicitamente: ‘desde a citação inicial se de algum momento anterior não fluíam’. Os juros legais contam-se sobre o capital (e sobre os juros devidos, a despeito do Decreto n. 22.626, de 7 de abril de 1933, art. 4º) a partir da citação inicial, se não houve mora anterior. Os juros moratórios correm da mora”.

Clovis Bevilaqua(Comentários) esclarecia: A locução ‘desde que’ (lhe esteja fixado o valor pecuniário) não indica o tempo da constituição em mora, e sim a determinação do que é necessário para que se possam contar juros das prestações, que não tem por objeto somas de dinheiro (BRASIL, 1958, p. 178).

Em parecer de 1901, Amaro Cavalcanti observou criticamente: “O projecto não diz si as suas disposições sobre juros legaes só se applicam aos pagamentos em dinheiro, ou si, também, a qualquer outra prestação, uma vez computada ou convertida em valor monetario” (BRASIL, 1918, p. 433). O eminente jurista, Ministro do Supremo Tribunal Federal entre 1906 e 1914, destacou que o projeto apenas mencionava serem devidos os juros de mora em seu artigo 1.209, que tratava das obrigações de dinheiro.43 Levantando a questão, posicionou-se favoravelmente à incidência dos juros independentemente da natureza da prestação: “Acho que elles são devidos em todos os casos de móra, sempre que não haja estipulação contraria a respeito”. Em seguida, conclui seu raciocínio:

“Si a prestação fôr dinheiro, serão contados sobre a importância conhecida da mesma; si fôr causa diversa ou um serviço prestado, sobre o valor pecuniario, que se lhe der por arbitramento ou de outro modo (sentença judicial, accordo das partes, etc.).”

A partir de tais discussões é que se incorporou ao art. 1.064 do Código Civil de 1916 – correspondente, em substância, ao art. 407 do Código vigente – sua parte final. Seu objeto, portanto, jamais foi a fixação de termo inicial dos juros de mora. A preocupação que deu origem à emenda consistia em esclarecer que a incidência dos juros não estaria restrita às obrigações de dinheiro, estendendo-se também às de outra natureza, o que somente seria possível, à evidência, por meio da fixação de seu valor pecuniário.


IV – A RESPONSABILIDADE DA PARTE EM MORA

Responde o devedor pelos prejuízos a que der causa o retardamento da execução.

O devedor em mora responde por todos os danos que a mora cause. No direito comum, podia o credor exigir a prestação mais a indenização do dano que a dilação produzisse; se o interesse do credor cessava, ou exigia ele o correspondente em dinheiro ou, nas obrigações recíprocas, recusava-se a contraprestar ou, se já contraprestara, pedia a restituição da contraprestação, como ensinou Mommsen(Die Lehre von der mora, 258). O direito de resolução é criação posterior; em vez de se exigirem danos, ou de se poder denegar a prestação, ou de se repetir o que s prestou, o direito contemporãneo(artigos 475 - 476) adotou, nos contratos bilaterais, a denegçaão(exceptio non adimpleti contractus), a exigência do cumprimento, com perdas e danos, ou o direito da resolução, tenha sido, ou não, satisfeito o devedor em mora. Por outro lado, ao credor ficou exigir a prestação mais as perdas e danos, ou a indenização por inadimplemento(artigos 389 e 395, parágrafo único). Há, nos contratos bilaterais: a) a pretensão à prestação devida mais a pretensão às perdas e danos pela mora(artigo 395); b) a pretensão à indenização total(falta de prestação mais as perdas e danos pela mora), que o credor, se não tem interesse na prestação(artigo 395, parágrafo único); c) exercível a seu líbito a pretensão à resolução do contrato bilateral(artigo 475). 

Em razão disso, há a ação de preceito cominatório. Nas obrigações continuativas ou duradouras, a resolução é só ex nunc, ou a partir de termo, ou condição e chama-se resilição, tal como acontece nas locações, seja por denúncia vazia ou cheia, na sociedade e outros contratos. 

Nas obrigações alternativas, a mora não extingue o direito de escolha. 

Para emendar a mora solvendi, o devedor oferecerá a prestação, mais a importância dos prejuízos decorrentes até o dia da oferta, abrangendo os juros moratórios e o dano emergente para o credor, acrescido daquilo que ele razoavelmente deveria ganhar, se a solutio fosse oportuna.

Considera-se ainda purgada a mora, por parte do credor ou do devedor, quando aquele que se julgar por ela prejudicado renunciar aos direitos que da mesma lhe possam advir.

O autor não pode recusar a purga tempestiva da mora, porque incorreria em mora de credor, como já dizia Gabriel Pereira de Castro( Decisiones, 496). 

A mora do devedor traz algumas consequências jurídicas como a responsabilidade pelos danos causados (Artigo 395, Código Civil), possibilidade de rejeição, pelo credor, do cumprimento da prestação, se por causa da mora ela se tornou inútil ou perdeu seu valor (Artigo 395, parágrafo único, Código Civil), e responsabilidade mesmo que se prove o caso fortuito e a força maior, se estes ocorrerem durante o atraso, exceto se provar isenção de culpa ou que o dano teria ocorrido de qualquer forma (Artigos 399 e 393 do Código Civil).


V – A CONSTITUIÇÃO EM MORA

Discute-se com relação a constituição em mora, a mora ex persona e a mora ex re.

  • Mora ex re (Artigos 397, 1ª alínea, 390 e 398 do Código Civil): Decorre da lei. Esta resulta do próprio fato da inexecução da obrigação, independendo, de provocação do credor.
  • Mora ex persona (Artigos 397, 2ª alínea do Código Civil; Artigos. 867 a 873 e 219 do Código de Processo Civil): Ocorre quando o credor deva tomar certas providências necessárias para constituir o devedor em mora (notificação, interpelação, etc.)

Dá-se a mora ex persona, na falta de termo certo para a obrigação. O devedor não está sujeito a um prazo assinado ao título, o credor não tem um momento predefinido para receber. Assim não se poderá falar, então, em mora automaticamente constituída. Ela começara da interpelação, notificação ou protesto que o interessado promover e seus efeitos produzir-se-ão ex nunc, isto é, a contar do dia da intimação.

A mora ex re vem do mandamento da lei, independentemente da provocação da parte a quem interesse, nos casos especialmente previstos.

Nas obrigações negativas, o devedor é constituído em mora desde o dia em que executar o ato de que se devia abster.

Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora desde que o cometeu.

Há mora ex re diante do inadimplemento de obrigação positiva e liquida e seu termo. Vencida a dívida contraída com prazo certo, nasce pleno iure o dever da solutio, e a sua falta tem por efeito a constituição imediata em mora. O Código Civil de 1916(artigo 916, primeira ). O próprio termo faz as vezes da interpelação.

Mas, observe-se que nas promessas de compra e venda em que, não obstante o prazo estipulado, o credor terá de interpelar o devedor, indicar o cartório onde será passada a escritura definitiva, apresentar documentos etc, sem o que a mora não existe.

Já no Código Comercial de 1850 predominou o princípio oposto e então dis non interpellat pro homine. Ao contrário, no direito civil, vigora a mora ex re quanto às obrigações positivas, liquidas e a termo certo, no direito comercial prevalece a mora ex persona, não se podendo falar na constituição em mora sem notificação, interpelação ou protesto.  

Necessário falar por interpelação.

A mora por interpelação, a mora ex persona, é a que ocorre em todas as espécies que não cabem nos artigos 390, 397, pr. E 398. A interpelação não é ato jurídico stricto sensu, que se submete à regras jurídicas a que também incide sobre as declarações unilaterais de vontade.

A interpelação deve ser feita pelo credor, ou por seu procurador, ou representante, ou por ele e quem o assista. A interpelação pelo gestor de negócios é ineficaz, salvo caução de rato(CPC de 1939, artigo 110); mas torna-se ineficaz desde o momento em que chega ao devedor a comunicação de ter o dono ao negócio ratificado a gestão. A interpelação ao incapaz é ineficaz.

Veja-se o que disse o artigo 136 do Código Comercial:

Art. 136 - Nas obrigações com prazo certo, não é admissível petição alguma judicial para a sua execução antes do dia do vencimento; salvo nos casos em que este Código altera o vencimento da estipulação, ou permite ação de remédios preventivos.

O artigo 136 do Código Comercial sublinha o princípio de que o prazo era a favor do devedor, porém de modo nenhum vedava que se fizesse a favor do credor o prazo e se estabelecesse a exigibilidade desde logo ou em qualquer momento antes do termo.

No Código Comercial, artigo 138 dizia-se:

Art. 138 - Os efeitos da mora no cumprimento das obrigações comerciais, não havendo estipulação no contrato, começam a correr desde o dia em que o credor, depois do vencimento, exige judicialmente o seu pagamento.

Foi dito que os efeitos da mora começam a correr do dia em que o credor, vencida a dívida, judicialmente exigisse o pagamento. Para Pontes de Miranda(obra citada, pág. 185) cabe a advertência de que o artigo 138 do Código Comercial era ius dispositivum. O negócio podia preestabelecer desde quando começam os efeitos da mora, quer para fixar antes da propositura da ação a data do início, quer para determinar dia posterior ao da propositura.

Para Pontes de Miranda(obra citada, pág. 209) a retirada da interpelação não leva em si implicita remissão da mora, estando sem razão na matéria Th. KIpp, ou produziu a mora e então a retirada é renúncia da mora para o futuro; ou ainda não produziu e não há renúncia da mora: não houve mora. Se o devedor quer prestar sem "a importância dos prejuízos decorrentes da oferta" quer fazer apenas parte da prestação, porque ela já deve o que devia ao tempo da mora mais x. O credor, que o recusa, não incorre em mora. Se a aceita, não se pode concluir somente daí, que haja renunciado à importância dos prejuízos decorrentes do dia da oferta, como sinalizou P. Oertmann(Recht der Schuldverhältnisse, 130). 


VI – MORA E CLÁUSULA PENAL

Se há cláusula penal, o devedor que não adimple incorre em mora e em pena. Mas será possível conceber-se a pena com a mudança do dia para vencimento.

Então, há a fluência de juros, mas admite-se que a prestação seja depois da data em que se tornou exigível.

Na lição de Caio Mario da Silva Pereira(Instituições de Direito Civil, nova edição, volume III, pág. 128) a finalidade essencial da pena convencional é o reforçamento do vinculo obrigacional, e é com este caráter que mais acentuadamente se apõe à obrigação.

A pré-liquidação do id quod interest aparece então como finalidade subsidiária, pois que nem sempre como tal se configura. Como é dito pela melhor doutrina, mesmo naqueles casos em que este objetivo, não se pode dizer que o seja com todo rigor, pois que pode faltar, e efetivamente falta, via de regra, correspondência exata entre o prejuízo sofrido pelo credor e a cláusula penal.

Mas vários escritores no passado e modernamente, veem que o objetivo da cláusula penal sustentam que o seu único objetivo é a pré - estimativa das perdas e danos. Mas, alguns juristas alemães o viam com caráter punitivo.

Mister que se lembre que a cláusula penal pode ser estipulada para o caso de deixar o devedor de cumprir a totalidade de sua obrigação, ou então, com caráter mais restrito, e por isto mesmo mais rigoroso, para de inexecução em prazo dado. Na primeira hipótese, o devedor incide na pena se deixa de efetuar a prestação, na segunda torna-se devida a multa pelo simples fato de não ter realizado a tempo, ainda que possa executá-la, ulteriormente. Uma, a primeira, se diz compensatória, e a outra moratória.

A distinção prática, se uma cláusula penal é compensatória ou moratória, como reconheceu Caio Mario da Silva Pereira, às vezes, oferecia dificuldades. O titulo, perpetuando a vontade da parte é o seu melhor intérprete e a ele o juiz deverá recorrer como fonte esclarecedora.

Se a falta do devedor, punida com a multa, for simplesmente, o retardamento na execução ou no inadimplemento de uma cláusula especial ou determinada da obrigação, ela é moratória, se for a falta integral da execução, é compensatória.

Na linha de Tito Fulgêncio, se dirá que nenhuma razão existe, quer em doutrina, quer em legislação, para que se repute vedado o acúmulo de penas convencionais. É lícito, portanto, ajustar uma penalidade para o caso de total inadimplemento e outra para o de mora ou com a  finalidade de assegurar o cumprimento de certa e determinada cláusula. 


VII - MORA DO CREDOR 

Para que a mora creditoris se dê é preciso que: a) ao que presta seja permitido prestar e possa prestar, porque, se não lhe é permitido, ou ainda não o é, ou não pode prestar no momento de o ter de fazer, não se há de pensar em omissão do credor; b) que tem a havido o ato , positivo ou negativo, de prestar ou de preparação para isso até o ponto em que só seria preciso o ato do credor, e tal apresentação da prestação tenha sido no tempo devido, no lugar devido e conforme o conteúdo da dívida; e tenha praticado o ato quem o podia praticar para solver; c) que do lado do credor tenha havido ato ou omissão que impediu o adimplemento. 

De regra, para adimplir, precisa o devedor da colaboração do credor, a que se chama de recepção. 

Se o credor se recusa a isso e, assim adimplemento, não necessária essa colaboração do credor, de renúncia a direito real, como se lê do artigo 1.275, II, e parágrafo único, ou de reparar danos a objeto, pertencente ao credor, que se chama em poder do devedor, de destruir documento ou coisas em poder do devedor ou em lugar acessível a ele, de expedir mercadorias ou bagagens, não há pensar-se em mora creditoris. 

A mora do credor nada tem haver com a culpa. 

É o que se le na L. 26, D, solutio matrimonio dos quemadmodum petatur, 24, 3. 

Tal se observa das lições da doutrina germânica com J. Kohler, Paul Hirsch, dentre outros. 

Nenhuma culpa se exige para, que ela se constitua. O que se impôs aos nossos dias, como explicou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 248), foi a concepção de Josef Kohler, que prevaleceu no Código Civil alemão. 

É permitido prestar, em princípio, logo que, nasce o crédito ou ainda antes do vencimento, nas espécies do artigo 333(artigo 826, Lei nº 6.024/74, que aborda a liquidação extrajudicial. 

Também é de exigir-se que, ao tempo da oblação - oblatio é, aí, o movimento do devedor para o pagamento - o devedor(ou a terceiro) possa prestar. Não basta estar disposto, ter intenção, sem se pré-excluir que possa prestar e preste quem o faz contrariado. O credor pode alegar e provar que o devedor, a despeito de atos preparatórios, ou de comunicação da vontade, ou de ato final de adimplemento não podia prestar. 

È importante assinalar que sempre que há impossibilidade objetiva para o devedor prestar, não há pensar-se em mora do credor. 

Os impedimentos pessoais do credor ou força maior individual não pré-excluem a mora do credor. 

O credor não incorre em mora se ao tempo de adimplir o devedor não poderia prestar. Se a oblação é real, a hipótese dificilmente ocorre. 

Se o devedor exige a quitação, o credor não incorfre em mora enquanto o devedor não presta as despesas da quitação. 

Para o credor não poder recusar-se a receber a prestação, é preciso que a prestação seja oblata com as despesas e interesses, inclusive os interesses moratórios até a oblação e qualquer reparação de dano causado pelo atraso do devedor. 

Qualquer ressalva que o devedor faça, quanto a direitos a serem exercidos no futuro, não faz ineficaz a oblação. 

Se o devedor só faz oblação de parte da prestação, não há mora do credor. 

Se o que se entregou ou de que se ffez oblação é mais do que o devido, não obsta isso à mora do credor se o receber o excesso não cria prejuízo ou dificuldades ao credor. 

Se a coisa prestada tem defeito não incorre em mora o credor. 

Se a impossibilidade total superveniente à mora do credor foi causada por dolo do devedor, o crédito persiste e o devedor responde por perdas e danos. 

Nas obrigações genéricas, o risco passa, com a mora, ao credor, pois deixou de receber o que lhe foi apresntado, com a concretização - escolha dentro do gênero - feita pelo devedor. 

Pode acontecer que a mora creditoris se produza antes de ter havido oblação, como se o credor não se apresenta na empresa devedora para receber ou retirar o que comprara; então, a mora do credor é simultânea à sua falta. Se, porém, a cooperação do credor não consiste em receber ou retirar, mas em ato preparatório, discute-se de quando é que se inicia a transferência dos riscos pela mora: a) da data da falta do credor; ou b) da data da oblação subsequente. 

Após o início da mora do credor, pode o devedor depositar em consignação o que teria de prestar. Se não podem ser depositados em consignação, ou se seria perigoso, pode pedir ao juiz a venda judicial, a fim de ser depositado em consignação, como revelou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 273). 

A forma normal de extinção de uma obrigação civil é o pagamento, a entrega da coisa, no lugar e na forma acertados.

Há a mora do devedor que é objeto de ação própria de cunho executivo, tratando-se de título executivo extrajudicial, ação de cobrança, que poderá desembocar em  cumprimento de sentença condenatória ou ainda, caso não seja um título executivo extrajudicial, uma ação monitória de base documental.

Mas a há a mora do credor.

Se o devedor quer pagar o credor, sem justo motivo não quer receber, há mora accipiendi, mora do credor, cabendo ao devedor ajuizar uma ação de consignação em pagamento.

Poderá se tratar de obrigação em dinheiro(pecuniária) ou de dar coisa.

A ação de consignação em pagamento é procedimento especial que visa a permitir a realização daquele instituto de direito material, por meio do qual o autor da ação, se procedente o pedido, obterá uma sentença declaratória da extinção da obrigação que foi cumprida.

É ação puramente declaratória que objetiva a uma sentença que declare que o montante ofertado adimple determinada obrigação.

A  lei 8.951, de 13/12/1994, que alterou o CPC de 1973,   nele inseriu este comando: "

Art. 890...

§ 1º Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário oficial, onde houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de dez dias para a manifestação de recusa.

O depósito feito em conta aberta para esse fim (o devedor deverá indicar expressamente, na efetivação do depósito, qual o fim a que se destina, que obrigação objetiva extinguir), mas não esclarece o legislador quem é o titular da conta, se o depositante ou o beneficiário. A Resolução do CMN supre essa deficiência ao dispor:

Art. 3º Acolhido o depósito de consignação em pagamento, este fica à exclusiva disposição:

I - do credor, caso não seja recebida, pela instituição financeira, a recusa formal referida no art. 4º, parágrafo único, inciso II, alínea "a";

II - do depositante, após recebida, pela instituição financeira, a recusa formal referida no inciso anterior;

III - do juízo competente, após proposta a ação de consignação em pagamento referida no art. 6º, prevista pela legislação em vigor.

O credor é comunicado da realização do depósito, por carta, com aviso de recepção. Diz a lei cientificando-se o credor. Seria lícito perguntar: Quem cientifica, o devedor ou o banco depositário? Tenha-se em mente que o estabelecimento bancário não é sequer partícipe da relação obrigacional. Repugna o entendimento de impor-lhe graciosamente esse encargo. A resolução do CMN resolveu a questão, afirmando que o banco será o responsável pela cientificação, mas será ressarcido pelo depositante.

Em caso de recusa de recebimento do depósito, reza a lei que o devedor ou o terceiro poderá propor, dentro de um mês a ação de consignação, instruída a inicial com a prova do depósito e da recusa.

Trata-se de um prazo decadencial que não se sujeita a interrupção ou suspensão, portanto é fatal.

Na inicial, agora, além dos requisitos do art. 319 do CPC que sejam aplicáveis à espécie, o autor requererá o depósito da quantia ou coisa devida (que deve ser realizado no prazo de cinco dias contados do deferimento, sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito) ressalvada a hipótese do § 3º do artigo 539, em que o autor já terá depositado a importância em conta bancária, à disposição do credor. Nessa circunstância, a inicial já deverá vir acompanhada da prova do depósito e da recusa, fornecida pela instituição financeira; deverá requerer, também, a citação do réu para levantar o depósito ou oferecer contestação.

Quanto ao prazo para oferecer resposta, é bom observar que, à falta de regra específica, será o comum, de 15 dias. Na resposta, poderá alegar que: (i) não houve recusa ou mora em receber a quantia ou coisa devida; (ii) foi justa a recusa; (iii) o depósito não se efetuou no prazo ou no lugar do pagamento; e (iv) o depósito não foi integral.

O § 1º do art. 545 nos leva ao que segue: o levantamento do depósito feito a menor só é possível se a defesa do credor se fundar exclusivamente nessa circunstância ou em defesas processuais de caráter meramente dilatório. Se se tratar de outras defesas de conteúdo material ou processual de caráter peremptório, cumuladas com insuficiência do depósito, que possam conduzir à total improcedência do pedido, não é de ser deferido o levantamento.

Trata-se de ação dúplice, pois se o pedido for julgado improcedente, nos mesmos autos, o credor poderá ajuizar o cumprimento da sentença, do que se lê do artigo 545, § 2º, CPC, quando se diz:

§ 2o A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido e valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe o cumprimento nos mesmos autos, após liquidação, se necessária.

Sendo assim, invertem-se os polos da relação jurídica transformando o réu em autor(sem pedido, mas com pretensão condenatória).

Ocorre a dúvida: E se o devedor não sabe a quem pagar?

Ocorre  quando o devedor tem dúvida sobre a quem deva pagar. Nessa circunstância, deverá proceder ao depósito e requerer a citação de todos os possíveis titulares do crédito para que venham a juízo demonstrar sua legitimação. Independentemente de quantos acorram ao chamado citatório, se não houver discussão quanto ao valor do depósito, o juiz deverá (i) declarar satisfeita a obrigação e o processo continuará apenas entre os supostos credores, se houver mais de um; ou (ii) determinar a entrega do valor depositado ao réu, se apenas um comparecer. Não comparecendo pretendente algum, o depósito realizado é convertido em arrecadação de coisa vaga, com regência parca no art. 746 do CPC/15, mas que sugere uma recompensa ao inventor (aquele que achou a coisa) e a entrega do saldo à União, ao Estado ou ao Distrito Federal.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. A mora . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5642, 12 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70392. Acesso em: 19 abr. 2024.