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Ciclo completo de polícia

Ciclo completo de polícia

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O sistema brasileiro não oferece a prestação adequada de segurança pública por parte do Estado, havendo inúmeros fatores que causam tais obstáculos. Baseado nisso, acredita-se que o primeiro percalço a ser vencido é justamente o fim de um engessamento que sufoca as polícias.

Apresentação

A presente obra tem como objetivo apontar dificuldades e possíveis soluções para o melhor funcionamento organizacional do sistema de segurança pública brasileiro, não se pretende apresentar uma fórmula capaz de dar cabo aos problemas da violência no Brasil, trataremos de questões formais que atualmente causam prejuízo ao desdobramento da atividade policial.

O sistema brasileiro, amplamente questionado, não oferece a prestação de segurança pública por parte do Estado, havendo inúmeros fatores que causam tais obstáculos, acreditamos que o primeiro percalço que deve ser vencido é justamente o fim de um engessamento que sufoca as polícias.

Quando a questão da interdependência existente entre as polícias for ultrapassada, estaremos prontos para avançar em novos temas indispensáveis para resgatar a paz em um país que vive na área limítrofe entre a ordem e o caos, forças que se enfrentam cotidianamente ceifando milhares de vidas.


O que é Polícia

O termo polícia tem origem no grego, significa “a guarda da cidade” ou “aquele que guarda a cidade”, deu origem ao verbo policiar, que se traduz em vigiar, e pelo radical da palavra “pólis”. Tem íntima ligação com o termo política.

A palavra “polícia” tem a sua origem no grego “PÓLIS”, que significa ‘cidade’, somada ao sufixo “-CIA”, esta ganha o sentido de ‘guarda da cidade’.

Em termos gerais, a polícia tem como objetivo vigiar e policiar. Por extensão, o termo também é utilizado para designar as corporações e os indivíduos que têm como principal função o exercício.1

A polícia pode ser considerada o agente político mais atuante na vida do cidadão, pois em regra é a face do Estado que mais se apresenta para aqueles que são parte da sociedade.

Embora, à luz do ordenamento jurídico, os agentes de polícia não sejam considerados agentes político, propriamente dito, cabe salientar que, em nossa abordagem, fazemos menção ao atuar em nome do Estado e da sociedade em detrimento de direitos individuais do cidadão.

No sentido que se pretende abordar verificamos a origem longínqua das palavras, polícia e política, como ligadas ao termo “pólis”, cidade, sendo a interação da cidade, entendida aqui como Estado, e o cidadão, em grego, “Polites”.

A origem da palavra Política é grega, e ela é derivada de POLITIKOS, que significava “relativo ao cidadão ou ao estado. Esta palavra por sua vez, era tinha origem em POLITES, que em grego era “cidadão” e ainda tem mais um ramo: POLIS, “cidade”.2

Chegamos à conclusão que a política é a expressão de origem grega que se traduz em exercício da cidadania, por sua vez, polícia seria o termo adequado para guarda dos cidadãos.

Conceito de fácil entendimento, uma vez que, cabe à polícia, de maneira bem ampla, guardar o cidadão, defendendo-o mesmo com o sacrifício da vida dos seus agentes.

A missão de guardar o cidadão tem como fundamento essencial guardar a existência do povo, logo, do próprio Estado.

“POLICIA” é um vocábulo de origem grega, “politeia”, e derivou para o latim, “politia”, ambos com o mesmo significado: governo de uma cidade, administração, forma de governo.3

É necessário citar que as polícias têm diversas origens históricas, alguns países tiveram o surgimento da polícia como uma criação de indivíduos de maneira autônoma, apenas visando garantir a segurança de determinado povoado, em outro a iniciativa foi do Estado que viu a necessidade de estabelecer a ordem pelo uso da força.

Em nosso estudo focaremos nas polícias dos países ocidentais, tendo em vista que, por questões culturais, nosso ordenamento jurídico tem relação com estes. Buscar uma comparação com sistemas de segurança de países orientais cujas sociedades são, culturalmente, distantes do Brasil, implica em reavaliar toda a relação que cria o Sistema Criminal.

O sistema penal é um aparato derivado do direito de soberania do Estado voltado para consumação da paz social através do uso de medidas repressivas na forma de ameaça ou de sanção à prática de um crime.4

Não seria lógico comparar as instituições do Sistema Penal, dentre as quais, se incluem as polícias, de países culturalmente tão dispares sem um maior aprofundamento histórico entre ambas as sociedades.

Em síntese, a Polícia como conhecemos se origina em parte pela necessidade dos cidadãos em manter a paz somada ao dever do Estado de garantir tal paz. A necessidade de o cidadão salvaguardar seus direitos mais basilares e do Estado em exercer o monopólio da força e o controle social, colocando-se como garantidor da incolumidade das pessoas e de seus demais direitos.

No Império Romano era o Exército que garantia a segurança dos cidadãos, essa prática perdurou em muitos países durante a idade média. Nos lugares ermos, devido à ausência do Exército, surgiram grupos de proteção local, os próprios cidadãos constituíram milícias para sua defesa.

É sabido que esses grupos deram origens a algumas polícias, como a da Catalunha e da França ao serem aglutinados pelo Estado, bem como, em outras regiões aponta-se que teriam originado organizações criminosas, como a máfia siciliana, diante da repressão estatal e de sua desvirtuação.

O Brasil, atualmente, adota um modelo de polícia diverso dos países da Europa, da América Anglo-saxônica e da América Latina, que poderíamos dizer que é único.

No momento basta admitirmos que o nosso sistema policial, utiliza como base, o sistema europeu e que as polícias no mundo ocidental têm como principais fontes a estatização de grupos que faziam a segurança de pequenos povoados ou da participação de forças militares na segurança do cidadão.


Poder de Polícia e Poder da Polícia

A distinção entre Poder de Polícia e o chamado Poder da Polícia, ou melhor, a Ação da Polícia, faz-se necessária para que seja compreendido que o conceito de poder de polícia é algo mais amplo que apenas a atividade policial em si.

O poder de polícia é a capacidade de o Estado, através de seus agentes, restringir ou suprimir direitos individuais em prol da coletividade ou mesmo de direitos de outrem.

Define o Código Tributário Nacional

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos5.

Fica evidente que o exercício do poder de polícia não se restringe aos policiais no sentido estrito, em verdade, a Administração pública pode praticar atos eivados de poder de polícia.

A atividade policial, por muitos definidos como poder da polícia, é uma faceta do poder de polícia, contudo está ligada ao Sistema Penal, tratando da segurança pública e da investigação criminal. A segurança pública compreende a investigação criminal, mas colocamos deliberadamente tal divisão.

Apenas para ilustrar, o poder de polícia é exercido quando a defesa civil interdita um local por risco de deslizamento, no caso o direito a propriedade do indivíduo fica em segundo plano devido ao risco de deslizamento. A vigilância sanitária pode interditar estabelecimentos para preservar a saúde e higiene, havendo outros tantos exemplos do exercício do poder de polícia sendo realizado por agentes diversos dos policiais.

Já os agentes policiais atuam dentro dos parâmetros do poder de polícia, de maneira que se pode afirmar que a atividade policial, poder da polícia, é uma das manifestações do poder de polícia estatal.


Polícia Preventiva e Polícia Repreensiva

Talvez o ponto chave da proposta esteja, justamente, na avaliação dos conceitos de polícia preventiva e polícia repreensiva, logo, a compreensão é indispensável para a análise da proposta.

Independentemente do sistema policial que estivermos analisando, desde que seja do mundo ocidental e baseado no europeu, sempre poderemos verificar a presença da atividade de polícia preventiva e a repreensiva.

Passamos a observar o conceito de polícia preventiva, também denominada polícia administrativa, cujo objetivo é fazer-se notar para coibir a prática criminosa, ostentando a presença de seus agentes como forma de intimidar os que cogitam transgredir a lei. Por isso a polícia preventiva é também chamada de polícia ostensiva.

Esta organização policial, ou fração da força policial, apresenta-se com agentes uniformizados e veículos caracterizados, na maior parte do tempo, para que sua visibilidade seja amplamente notada, inibindo assim, os potenciais infratores.

Os uniformes dos agentes e as características dos veículos são facilmente identificados como sendo das forças policiais, não deixando quaisquer dúvidas de que no local está presente o Estado, para que seja mantida a ordem social, mesmo com o emprego da força.

José Cretella Junior apresenta uma sucinta distinção entre polícia preventiva e polícia administrativa, tema em que não nos aprofundaremos em razão de não afetar diretamente a proposta.

A polícia administrativa tem por escopo impedir as infrações da lei (sendo nesta parte preventiva) e sustentar a ordem pública em cada lugar, bem como em toda a parte do reino, assegurar a ordem e segurança públicas, a proteção dos direitos concernentes à liberdade, à vida e à propriedade, e, bem assim, a prevenção dos delitos, por meio de ordens e determinações a tal fim dirigidas.

À polícia administrativa ou preventiva incumbe, em geral, a vigilância, a proteção da sociedade, a manutenção da ordem e tranqüilidade públicas, bem assim assegurar os direitos individuais e auxiliar a execução dos atos e decisões da justiça e da administração6.

Cabe apenas informar que, a polícia preventiva pode ser também chamada de polícia ostensiva ou administrativa, sendo a responsável pela manutenção da ordem.

A polícia preventiva tem como missão garantir a ordem, sem a qual nenhum outro serviço público ou privado conseguirá funcionar. A presença da polícia é indispensável e não há como imaginar a ausência deste tipo de organização em uma sociedade civilizada.

No que tange a polícia repreensiva, também chamada polícia judiciária, o conceito de repreensão visa à ação após a prática do ilícito, neste caso, a polícia não inibe a ação criminosa, ela busca elucidar autoria e materialidade para que o autor da infração seja responsabilizado por sua ação.

A função precípua da polícia judiciária é a condução da investigação com o fim de elucidar os crimes após terem ocorridos, obtendo elementos de convicção que apontem a materialidade (real existência de uma infração), bem como, indiquem a autoria (indícios de um possível autor da infração).

Aqui faremos uma breve consideração a respeito dos termos: infração penal e crime. A título de conhecimento apenas, cabe informar que infração penal se divide em crimes e contravenções, de maneira que possui significado mais amplo.

A polícia repreensiva tem uma importância ímpar quando observamos que é através da investigação que os crimes mais complexos são desvendados e as organizações criminosas afetadas em seu cerne. Deixar de lado a polícia judiciária resulta na impunidade dos infratores mais perspicazes, que habitualmente agem de forma dissimulada, fazendo com que os maiores algozes da sociedade não sejam descobertos e punidos.

Há na doutrina, quem faça a distinção entre polícia de investigação e polícia judiciária, citaremos alguns posicionamentos acerca do tema.

1ª Corrente (majoritária)

Polícia de investigação e polícia judiciária é a mesma coisa.

Não há distinção entre os termos, investigar é o mesmo que dar suporte à atividade jurisdicional do Estado no que diz respeito à aplicação da lei penal.

2ª Corrente

Polícia de investigação e polícia judiciária são funções diferentes de uma polícia.

A polícia de investigação é aquela que elucida a prática das infrações para dar subsídio à ação penal. A polícia judiciária é aquela que cumpre as ordens emanadas pelo poder judiciário, A polícia exerce dupla função, investigar e cumprir mandados judiciais na esfera penal.

3ª Corrente

Polícia de investigação é a atividade e polícia judiciária está ligada ao exercício de um determinado serviço de natureza judicial

A polícia de investigação elucida as infrações, entretanto, o conceito de polícia judiciária estaria no fato do delegado de polícia presidir o Auto de Prisão em Flagrante de maneira que, mesmo em caráter precário, estaria funcionando como o juiz da prisão.

A segunda e a terceira corrente baseiam-se no texto da Constituição que aponta em seu artigo 144, § 1º, IV e § 4º, a expressão exercício da polícia judiciária e da apuração de infrações.

Restou evidente que a polícia preventiva ou administrativa realiza o policiamento ostensivo, garantindo a manutenção da ordem e o controle social. Por sua vez, a polícia repreensiva ou judiciária investiga a prática de delitos e auxilia a justiça na busca pela aplicação da lei penal.

Antes de nos aprofundarmos no exercício das atividades, temos que ressaltar que ambas são indispensáveis para o funcionamento sadio da sociedade, com as devidas vênias aos argumentos de que há de se investir em inteligência, não se pode considerar que a melhoria dos mecanismos de investigação possa suprimir a necessidade do policiamento ostensivo ou vice versa.

Para maior compreensão do tema passaremos a analisar o sistema policial brasileiro.


Tipos de Polícias no Brasil

O sistema policial brasileiro é organizado no artigo 144 da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos7:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

É necessário identificar as diversas polícias e seu enquadramento no ordenamento jurídico pátrio, suas estruturas e o cumprimento das missões que lhes competem.

A Polícia Federal

Órgão permanente mantido pela União tem atuação em todo território nacional e pode exercer funções tanto de polícia preventiva quanto repreensiva, está instituição tem diversas atribuições elencadas no § 1º do artigo 144 da CRFB/88.

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:"

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. (grifei)

Observamos que nos incisos I, II e IV apresentam-se características de polícia repreensiva enquanto nos incisos II e III há características de polícia preventiva.

A origem da Polícia Federal data da chegada da família real portuguesa ao Brasil

A Polícia Federal tem origem na Intendência-Geral de Polícia da Corte e do Estado do Brasil, criada por D. João VI em 10 de maio de 1808, para a qual foi designado o Desembargador e Ouvidor Paulo Fernandes Viana para o cargo de Intendente-Geral de Polícia da Corte8.

No entanto, o importante é frisar a atuação nos dois tipos de polícia exercido pela Polícia Federal, sendo nítido que tal organização é reconhecida pela população muito mais pelas suas ações como polícia repreensiva. Poderíamos até mesmo dizer que a prioridade da Polícia Federal é sua atividade repreensiva, pois os resultados são o desmantelamento ou prejuízo de grandes organizações criminosas, operações de investigações de grande profundidade e o recente combate a corrupção.

No caso da Polícia Federal fica claro que a investigação é uma prioridade e que o policiamento preventivo, embora de resultados, fica em segundo plano.

A Polícia Rodoviária Federal

É órgão de atuação nacional mantido pela União, que atua como polícia preventiva, sua atribuição consta no § 2º do artigo 144 da CRFB/88.

§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.

O disposto na Lei Maior deixa evidente o caráter preventivo da Polícia Rodoviária Federal.

Instituição criada em 24 de junho de 1928, foi se fortalecendo com o tempo e hoje assume importante papel no policiamento das rodovias federais, sua vocação para o policiamento ostensivo faz com que a PRF realize um trabalho reconhecido.

Uma das vantagens da Polícia Rodoviária Federal é sua dedicação exclusiva ao policiamento preventivo, entretanto, podemos observar que a atuação da instituição poderia ser ampliada no sentido de prestar tal serviço em outros pontos de interesse da União.

A Polícia Ferroviária Federal

Com a missão de polícia preventiva da União, a Polícia Ferroviária Federal tem a função de realizar o patrulhamento ostensivo da malha ferroviária de todo o país.

Na realidade esta instituição existe apenas no texto legal, haja vista, o sucateamento da malha ferroviária no Brasil.

O completo abandono da rede ferroviária, de maneira geral, fez com que a Polícia Ferroviária Federal se tornasse um órgão com previsão legal e sem inexistência real. Atualmente pouquíssimas ferrovias operam no Brasil, algumas mantidas por empresas para escoar mercadorias, o que é parcela insignificante se observarmos que as mercadorias são transportadas por rodovias em sua maioria, o que ficou provado no colapso causado pela paralização dos caminhoneiros, ou, podemos mencionar as redes de transporte ferroviário e metroviário nos centros urbanos, que é restrita as áreas de grande concentração de pessoas e se ramifica muito aquém da necessidade real.

Esta força policial inexistente pode ser facilmente classificada como polícia preventiva.

As Polícias Civis

As polícias civis são órgãos dos Estados-membros ou do Distrito Federal, sua função é a de polícia repreensiva não guardando relação com a prevenção de crimes.

As atribuições das polícias civis encontram-se no artigo 144, § 4º da CRFB/88, cujo texto gera a polêmica em torno da distinção entre polícia de investigação e polícia judiciária, o que será debatido quando analisarmos outros fatores.

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (grifei)

Destacamos alguns pontos dignos de maior aprofundamento.

A Polícia Federal é dirigida por delegados, mas não há tal menção no texto constitucional, o que ocorre com as polícias civis. Digamos que no que concerne às polícias civis, a figura do delegado de polícia passou a ter previsão constitucional.

Em um segundo momento, verificamos que constam as expressões: “polícia judiciária” e “apuração de infrações penais”, distinguindo de fato as duas atividades realizadas pela Polícia Civil.

Quanto à exceção da apuração de infrações penais militares, restou claro que tal afirmação era indispensável, pois como a atribuição de investigar é residual em relação as da Polícia Federal, teria que se excetuar os crimes castrenses por serem de interesse da Justiça Militar da União ou estadual, logo, atribuída a função de investigar as corporações militares interessadas, sejam as forças armadas ou as forças auxiliares.

Observamos que as polícias civis não atuam na prevenção dos crimes por não terem a característica de polícia ostensiva.

As Polícias Militares

Forças de segurança únicas no mundo, não por serem militares, mas por serem forças militares subordinadas aos Estados-membros ou ao Distrito Federal, estas corporações que têm natureza de polícia preventiva, são complexas por trazem um misto de forças armadas e polícias administrativas que atuam até mesmo nos centros urbanos.

A origem da Polícia Militar também está ligada a chegada da família real portuguesa ao Brasil, sendo a fundação da instituição datada de 13 de maio de 1809, na cidade do Rio de Janeiro, capital da colônia, posteriormente do Império e da República.

Existem alguns pontos que devem ser explicados para melhor compreensão do funcionamento destas instituições.

A primeira pergunta é se a Polícia Militar é uma força armada? A resposta é evidente que não, embora seja regrada à luz do Direito Militar, termo que inclui o Direito Administrativo Militar, o Direito Penal Militar e o Direito Processual Penal Militar, não se trata de uma Força Armada, pois, para ter tal natureza teria como finalidade a proteção da soberania da nação e não a manutenção da ordem pública.

Em um segundo momento, cabe verificar se estas corporações se subordinam as forças armadas, especialmente ao Exército Brasileiro, em razão do termo “forças auxiliares e reserva do Exército” contido no artigo 144, § 6º da CRFB/88.

O que podemos afirmar ser uma interpretação deveras equivocada, pois o termo forças auxiliares refere-se mais a forma de organização e reserva refere-se ao fato de que nos casos de guerra cabe a Polícia Militar manter a ordem no território. O mesmo parágrafo define que as forças auxiliares subordinam-se aos Governadores dos Estados-membros e do Distrito Federal, não sendo lógico suprimir a autonomia do ente federativo.

Outra questão importante é se tais polícias teriam alguma ligação com as polícias das forças armadas, como Polícia do Exército, Polícia da Aeronáutica ou a Companhia de Polícia do Batalhão Naval, constatando que não, vez que, as polícias militares não têm função de realizar uma espécie de policiamento nas áreas administradas pela corporação, sua missão é realizar o policiamento preventivo em áreas comuns a todos, bem como, a manutenção da ordem pública de maneira geral.

Por fim, resta saber se a Polícia Militar exerce a função de polícia de investigação ou de polícia judiciária, sendo assim uma polícia que tem características de polícia repreensiva.

Tal resposta é mais complexa, pois muitos irão afirmar que nos casos dos crimes militares a Polícia Militar tem a função da chamada polícia judiciária militar, uma vez que, é a polícia militar quem investiga os crimes militares praticados pelos membros de sua corporação.

Então vejamos, se admitirmos que os termos polícia de investigação e polícia judiciária são sinônimos, estaremos afirmando que o Corpo de Bombeiros Militar também exerce a função de polícia repreensiva sem exercer a função de polícia preventiva.

Na hipótese em que polícia judiciária é aquela que cumpre mandados de interesse do Poder Judiciário, chegaríamos à conclusão de que as corregedorias das polícias militares são polícias judiciárias, mas que toda Organização Policial Militar exerce a atividade de investigação quando da instauração do Inquérito Policial Militar.

Caso o entendimento adotado for pela presidência do Auto de Prisão em Flagrante como sendo uma face da atividade do Poder Judiciário, todas as forças militares seriam polícia judiciária de igual maneira.

Há que se falar ainda que as polícias das forças armadas também atuam como polícia judiciária militar nos casos os crimes militares praticados contra as mesmas, tendo ainda maior alcance por serem condutas atribuídas ao civil.

A melhor definição é que a atividade de polícia repreensiva das polícias militares é atípica e não deve ser um fator para que se alegue que a polícia militar executa a atividade de polícia repreensiva, pois nesse caso, estaríamos dizendo que ao redigir uma Portaria estaria o Chefe de Polícia Civil ou o Comandante Geral da Polícia Militar legislando, o que sabemos são atividades atípicas que não o transformariam em agentes do Poder Legislativo.

A questão da desmilitarização das polícias militares não é objeto e não é relevante para a proposta que será apresentada, dependendo de um aprofundado trabalho a respeito do tema, de maneira que não adentraremos em tal debate.

Os Corpos de Bombeiros Militares

Não precisamos fazer um estudo sobre o Corpo de Bombeiros Militar para chegarmos ao ponto crucial de nossa proposta, não há relevância na atividade desempenhada por tal instituição para o debate central da segurança pública e para o funcionamento do Sistema Penal. Acreditamos que a figura do Corpo de Bombeiros Militar no rol do artigo 144 da CRFB/88 está ligada a sua coexistência em alguns Estados-membros com a Polícia Militar, sendo por vezes parte da mesma.

As Guardas Municipais

As guardas municipais não são consideradas forças policiais propriamente ditas, especialmente pelo fato da CRFB/88 limitar a atuação dessas instituições a proteção dos bens, serviços e instalações do município, mas cabe fazer uma menção ao fato de que muitas das guardas municipais (por vezes denominadas guarda civis metropolitanas) têm assumido o papel de policiamento ostensivo em apoio às polícias militares. Em que pese à visão de que a segurança deveria ser um dever de todos os entes federativos, de forma que a existência de uma força policial municipal teria melhores condições de desempenhar o chamado policiamento comunitário, temos que atentar para o fato de a Constituição, mesmo sendo um equívoco, não ter tratado as guardas como polícias.

Mesmo havendo uma mudança no texto da Lei Maior, ao aprofundarmos o debate, constataremos que não afetará a Guarda Municipal de maneira considerável.


Ciclo Completo de Polícia

O chamado Ciclo Completo de Polícia é quando a instituição policial realiza todo o trabalho que precede a ação do Ministério Público e do Poder Judiciário. Para muitos a definição de Ciclo Completo de Polícia resulta na fusão da polícia preventiva com a polícia repreensiva, fazendo com que a mesma instituição policial, responsável pelo policiamento ostensivo e a manutenção da ordem, seja também, responsável pela investigação de infrações penais.

O Ciclo Completo de Polícia visto por este ângulo cria a ideia de uma única polícia capaz de realizar o patrulhamento e a investigação, alegando que esta única polícia trabalharia com maior união e espírito corporativo, não havendo uma rixa entre as polícias preventivas e repreensivas.

As polícias no Brasil, em sua maioria, tem a função principal ostensiva ou judiciária, havendo assim o chamado modelo dicotômico de polícias. Um modelo que seria dividido em dois.

O problema é que o modelo brasileiro, especialmente, o que a Constituição instituiu para os Estados-membros e o Distrito Federal, causa enorme dificuldade para o funcionamento das duas policias destes entes federativos.

Para as polícias com características de polícia preventiva, a legislação exige que ao efetuar a prisão em flagrante o agente de polícia conduza o preso à presença da Autoridade Policial, que no sentido restrito (a lei penal não admite a interpretação extensiva) define-se como delegado de polícia federal ou delegado de polícia civil.

O translado pode significar horas de deslocamento, demora no atendimento, fazendo com que locais permaneçam sem policiamento ostensivo por tempo considerável. Há relatos de lavratura de Autos de Prisão em Flagrante que demoram por mais de quatro horas nas unidades de polícia judiciária e de deslocamentos de mais de duzentos quilômetros.

Tal dificuldade também acontecerá em se tratando da Polícia Rodoviária Federal.

Por outro lado, podemos avaliar que tal proceder gera enorme dispêndio de tempo para os agentes de polícia judiciária que, no exercício dessa atividade cartorária, deixam de dedicar seu tempo e esforço na elucidação de infrações penais.

Se imaginarmos que o número de agentes das polícias militares estaduais é muito superior aos de agentes das polícias civis, havendo um elevado número de prisões em flagrante, os agentes de polícia repreensiva atuam mais na atividade cartorária em razão do serviço da polícia preventiva que na investigação, fazendo com que os crimes de maior complexidade permaneçam obscurecidos e, por vezes, alimentando mais crimes de fácil percepção.

Surge a ideia do Ciclo Completo de Polícia como uma alternativa, não para os problemas da violência diretamente, mas para dar maior celeridade e eficiência a atividade policial.

Prisão em Flagrante, Termo Circunstanciado e Audiência de Custódia.

A prisão em flagrante se dá quando o infrator é pego praticando o crime ou em circunstâncias que evidenciam ter ele praticado. Para melhor esclarecer basta a leitura do Código de Processo Penal9.

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

II - acaba de cometê-la;

III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

No caso do flagrante fica evidente para o responsável pela prisão que o indivíduo praticou o delito, poderíamos dizer que não há a necessidade da instauração de inquérito policial.

Tal afirmação não é absoluta, mas se estamos diante de elemento de convicção tão latente que levou a prisão em estado de flagrância, a instauração do Inquérito Policial é facilmente dispensável, pois a busca de tal procedimento pela apuração das infrações e de sua autoria torna-se desnecessária diante do flagrante realizado.

Em relação às garantias individuais, com o devido respeito aos posicionamentos neste sentido, a garantia do indivíduo é o Devido Processo Legal, em que o mesmo possa exercer o contraditório e a ampla defesa, o que não ocorre em sede de Inquérito Policial. Mesmo no caso da prisão em flagrante haverá um processo assegurando todas as garantias.

O termo circunstanciado é lavrado nos casos em que o crime for de menor potencial ofensivo, sendo o autor do fato apresentado imediatamente ao juiz ou devendo assumir o compromisso de comparecer ao juízo na data estipulada. Somente a recusa em comparecer junto ao Juizado Especial Criminal resultará na prisão do autor do fato.

Há de se observar que não haverá a instauração de Inquérito Policial, o que evidencia ser tal procedimento dispensável e não aplicado nos casos de flagrâncias.

Outro ponto importante é que a lei aponta que o termo circunstanciado será lavrado pela Autoridade Policial, entretanto, há um grande esforço em permitir que seja o termo circunstanciado lavrado por agentes de policia militar, atendendo assim aos princípios da celeridade, simplicidade, informalidade e da economia processual contidos no artigo 62 da Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995 (Lei dos Juizados Especiais).

Entraremos agora na complicada discussão a respeito da Audiência de Custódia que é regulada pela Resolução do CNJ nº 213 de 15 de dezembro de 2015, internaliza o Tratado Internacional conhecido como Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos), cujo teor de seu artigo 7º, 5 assim prescreve.10

Artigo 7º - Direito à liberdade pessoal

1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais.

2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas Constituições políticas dos Estados-partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas.

3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários.

4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da detenção e notificada, sem demora, da acusação ou das acusações formuladas contra ela.

5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. (grifei)

O direito de ser conduzido sem demora à presença de um juiz fez surgir à chamada Audiência de Custódia, mas vejamos, para os defensores da teoria que o exercício da atividade, chamada polícia judiciária, se configura quando o delegado de polícia (federal ou civil) presidindo a lavratura do Auto de Prisão, em flagrante, faz às vezes do juiz, permitiria que o delegado de polícia judiciária fosse considerado a outra autoridade, autorizada por lei, a exercer funções judiciais.

É sabido que, há uma intenção clara nas audiências de custódia, tão somente na diminuição da população carcerária, por vezes explicitada em decisões e argumentos que balizam tal instituto, mas podemos dizer que tal postura parece até uma irresponsabilidade por parte de certas autoridades públicas, mas observando os parâmetros que norteiam tal audiência, esta teria o condão de verificar as circunstâncias formais da prisão em flagrante e as condições pessoais do preso, o que, com as devidas vênias, poderia ser feito pelo delegado de polícia que, obrigatoriamente, é Bacharel em Direito (mesma formação exigida dos magistrados) podendo figurar como a outra autoridade mencionada no texto acima.

Criou-se uma convicção de que a polícia serve de algoz do povo no imaginário de algumas autoridades que se cogita o fato de um delegado, mesmo tendo a formação acadêmica na mesma ciência que um magistrado, venha a praticar inúmeras ilegalidades durante a prisão, tais como, ignorar formalidades legais ou maus tratos por parte dos agentes de segurança que efetuaram a prisão.

Façamos uma breve consideração em que para alguns, parecem que togas beatificam agentes públicos, como se magistrados e membros do Ministério Público fossem seres incorruptíveis e insuscetíveis ao erro.

Seguindo a linha de raciocínio, chegamos ao ponto em que se deve reconhecer a necessidade de haver audiências de custódia, presididas por juízes ou não. Importa dizer que, no ordenamento jurídico brasileiro estipulou-se que a presença do juiz era indispensável, sendo o magistrado responsável pela análise da prisão em flagrante, restando evidente que não seria mais necessário para a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante à atuação do delegado de polícia.

Ainda que seja alegado que a simples tipificação de uma conduta e a análise do cabimento de prisão em flagrante ou termo circunstanciado exija um conhecimento específico do Direito, tal fator pode ser facilmente suprido, uma vez que, boa parte das polícias militares já exige para o ingresso no quadro de oficiais que o candidato seja Bacharel em Direito.

Podemos citar aqui as polícias militares do Distrito Federal e dos seguintes Estados-membros: Rio de Janeiro, Santa Catarina, Minas Gerais, Goiás, Pernambuco, Ceará e outros.

O que permitiria que o oficial da polícia militar pudesse presidir a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, desde que, preenchido o requisito de formação em Direito, pois teria o conhecimento técnico para verificar a necessidade da lavratura do termo circunstanciado ou do auto de prisão em flagrante, bem como, das formalidades que cabem em cada caso.


Modelos de Polícias de Outros Países

Não pretendemos expor todos os modelos de polícia pelo mundo, como já fora mencionado, os modelos apresentados serão os dos países ocidentais que possuem maior similaridade cultural e jurídica com o Brasil, outros para que tenhamos o conhecimento do seu funcionamento e analisaremos a possível adaptação dos modelos apresentados à realidade brasileira.

Modelo dos Estados Unidos da América

O modelo estadunidense de polícia é organizado com maior liberdade entre os entes federativos, claro que decorre do fato de ser uma postura natural daquele país, há maior liberdade dos entes federativos ditos descentralizados em relação ao governo central.

Há um grande número de polícias do governo federal, como o Federal Bureau of Investigation (FBI), em português Departamento Federal de Investigação, que é uma polícia de investigação que atua quando há interesse do governo federal daquele país, entre outras, com atribuições específicas seja a repreensão às drogas, ao terrorismo ou outros crimes.

As polícias estaduais e municipais fazem todo o Ciclo de Polícia realizando a atividade de polícia preventiva e repreensiva, de forma que cada uma organiza seus agentes conforme sua demanda.

Nesse modelo de polícia o planejamento do patrulhamento, as formalidades das prisões e as investigações dos crimes ficam a cargo de uma mesma instituição, havendo a divisão apenas em relação ao ente federativo. A distribuição do efetivo e das prioridades também é uma liberalidade daqueles que chefiam as polícias.

Diversamente do que se acredita, a influência política dos governantes nas polícias é maior que no sistema brasileiro, o fato de não ser uma praxe dos governantes interromperem as políticas de segurança, está mais ligada às questões socioculturais que na legislação propriamente dita.

Outro ponto relevante é que o judiciário dos EUA é bem menos formal que o do Brasil, devido ao fato de se tratar de um país que tem seu ordenamento jurídico baseado na common law e não na civil law.

Modelo da França, Itália e Espanha

Começaremos falando da França, mas a correlação entre os modelos francês, italiano e espanhol é tão visível que será fácil relacionar um modelo ao outro.

Na França existem basicamente duas polícias que estão ligadas ao governo central denominadas de Polícia Nacional (Police Nationale) e a Gendarmaria Nacional (Gendarmerie Nationale), ambas atuam como polícia de ciclo completo, responsáveis pelas atividades de polícia preventiva e repreensiva.

A diferença é a natureza das mesmas e sua área de atuação, enquanto a Polícia Nacional é uma instituição civil que atua nos grandes centros urbanos, a Gendarmaria Nacional é uma instituição militar responsável pelo interior francês.

É necessário distinguir a polícia militar francesa das polícias militares no Brasil, a primeira trabalha como ciclo completo incluindo a investigação de crimes além de atuar no interior, justamente, para somar esforços às forças armadas no caso de uma invasão inimiga, colaborando assim com a defesa nacional. No caso do Brasil não seria lógico tal argumento, pois as forças policiais não atuam com foco na soberania por serem vinculadas aos entes autônomos (Estados-membros) e não soberano (União).

Observamos que as polícias francesas dividem-se pela área em que atuam e não pela função.

Isso também ocorre na Itália, onde a Polícia do Estado (Polizia di Stato ou PdS) é uma instituição civil (com disciplina militar, o que significa que mantém algumas tradições e rígida disciplina) que atua realizando o ciclo completo e auxiliando as Guardas Municipais, enquanto a Arma dos Carabineiros (Arma dei Carabinieri) é considerada pela legislação como uma força armada que também realiza os serviço de polícia. Há uma diferença em relação ao modelo francês, já que a Polícia do Estado e as Armas dos Carabineiros não se dividem entre centros urbanos e no interior, na Itália ocorre também uma divisão ligada à proteção de monumentos, palácios, proteção de autoridades e também territorial.

Há ainda, uma polícia militar que trata dos crimes financeiros na Itália.

No caso da Espanha o modelo segue a mesma base, havendo uma polícia civil e outra militar com atuação nacional, tratando-se respectivamente da Polícia Nacional e a Guarda Civil Espanhola.

A Polícia Nacional é instituição civil que realiza o ciclo completo de polícia nas capitais das províncias enquanto a Guarda Civil Espanhola, que é uma polícia militar, realiza o ciclo completo nas áreas do interior.

O Grande diferencial no modelo de polícia espanhol é a existência das polícias das regiões autônomas da Catalunha, onde há a Polícia da Catalunha que realiza o ciclo completo, e do País Basco, cuja polícia de ciclo completo denomina-se Ertzaintza, sendo ambas as polícias de caráter civil.

Basicamente os modelos desses países contam com polícias de ciclo completo, o melhor explicando, polícias que abrangem as atividades preventiva e repreensiva, divididas por áreas de atuação.

Modelo da Alemanha

No modelo alemão há uma polícia do governo central denominada Bundespolizei (Polícia Federal) que tem divisões específicas e realiza o ciclo completo, além das polícias estaduais que também executam o ciclo completo em sua região.

As chamadas Landespolizei (Polícias Estaduais) são subordinadas aos governos regionais, entretanto, a atividade de polícia repreensiva é desempenhada por uma fração específica de seus membros denominada Landeskriminalamt (Escritório de Investigação Criminal). Todas as polícias estaduais são obrigadas a manter seus escritórios de investigação criminal, sendo responsável pela investigação apenas.

Modelo de Portugal

O modelo português, além das polícias municipais que atuam nas grandes cidades, é estruturado em polícias nacionais, sendo de interesse conceituar as principais para nossa proposta.

A Polícia de Segurança Pública exerce a atividade de polícia preventiva nos grandes centros urbanos, sendo uma instituição de natureza civil, por outro lado, a Guarda Nacional Republicana exerce a mesma atividade no interior, sendo instituição militar que compõe as forças armadas de Portugal.

Existe ainda, a chamada Polícia Judiciária cuja função é auxiliar as autoridades judiciárias, no que tange, a investigação de crimes. A Polícia Judiciária não executa a função cartorária nos casos de prisões realizadas pela Polícia de Segurança Pública ou pela Guarda Nacional Republicana, apenas conduz a investigação dos crimes.

O modelo português não deixa de ser o chamado “modelo dicotômico”, entretanto, não há a necessidade de uma das polícias complementar o trabalho da outra.


A Problemática do Ciclo Completo de Polícia no Brasil

Após conhecermos um pouco das polícias de outros países, devemos relembrar o modelo adotado no Brasil em que há polícias federais e estaduais, sendo que a Polícia Federal possui natureza de polícia preventiva e repreensiva, demostrando maior vocação para a segunda faceta, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Ferroviária Federal são evidentemente polícias preventivas.

No âmbito dos Estados-membros as policiais civis são, exclusivamente, repreensivas e as polícias militares preventivas (não vamos considerar aqui a atividade atípica).

Chegamos à raiz do problema ao tentarmos inserir o chamado ciclo completo de polícia no Brasil, embora tenhamos a certeza que o modelo atual não está funcionando.

No conceito mais conhecido de ciclo completo seria uma polícia que realiza tantos as funções que cabem à polícia preventiva quanto de polícia preventiva, fazendo com que a mesma polícia pratique todas as atividades policiais.

Neste conceito temos o modelo unificado de polícia que no Brasil teria que superar algumas dificuldades.

No âmbito das polícias da União seria simples dizer que a atual Polícia Federal absorveria as polícias preventivas, o que na prática significa a unificação da Polícia Federal com a polícia Rodoviária Federal, resultando assim, em uma única polícia que realizaria tanto a função de polícia preventiva quanto repreensiva.

O maior obstáculo estaria na esfera dos Estados-membros em que seria necessário unificar duas polícias que estão habituadas a funções distintas e que possuem estruturas extremamente distintas.

Preparar o policial civil para o serviço preventivo e o policial militar para conduzir investigações implicaria em um custo elevado e uma subutilização da mão de obra, uma vez que, além de qualificar o policial para outra missão, estaria o mesmo deixando de se aprofundar naquela para a qual foi originalmente treinado.

Outro fator importante é a questão da estrutura, já que uma polícia tem caráter civil e a outra militar, de maneira que a unificação pressupõe a militarização de uma ou a desmilitarização da outra.

Embora exista um grande debate acerca da desmilitarização das polícias, tal temática ficaria para outra oportunidade por não afetar diretamente a proposta que será apresentada. Bastando apenas mensurar que os efeitos da militarização ou desmilitarização abalariam as estruturas da polícia que sofrer a mudança.

Imaginemos que uma “rixa” supostamente existente entre as duas polícias de fatos ocorra, a simples fusão não porá fim ao entrevo, pois policiais oriundos de uma das polícias, em especial a que for transformada para se adequar a realidade da outra, manterão a chama da discórdia acesa, porém em uma mesma instituição composta por uma parte que foi compelida a ser militarizada, mas que guarda sua vontade e valores de instituição civil ou o oposto ocorrerá.

A desmilitarização não tem relação com o ciclo completo de polícia, a maior prova disso são as polícias militares da França, Itália e Espanha, que denominadas de maneira genérica como Gendarmarias (embora seja a nomenclatura oficial da polícia militar francesa, o termo também é usado para definir às outras).

Outro ponto é a disponibilidade de efetivo e de mão de obra qualificada, pois conceitos como o de que “crime se combate com inteligência e investigação” poderia resultar no esvaziamento da atividade de polícia preventiva em razão do remanejamento do efetivo para a atividade repreensiva, o que seria um grave erro, pois a prevenção além de coibir a pratica de infrações penais permite que o policial que realiza o patrulhamento tenha maior chance de efetuar a prisão em flagrante.

Por outro lado, o conceito de que o Estado deve promover “maior sensação de segurança” e a mais fácil percepção do público, resultando em maior apelo político, pode significar o esvaziamento da polícia de investigação, cuja atuação não é percebida com a mesma clareza, impedindo que crimes mais complexos sejam devidamente apurados.

A deficiência da mão de obra poderia ser outro problema haja vista que o policial poderá ser deslocado da função ostensiva para a investigação ou no sentido inverso, fazendo com que os policiais tenham que ser qualificados para as duas missões, aumentando o custo da formação, ou que sejam empregados sem a formação adequada, prestando um serviço deficiente.

Outra hipótese que vem sendo levantada é a execução do ciclo completo de polícia de acordo com a região, sem que as polícias sejam unificadas. É uma adaptação do modelo francês fazendo com que uma polícia atue no interior do Estado-membro e a outra nas áreas metropolitanas.

A aplicação de tal modelo, também não parece o mais adequado, em que pese o Brasil seja um país continental, existindo entes federativos com proporções territoriais dignas dos maiores países da Europa, isso não justifica a existência de Gendarmarias subordinadas aos entes autônomos e não soberanos, pois tais polícias do continente europeu acumulam a função de proteger o território nacional na qualidade de força armada, estando subordinadas ao governo central e soberano.

Por outro lado, esse modelo não contribui tanto assim com a ação da polícia, pois a celeridade obtida com a introdução do ciclo completo torna-se uma evolução, enquanto a divisão territorial dificulta a integração das forças de segurança, especialmente se observarmos que as grandes organizações criminosas têm se ramificado para o interior dos estados.

Fica ainda a pergunta, a respeito do emprego de efetivo, já que os grandes centros urbanos utilizam a maior parte do efetivo das forças policiais e no modelo será difícil remanejar efetivo entre áreas de grande concentração e o interior. Há uma complexidade ao observarmos as forças policiais brasileiras em definir qual área deveria receber qual polícia, considerando que, uma é composta por agentes habituados ao serviço de investigação e a outra ao policiamento ostensivo.

Uma terceira possibilidade é a divisão das polícias conforme a gravidade dos delitos, sem que sejam unificadas, ficando a cargo de uma realizar o ciclo completo de polícia nos casos dos crimes de maior gravidade e para a outra apurar e prevenir os de menor gravidade.

Uma hipótese dessas levaria, em tese, as seguintes consequências. Ao estabelecer o ciclo completo, como tem sido difundido, naturalmente se conclui que a polícia realizará as duas atividades, observando que atuariam na mesma área, teriam uma polícia responsável por patrulhar para coibir crimes graves, efetuar a prisão em flagrante nos casos em que ocorrerem tais crimes e proceder nas investigações, por sua vez, a outra força policial estaria incumbida de prevenir as infrações menos graves, realizar a prisão em flagrante (quando couber) e investigar os mesmos.

Como os crimes praticados em flagrante não dependem da ação policial, os agentes surpreendem o infrator, é óbvio que uma força policial irá se deparar com diversos crimes que cabem à outra força investigar, criando um ciclo completo cruzado. A polícia efetuaria a prisão e acionaria a que é responsável por dar seguimento ao crime conforme sua gravidade.

Criando uma hipótese ainda mais drástica, podemos cogitar uma gama de conflitos de atribuições positivo ou negativo por parte das polícias, em relação aos crimes de maior complexidade ou nos que houver conexão entre os mais e menos gravosos.

Em havendo a dita “rixa”, o conflito seria ainda mais acirrado.


Conclusão

O que chamamos de “Um Novo Conceito” a respeito do Ciclo Completo de Polícia, em verdade, é uma adaptação do que é experimentado em outros países, especialmente o modelo português, levando-se em conta, a realidade e a funcionalidade do modelo de polícia brasileiro.

Nossa proposta causa menos impacto nas estruturas da polícia, aproveita a mão de obra qualificada, reduz as dificuldades apresentadas e, ao mesmo tempo, fortalece as diversas instituições policiais por dar-lhes funções específicas.

Devemos começar revisando o conceito de ciclo completo, que como dito, para muitos significa que a polícia executará as funções de polícia preventiva e repreensiva, compreendendo o policiamento ostensivo, a manutenção da ordem, a investigação e a atividade de polícia judiciária (que para alguns é investigar, para outros, dar cumprimento às ordens judiciais e para a última corrente presidir a lavratura do Auto de Prisão em Flagrante exercendo função judicial).

O que não se propõe é que a investigação não é uma continuidade natural da prisão em flagrante, pois ao ser preso em flagrante é natural que o indivíduo seja alvo de um processo penal, excetuando-se quando o flagrante não trouxer suporte suficiente para o oferecimento da denúncia.

Se o infrator é preso em flagrante e levado diretamente ao juiz na audiência de custódia, não é necessário que um delegado de polícia verifique as formalidades da prisão, pois o juiz o fará. Conduzir o preso até uma unidade de polícia civil para posteriormente apresenta-lo em juízo, sendo que as duas oportunidades servem para o mesmo fim, é desperdiçar dinheiro público e tempo dos agentes para realização de uma mesma tarefa duas vezes, o chamado retrabalho. Ferindo de morte o princípio da Eficiência da Administração Pública contido no caput do artigo 37 da CRFB/88.

O ciclo que se inicia com o policiamento ostensivo e resulta na prisão em flagrante se fecha com a apresentação ao juiz, pois traz em seu arcabouço todos os elementos necessários para a instauração de um futuro processo penal.

A polícia preventiva realizaria o ciclo completo de polícia ao realizar o patrulhamento, efetuar a prisão em flagrante, autuar o infrator e apresentá-lo ao Poder Judiciário, seria uma polícia mais eficiente sem que haja a interdependência em relação à polícia repreensiva.

Fortalece a instituição, pois deixam de existir as dificuldades em se deslocar até as sedes da polícia judiciária, reduz o tempo desperdiçado nas unidades para lavratura do APF e dá cabo de possível entrevo entre as forças.

No caso da polícia repreensiva, a mudança resultará no melhor emprego de seu efetivo, atualmente muitos policiais exercem atividade de cartório realizando a lavratura dos autos de prisão em flagrante que são resultados das ações da polícia ostensiva.

Os agentes das polícias repreensivas poderiam dedicar seu tempo para apuração dos crimes que realmente necessitam de investigação, fazendo com que um percentual muito maior de crimes que não se verificam em estado de flagrante ou mesmo que precisam de inquéritos minuciosos, sejam elucidados.

A estimativa dos crimes solucionados através de inquéritos policiais é extremamente baixa no Brasil, parte por falta de pessoal ou investimento, mas podemos dar parte do crédito ao emprego, dos que poderiam e deveriam atuar nas investigações, em atividades de cartório de lavratura de autos de prisão e termos circunstanciados.

Defendemos ainda que a lavratura do auto de prisão em flagrante ou do termo circunstanciado seja realizada por profissional de segurança conhecedor das garantias individuais, no entanto, já mencionamos que boa parte das polícias militares estabelece como pré-requisito para a investidura na carreira de oficial a formação em Direito.

A existência da figura do delegado de polícia para presidir o inquérito policial também é algo que consideramos de suma importância, sugerindo inclusive que sejam ampliadas as atribuições dos mesmos para melhor conduzirem a investigação e mantê-la em sigilo. A necessidade de formação em Direito também se faz presente para que o inquérito não viole garantias fundamentais e que sirva de sustentáculo de um futuro processo. A expertise de tais profissionais somada ao emprego de agentes e peritos resultaria na melhor condução da persecução penal, em processos penais mais robustos e na aplicação da justiça em face dos que praticam os delitos que mais causam prejuízo à sociedade.

Estaríamos diante de uma polícia capaz de autuar em flagrante os infratores que por ventura forem pegos delinquindo, durante a prática da atividade de polícia ostensiva ou na manutenção da ordem social, bem como, de um polícia de investigação dedicada exclusivamente à apuração dos crimes sem disponibilizar inúmeros agentes para atividade cartorária.

A atividade cartorária a fim de melhor empregar o efetivo poderá ser feita, em grande parte, por policiais que apresentem restrições para a atividade fim da polícia ostensiva, o que por muitas vezes ocorre em razão dos confrontos envolvendo os agentes.

Concluímos que, independentemente da desmilitarização das polícias, a melhor solução encontrada seria a divisão entre a polícia preventiva que realizará o ciclo completo até a apresentação ao juízo, e, a polícia repreensiva que se dedicará com exclusividade à elucidação das infrações penais que não se verificam sem investigação. Nesta hipótese as atividades de polícia preventiva da Polícia Federal poderiam ser transferidas para o que hoje é a Polícia Rodoviária Federal que teria seu alcance ampliado, mas a reestruturação das polícias ficará para outra ocasião.


Notas

1 https://www.pc.ms.gov.br/?page_id=14

2 https://canalcienciascriminais.com.br/sistema-penal/

3 https://www.gramatica.net.br/origem-das-palavras/etimologia-de-policia/

4 https://www.gramatica.net.br/origem-das-palavras/etimologia-de-politica/

5 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5172.htm

6 https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/viewFile/44771/43467

7 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm

8 https://www.pf.gov.br/institucional/historico

9 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm#livroitituloixcapituloii

10 https://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm


Autor

  • Leandro dos Santos Costa

    Bacharel em Direito pela Universidade da Cidade. Pós Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes. Pós Graduando em Direito Processual Civil pelo Curso Fórum. Pós Graduando em Direito Administrativo pelo Curso Fórum. Aprovado no XVIII Exame da Ordem. Diretor Acadêmico do Curso Direito nas Escolas. Autor do Livro Direito nas Escolas - Noções de Direito Constitucional para alunos do Ensino Médio. Palestrante.

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