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A função da pena no Sistema Judicial Brasileiro sob a ótica dos estudantes do curso de direito e os pseudo-axiomas sobre a questão

A função da pena no Sistema Judicial Brasileiro sob a ótica dos estudantes do curso de direito e os pseudo-axiomas sobre a questão:

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Há de se pacificar que, se necessitamos mudar a realidade criminal e penal brasileira existe um longo caminho a ser exercido na própria sala de aula e nos debates acadêmicos, a fim de encontrarmos uma forma de funcionalizar a pena sob uma ótica humanística.

RESUMO:O presente artigo trata-se de um estudo de caso acerca do ideário dos bacharelandos do curso de Direito de uma instituição de ensino superior de Rio Branco (Acre). Vislumbramos conhecer quais as teorias adotadas pelos ingressantes (primeiranistas) e, analogamente, dos graduandos (último ano) para funcionalizar a pena no sistema judicial brasileiro a fim de investigar os dogmas que se impõem (e compõem) o pensamento dos investigados. Aplicamos questionários para os públicos-alvo e, a partir dos dados obtidos, fizemos uma análise comparativa entre os dois grupos. Os resultados apontaram para a preterição das teorias relativas, em ambos os grupos, e para uma alta funcionalização retributiva/absoluta, especialmente no grupo graduando. Concluímos que a ideia de justiça que parece ensejar o pensamento retributivo enquanto merecimento e, ademais, a descrença na capacidade de prevenir outros delitos com a aplicação das penas – a partir de dados midiáticos problemáticos – foram determinantes para estas escolhas.

Palavras-chave: Direito Penal. Funções da Pena. Sociologia do Direito.


INTRODUÇÃO

Vislumbramos, na tentativa salutar de adentrar o tema, conhecer quais as teorias adotadas/defendidas pelos ingressantes (primeiranistas) no curso e, analogamente, as teorias dos graduandos (último ano do curso) para funcionalizar a pena no sistema judicial brasileiro a fim de investigar os dogmas que se impõem (e compõem) o pensamento dos investigados e, ademais, a própria realidade brasileira.

Malgrado, buscamos comparar as respostas apresentadas pelos dois grupos; definir as ideias que podem servir de embasamento para as respostas obtidas; examinar os ideários que se destacarem como norteadores para tais pensamentos; identificar a realidade do sistema jurídico-penal brasileiro no processo de ressocialização do indivíduo e, por fim, contrastar a realidade brasileira e as justificativas que se sobressaírem nos resultados da pesquisa.


METODOLOGIA

Utilizamo-nos da aplicação de questionário aos públicos alvos da pesquisa com o intuito de conhecer as teorias adotadas pelos investigados e, partindo das hipóteses apresentadas, dá-las como equivalentes ou não à realidade do processo de ressocialização dos indivíduos condenados no Brasil.

A par, os questionários visaram, ainda, servir de referencial para a depreensão do ideário dos pesquisados para, numa análise comparativa dos dados levantados, elencar as teorias que se sobressaem; fazendo ainda o trabalho de comparação com a realidade brasileira e da doutrina pacificada com os dados obtidos, procurando produzir um conhecimento sobre estas realidades específicas e quais as possíveis explicações para tais fenômenos que possam corresponder à sociedade.

Nesta mesma ordem aqui disposta e sem a necessidade de identificação nos questionários, elaboramos 5 (cinco) assertivas, as quais o discente optaria por a) concordar; b) ser indiferente; ou c) discordar – instruídos para que assinalassem apenas uma alternativa em cada assertiva. O questionário foi aplicado para 25 alunos de cada turma, ambas do turno vespertino e na mesma data. Seguem as afirmações:

  1. A pena possui um fim em si mesma, ou seja, é uma forma de retribuir um delito ao ser aplicada.
  2. A pena é justa quando pune o delinquente com a mesma força que o prejuízo causado por este.
  3. A finalidade da pena encontra-se para além dela mesma, sendo um meio para prevenir um comportamento delinquente.
  4. A aplicação de uma pena age no delinquente, evitando que ele, apenado, reitere um comportamento reprovado.
  5. A aplicação de uma pena age na comunidade/sociedade, evitando que os indivíduos que não delinquiram venham a praticar um delito.


EXÓRDIO: DIREITO E SOCIOLOGIA PARA ALÉM DO SENSO COMUM – UM CAMINHO NECESSÁRIO

Uma vez que “o nosso espírito tem uma irresistível tendência para considerar como mais clara a ideia que lhe servem mais frequentemente” (BERGSON, 1960, p. 205), a fim de perseguirmos uma fundamentação que corresponda à realidade, à sociedade e à humanidade, além daquilo que a opinião carrega a priori, a ciência jurídica elenca uma gama de possibilidade de justificativas do ato de penalizar um infrator da lei – especialmente nos paradigmas que dizem respeito ao encarceramento destes. 

Malgrado, face ao atual cenário social, político e, ainda, diante da evidente necessidade de (re)discussão do sistema penitenciário brasileiro,  faz-se necessário entender como que os estudantes de direito, uma parcela significativa daqueles que operarão o sistema judiciário brasileiro, enxergam e compreendem, ao ingressar na academia e, analogamente, a função da pena enxergada por aqueles que estão em processo de conclusão do curso.

Vislumbra-se, assim, a importância da análise deste cenário uma vez que diante dos possíveis reflexos e consequências destas opiniões em toda a esfera pública e social da economia, do Direito e do encarceramento – tema que exige um engendramento para além de uns pares de falácias e máximas sedutoras e aparentemente bem-intencionadas e pseudo-solutivas, a fim de perseguir uma fundamentação que corresponda à realidade, à sociedade e à humanidade, superiormente  àquilo que a opinião carrega a priori.

Ademais, a pesquisa justifica-se na necessidade de compreensão da realidade dos pesquisados em um movimento gregário de questionamentos, levantando hipóteses acerca dos motivos que levam os indivíduos consultados a defender uma ou outra visão, em detrimento das demais, ao ingressar no Curso de Direito da Faculdade da Amazônia Ocidental e, em paralelo aos graduandos do último ano do curso, analisar os dogmas que se impõem sobre o imaginário deste grupo, a comparação desses pensamentos e, desta forma, construindo uma ponte com a realidade e com o modelo pacificado para justificar a pena no Brasil e a ressocialização dos indivíduos reclusos da sociedade.


AS TEORIAS DA PENA E A REALIDADE JURÍDICO-SOCIAL BRASILEIRA

O escólio de Haroldo Caetano da Silva (2002) enuncia que há basicamente três teorias que buscam justificar a cominação e a aplicação da pena: a absoluta ou retributiva, a relativa ou preventiva e a teoria mista ou eclética; objetivando, assim, dar à pena uma função útil à sociedade de forma a ir além da sana punitiva do Estado. Corrobora a doutrina ao asseverar:

A pena é a mais importante das consequências jurídicas do delito. Consiste na privação ou restrição de bens jurídicos, com lastro na lei, imposta pelos órgãos jurisdicionais competentes ao agente de uma infração penal. São inúmeras as teorias que buscam justificar seus fins e fundamentos, reunidas de modo didático em três grandes grupos: [...] (PRADO, 2005, p. 553).

No Brasil, a doutrina, a jurisprudência e a própria história da civil law, da qual o país faz parte – especialmente próximo às escolas germânicas de pensamento – elenca a teoria mista como principal expoente teórico para a justificativa da pena. Destaca-se que a teoria mista é “[iniciada] na Alemanha, e, desde então, é a opinião mais ou menos dominante” (BITENCOURT, 2004, p. 88, grifo do autor).

O crime é um fato social comum, como já bem destacava Durkhein em seus estudos acerca das sociedades; é um acontecimento geral, com uma certa força de coerção e que impera em qualquer sociedade. Para além disto, a discussão acerca de como o Estado, com seu monopólio da violência, deve tratar o indivíduo criminoso e as reverberações de sua conduta passa a tocar o universo das ciências jurídicas, da sociologia e da própria antropologia a discutir teoria e práxis – especialmente face a realidades tão próprias de povos diferentes e tradições diferentes.

Ante esta realidade, um dos grandes problemas que o alto grau de complexidade social trazida pela modernidade – a qual Zygmunt Bauman chama de líquida – é incorporar o homem à realidade jurídica; a perda do humanismo e do sentido kantiano de ter a pessoa humana como fim em si e ponto de partida para a reflexão do próprio Direito. Face a esta problemática, a própria teoria jurídica do crime constata, no pensamento de Carnelutti (1947, p. 9, apud BRANDÃO 2007, p. 3) que é possível “afirmar que sabemos muitas coisas em torno do delito, mas muito menos em torno da pena”.

4.1 AS TEORIAS ABSOLUTAS

            Também chamadas teorias retributivas, as teorias absolutas encontram fundamento na ideia de que a pena encontraria um fim em si mesma, sem a necessidade ou mesmo sem que possa ser considerada um caminho para fins ulteriores; encontrando adoção no pensamento de Kant e Hegel, ensina Zaffaroni (2015, p. 106). Modernamente, é um fracasso entre os juristas e pensadores, todavia, axiologicamente pode ser uma ideia sedutora ao ser travestida de “equidade”.

4.2 AS TEORIAS RELATIVAS

            Também chamadas de teorias preventivas, as teorias relativas se desenvolvem, prima facie, em caminho oposto às teorias absolutas. Fundamentam-se, por sua vez, em conceber pena como um meio de obter objetivos para além desta. Encontra ecos históricos nas teorias de Feuerbach e Röder.

            De acordo com Zaffaroni (2015, p. 106), subdividem-se em prevenção geral e prevenção especial; a primeira busca/surte efeito sobre os indivíduos da sociedade que não delinquiram, enquanto na segunda incide no indivíduo que delinquiu.

4.3 AS TEORIAS MISTAS

            A doutrina em Zaffaroni (2015, p. 107) expõe que, via de regra, as terias mistas tomam as teorias absolutas como ponto de partida e se lançam na tentativa de cobrir suas falhas adotando aspectos presentes nas teorias relativas. Modernamente, sua difusão é a mais acentuada – especialmente no ocidente.

A teoria mista afasta a possibilidade de uma sana retributiva e punitiva sem finalidade ulterior, todavia, sem achar total fundamentação na prevenção especial. Manifesta-se no lema da jurisprudente alemão: “prevenção geral, mediante retribuição justa”.


RESULTADOS

Os questionários aplicados foram analisados por públicos-alvo, 1º e 5º ano, respectivamente, do curso de Bacharelado em Direito da FAAO. Seguindo a metodologia explicitada, chegamos aos seguintes resultados a partir da análise dos questionários, aqui expostos em tabelas com números absolutos e porcentagens relativas ao total de pessoas que responderam a pesquisa.

TABELA 1: RESPOSTAS TOTAIS DOS ALUNOS DO 1º ANO

PERGUNTA

NUMEROS

PORCENTAGEM

CONC

IND

DISC

CONC

IND

DISC

1 - RETRIBUIÇÃO

19

4

2

76%

16%

8%

2 - FORÇA

17

5

3

68%

20%

12%

3 -PREVENÇÃO

13

7

5

52%

28%

20%

4 - PREV - DEL

13

6

6

52%

24%

24%

5 - PREV - SOC

14

1

10

56%

4%

40%

TOTAL DE PESQUISADOS

25

TABELA 2: RESPOSTAS TOTAIS DOS ALUNOS DO 5º ANO

PERGUNTA

NUMEROS

PORCENTAGEM

CONC

IND

DISC

CONC

IND

DISC

1 - RETRIBUIÇÃO

17

3

5

68%

12%

20%

2 - FORÇA

16

0

7

64%

0%

28%

3 -PREVENÇÃO

9

6

10

36%

24%

40%

4 - PREV - DEL

14

2

9

56%

8%

36%

5 - PREV - SOC

13

2

10

52%

8%

40%

TOTAL DE PESQUISADOS

25

A partir dos dados obtidos, foi possível, cruzando as respostas dos pesquisados, chegarmos a algumas outras respostas, mais concretas quanto às funções da pena que fazem parte destes ideários.

Expomos as possibilidades de teorização das respostas, destacando as assertivas I e III. Obtivemos, assim:

a) o grupo que concorda somente com a assertiva I – correspondentes à teoria retributiva;

b) o grupo que concorda somente com a assertiva III – correspondente à teoria preventiva; 

c) o grupo que concorda com ambas as afirmações – teoria mista.

Ademais, ainda foi possível obter a estratificação de como os indivíduos que concordam que a pena possui fins ulteriores a ela, dotada de um poder preventivo, enxergam a ação específica desta prevenção; se adotam uma prevenção geral ou especial[1]. Ademais, a divisão que beira a meação deste dado em ambos os públicos-alvo torna dispensável a representação gráfica. Obtemos, todavia, dessa estratificação, um claro salto entre os diferentes grupos pesquisados, uma vez que a indiferença quanto à questão cai consideravelmente com o passar do tempo, sendo que os pesquisados tendem a optar pela negação da prevenção especial com mais ênfase.


POSSIBILIDADES E DISCUSSÕES

6.1 A EMERGÊNCIA DOS AXIOMAS RETRIBUTIVOS – ENTRE UMA IDEIA DE JUSTIÇA E UMA REALIDADE NÃO CORRESPONDENTE

Diante dos dados, passamos à discussão destes resultados buscando compreender o que eles indicam verdadeiramente. Assim, observamos a clara preferência dos pesquisados com as teorias retributivas e as mistas e, consequentemente, uma evidente preterição das chamadas teorias preventivas em ambos os anos. O 1º ano optou, preferencialmente, pelas teorias mistas, seguida das retributivas; o quadro no 5º ano se inverte – as teorias retributivas ganham força com o grupo.

Primeiramente, questionamos o porquê das teorias retributivas ou absolutas ganharem força com o público ao passar dos anos, uma vez que, doutrinariamente, podemos, inclusive, levantar a falência desta teoria quando posta à crítica – sendo tarefa árdua achar intelectuais (vivos) que fundamentem a pena tão somente nesta justificativa como o fazem estes os pesquisados incluídos nestes dados – considerando ambos os anos, chegamos à média de 43% de optantes por esta teoria. Observamos, ainda, que é a teoria que prevalece entre os concluintes do curso, com uma folga de cerca de 10% para a próxima na estatística.

Parece-nos que sob o ideário dos estudantes repousa a ideia que a doutrina aduz: “a pena ainda não perdeu sua finalidade retributiva. Na lição de Nélson Hungria, a pena, como retribuição, traduz primacialmente, um princípio humano por excelência, que é o da justa recompensa: cada um deve ter o que merece” (SHITANTI, 1999, p. 189, grifo nosso).

Isto é, a mais plausível justificação para tais dados se encontra numa tentativa de afloramento do mais selvagem senso de justiça a partir do questionamento e da ponderação do aparente livre arbítrio do delinquente e o sopesamento do mal causado – o brocardo romano ecoa, punitur quia peccatum est, pune-se porque se pecou (se cometeu o crime). Já se asseverava, e se faz visível aqui, na década de 1960 este fenômeno nas lições de Aníbal Bruno (1967, p. 32-33) quando propunha que, no cerne desta teoria, qualquer fim prático para além da retribuição é meramente secundário e não deveria, de nenhuma maneira, se comparar e, tão menos, se sobrepor, a um fim essencial de uma espécie de justiça retributiva.

Seja por excesso de utilitarismo ou por um espírito fenomenológico inerente à atividade jurídica, parece-nos que este cenário, permeados por axiomas que se travestem de justiça e ou mesmo de equidade, é um problema severo ao tentar compreender a realidade e, mais ainda, a realidade brasileira tão cheia de desigualdades e com uma tão grave necessidade de reestruturação crítica da “prática penal” que para argumentação – quanto a isto – dispensa (ao leitor e) qualquer tipo de número ou gráfico que represente tal dilema. Conciliar tais dogmas com uma tentativa de funcionalização da pena diante do monopólio da violência que se encontra no Estado – tão ineficiente – é achar, na verdade, a falência da justiça e se lançar a uma autocondenação, afinal, o indivíduo que delinquiu deixaria, assim, de ser um problema? Criaríamos eternas cidades-exílio como no passado mais remoto da humanidade? Acharíamos, desta forma, qualquer tipo de ressocialização do indivíduo através de uma revelação transcendental ou metafísica que, após esta “paga” transformaria o delinquente em um indivíduo “remido” e apto para as a vivência em sociedade? As repostas para estas perguntas devem ser todas, enfaticamente, negativas.

6.2 A FALÊNCIA DO IDEÁRIO PREVENTIVO?

Outra observação fácil de ser feita é o baixo número de optantes por um caminho que funcionalize a pena apenas em uma ideia preventiva, sendo esta prevenção a finalidade ulterior a ela. Assevera-se que esta teoria, no início do curso, tem uma força quase que inexpressiva e, com o decorrer dos anos, os resultados apontam que chega a crescer 6% em relação aos graduandos.

A doutrina nos ensina que “nas teorias relativas (utilitárias ou utilitaristas), dava-se à pena um fim exclusivamente prático, em especial o de prevenção. O crime não seria causa da pena, mas a ocasião para ser aplicada" (MIRABETE, 2005, p. 244). Desta forma, a pena teria uma incidência prática, seja na sociedade ou seja no delinquente, no sentido de impedir o delito – para além da ideia de “justiça”, há a necessidade social – ecoa, assim, outro brocardo: punitur ne peccetur, punir para não pecar.

A fim de achar uma explicação para tal preterição por esta teoria, deparamo-nos com uma seleuma que impera na mídia e se reverbera sem limites: o nível de reincidência criminal. Investigando os noticiários e mídias sociais brasileiras não é difícil achar o espantoso número de “70% de reincidência criminal”. Todavia, quando pesquisado e posto à prova este número, encontramos um sem-fim de problemas nessa afirmação. A Agência Lupa (2006), membro verificado da International Fact-checking Network (IFCN), fez um trabalho de checagem de fato deste axioma e expôs a encomenda, no ano de 2012, de uma pesquisa sobre reincidência criminal - entende-se o termo “reincidência criminal” em quando há mais de uma condenação, independentemente do prazo legal estabelecido pela legislação brasileira.

Os dados frutos de uma pesquisa em cooperação técnica entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) teve publicação em 2015 e expôs que 1 (um) em cada 4 (quatro) condenados reincide no crime, 24,4%. Todavia, fazemos a ressalva de que existem diversas pesquisas com as mais variadas configurações possíveis para entendimento do termo “reincidência” e com padrões que consideram ou não os presos provisórios, fazendo com que estes dados sejam dotados de uma grande elasticidade e difíceis de representar a realidade brasileira de forma segura – fazendo com que o dado inflamado de “70%” seja reiterado tantas vezes pela imprensa, por gestores públicos e afins.

Partindo não da exatidão dos dados que as pesquisas de reincidência apontam, mas sim dos dados que são repercutidos midiaticamente podemos traçar uma ponte entre a “realidade” (crida pelos pesquisados) e os números que se manifestaram em nossa pesquisa. A possibilidade que melhor explica a preterição da teoria preventiva é, exatamente, a descrença de que o ato punitivo surta algum tipo de efeito que faça com que esses crimes não sejam reiterados; isto é, no ideário dos pesquisados pode ecoar o signo da “desesperança” na pena, não achando, eles, motivo para crer que punir impeça o peccatum.


EPÍLOGO: CONCLUSÕES, PACIFICAÇÕES E PROPOSTAS

Baseado nas realidades expostas, sejam as do Brasil, sejam os resultados obtidos com a pesquisa com os acadêmicos da Faculdade da Amazônia Ocidental, nos deparamos com a emergente necessidade de fomento ao processo de ensino-aprendizado crítico, que ponha à prova e questione pseudo-verdades que pairam sobre o senso comum e que devem ser malhadas sob a ótica crítica do pensamento – da filosofia, da fenomenologia e tantas outras disciplinas.

A suposição apriorística que as respostas dos grupos apontassem para a transição de uma justificativa retributiva para a pena, que preponderaria no grupo ingressante – uma vez que é um pensamento relativamente próximo ao senso comum e que apresenta menor complexidade de engendramento – e se desenvolvesse no grupo concluinte de forma a concordar com a doutrina da teoria mista pacificada no Brasil não foi confirmada. Encontramos, na verdade, caminhos que nos parecem – assim como à doutrina – retrógrados; fato que evidencia que os pseudo-axiomas carregados pelos indivíduos, mesmo em ambiente acadêmico, não são tão facilmente abandonados.

Havemos de pacificar que, se necessitamos mudar a realidade criminal e penal brasileira – como o sabemos que sim – há um longo caminho a ser exercido na própria sala de aula e nos debates acadêmicos, a fim de encontrarmos uma forma de funcionalizar a pena sob uma ótica humanística e que, utilitariamente, possa atender as necessidades da própria sociedade para que os sistemas penais possam se desenvolver a partir destas. Por fim, entendermos o ideário destes grupos é vislumbrarmos como se farão possíveis os caminhos de ressocialização no país – se o farão.


REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. Volume 1, 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

BRANDÃO, Cláudio. Teoria Jurídica do Crime. 2. ed. São Paulo: Forense, 2007.

SILVA, Haroldo Caetano da. Manual de Execução Penal. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2002.

BRUNO, Anibal. Direito Penal: parte geral. 3. ed. São Paulo: Forense, 1967.

SHITANTI, Tomaz M. Curso de Direito Penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direto Penal: parte geral, 22. ed. São Paulo: Atlas, 2005

LUPA. ‘A reincidência atinge mais de 70% dos presos no Brasil’?. Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2016/07/12/lupaaqui-a-reincidencia-atinge-mais-de-70-dos-presos-no-brasil/>. Acesso em: 8 nov. 2018.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal

brasileiro: parte geral. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2


nOTA

[1] Para mais detalhes, observar a apresentação das Teorias Relativas, seção 4.2 deste artigo.


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