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Vedação de propaganda institucional em período eleitoral

Vedação de propaganda institucional em período eleitoral

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Com fundamento na infração à proibição de veiculação de propaganda institucional no período eleitoral, candidatos vêm sendo processados em demandas em que se busca a cassação da diplomação ou do próprio registro.

I. A Lei 9.504/97 e a vedação da publicidade institucional

            A Lei n.º 9.504/97, ao estabelecer regras para o processo eleitoral, proscreve, expressamente, determinadas condutas aos agentes públicos no período do pleito. Tais proibições são enunciadas nos artigos 73 e 74, do referido diploma legal, nos quais, dentre a previsão de outras infrações, encontra-se:

            "Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais: (...)

            VI - nos três meses que antecedem o pleito: (...)

            b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral. (...)

            § 3º. As vedações do inciso VI do caput, alíneas b e c, aplicam-se apenas aos agentes públicos das esferas administrativas cujos cargos estejam em disputa na eleição.

            § 4º. O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.

            § 5º. Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos I, II, III, IV e VI do caput, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma. (Redação dada pela Lei n.º 9.840, de 28.9.1999) [01].

            Art. 74. Configura abuso de autoridade, para os fins do disposto no art. 22 da Lei Complementar n.º 64, de 18 de maio de 1990, a infringência do disposto no § 1º do art. 37 da Constituição Federal, ficando o responsável, se candidato, sujeito ao cancelamento do registro de sua candidatura".

            Ex vi do que prevê, expressamente, o caput do art. 73, o escopo da proscrição dessas condutas, que configuram, outrossim, espécies do gênero abuso do poder político [02], consiste em assegurar a igualdade de oportunidades entre candidatos e, por conseguinte, a normalidade, a lisura e a legitimidade dos pleitos eleitorais.

            No que concerne à sanção, como se observa, ao lado da suspensão imediata do ato e do pagamento de multa, ambas mencionadas no § 4º, do art. 73, vê-se, no § 5º, cominação no sentido de que, na hipótese do candidato violar o disposto no inciso VI, do caput deste artigo, ele se sujeitará à eventual cassação do registro de sua candidatura ou, se for o caso, do diploma (consoante redação atribuída pela Lei 9840/99 [03]).

            Com fundamento na infração a esta proibição de veiculação de propaganda institucional nos três meses que antecedem o pleito eleitoral, muitos candidatos eleitos por meio de campanhas políticas legítimas vêm sendo processados em demandas em que se busca a cassação da diplomação (ou por vezes do próprio registro). Tais pleitos, sem qualquer sombra de dúvida, ainda inflam os cartórios eleitorais do país, sendo certo que a questão traz importantes repercussões no plano do exercício e da legitimidade do processo democrático.

            Pretende-se analisar, no presente estudo, portanto, o previsto na alínea b, do inciso VI, do art. 73. Esse inciso, como é possível notar, arrola atividades normais, corriqueiras, inerentes à administração pública, mas que são defesas, em épocas eleitorais, em razão da possibilidade de provocarem, na leitura do legislador ordinário, desequilíbrio na disputa.

            A questão, atualmente, tem proporcionado grande debate na doutrina e jurisprudência, mormente por decorrência da interpretação que o Tribunal Superior Eleitoral vem conferindo ao dispositivo.

            Com efeito, de acordo com o TSE, (i) o tipo proibido no art. 73, VI, b, Lei n.º 9.504/97 engloba a vedação não apenas da autorização, como também da veiculação de qualquer publicidade institucional nos 3 (três) meses que antecedem o pleito eleitoral, salvo as exceções enunciadas no próprio dispositivo, (ii) para a configuração da infração, ademais, não se exige a prova de que a conduta tenha afetado (ainda que potencialmente) o resultado do pleito, ou efetivamente beneficiado determinado candidato ou, mesmo, prejudicado, (iii) também para a configuração da infração independe a prova de prévio conhecimento do candidato eventualmente beneficiado e, por fim, (iv) na aplicação da punição, não é necessário considerar dados concretos para fins de individualização da pena e dosimetria, incidindo, portanto, além da cessação da veiculação da propaganda, a sanção de multa e cassação do diploma ou registro independentemente do estudo de questões vinculadas à proporcionalidade da pena ou ao efetivo resultado da conduta.

            Diante deste quadro hermenêutico estabelecido pela Justiça Eleitoral, tem-se visto a invocação de teses que argumentam a inconstitucionalidade formal da referida proibição, eis que o tipo que estabelece a vedação criaria verdadeira hipótese de inelegibilidade, o que seria permitido apenas pela via da lei complementar, de acordo com o § 9º, do art. 14, da Constituição da República. No entanto essa tese de vício formal vem sendo afastada por essa Justiça especializada [04], ainda que, sempre, por apertada maioria.

            Por oportuno, é de se registrar que o posicionamento firme e reiterado da Corte Eleitoral no sentido de afastar a inconstitucionalidade formal do § 5º, por afronta ao § 9º, do art. 14, da Constituição da República, advém do voto proferido pelo Ministro Fernando Neves, na Medida Cautelar nº 970, no qual se analisou a hipótese de sanção de cassação de registro ou de diploma prevista no art. 41–A, da Lei nº 9504/97:

            "Pedi vista dos autos para refletir sobre a aplicabilidade do citado art. 15 quando não há declaração de inelegibilidade, mas perda do registro por infringência ao art. 41-A, da Lei n° 9.504, de 1997.

            Este dispositivo trata da cassação de registro de candidatura ou do diploma e foi acrescido à lei eleitoral pela Lei n° 9.840, de 28.9.99, razão pela qual teve incidência somente no pleito de 2000.

            Desse modo, pouquíssimas vezes esta Corte teve oportunidade de analisar a matéria, não o tendo feito, pelo que pude apurar, sobre a questão relativa à aplicação do art. 15 da LC n° 64/90.

            (...)

            Vê-se que aqui se cuida da apuração e punição de conduta delituosa de quem já havia se apresentado à Justiça Eleitoral como candidato, diferentemente do que ocorre nos processos de registro, em que se discutem condições de elegibilidade ou causas de inelegibilidade.

            A questão da aplicação do art. 15 da Lei Complementar n° 64 à espécie é de alta relevância diante das conseqüências que acarreta.

            Após meditar sobre o tema, concluí que, se não há declaração de inelegibilidade, a eficácia da decisão proferida pela Justiça Eleitoral não está condicionada ao seu trânsito em julgado. Incide a regra geral de que os recursos eleitorais não têm efeito suspensivo (Código Eleitoral, art. 257).

            Com efeito. A regra contida no referido art. 15 é clara: transitada em julgado a decisão que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se lá tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido.

            Ora, no caso, em exame, não foi declarada a inelegibilidade, mas apenas cassado o seu registro, na forma do que dispõe o citado art. 41-A.

            Neste caso, penso que o interesse a prevalecer é o de afastar imediatamente da disputa aquele que, no curso da campanha eleitoral, incide no tipo captação de sufrágio vedada por lei. Os autos não permitem verificar, com segurança, qual foi o fato que levou à cassação do diploma. Mas isso não importa, pois é suficiente a informação dada pelo eminente relator de que a representação foi julgada procedente por infração ao art. 41-A da Lei n° 9.504/97, e a sentença não declarou a inelegibilidade do candidato, apenas cassou-lhe o registro.

            É importante que se faça perfeita distinção entre o caso presente e os processos de registro de candidatura. São situações diversas, que foram tratadas pelo legislador também de forma diferenciada".

            Cumpre, diante deste contexto, verificar se o resultado interpretativo levado a efeito pelo TSE na questão em tela resiste a um adequado teste diante do plano constitucional, seja na perspectiva formal ou material.


II. Publicidade institucional e inconstitucionalidade formal e material do art. 73, VI, "b", da Lei n.º 9.504/97

            A Constituição Federal de 1988 define a República do Brasil como um Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput), fundado nos princípios da soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e no pluralismo político.

            O Estado brasileiro é, portanto, inicialmente e sobretudo, uma República. Impõe-se, por conseqüência, reconhecer que, num primeiro momento, ao lado de sua dimensão meramente formal (sentido negativo do princípio republicano: forma de governo contraposta à monarquia), emergem algumas dimensões materiais. Isto implica dizer, logo, que em se tratando de república, o Estado tem fundamentação laica (art. 5º, VI, VII e VIII), pautada nos interesses do povo, da coletividade, da coisa pública. O Estado é de todos, e não de um ou de alguns privilegiados (sistema eleitoral). O exercício do poder possui legitimação e fundamentação popular (parágrafo único, do art. 1º, da Constituição de 1988). Ademais, por decorrência, a república impõe o caráter anti-hereditário e anti-vitalício no exercício do poder, o que pressupõe a realização de eleições periódicas e renovação temporal dos mandatos. Não bastasse isso, como pressuposto, o princípio republicano também há de permitir o acesso de todos ao poder, em situação de igualdade, além da possibilidade de responsabilização dos mandatários eleitos. Por certo, uma vez que o poder é do povo, seu legítimo detentor, a idéia de república vai ainda pressupor a possibilidade de controle dos atos do poder público, o que demandará a publicidade dos atos estatais e a participação popular como agente censor.

            O Estado brasileiro, igualmente, é um Estado Democrático. Este princípio, assim como o republicano, funda o poder na soberania popular, impondo a participação efetiva do povo na coisa pública. Participação, aqui, em sua mais ampla acepção. Designa, assim, de um lado, uma forma instrumental na formação da vontade estatal (sufrágio universal). Por outro lado, designa, como se afirmou, a fundamentação popular do poder (soberania popular). Desta dimensão emerge a idéia de controle do poder. Da mesma forma que o princípio republicano, o princípio democrático também demanda uma atuação, na coisa pública, vinculada ao atendimento dos anseios do povo e a realização dos direitos fundamentais.

            Por tais razões, a atuação estatal não se compreende senão quando fundada nos princípios da constitucionalidade, da legalidade, da impessoalidade, moralidade, finalidade e publicidade, dentre outros.

            Dos princípios referidos, dois devem ser destacados diante da importância para a compreensão do caso sob estudo: impessoalidade e publicidade.

            A atuação do poder público há de ser impessoal, porque, em face dos princípios republicano e democrático, quem exerce o poder não o faz em nome próprio. Daí os agentes públicos serem designados como "mandatários". Atuam não em prol de seus interesses particulares. Não podem utilizar-se do aparelho estatal para autopromoção. Não podem gerir a coisa pública como se tratassem de negócios privados [05]. Tanto assim que seus atos não são, propriamente, pessoais. Refere-se, aqui, a atos estatais, e não atos de um governante específico. Quem atua é o Estado.

            Fala-se, ainda, em publicidade. Com efeito, uma vez que o poder é exercido em nome do povo, diretamente ou por seus representantes, nada mais legítimo que os atos estatais sejam controláveis. Ora, o exercício popular do controle demanda a publicidade dos atos emanados do poder público.

            Daí por que se falar em exigência, em dever, para o Estado, de publicidade de seus atos [06]. Outrossim, no que tange à publicidade, além de substanciar dever vinculado ao exercício do controle do poder, trata-se de princípio densificador de outras dimensões da cidadania. Quer-se afirmar, com isso, que não raro a publicidade dos atos estatais é pressuposto para o exercício de diversos direitos fundamentais. Isso sucede, por exemplo, quando se dá publicidade em relação à gratuidade de determinados serviços públicos, da necessidade de realização de matrícula escolar, da implementação de campanhas vinculadas à proteção da saúde, à divulgação de festividades como política de incentivo ao turismo, de campanhas de cidadania etc.

            É neste diapasão, portanto, que o art. 37, caput, da Constituição de 1988, reitere-se, elege, dentre outros, os princípios da impessoalidade e publicidade como reitores da atuação estatal. Mais, o dever de observância desses princípios, por certo, consiste em verdadeiro imperativo.

            Isto envolve, inclusive, a chamada publicidade institucional oficial. Trata-se, aqui, mais uma vez, de um dever densificador de inúmeros princípios, bens e valores constitucionalmente protegidos. Por isso que, na realização da chamada publicidade institucional oficial, reforça-se o dever de impessoalidade.

            Compreende-se, então, a razão do disposto no § 1º, do art. 37, da Constituição Federal: "A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos".

            Nota-se, do enunciado, um dever de publicidade institucional para divulgação de atos, programas, obras, serviços e campanhas, sempre com caráter educativo, informativo ou de orientação social. Em contrapartida, deve-se lembrar que a publicidade de atos, programas, serviços e campanhas dos órgãos públicos é direito dos cidadãos. E para velar pela impessoalidade, o dispositivo desenha determinados limites, diga-se de passagem, absolutamente legítimos.

            Não se olvide também que a publicidade caracterizada pela ampla divulgação dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos e informada pelos princípios da legalidade, moralidade, publicidade e eficiência configura verdadeira conquista democrática, pois não apenas permite o controle das políticas públicas, consoante já se afirmou, como estimula a participação popular na consecução e controle dos programas governamentais eleitos.

            Por tal razão, aliás, lembra Adilson Abreu Dallari que "não desnatura seu caráter informativo [da publicidade oficial] o fato de destacar atuações positivas do administrador. Cabe à imprensa livre, aos membros do Legislativo, aos partidos políticos e aos grupos intermediários da sociedade civil conferir a veracidade dessas informações" [07]. Afinal, "não é razoável que os assuntos administrativos cheguem ou não cheguem ao conhecimento do povo na dependência do interesse ou da boa vontade da imprensa. A prática tem demonstrado que na quase totalidade dos casos, a Administração Pública só é notícia em seus aspectos patológicos ou quando não funciona. Isto tem um terrível e grave efeito deletério: como o cidadão comum recebe apenas notícias negativas a respeito das instituições públicas, acaba tendendo a descrer de todo e qualquer governante, de seus representantes eleitos, da administração pública em geral, dos poderes constituídos e, por último, das instituições democráticas. Portanto, a pluralidade de fontes de informação sobre a atuação pública é fundamental, para que possa haver críticas, controle, possibilidade de defesa e, também, oportunidade de evidenciar os êxitos e as conquistas da sociedade e dos governantes democráticos" [08].

            No mesmo sentido, ainda, Wallace Paiva Martins Junior explica que "é elementar ao sistema democrático o cidadão ter conhecimento das realizações e empreendimentos da administração pública, porque, em última análise, é o cidadão o destinatário e o beneficiário de tais atos. Há, pois, interesse público nessa divulgação que assume o contorno ímpar, atípico e informal de prestação de contas da administração pública. (...) A idéia de Estado Democrático de Direito está intimamente associada à de transparência da administração, seja com relação aos procedimentos e atos externos (...), seja com relação à suas realizações (obras, serviços, campanhas etc.)" [09].

            Trata-se, assim, a autorização, isto é, a exigência de publicidade institucional, de verdadeira regra constitucional densificadora de outros tantos princípios igualmente constitucionais. Assim, registre-se, "que o escopo constitucional da publicidade institucional visa tornar possível o controle e a fiscalização populares acerca das atividades da Administração Pública na consecução do bem comum, isto é, do interesse público" [10]. Com isso é de se reconhecer, destarte, que não se pode tolerar, salvo hipótese demandante da salvaguarda de outros princípios mediante harmonização, cedência recíproca (com mútuas compressões) ou suspensão condicionada de incidência no caso concreto (aqui, na hipótese de efetiva colisão), qualquer forma de atuação legislativa infraconstitucional que, sem observância de padrões de proporcionalidade e razoabilidade, simplesmente venha a negar a sua realização, inclusive com a negação de seu núcleo essencial.

            Nesta primeira perspectiva de análise, portanto, pretende-se esclarecer que o art. 73, VI, "b", da Lei nº 9.504/97, nos moldes como vem sendo interpretado pelo Tribunal Superior Eleitoral, representa, sob todas as hipóteses, verdadeira negação dos princípios da impessoalidade, da publicidade, da cidadania, do Estado de Direito e do Estado Democrático, na medida em que impede, praticamente, qualquer forma de publicidade institucional no período dos 3 (três) meses que antecedem a realização do pleito eleitoral. Eis aqui, portanto, uma primeira inconstitucionalidade, de índole substancial, do dispositivo legal sob estudo.

            Em relação a esta tese, aliás, não se argumente que se está diante de hipótese de "constrição" do princípio da impessoalidade e da publicidade em homenagem, como anuncia o caput do art. 73, Lei nº 9.504/97, à igualdade de condições no pleito eleitoral.

            Nesta seara, é de se considerar louvável a preocupação do legislador infraconstitucional com a preservação da igualdade do pleito eleitoral. Afinal, reitere-se, a igualdade de condições de acesso aos cargos públicos, mormente os eletivos, é corolário do próprio princípio republicano.

            Nada obstante, em vista do princípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição, da própria supremacia da Constituição e do Estado de Direito, não se pode admitir a existência de hierarquia entre princípios e, deste modo, há que se rechaçar aqueles modelos de interpretação ou de implementação legislativa que, sob a bandeira de realização de dado princípio constitucional, sacrifica pura e simplesmente outros tantos, como sucede no presente caso [11].

            Ademais, saliente-se, desde logo, que o disposto no artigo 73, VI, "b", da Lei nº 9.504/97, igualmente encontra-se eivado de inconstitucionalidade formal. Isto porque, de acordo com o que se afirmou, como corolário dos princípios da cidadania, da democracia e republicano, a Constituição prevê certo núcleo de direitos fundamentais (direitos políticos) que garantem a participação popular na gestão e controle das decisões estatais. Dentre eles, os direitos de votar e ser votado.

            Logo, neste ponto, já é possível concluir que as eventuais normas que tenham por escopo limitar o exercício dos direitos de participação política devem ser compreendidas em caráter de excepcionalidade. Por isso, diz-se que elegibilidade é a regra, é presumida, enquanto as hipóteses de inelegibilidade substanciam exceções, devendo ser interpretadas restritivamente.

            Neste caminho a Constituição de 1988, após definir diversas hipóteses de inelegibilidade (matéria, tradicionalmente, com residência constitucional), inovou a sistemática nacional ao introduzir, no § 9º, do art. 14, que "Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta".

            Ou seja, com o advento da Constituição em vigor, a definição de hipóteses de inelegibilidade pode ser manejada por normativa infraconstitucional. Nada obstante, na perspectiva formal, exige respeito (i) à reserva qualificada de lei (trata-se de restrição de direito fundamental [12]) e (ii) reserva de lei complementar, o que importa dizer, em nossa sistemática, que novas hipóteses de inelegibilidade, como autoriza a Lei Fundamental, somente são admitidas ou mediante Emenda Constitucional ou mediante o manejo de lei complementar [13].

            É neste campo de raciocínio que muitos doutrinadores têm sustentado, e não desprovidos de razão, a inconstitucionalidade formal do art. 73, VI, "b", da Lei n.º 9.504/97, na medida em que teria criado, principalmente em face da sanção prevista, verdadeira hipótese de inelegibilidade [14].

            Neste viés é de se observar, por exemplo, no que concerne aos bens protegidos, que o § 9º, do art. 14, tem por escopo tutelar, além de outros valores, "a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego". Ou seja, a lei há de prever novas hipóteses de inelegibilidade que levem em conta a proteção desses específicos valores constitucionais. Por outro diapasão, ao ler-se o caput do art. 73, da Lei Federal nº 9.504/97, percebe-se que o bem a ser tutelado é "a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais". Trata, rememore-se, o art. 73, de condutas vedadas aos agentes públicos em período eleitoral. Ora, qual é a finalidade última de se proteger a igualdade no pleito senão a proteção da própria legitimidade da eleição? Aliás, neste caso, proteção da legitimidade contra o abuso do exercício de função, cargo e emprego.

            Destarte, sob este prisma, é inegável que os bens tutelados são iguais. É inegável que a infração tipificada no art. 73, VI, "b", da Lei nº 9.504/97 substancia, sim, hipótese de inelegibilidade.

            Por outro aspecto, o da sanção, a conclusão é idêntica. Afinal, da leitura da Lei Complementar nº 64, de 1990, que estabelece casos de inelegibilidade, encontra-se, no artigo 15, a seguinte previsão de "sanção" decorrente da verificação de inelegibilidade: "Art. 15. Transitada em julgado a decisão que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido" – grifos ausentes no original. Por seu turno, como sanção incidente para a infração do art. 73, VI, "b", da Lei Federal nº 9.504/97, encontra-se a seguinte, definida no § 5º: "Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos I, II, III, IV e VI do caput, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma". Nota-se, portanto, igual sanção.

            Assim, uma vez que há convergência entre os bens tutelados, as finalidades e as sanções, não há razão para se afirmar que a infração prevista no art. 73, VI, "b", da Lei Federal nº 9.504/97, é coisa diversa de inelegibilidade. Neste quadro, por certo, assertiva contrária poderia, em verdade, estar a esconder verdadeira fraude na interpretação constitucional para o fim de "salvar" o dispositivo legal sob comento de sua inconstitucionalidade formal. Situação absolutamente idêntica, registre-se, sucede no caso do art. 41-A, também da Lei Federal nº 9.504/97, que prevê hipótese de inelegibilidade decorrente da chamada captação ilícita de sufrágio.

            Na linha do que se vem afirmando, leciona Olivar Coneglian que a referida infração estudada, ao lado da punição prevista para ela, "além de transportar a infração cometida com a propaganda oficial para o campo da infração eleitoral, ao mesmo tempo em que faz isso, consigna como pena o cancelamento do registro. Em suma, cria mais uma causa de inelegibilidade. E aí reside justamente a inconstitucionalidade: lei ordinária cria causa de inelegibilidade que só poderia estar presente em lei complementar" [15].

            Idêntica conclusão é sustentada Luís Sérgio Langowski e Letícia Küster Puppi: "Portanto, toda hipótese de inelegibilidade que não esteja prevista no texto constitucional ou em lei complementar não será válida frente ao ordenamento constitucional. A Lei nº 9.504/97 não é complementar. É lei ordinária e trouxe uma limitação à regra da elegibilidade. A possibilidade de cassação de registro de candidatura ou diploma ali versada, em princípio, é uma inelegibilidade com efeitos para uma única eleição." [16] É o que parte da doutrina denomina como inelegibilidade cominada simples: "A inelegibilidade cominada simples é a sanção de perda da elegibilidade para essa eleição, vale dizer, para a eleição na qual foi declarada a prática do ato reprovado como injurídico. Sua decretação tem por escopo montar o ius honorum do candidato, impedindo sua candidatura, ou a sua diplomação, ou o exercício do seu mandato eletivo obtido por meio ilícito" [17].

            O coro em prol do reconhecimento da inconstitucionalidade formal ainda é perfilhado por Pedro Roberto Decomain: "A previsão da cassação do registro do candidato beneficiado por alguma das condutas vedadas pelos incisos I, II, III, IV ou VI do art. 73 desta lei soa inconstitucional. É que o registro é condição para que qualquer pessoa possa concorrer a mandato eletivo. (...) A cassação do registro traz como conseqüência, portanto, o impedimento para que a pessoa siga concorrendo, o que gera situação substancialmente idêntica à da inelegibilidade. (...) Como a lei que aqui está sendo comentada é lei ordinária, tem-se que a previsão de cassação do registro do candidato beneficiado pela realização da conduta vedada padece de inconstitucionalidade formal." [18]

            Adriano Soares da Costa, por sua vez, comentando questão atinente ao art. 41-A, também da Lei Federal nº 9.504/97, que introduz outra hipótese de inelegibilidade mediante a lei ordinária sob estudo, manifesta-se na mesma linha: "Na verdade, a interpretação que o TSE está dando ao art. 41-A, da Lei Federal n.º 9.504/97 visa a salvá-lo de sua evidente inconstitucionalidade, uma vez que veículo introdutor impróprio de normas sobre inelegibilidade, mercê do que prescreve o § 9º do art. 14, da CF/88. Como apenas por meio de lei complementar poderia ser criada hipótese de nova inelegibilidade, optou-se por fazê-lo por via oblíqua, sub-repticiamente, mediante lei ordinária. E como essa lei é uma das poucas provenientes da iniciativa popular, seria muito difícil para Justiça Eleitoral expurgar uma lei assim tão bem nascida, pela origem e pela sua reta intenção, nada obstante a sua má técnica" [19].

            Por fim, há indícios de que esse será o caminho a ser seguido no âmbito no Supremo Tribunal Federal, ao menos a se considerar a decisão proferida pelo Min. Eros Grau na Ação Cautelar n. 509/Amapá, na qual se encontra a seguinte passagem: "Ademais, também em face da duvidosa constitucionalidade do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 - tendo em vista o texto do § 9º do art. 14 da Constituição do Brasil e o disposto no artigo 15 da Lei Complementar nº 64/90 – concedo a cautela requerida (...)".

            Ora, idêntico destino do art. 41-A terá o art. 73, VI, "b", ambos da Lei n. 9.504/97 (inconstitucionalidade formal).


III. Ainda a inconstitucionalidade formal

            O que importa, nesta quadra, é ver se o disposto no texto legal e a interpretação predominante [20] conferida à conduta vedada na alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei n.º 9.504/97, segundo a qual (i) não é necessária, para configuração do ilícito, a demonstração da potencialidade do ato influir no resultado do pleito e (ii) tampouco a comprovação do prévio conhecimento do beneficiário ou (iii) da intimação para a retirada da publicidade, são compatíveis com a Constituição.

            É que, em semelhante seara, se é necessário expurgar a impunidade em relação aos abusos de poder econômico e de poder político nos pleitos eleitorais, e se é certo, ademais, que a normalidade, a lisura e legitimidade das eleições, bem como a igualdade entre os candidatos devem ser protegidos, não é menos certo que a Constituição tutela a soberania popular, os princípios republicano, da publicidade, do devido processo legal, da culpabilidade, da individualização e da pessoalidade da pena.

            A demanda popular de combate à corrupção eleitoral é digna de acolhimento pelas atividades legiferante e judicante. Nada, porém, autoriza, no Direito Constitucional brasileiro, o simples atendimento ao anseio popular mediante interpretações adaptadas que vulnerem o texto constitucional ou esvaziem conteúdo essencial de princípios, direitos e de garantias fundamentais.

            Não é o que tem ocorrido, porém, no direito brasileiro. O déficit de serenidade, o atropelo, a falta de atenção para com a normativa constitucional e os princípios e direitos fundamentais encontráveis na disciplina legislativa, é semelhante a residente em inúmeras outras situações nas quais a lei foi além do permitido, em que o legislador manifestou-se com excesso, tudo para atender, certamente de boa fé, um determinado clamor popular, digno, sem dúvida, de proteção, mas olvidando que o direito conforma um sistema que exige integridade, coerência, proporcionalidade, enfim, racionalidade. Esquecendo-se, mais, que no manejo do Direito, a instrumentalização da lei para atender determinados fins, por mais nobres que sejam, tem limites: os limites ditados pela específica ordem constitucional brasileira.

            O tema da publicidade institucional está, como se sabe, intimamente interligado, conforme se demonstrou, ao princípio republicano, ao princípio (dever) da publicidade e, por conseguinte, aos direitos fundamentais. Ao passo que a cassação de registro de candidaturas e de diploma do candidato eleito está estreitamente imbricado com o princípio da soberania popular, com os direitos políticos (de votar e ser votado), com os princípios do devido processo legal, da culpabilidade, da proporcionalidade, da razoabilidade, da individualização das penas e da responsabilidade subjetiva. Resta, assim, esboçado o plexo normativo constitucional que ilumina o presente momento do estudo.

            Haja vista esse desenho normativo constitucional concernente ao presente caso, insta indagar, reitere-se, se a vedação de conduta aos agentes públicos, prevista na alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei nº 9.504/97, apresenta-se adequada, exigível, proporcional, conformando um adequado juízo de ponderação dos valores e princípios em jogo, em nenhum momento sacrificando qualquer dos direitos residentes na tensão normativa, mantido, por isso mesmo, os respectivos núcleos essenciais.

            Expostos os pontos centrais das questões em debate, importa demonstrar, em que pesem as alusões já feitas à inconstitucionalidade formal e material do dispositivo sob comento, a sua não conformidade à Constituição também diante dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

            Deveras, a restrição contida na alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei 9504/97, bem como a interpretação que lhe foi conferida pela maioria dos Ministros do TSE, operaram, como será demonstrado, juízo de ponderação inadequado, ao manejar normativamente as restrições autorizadas pelo Constituinte tão-somente ao legislador complementar, ex vi do disposto no § 9º do art. 14 da Carta Magna [21], a ponto de ingressar no terreno censurável da inconstitucionalidade.

            Reclama atenção, inicialmente, o problema da não satisfação, pelo Legislador, da reserva de lei inscrita no § 9º do art. 14, da Constituição da República, mas agora sob prisma diverso do já exposto.

            A doutrina tem se orientado no sentido de, afastando-se da chamada teoria interna, admitir qualquer espécie de disciplina de direito fundamental pelo legislador como hipótese de restrição. Ora, as restrições supõem um regime apropriado que cuida seja do correspondente veículo de introdução na ordem jurídica (reserva de lei), seja dos limites ao seu manejo (princípio da proporcionalidade, preservação do núcleo essencial do direito restringido etc. = reserva qualificada de lei e reserva absoluta de lei).

            Importa, aqui, considerar que o legislador está autorizado (i) implícita ou (ii) explicitamente a operar, dentro de limites controláveis, restrição aos direitos fundamentais, tudo para, através de um juízo de concordância prática, de ponderação, concretizador de um balancing, harmonizar os direitos em função da possível emergência de colisão ou de concorrência. Na primeira situação, apresentam-se as restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição [22]. A segunda constitui hipótese de restrição expressamente autorizada pela Constituição. Em ambas, avulta o papel do Poder Legislativo, especialmente no contexto de uma ordem constitucional como a brasileira. É que, entre nós, assumem particular significação os princípios da legalidade e da reserva de lei.

            Nos termos do art. 5º, II, "ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". Apenas a lei, no direito brasileiro, pode inovar originariamente a ordem jurídica, a ponto de criar direitos e obrigações [23]. Não há, aqui, lugar para o regulamento autônomo, para a partilha de matérias entre a lei e o regulamento (como ocorre v.g. na França [24]), sequer calhando, exceto a eventualidade da lei delegada, possibilidade de lícita delegação de poder normativo do Legislador para a Administração.

            Não há fundamento, portanto, para os regulamentos delegados (encontráveis em outras ordens jurídicas). A delegação legislativa, em território brasileiro, haverá de atender necessariamente ao especificado no art. 68 da Constituição, sendo certo que qualquer outra iniciativa configura delegação indébita, vedada, inconstitucional, ainda que velada, informal, ou sutil [25].

            A questão fica ainda mais evidente quando se está diante do princípio da reserva absoluta de lei. É que, não satisfeito com o princípio da legalidade (princípio da reserva relativa de lei) a exigir manifestação do Legislativo (ou, excepcionalmente, nas hipóteses do arts. 62 e 68 da Lei Fundamental, de outro órgão constitucional exercente de função legislativa) em toda providência normativa voltada a inovar originariamente a ordem jurídica (providência que haverá de abordar os pontos essenciais do regime da substância regulada - teoria da essencialidade) [26], para o tratamento de certas matérias expressamente indicadas pelo Constituinte, em decorrência de sua singular importância, exige-se também o esgotamento, pelo legislador (muitas vezes sem possibilidade de incursão de outro órgão constitucional capaz de produzir ato normativo com força de lei) de toda a esfera de regulação.

            Está-se a reportar, nesta linha, reafirme-se, à reserva absoluta de lei. Aqui, o papel normativo acessório do Chefe do Executivo ou da Administração é ainda mais insignificante, destacando-se, com toda evidência, ademais, a insuscetibilidade do transpasse, pelo Congresso Nacional, ainda que velado, de parcial competência normativa a órgão constitucional incumbido da aplicação da lei. Pois, em geral, as restrições expressamente autorizadas pela Constituição apontam para um âmbito material tributário de reserva absoluta de lei.

            É, particularmente, o que ocorre, o que parece indisputável, com o § 9º, do art. 14, da Constituição da República, quando prescreve, de modo eloqüente, que compete à "lei complementar estabelecer outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta".

            O comando não exige maior esforço hermenêutico. Daí por que novas hipóteses de inelegibilidade, visando a tutelar tais finalidades, somente poderão ser erigidas mediante lei complementar.

            Não há autorização constitucional, portanto, para a delegação legislativa, tampouco para previsão de outros casos de inelegibilidade criadas por meio de lei ordinária.

            Não é demais, neste ponto, chamar o auxílio de Jorge Reis Novais, para com ele realçar que é "sobretudo nos argumentos democráticos que a dimensão competencial cobra pleno desenvolvimento, assumindo, aí, a reserva de lei parlamentar o papel de protagonista principal. Basicamente, a idéia é que há decisões tão essenciais para a vida da comunidade que devem ser tomadas pela instituição representativa de todos os cidadãos. Entre essas decisões contam-se imediatamente, qualquer que seja a fundamentação apresentada, as decisões que afectam os direitos fundamentais, mormente as suas restrições, entendendo-se que a excepcionalidade da sua ocorrência e a gravidade dos seus efeitos exigem a participação decisiva dos representantes dos próprios interessados" [27].

            No caso, além da reserva absoluta de lei e da reserva de lei complementar, está plantada, igualmente, situação de reserva qualificada de lei. É que a restrição haverá de operar-se, reafirme-se, com a finalidade de assegurar (§ 9º, do art.14, da Constituição) "a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego".

            O desvio da finalidade, o excesso, a falta de simetria entre o meio e o fim, a desmedida, por sua vez, importam em manifestação de inconstitucionalidade como decorrência natural do regime da reserva qualificada de lei [28]. Nesta circunstância, como se sabe, a autorização de restrição exige o atendimento de certos pressupostos ou a prossecução de determinados fins ou objetivos. É o que ensina Juan Carlos Gavara de Cara, segundo o qual, "... se autoriza el desarrollo normativo de los derechos afectados no por su justificación en base a cualquier objetivo constitucional, sino en base a objetivos constitucionales individualizados y numerados". [29] No case em discussão, ao que parece, a lição tem sido em vão. [30] Logo, não há razão para se justificar a constitucionalidade do dispositivo sob estudo.


IV. Afronta ao princípio da proporcionalidade

            Pois bem, não bastasse a existência da inconstitucionalidade formal apontada, constata-se, outrossim, nos termos da interpretação conferida à alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei nº 9504/97, que chega a permitir que fato de terceiro desconhecido pelo candidato gere responsabilização objetiva do próprio candidato, por meio de cassação do registro ou do diploma, independente de afetar a igualdade e de ter potencial de influenciar o pleito, a existência de inconstitucionalidade material, decorrente de afronta, mediante inclusive o esvaziamento do conteúdo essencial, aos princípios da soberania popular, republicano, da publicidade, do devido processo legal, da culpabilidade, da responsabilidade subjetiva, da individualização e da pessoalidade das penas, e, por fim, da proporcionalidade e da razoabilidade.

            Quanto ao art. 14, § 9º, da Constituição, está-se diante, já foi dito, de hipótese de restrição expressamente autorizada pelo Constituinte, sujeita, porém, a (i) reserva absoluta de lei, (ii) reserva de lei complementar e a (iii) reserva qualificada de lei. Se é certo, portanto, que a liberdade de conformação legislativa, não se confundindo como a mera tarefa de aplicação da Constituição, é ampla [31], não é menos certo que o Legislador não desenvolve sua função normativa de modo absolutamente livre. Há parâmetros constitucionais, maiores ou menores, conforme o âmbito de intervenção, a orientar a atividade. Na situação vertente, haveria o legislador, ao impor restrições à liberdade política e à soberania popular, de operar, necessariamente, (i) por meio de lei complementar que cobrisse, ademais, (ii) toda a esfera de regulação da matéria (princípio da reserva absoluta de lei), com o especial fim de (iii) estabelecer meios para garantir a idoneidade do pleito eleitoral, mantendo a normalidade, lisura, legitimidade e o respeito à probidade e moralidade administrativa, isso tudo (iv) solucionando, no plano abstrato, conflito entre os direitos e princípios comprimidos e a regras que regulam a idoneidade do pleito eleitoral.

            Para além da questão da inconstitucionalidade formal, então, o controle de lei restritiva, desde um ponto de vista substancial, desafia as técnicas oferecidas pela moderna teoria constitucional, pós-positivista [32], pós-convencional [33], principialista [34], tributária da concordância prática [35] e/ou da ponderação [36], enfim, que se inscreve no sítio que tem sido chamado de neoconstitucionalismo [37]. A observação não traduz nenhuma novidade. As novas técnicas, com maior ou menor intensidade, sem que isso importe em marginalização dos úteis e tradicionais esquemas metódicos incorporados à razão jurídica ocidental (derivados da subsunção), - as normas constitucionais, afinal, apresentam-se como regras e princípios - têm sido manejadas com crescente intensidade pela jurisdição constitucional, inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, seguindo, de longe ou de perto, os passos do Tribunal Constitucional alemão ou da Suprema Corte Americana.

            A metodologia da ponderação de bens (balancing), ainda antes de sua disseminação na Europa, a partir dos anos cinqüenta, foi alvo de controvérsia nos Estados Unidos. Do debate entre os defensores do (i) approach absolutista (caso dos Juízes Black e Douglas) e os (ii) defensores do balancing (em especial a partir dos argumentos dos Justices Frankfurter e Harlan), vai se delineando, com avanços e recuos, a jurisprudência da Suprema Corte que, afinal, a partir de uma orientação pragmática e eclética, vai agregar as vantagens e neutralizar os inconvenientes das duas posições (formalismo exagerado, falta de plasticidade, compreensão da Constituição como conjunto de regras, na circunstância do aproach absolutista; risco de subjetivismo, no caso dos balancers).

            É neste horizonte que avulta a importância da (iii) categorização (cujo manejo permite a inclusão ou exclusão de determinadas condutas do específico âmbito de proteção do direito), derivada de uma espécie de temperamento das posições absolutistas, da metodologia do (iv) definitional balancing (ensaio de operação de síntese entre categorização e balancing) e, mesmo, do (v) ad hoc balancing (ponderação levada a termo caso a caso, decorrente da apreciação da circunstância concreta). O definitional balancing orienta-se no sentido de produzir uma ponderação que seja aplicável a toda uma categoria de casos, prescindindo-se, daí em diante, de ponderação ulterior em feito concreto, podendo tal caso, portanto, ser solucionado com a aplicação da regra antes construída mediante processo subsuntivo [38].

            Como lembram Tribe [39] e Aleinikoff [40], a Suprema Corte lança mão das várias metodologias, variando em função do específico direito em questão ou do interesse do Poder Público em causa.

            Jorge Reis Novais, por seu turno, argumenta com inteira procedência, que essa atitude "permitiu que uma jurisprudência constitucional continuamente filtrada e influenciada pelo crivo reflexivo de uma elaboração doutrinária intensa pudesse ir cristalizando, não uma qualquer teoria unilateral, abrangente e fechada, dos limites aos direitos fundamentais, mas antes modos de controlo suficientemente estabilizados para garantir a previsibilidade de conseqüências dos comportamentos individuais e uma sólida garantia das liberdades comunicativas (...)." [41]

            A jurisprudência constitucional americana, na atividade de controle das restrições, recorre, como na Europa, a pautas derivadas das exigências do rule of law ou do princípio da proibição do excesso, procurando, todavia, "sistematizar e tipificar esse controlo através dos chamados tests ou standards de escrutínio da regulação estatal, de exigência ou rigor diferenciados em função da natureza dos direitos fundamentais afectados, do tipo de restrição em causa e da intensidade dos efeitos restritivos por ela produzidos." [42]

            O processo que sugeriu a mudança de paradigma no direito constitucional alemão e americano vem se manifestando também, guardadas as respectivas especificidades, nos países que admitem a jurisdição constitucional, em particular os europeus e latino-americanos. A ponderação, portanto, passa a traduzir, ainda quando associada a outras técnicas, metodologia indispensável para a solução de conflitos entre direitos fundamentais ou envolvendo direitos fundamentais e outros bens constitucionais. Aqui avulta o princípio da proporcionalidade [43], peça integrante do "limite dos limites" [44], como mecanismo necessário para o rigoroso controle da atividade de harmonização conduzida pelo operador jurídico.

            O Supremo Tribunal Federal não desacolhe as mudanças que vêm, há certo tempo, reconfigurando o discurso constitucional [45]. Por isso a ponderação, a compreensão da Constituição como ordem normativa comportando regras e princípios e o princípio da proporcionalidade, como meio de testar a racionalidade das restrições estabelecidas pelo Legislador, não implicam démarches estrangeiras ao universo argumentativo presente nas decisões da Excelsa Corte.

            Antes da promulgação da vigente Lei Fundamental, as decisões proferidas no RE n.º 18.331, relatado pelo Ministro Orozimbo Nonato, em que ficou assentado que "o poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir", e na Representação n.º 930, Rel. Ministro Rodrigues Alckmin, tratando das condições de capacidade para o exercício das profissões, constituem importantes precedentes tratando do princípio da proporcionalidade. Também na Representação n.º 1.077 (RTJ 112:34) e na Representação n.º 1054 (RTJ 110:937 e ss.), o referido princípio foi manipulado. Nos apontados casos, porém, sem expressa referência, o que veio a acontecer, pela primeira vez, já sob a égide da nova ordem constitucional, na ADIn n.º 855-2, na qual se discutia a propósito da lei paranaense que determinara a obrigação de pesagem de botijões de gás à vista do consumidor por ocasião da venda, com pagamento imediato da eventual diferença a menor.

            Na decisão, verdadeiro leading case, o Supremo Tribunal Federal reconheceu, ainda que em sede de providência cautelar, manifesta hipótese de violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos. Decisões dotadas de sentido semelhante são encontradas em diversos outros julgados em sede de ação direta de inconstitucionalidade (por exemplo: ADIn n.º 1.158; ADIn n.º 966-4; ADIn n.º 958-3 e ADIn n.º 2.019-MC). Trata-se, afinal, nesta oportunidade, apenas de demonstrar que a ponderação apresenta-se já como solução metódica incorporada ao cotidiano da atividade jurisdicional da Suprema Corte brasileira.

            Estabelecidos esses pressupostos, há que se ressaltar que, na circunstância presente, incumbe ao Poder Judiciário lançar mão dos "limites dos limites", objetivamente de uma específica manifestação, o princípio da proporcionalidade, para exercitar o controle jurisdicional, em face da Constituição Federal, da ponderação concretizada pelo Legislador ao proceder à restrição dos direitos e princípios fundamentais anteriormente mencionados, mediante o disposto na alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei nº 9504/97. Poder-se-ia, desde logo, identificando o juízo de proporcionalidade, num sentido largo, com a concordância prática, meio de harmonização entre direitos ou bens contrapostos sugerido pelas doutrinas de Konrad Hesse e Friedrich Müller [46], sustentar que a inconstitucionalidade no dispositivo e na interpretação conferida à alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei 9504/97, é manifesta.

            Com efeito, o princípio da concordância prática, implicando coordenação entre bens constitucionalmente protegidos nas hipóteses de tensão, também envolve ponderação. A concordância prática, porém, não admite nenhum sacrifício aos direitos em conflito. É que os direitos, ostentando valor igual, desafiariam igual satisfação. O intérprete, em semelhante contexto, haveria de resolver a tensão, buscando uma otimização igualitária ou um saldo nulo de sacrifício.

            Não foi o que ocorreu com a disciplina normativa da vedação à publicidade institucional nos três meses que antecedem as eleições e da sanção a ela aplicada. Aqui, a tensão entre os direitos e princípios anteriormente mencionados foi resolvida não por meio de um ensaio de harmonização (cedência recíproca, na linguagem de Celso Ribeiro Bastos [47]), mas já mediante indiscutível sacrifício de um dos pólos. Ora, o sacrifício, cumpre nesta quadra insistir, que não teria sido autorizado em nenhum momento pelo Constituinte, tanto que se reporta à tarefa do Legislador como vinculada à específica finalidade de assegurar a normalidade, lisura e legitimidade dos pleitos eleitorais para permitir a realização da soberania popular de forma idônea. A idéia, vê-se, aponta para a necessidade de compatibilização, harmonização, conciliação, jamais, todavia, de sacrifício, ablação, amputação, exceto quando incidente, de modo equivalente, sobre ambos os pólos.

            Há que se concordar que o princípio da proporcionalidade, nada obstante, a não ser quando indicado de forma amplíssima, não se identifica com o da concordância prática. Há distinções abraçando (i) o universo de situações sobre as quais incidem e (ii) o tipo de otimização que perseguem. Enquanto a concordância prática cuida de situações de tensão exigentes de harmonização ou de sacrifícios simétricos e recíprocos, o princípio da proporcionalidade aceita que um direito possa, eventualmente, ser mais sacrificado do que outro, desde que haja proporcionalidade na ação que busca resguardar um direito, entre o direito protegido e o atingido. De outro viés, tomando a proporcionalidade como princípio (e não como postulado normativo de aplicação, na linha sustentada por Ávila [48]), compreendido, na esteira do pensamento de Alexy, como mandamento de otimização dependente de possibilidades fáticas e jurídicas [49], irrompe nova apartação, eis que o princípio da concordância prática nada diz quanto à esfera de consideração fática, agasalhando, apenas, mandamento de harmonização de interesses contrapostos desde um ponto de vista das possibilidades jurídicas [50].

            Na circunstância, portanto, de residir, no art. 14, § 9º, da Constituição, autorização para o legislador operar, de modo mais intenso (restrição) que o consistente na mera harmonização dos direitos em disputa, é o princípio da proporcionalidade que haverá de ser provocado para o controle da constitucionalidade, e não o princípio da concordância prática.

            Na espécie, conforme assevera Gilmar Ferreira Mendes, a linha de argumentação do Supremo Tribunal Federal, ao testar a legitimidade de eventual medida restritiva, "há de ser aferida no contexto de uma relação meio-fim (Zweck-Mittel Zusammenhang), devendo ser pronunciada a inconstitucionalidade que contenha limitações inadequadas, desnecessárias ou desproporcionais (não-razoáveis)" [51].

            Em semelhantes termos, a medida restritiva, considerando a unidade hierárquico-normativa da Constituição, que implica a inocorrência de posições de vantagem prima facie de determinados direitos diante de outros, a inexistência de uma hierarquia abstrata, a priori, entre os direitos em colisão e, por conseqüência, a impossibilidade de construção de uma regra de prevalência definitiva ex ante, prescindindo das circunstâncias do caso (Alexy [52]) deve, sob pena de invalidade, ser adequada (apropriada), necessária (exigível) e proporcional (justa medida). Na lição de José Joaquim Gomes Canotilho: "O princípio da conformidade ou adequação impõe que a medida adoptada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Consequentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o acto do poder público é apto para e conforme os fins justificativos de sua adopção. (...) O princípio da exigibilidade, também conhecido como ‘princípio da necessidade’ ou da ‘menor ingerência possível’ coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível. Assim, exigir-se-ia sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adoptar outro meio menos oneroso para o cidadão. (...) Quando se chegar à conclusão da necessidade e adequação da medida coactiva do poder público para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à ‘carga coactiva’ da mesma. Está aqui em causa o princípio da proporcionalidade em sentido estrito" [53].

            Sintetizando, diante da orientação que se firma no Pretório Excelso, o escrutínio, ou teste, a ser realizado, para a aferição da constitucionalidade da lei restritiva, ao lado da carga argumentativa adequada, envolve o transitar por três níveis de análise: (i) adequação (idoneidade), (ii) necessidade (exigibilidade) e (iii) proporcionalidade em sentido estrito.

            O dispositivo legal sob comento, restritivo ao direito de cidadania, da regra geral de elegibilidade de todos (a elegibilidade é regra e a inelegibilidade, recorde-se, é exceção), de controle dos atos públicos, e a interpretação a ele conferida, salta aos olhos, não é capaz de superar nenhum dos degraus (sub-princípios) do teste de proporcionalidade.

            Quanto ao primeiro nível, vislumbra-se o esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos e princípios que são atingidos pela restrição, eis que, a par de atingir o princípio da publicidade e, por conseguinte, o próprio princípio republicano, considerar, conforme se observa no citado Acórdão n.º 24.793, que a configuração da ilicitude não depende (i) da potencialidade de o ato influir no resultado do pleito e (ii) da comprovação do prévio conhecimento do beneficiário ou (iii) da intimação para a retirada da publicidade, de modo a não ser possível aferir se houve efetivo desequilíbrio entre os candidatos, importa, no caso concreto, em esvaziar o conteúdo dos princípios constitucionais do devido processo legal, da culpabilidade, da pessoalidade da sanção, da individualização da pena e da responsabilidade subjetiva.

            A restrição, por outro lado, não resiste ao teste da exigibilidade (necessidade, indispensabilidade da medida). A providência restritiva, como se sabe, dentre outras dotadas de semelhante eficácia, deve ser necessária e exigível, ostentando a menor carga coativa, identificando-se com aquela menos onerosa para o direito fundamental comprimido. Trata-se, aqui, portanto, de manifestação do princípio da menor ingerência possível. Ou, na linguagem de Gavara de Cara, "una medida es necesaria cuando no puede ser elegida otra medida igualmente efectiva que limite menos el derecho fundamental o que suponga una menor carga para el titular." [54]

            Verifica-se, neste degrau do teste da proporcionalidade, se (i) a restrição atendeu ao conceito de ingerência ou intervenção mínimas no exercício do direito fundamental, (ii) ocorrente hipótese de medida alternativa menos gravosa (princípio da desconfiança), (iii) em virtude de um paralelo que leve em conta prejudicialidade e eficácia das alternativas em cotejo e (iv) tudo isso em função de um juízo dotado de conteúdo empírico [55].

            Pois bem, no que atine à interpretação conferida ao dispositivo sob estudo, é perfeitamente possível a adoção de outros métodos de avaliação consentâneos à própria previsão do texto (destaque-se as expressões tendentes e candidato beneficiado) que permitiriam maior prudência na revisão de deliberação majoritária, nos quais não se recorreria a uma responsabilização objetiva mediante presunção, mas sim se aferiria a existência efetiva de quebra da igualdade entre os candidatos, bem como a potencialidade de influência no resultado do pleito e a ciência e aquiescência do candidato em relação à realização da publicidade.

            Está-se a referir a métodos igualmente eficazes e menos gravosos, que poderiam, perfeitamente, ser aproveitados pelo Poder Judiciário para a satisfação do objetivo reclamado. Portanto, a linha interpretativa ensejadora de responsabilização objetiva constitui medida gravosa que desatende o princípio da proporcionalidade quanto ao requisito da necessidade, implicando manifestação de excesso (princípio da vedação do excesso) no tratamento da matéria pelo Poder Legislativo.

            Finalmente, a orientação no sentido de que a configuração do ilícito corresponde a uma forma de responsabilidade objetiva, bem como a vedação à publicidade institucional constitucionalmente permitida (consoante ao art. 37, § 1º, da CF) não suporta, também, o teste da proporcionalidade em sentido estrito. Aqui, como antes sugerido, "meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim" [56]. O que significa dizer que os meios manejados devem manter uma equação razoável com o fim almejado. Alexy, a propósito, formula feliz síntese (lei da ponderação): "cuanto mayor es el grado de la no satisfacción o de afectación de un princípio, tanto mayor tiene que ser la importancia de la satisfacción del otro" [57].

            O que se vê, nada obstante, na situação enfrentada, é a supressão de direitos e princípios fundamentais sem a correspondente satisfação, em igual proporção, do outro objetivo constitucional situado na fronteira oposta da colisão. Pesadas as desvantagens dos meios (que são eloqüentes) e as vantagens dos fins (que são pouco evidentes), percebe-se uma relação desmedida, desequilibrada, desproporcional, contaminada pelo excesso e pelo déficit de razoabilidade, não justificável à luz da razão prática (irracionalidade) e, por isso mesmo, agressiva, injusta, distanciada do cumprimento do princípio da reserva de lei proporcional, revelando, em síntese, quanto à lei compressiva, a precipitação de inconstitucionalidade também por este fundamento. Afinal, a interpretação predominante admite que fatos banais e muitas vezes insignificantes possam ensejar a cassação de registro de candidatura ou diplomação, contrapondo-se, não raro, à manifestação da vontade popular. A operação do Legislador não preservou, assim, sequer o núcleo essencial dos direitos e princípios sobre os quais incidiu a restrição. Com efeito, não há núcleo essencial que resista à radical ablação dos direitos políticos, da soberania popular, do devido processo legal, da cidadania, do princípio da publicidade etc. Qualquer das teorias, no presente caso, seria suficiente para demonstrar a vulneração da cláusula imunizatória do conteúdo essencial e o desconhecimento da salvaguarda da essencialidade do direito restringido.

            Ora, as razões apresentadas são assaz suficientes para mais uma demonstração da inconstitucionalidade não só do disposto na alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei n.º 9.504/97, mas também da interpretação a ele conferida pelo Tribunal Superior Eleitoral.


V. Inconstitucionalidade diante do princípio do devido processo legal em sentido formal

            A Constituição da República de 1988 consagrou, expressamente, no disposto no artigo 5º, inciso LIV, o princípio do devido processo legal, ao prever que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal", cuja análise torna-se salutar, no presente estudo, na medida em que envolve questão concernente à imposição de restrições à liberdade política.

            Deveras, também há incidência da cláusula do devido processo legal quando se trata de restrição à liberdade política. As restrições a direitos políticos, embora não substanciem pena privativa de liberdade, privam, tolhem o gozo de uma liberdade política (e.g, candidatar-se a cargos públicos ou a cargos eletivos e poder concorrer ao pleito em condições de igualdade etc., afetando consideravelmente a cidadania).

            Muito embora tanto o conteúdo quanto os efeitos no ordenamento brasileiro não sejam idênticos aos dos ordenamentos alienígenas - mesmo porque a mera transplantação, a par de inaceitável, é inadequada -, é pertinente explanar sobre a compreensão conferida ao devido processo legal nos EUA.

            Com raízes remotas na Inglaterra do século XIII [58], inicialmente, o princípio do devido processo legal apresentava nítidos contornos processuais, formais, substanciando mecanismo de proteção objetiva a direitos subjetivos.

            No entanto, paulatinamente, mercê de sua incorporação ao texto das V [59] e XIV Emendas à Constituição norte-americana [60], logrou alcançar, tal garantia, intensa expressividade, não havendo, todavia, unanimidade em relação à sua exata definição, talvez porque, conforme afirmou o Juiz da Corte Suprema Felix Frankfurter, ela "não pode ser aprisionada dentro dos limites traiçoeiros de nenhuma fórmula".

            Pois bem, construiu-se, na jurisprudência da Suprema Corte, a teoria do devido processo legal que contempla duas perspectivas indissociáveis [61]: substantive due process – projeção na seara do direito material, mediante controle de conteúdo [62] - e procedural due process – garantia na esfera processual -, visando a proteger o trinômio vida-liberdade-propriedade. Nesse sentido, o standard hodierno da cláusula protege todos os direitos fundamentais (enumerados e não-enumerados) em face de invasões do poder público [63].

            Nesta linha, percebe-se que a jurisprudência da Suprema Corte dos EUA foi responsável pela ampliação do conteúdo semântico do devido processo legal, de sorte a não apenas controlar a justa observância do processo estabelecido em leis, mas também controlar o conteúdo, a substância do ato em teste.

            No direito brasileiro, Carlos Roberto Siqueira Castro, ao estabelecer liame entre o devido processo legal e razoabilidade e racionalidade das leis, sinaliza que a cláusula substancia "postulado genérico de legalidade a exigir que os atos do Poder Público se compatibilizem com a noção de um direito justo, isto é, consentâneo com o conjunto de valores incorporados à ordem jurídica democrática segundo a evolução do sentimento constitucional quanto à organização do convívio social" [64], sendo que se entende por norma "razoável" e "racional" aquela que não é "arbitrária, implausível e caprichosa", todavia consiste em "meio idôneo, hábil e necessário ao atingimento de finalidades constitucionalmente válidas." [65]

            Lucia Valle Figueiredo, por seu turno, salienta, como requisito do devido processo legal, a necessidade de compatibilização entre lei e Constituição [66], bem como conclui que o seu conteúdo no ordenamento jurídico brasileiro abriga a igualdade substancial e formal [67], sendo que a verificação quanto à sua observância ocorrerá "somente no caso concreto - em face da lei concreta ou da aplicação concreta que um juiz ou administrador faça, em procedimentos ou processos administrativos ou judiciais, é que veremos se foi cumprido o due process of law, que dependerá das circunstâncias, como dizia o grande Holmes" [68].

            Com efeito, conferem-se, no Brasil, ao princípio do devido processo legal, contornos amplos, de modo que não se contenta com a mera obediência à Constituição e à lei em um sentido formal ou literal, bem pelo contrário exige a observância substancial principalmente das normas constitucionais de direitos fundamentais, atrelando-se ao princípio da razoabilidade [69] e da proporcionalidade. Princípios esses que são de fundamental relevância no controle, desenvolvimento e concretização de normas restritivas de direitos [70], normas sancionadoras, na medida em que permitem não só aferir eventuais discrepâncias entre o meio eleito – v.g. pelo legislador – e o fim almejado, bem como realizar (i) adequação típica das condutas às normas, (ii) atenuação necessária dos rigores sancionatórios abstratos, mediante correção de intoleráveis distorções legislativas. Logo, nesta sede, está-se diante da situação em que o princípio do devido processo legal, por sua dimensão material, tangencia o princípio da proporcionalidade, anteriormente analisado.

            Importa, agora, contudo, abordar a questão da afronta ao devido processo legal em seu sentido formal, processual, que demanda a observância e respeito de garantias insculpidas na Constituição Federal.

            Nesta ocasião, ingressa o debate acerca da inconstitucionalidade da alínea b, inciso VI, do art. 73, da Lei n.º 9.504/97, combinada com a sanção do § 5º (cassação do registro ou diploma), em face da violação às garantias de ampla defesa, individualização e personalização das penas, genericamente consideradas.

            Todavia, antes de se analisar o problema posto à luz de tais princípios, urge, ainda que perfunctoriamente, traçar considerações sobre o princípio da culpabilidade e da responsabilização subjetiva.

            Na seara do direito sancionatório, isto é, da imposição de restrições à liberdade, a par de considerar a própria norma sancionadora no que concerne à sua aplicabilidade, ao seu alcance e, mormente, aos princípios que permeiam o seu surgimento (válido/constitucional ou não), insta tecer considerações em relação à responsabilidade daquele que viola a norma repressiva.

            No presente estudo, pode-se dizer ser imprescindível análise desse jaez na medida em que a interpretação conferida pelo posicionamento predominante na Justiça Eleitoral ensejou a adoção de uma espécie de responsabilidade objetiva, uma vez que a configuração da infração, segundo esse entendimento, não dependeria da demonstração de potencialidade de o ato influir no resultado do pleito, e tampouco da comprovação do prévio conhecimento do beneficiário ou da intimação para a retirada da publicidade. Isto é, ainda que, por exemplo, o candidato desconhecesse a existência de publicidade institucional e, por conseguinte, não tivesse atuado no sentido de obter tal publicidade, estaria caracterizada a ilicitude.

            Mencione-se, desde logo, que as condutas vedadas previstas no art.73, da Lei n.º 9.504/97, constituem infrações administrativas [71].

            Pois bem, princípio elementar, com esteio constitucional, em matéria de responsabilidade do agente em razão de infrações administrativas, é a culpabilidade, o qual substancia verdadeiro pressuposto de responsabilidade das pessoas físicas, condicionando a aplicação da sanção à necessidade do agente revelar-se culpável.

            Na medida em que, não bastasse o fato de arrimar-se na dignidade da pessoa humana (art. 1.°, III, da Lei Fundamental de 1988), o Estado Democrático de Direito brasileiro assegura os princípios da pessoalidade (art. 5.°, XLV, CF/88) [72] e da individualização da pena (art. 5.°, XLVI, CF/88), bem como o devido processo legal (art. 5.°, LIll, CF/88) e outros direitos e liberdades fundamentais, ex vi do § 2º, do art. 5º, decorrentes do direito internacional e do sistema constitucional propriamente dito, ainda que não expressamente previstos, de modo que é inegável a existência de um princípio da culpabilidade, o qual, por ter origem constitucional, não resta adstrito à seara penal, aplicando-se de forma genérica e visando, mormente, a limitar a atividade punitiva do Estado (na qualidade de garantia dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana) [73].

            Deveras, cumpre, portanto, no direito brasileiro, exigir o princípio da culpabilidade na aplicação das infrações administrativas, visto que o exercício da atividade punitiva estatal há de estar devidamente adstrita ao devido processo legal formal e substancial, revestido das garantias de plenitude de defesa e contraditório, além das inafastáveis pessoalização e individualização da pena. Garantias essas que seriam meramente ilusórias caso não houvesse a exigência de culpabilidade como fundamento para imposição de sanções administrativas.

            Como se vê, então, a culpabilidade é uma exigência inafastável para a responsabilização das pessoas físicas, decorrente da fórmula substancial do devido processo legal e da necessária proporcionalidade das infrações e das sanções, resultando imprescindível a análise da subjetividade do autor do fato ilícito quando se trate de pessoa humana.

            Nesse aspecto, preconiza Alejandro Nieto [74] ser pacífica a exigência de culpabilidade para a imposição de sanções. Ao menos tem sido assim na Espanha, Itália e Alemanha, em legislações recentes e em jurisprudência e manifestações doutrinárias.

            Nesse sentido salienta, ainda, que a Corte Constitucional espanhola assentou a necessidade de constatação da culpabilidade para imposição de uma sanção administrativa, extraindo a exigência de culpabilidade não do Direito Penal, e sim diretamente da Constituição espanhola de 1978 [75].

            A propósito Franck Moderne [76] destaca, outrossim, ao analisar a aceitação do princípio da culpabilidade em textos de várias legislações européias, especialmente o direito francês, que o Conselho Constitucional, sem embargo seja, em um primeiro momento, discreto na transposição da culpabilidade penal ao direito administrativo repressivo, a regra é que a repressão administrativa atenda ao princípio da culpabilidade, vale dizer, as sanções administrativas não podem ser impostas sem que haja um comportamento pessoal do autor da infração, uma falta, que pode ser fruto da intenção do agente ou de sua negligência.

            A fim de não restar dúvida quanto à exigência da culpabilidade no que atine às infrações administrativas, indague-se, por oportuno, qual seria a efetividade da previsão de ampla defesa, segurança jurídica, legalidade, devido processo legal, sem falar, mediatamente, na dignidade da pessoa humana, se não houvesse exigência da culpabilidade para as pessoas físicas, no direito brasileiro?

            Com efeito, o conjunto dessas cláusulas garantistas impõe a exigência da culpabilidade, eis que se trata de evitar e impedir atuações arbitrárias do Estado. A perspectiva de uma responsabilidade objetiva ou de uma falta de culpabilidade traduziria intolerável arbitrariedade dos Poderes Públicos em relação à pessoa humana, em total afronta ao mencionado conjunto de normas constitucionais, principalmente no caso em tela, em que a supressão da responsabilidade subjetiva e a não exigência da culpa prestam-se, como se demonstrou, a restringir a importante liberdade fundamental consistente no exercício da cidadania ativa, qual seja, o direito de concorrer ao pleito eleitoral.

            Não bastasse isso, em inegável projeção do princípio da culpabilidade, a Constituição da República de 1988 prevê que agentes públicos somente podem ser responsabilizados, por dolo ou culpa, ao cuidar do direito de regresso do Estado lesado, ao ser obrigado a indenizar particulares por faltas de seus funcionários. Como corolário lógico do princípio da culpabilidade [77], vislumbra-se a vedação a qualquer pretensão estatal de aplicação de responsabilidade objetiva às pessoas físicas.

            Neste aspecto, Luigi Ferrajoli, ao tecer considerações sobre os modelos arcaicos de responsabilidade objetiva e as vicissitudes do princípio da culpabilidade, leciona: "la tercera condición sustancial requerida por el modelo penal garantista como justificación del ‘cuando’ y del ‘que’ prohibir es la de la culpabilidad. En el sistema SC queda manifiesto en el axioma nulla actio sine culpa y en la tesis que de él se derivan: nulla poena, nullum crimen, nulla lex poenalis, nulla iniura sine culpa. Por exigirlo dicha condición, que corresponde al llamado ‘elemento subjetivo’ o ‘psicológico’ del delito, ningún hecho o comportamiento humano es valorado como acción si no es fruto de uma decisión; consiguientemente, no puede ser castigado, y ni siquiera prohibido, si no es intencional, esto es, realizado com consciência y voluntad por una persona capaz de comprender y de querer." [78]

            Vale dizer, constata-se, na Constituição da República de 1988, ao se consagrar não só o princípio da culpabilidade no que concerne às infrações administrativas, mas também os princípios de pessoalidade (Art. 5°, XLV) e da individualização da pena (Art. 5°, XLVI), ambos inscritos como direitos fundamentais da pessoa humana, a existência de vedação absoluta a qualquer pretensão estatal de responsabilidade penal objetiva e também responsabilidade política ou administrativa que venha a atingir direitos fundamentais da pessoa humana, ou seja, outras modalidades de atividades sancionadoras.

            Como se vê, é certo que a exigência de culpabilidade, como princípio amplamente limitador da atividade sancionatória estatal, impede que pessoas sejam responsabilizadas com imputações que vulnerem seus direitos políticos, suas liberdades públicas, de forma meramente objetiva [79], erigindo, de tal sorte, exigência de responsabilidade subjetiva.

            Destarte, neste contexto, o entendimento predominante na Justiça Eleitoral, quanto à interpretação do art. 73, VI, b, da Lei n.º 9.504/97, de uma só vez, afronta aos princípios do devido processo legal, eis que inobserva a exigência da verificação da culpabilidade, da pessoalidade da sanção, da individualização da pena, da proporcionalidade, da razoabilidade.


VI. Poder Judiciário versus Soberania Popular

            Conforme asseverou o Ministro Gilmar Mendes, seja por ocasião (i) do Acórdão n.º 608, envolvendo o Governador Ronaldo Lessa e o ex-presidente Fernando Collor, ou (ii) do recente Acórdão n.º 24.793, importa adotar e observar, em discussões judiciais que visam a uma revisão de um processo eleitoral majoritário, uma linha caracterizada pela prudência. Precaução, prudência e, também, pode-se dizer, consistência, tornam-se imprescindíveis em situações desse jaez em virtude da tensão sempre presente entre o princípio democrático e o papel do Poder Judiciário.

            Neste sentido, estreitando os laços entre democracia e realização de eleições, Jorge Miranda leciona que "Democracia exige exercício do poder pelo povo, pelos cidadãos com direitos políticos, em conjunto com os governantes; e esse exercício deve ser actual, e não potencial, deve traduzir a capacidade dos cidadãos de formarem uma vontade política autônoma perante os governantes. Democracia significa que a vontade do povo, quando manifestada nas formas constitucionais, deve ser o critério de ação dos governantes. (...) Por outro lado, na democracia representativa — a democracia directa, mera fórmula teórica, não interessa — o modo por excelência de o povo formar e manifestar a sua vontade (e, portanto, o modo mais característico de participação política) consiste na eleição. O exercício do sufrágio não é aqui algo de secundário, nem fica (a despeito de o ponto ser duvidoso) fora do Estado; o sufrágio, a eleição, é a forma por que os cidadãos exercem o poder político, a acrescer àquelas por que o exercem os governantes." [80]

            Destarte, a propósito, não se olvide que, embora consagrem a democracia e o princípio da soberania popular, as Constituições modernas – compromissórias - estabelecem a forma que deve ser observada para a manifestação da vontade majoritária, bem como os conteúdos mínimos que devem ser respeitados pelos órgãos representativos dessa vontade, sem, no entanto, suprimi-la. Cotejando a democracia com um jogo, poder-se-ia dizer, assim, que a Constituição seria o manual de regras e, os jogadores, os agentes políticos representantes do povo, cabendo à jurisdição constitucional ser o árbitro do jogo democrático [81].

            De outra parte, registre-se que, desde a origem da jurisdição constitucional, a legitimidade dos órgãos jurisdicionais para invalidar regras produzidas pelo legislativo tem sido questionada, principalmente em virtude do princípio democrático, eis que ressalta o paradoxo entre a legitimidade conferida pelo povo, durante o processo eleitoral, aos órgãos legislativos, e a "ilegitimidade" dos órgãos judiciários e cortes constitucionais cujos membros não são eleitos pelo povo.

            Nesse sentido, Roberto Gargarella [82] sustenta, após realizar duas indagações - (i) como os juízes, não eleitos democraticamente, podem anular uma lei aprovada pelos representantes do povo, prevalecendo sobre a vontade popular?; (ii) o poder judicial está capacitado para decidir definitivamente sobre a validade de normas? -, que grande parte dos constitucionalistas e cientistas políticos reconhecem a existência de tensão entre a organização democrática da sociedade e a função judicial de revisão das leis, denominam-na dificuldade contra-majoritária, isto é, a dificuldade que surge quando o órgão com menor legitimidade democrática, dentro da divisão de poderes, impõe sua autoridade sobre os restantes.

            Buscando conciliar democracia e jurisdição constitucional, a doutrina jurídica estabelece um âmbito próprio de atuação para as Cortes Constitucionais e define "limites que possam, com a objetividade possível, apartá-lo do campo a ser preenchido por programas políticos escolhidos pela vontade majoritária dos cidadãos." [83]

            Nessa esteira, Sérgio Fernando Moro [84], recorrendo ao que denominou de reserva da consistência, propõe [85] que a atuação da jurisdição constitucional não se limite a casos de deficiente funcionamento da democracia, mas sim que se realize de modo incisivo quando for possível invocar, consistentemente, argumentos democráticos favoráveis à sua atuação.

            Deveras, diante da tensão [86] com a democracia, "a legitimidade da jurisdição constitucional dependerá de sua capacidade de agir em sintonia com o ideal democrático" [87].

            Assim, ressaltando existir situações que demandam ativismo judicial e outras que exigem auto-contenção, Sérgio Moro preconiza que "a legitimidade da atuação da jurisdição constitucional demanda a demonstração da consistência de sua atividade" [88].

            Vale dizer, se as objeções ao exercício da jurisdição esteiam-se na necessidade de resguardar não só a competência do legislador democrático, bem como, hipótese analisada no presente estudo, a vontade manifestada soberanamente em pleito eleitoral, elas perdem força "quando a atuação da jurisdição constitucional pode ser justificada com base em argumentos que apelem para o próprio regime democrático, como quando ela contribui para o aprofundamento da democracia ou quando intervém em caso de mau funcionamento." [89]

            Pois bem, na situação sob análise, a tensão entre democracia e Poder Judiciário apresenta, concomitantemente, suas duas facetas, vez que se trata de questão na qual o reconhecimento da inconstitucionalidade de dispositivo legal tem o condão de assegurar, normalmente, a observância do resultado do processo eleitoral majoritário.

            Com efeito, propõe-se hipótese hermenêutica de invalidação de regra produzida pelos representantes eleitos. No entanto isso permitirá manter hígido, como sucede correntemente, o resultado de eleição, isto é, o resultado do exercício direto, pelo próprio povo, de sua soberania, sem a intermediação de representante, razão pela qual, nessa atividade de reconhecimento da inconstitucionalidade formal, não há que se cogitar da existência de dificuldade contra-majoritária.

            Como se vê, o caso em tela contempla a possibilidade de utilização de argumentos que apelam em favor do próprio regime democrático, no sentido de reconhecimento da inconstitucionalidade do previsto na alínea b, do inciso VI, do artigo 73, na medida em que restará, de tal sorte, resguardado, como se disse, na maioria dos casos, o exercício da soberania popular.

            Nessa esteir,a Adilson de Abreu Dallari ressalta "que, em qualquer situação, com ou sem a edição de normas adequadas, com ou sem estabilidade normativa, com ou sem um bom repositório jurisprudencial, sempre será necessário solucionar as questões de direito político e eleitoral à luz do princípio democrático, afirmado no primeiro artigo do texto constitucional e necessariamente inerente à idéia de República." [90]

            Não se olvide, ainda, que o discurso normativo-constitucional erige a soberania como um dos fundamentos da República Federativa e princípio nuclear do regime democrático, prevendo, na seqüência, que tal soberania se traduz na aceitação do povo como fonte de todo poder (inciso I, e parágrafo único, do art. 1º), bem como elucida que o povo tem a alternativa de exercer o poder diretamente ou "por meio de representantes eleitos", e, mais que isto, eleitos nos termos da própria Constituição (parte final do referido parágrafo).

            A realização de eleições consubstancia a efetivação de uma verdadeira democracia representativa. No entanto, para conferir efetiva legitimidade aos eleitos, é imprescindível assegurar uma paridade de condições entre os candidatos.

            Nesta linha, a ausência de análise da potencialidade de influência no pleito, nas hipóteses de veiculação de publicidade institucional, enseja a impossibilidade de aferir a efetiva afetação da igualdade entre os candidatos (justamente o objeto visado pela vedação da conduta), de modo a permitir, paradoxalmente, a cassação de diploma de candidato eleito em situações nas quais não houve, de fato, tal desequilíbrio, não houve afronta à isonomia. Vale dizer, a aplicação de uma presunção de desequilíbrio, que, mediante a análise das circunstâncias fáticas, pode facilmente ser elidida, prevalece em face da vontade popular e do princípio democrático.

            Deveras, a aceitação do afastamento do resultado eleitoral mediante cassação de registro ou de diploma, que consiste em grave restrição ao exercício pleno da cidadania, está condicionada à efetiva comprovação do desequilíbrio de oportunidades entre os candidatos, desigualdade essa que ensejaria, por sua vez, mácula à normalidade, à lisura e à legitimidade do pleito eleitoral. É dizer, tão grave sanção somente se justificaria na hipótese de efetiva (não meramente presumida) inidoneidade do processo eleitoral. Do contrário, verificar-se-ia situação em que a intervenção do Poder Judiciário substanciaria ilegítimo controle da soberania popular.

            Tais considerações, por evidente, não importam em negação do papel do Judiciário no controle e guarda do próprio Estado Democrático de Direito. O que se pretende ponderar é que, em situações limites como a do presente estudo, que envolvem tensão entre a vontade eleitoral majoritária e a preservação substancial de certos valores constitucionais, há que se privilegiar, especificamente, aquela, mormente porque existe interpretação que torna possível o respeito à vontade popular sem prejuízo da igualdade no pleito (preservação das regras procedimentais para a formação da vontade majoritária), desde que, como se demonstrou, compreenda-se que a infração ao art. 73, VI, "b", da Lei n.º 9.504/97, somente se configura com a exigência da demonstração de responsabilidade subjetiva, da influência no resultado do pleito, da sua normalidade e legitimidade e com proporcionalidade na aplicação da sanção, isso, evidentemente, caso se supere a questão da inconstitucionalidade formal.

            Destarte, por uma via, reconhecendo-se a inconstitucionalidade formal do art. 73, VI, "b", da Lei nº 9.504/97, com a cominação de penalidade equivalente à declaração de inelegibilidade através de lei ordinária, preserva-se a vontade das urnas. De outra sorte, reitere-se, superada, eventualmente, referida questão de inconstitucionalidade formal, a harmonização entre os interesses majoritários e a preservação de outros bens constitucionais (igualdade no pleito) pode ser resguardada mediante interpretação conforme a Constituição, como será demonstrado.

            Por fim, recorrendo ao voto do Ministro Gilmar Mendes no Acórdão n.º 24.739/TSE, embora seja de se reconhecer não ser correta a divinização do poder popular (o que levaria ao reconhecimento de um absoluto procedimentalismo constitucional), é de se acentuar que tampouco é correta a idéia de que a eventual relativização do princípio majoritário, após a realização de pleito eleitoral, possa ser tomada como algo ordinário. Nesse caso, seguindo a linha de raciocínio de Zagrebelsky [91], estaríamos consagrando um tipo eventualmente danoso de autocracia, ou seja, o governo de uma parte sobre a outra.


VII. Interpretação conforme e salvamento material do dispositivo

            De tudo o que se expôs, num primeiro plano, tem-se a verificação de inconstitucionalidade formal do art. 73, VI, "b", da Lei nº 9.504/97, em vista de criar, embora de forma mascarada, verdadeira hipótese de inelegibilidade, o que apenas seria permitido, de acordo com o texto constitucional, mediante o manejo de lei complementar (reserva de lei complementar). Além disso, em diversa perspectiva, o dispositivo, ao menos de acordo com a interpretação contida no Acórdão 27439 do E. TSE, também se encontra eivado de inconstitucionalidade substancial por afronta ao princípio da proporcionalidade, do devido processo legal em sentido formal e material, dos princípios da cidadania, da regra geral da elegibilidade, republicano, da soberania popular, democrático, da publicidade e controle dos atos públicos e da impessoalidade, dentre outros, na esteira do que foi anteriormente demonstrado de forma exaustiva.

            A questão da inconstitucionalidade material apontada, por certo, decorre principalmente do fato de que, nos moldes em que vem sendo interpretado, o dispositivo sob comento simplesmente anula, esvazia, esgota inúmeros bens e valores constitucionalmente protegidos, bem como direitos, liberdades e garantias fundamentais.

            Nada obstante, não é possível olvidar que, no caso em tela, a inconstitucionalidade material decorre, em verdade, não do dispositivo (enunciado) propriamente dito mas, sim, de determinada interpretação que dele se vem fazendo.

            Com efeito, uma vez admitida, no quadro do neoconstitucionalismo, a distinção entre dispositivo normativo e norma e consistindo essa no produto de interpretação daquele em face de dado caso concreto, em todo o seu contexto lingüístico e fático [92], não é estranhável, e nem raro, que em face de determinada questão específica seja possível obter diversas normas como fruto de interpretação de uma única regra. Este fenômeno, aliás, é bastante normal em face da estrutura polissêmica e aberta da linguagem jurídica e, ainda, por conta da intervenção da esfera de pré-compreensão dos operadores jurídicos na determinação/construção das normas.

            Neste contexto, é certo que dentre as diversas normas plausíveis de construção, algumas delas sejam constitucionais e outras inconstitucionais. Diante dessa situação, impõe-se a utilização da chamada interpretação conforme a Constituição [93].

            Consiste, a interpretação conforme a Constituição, segundo sustenta Jorge Miranda, não propriamente uma regra de interpretação, "mas um método de fiscalização da constitucionalidade." [94] Através dela afirma-se que, diante de múltiplas interpretações possíveis de um preceito infraconstitucional, deve-se optar por aquela que seja mais conforme à Constituição, aquela que atribua maior eficácia aos valores e bens constitucionais, afastando-se as interpretações inconstitucionais. Hesse, por sua vez, enuncia que pela interpretação conforme a Constituição, uma lei não deve ser declarada nula quando seja passível de uma receber uma interpretação que a coloque em plena sintonia com o conjunto normativo-constitucional [95]. Desta forma, leciona Luís Roberto Barroso que "o papel da interpretação conforme a Constituição é, precisamente, o de ensejar, por via de interpretação extensiva ou restritiva, conforme o caso, uma alternativa legítima para o conteúdo de uma norma que se apresenta suspeita", substanciando, assim, verdadeira técnica de salvamento de atos normativos infraconstitucionais [96].

            Jorge Miranda fundamenta a utilização desta técnica "em nome de um princípio de economia do ordenamento ou de máximo aproveitamento de actos jurídicos" [97]. Contudo, a grande maioria dos autores sustenta que a sua justificativa dá-se em função (i) do princípio da presunção de legitimidade dos atos estatais e (ii) do princípio da unidade hierárquico-normativa da Constituição. Neste aspecto, na doutrina nacional, tem prevalecido certa preferência à idéia de unidade do ordenamento. Vale lembrar, exemplificativamente, a abalizada lição de Luís Roberto Barroso: "(...) o princípio guarda suas conexões com a unidade do ordenamento jurídico e, dentro desta, com a supremacia da Constituição. Disso resulta que as leis editadas na vigência da Constituição, assim como as que procedam de momento anterior, devem curvar-se aos comandos da Lei Fundamental e ser interpretadas em conformidade com ela." [98]

            Segundo Canotilho, ainda, o princípio da interpretação conforme comporta várias dimensões: "(1) O princípio da prevalência da constituição impõe que, dentre as várias possibilidades de interpretação, só deve escolher-se a interpretação que não seja contrária ao texto e programa da norma ou normas constitucionais; (2) o princípio da conservação das normas afirma que uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando, observados os fins da norma, ela pode ser interpretada em conformidade com a Constituição; (3) o princípio da exclusão da interpretação conforme a constituição, mas , impõe que o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação conforme a Constituição, mesmo que através desta interpretação consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais." [99]

            Esta última dimensão citada por Canotilho aponta, já, para os limites da interpretação conforme. Deveras, reconhecem a doutrina e a jurisprudência [100] que a interpretação conforme a Constituição possui limites (i) no sentido literal da lei e (ii) no objetivo que o legislador perseguiu inequivocamente com a sua regulamentação. Afinal, a inobservância desses limites representaria verdadeira usurpação do princípio democrático e da separação dos poderes [101].

            No plano da práxis, a interpretação conforme a Constituição manifesta-se no juízo de controle de constitucionalidade das leis, em que o Judiciário poderá declarar a inconstitucionalidade de uma interpretação – de uma norma -, mantendo hígido o texto do dispositivo. Assim, manifesta-se tecnicamente e de forma predominante, inclusive no âmbito do Supremo Tribunal Federal, seja em sede de fiscalização abstrata como concreta, por meio da chamada declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto [102].

            Assim, portanto, retomando-se a seqüência da questão sob debate, não se olvide da inconstitucionalidade material da interpretação (norma) construída pelo Tribunal Superior Eleitoral, pelas inúmeras razões já apontadas. Nada obstante, é plenamente possível a construção de diversa norma em que se admita um sentido constitucional (conforme a Constituição) do art. 73, VI, "b", da Lei n.º 9.504/97, assim como de seu § 5º. E, por certo, sem se ferir a literalidade do dispositivo ou o inequívoco sentido que lhe quis emprestar o legislador. Para isso, bastariam pequenos ajustes hermenêuticos, a seguir indicados [103].

            Em primeiro lugar, em vista do princípio da impessoalidade, da publicidade, da cidadania (dimensão de participação e controle do poder), não será possível admitir que a proibição prevista no art. 73, VI, "b", da Lei n.º 9.504/97, seja uma infração de mera conduta, independente do resultado causado, o que implicaria, no período dos 3 (três) meses que antecedem as eleições, verdadeira suspensão de norma constitucional (art. 37, caput – impessoalidade e publicidade -, e respectivo § 1º - regra constitucional do conteúdo mínimo publicitário autorizado, da Constituição de 1988).

            Logo, o tipo da infração descrita, em homenagem à literalidade do texto, há de manter a idéia de vedação da publicidade institucional no período referido, porém, não de forma absoluta. O que se encontra vedado é tal publicidade que venha acarretar específicos resultados: (i) benefício de determinado candidato com a respectiva quebra concreta da isonomia no pleito (em homenagem à isonomia nas eleições, prevista no caput do art. 73, da Lei n.º 9.504/97, como densificação do princípio constitucional geral da isonomia) e/ou (ii) afetação no resultado do pleito, quebra da normalidade e legitimidade das eleições (em homenagem ao art. 14, § 9º, da Lei Fundamental).

            Assim, está-se contemplando a possibilidade de realização do dever de publicidade e impessoalidade concomitantemente com a isonomia, normalidade e legitimidade das eleições mediante a devida e proporcional "compressão" daquele primeiro em situações especiais. Logo, não se veda por vedar, pura e simplesmente, a publicidade institucional no período previsto no art. 73, VI, "b", da Lei n.º 9.504/97, mas sim, na interpretação proposta, veda-se porque o legislador ordinário buscou densificar aspectos da isonomia e bens constitucionalmente protegidos definidos no art. 14, § 9º, da Constituição de 1988. Esse seria o sentido da proibição. E, se assim não for, o dispositivo será inconstitucional pois estará, pura e simplesmente, restringindo o direito fundamental à participação popular e à cidadania (manifestadas na possibilidade de participação no pleito) sem fundamento ou autorização constitucional proporcional e razoável.

            Não fosse por isso, enquanto regra densificadora de princípios e regras de matiz constitucional, e como de costume se exige de toda a legislação infraconstitucional, o dispositivo sob estudo apenas se justifica em vista de parâmetros constitucionais que lhe dêem supedâneo. No caso, o bem jurídico protegido e concretizado no plano legislativo ordinário é a normalidade e legitimidade das eleições, repise-se, enunciadas no art. 14, § 9º, da Lei Fundamental. Então, uma vez não afetados os bens protegidos, não há que se admitir a infração. A tipificação da conduta vedada, logo, demandará a afetação do resultado do pleito, com a respectiva demanda da prova desta interferência.

            Ademais, a própria literalidade do dispositivo impõe tal compreensão, eis que, no § 5º, do art. 73, há utilização inequívoca da expressão "candidato beneficiado", para fim da aplicação da sanção. Logo, mais uma vez, há que se verificar o resultado, qual seja, o efetivo benefício. Sem ele, reitere-se, não há que se cogitar da infração. Até porque não é incomum que a veiculação de propaganda institucional, longe de substanciar benefício, possa, em verdade, causar prejuízo. Ela pode ser veiculada mediante autorização de funcionário com o exato fito de buscar a caracterização da infração estudada, com o fim, portanto, de prejudicar o candidato. Da mesma forma pode-se admitir a possibilidade da publicidade institucional oficial vir a veicular notícias impopulares, não sendo razoável, neste caso, imaginar que a Justiça Eleitoral punirá com a cassação do registro ou diploma por decorrência de publicação desse jaez. É neste contexto que se percebe como o resultado é relevante. Por fim, no que tange a este aspecto, há que se considerar, ainda, a seguinte hipótese-questão: no período dos 3 (três) meses que antecedem pleito de âmbito nacional alguém cogitaria em cassar o registro de eventual candidato à reeleição presidencial em face da transmissão da "Voz do Brasil" nas rádios - noticiário, como se sabe, oficial, em que se dá publicidade de obras e realizações governamentais? A lógica e a razoabilidade demandam, por certo, resposta negativa.

            Portanto, em face do disposto, uma primeira condição para o salvamento da norma é a admissão de que a concretização da infração demanda a ocorrência e prova do resultado danoso à igualdade, da quebra da normalidade e legitimidade das eleições, o que se alcança com a demonstração da ocorrência do benefício, requisito exigido pela própria lei.

            Ademais, além do resultado (ou seja, não admissão de tipo de mera conduta), em vista do princípio do devido processo legal e da ampla defesa, é de se exigir a demonstração da culpa. E, assim, não bastaria a pura e simples demonstração da ocorrência do resultado proibido mas, antes, nexo de causalidade estabelecido e deflagrado por uma ação culposa ou dolosa. Do contrário, admitir-se-á a possibilidade de imputação de infração ao candidato em que ele não tenha possibilidade de defesa, o que é incompatível, reitere-se, com o devido processo legal. Ocorreria, nesta linha, por hipótese, determinada imputação ("veiculação de publicidade institucional oficial nos três meses que antecedem as eleições"): ainda que não tivesse sido autorizada pelo candidato, ainda que veiculada sem seu conhecimento, ainda que não lhe trouxesse nenhum benefício (ao contrário, tivesse lhe prejudicado), ainda que não tivesse afetado a igualdade no pleito eleitoral, ou a normalidade e legitimidade das eleições, ainda que os eventuais fatos noticiados fossem verdadeiros, ou ainda que fossem impopulares, ainda que se prestasse a veiculação denunciada ao fim de dar cumprimento ao princípio da publicidade e impessoalidade..., pouco importa, na interpretação predominante no TSE, o candidato haveria de ser punido, mesmo após a manifestação da soberania popular e contra ela. Ora, se assim é, que defesa poderá aduzir o representado? Certamente nenhuma. Como, nesta situação, estaria contemplado o devido processo legal em seu sentido clássico, qual seja, o formal-processual? Não estaria contemplado. Daí por que, como segundo requisito para salvamento da constitucionalidade do dispositivo, haveria que se admitir que, além do resultado, fosse perquirida e comprovada a culpa.

            Ademais, demonstrada a conduta, a culpa (em sentido lato), o resultado (agressivo aos bens constitucionalmente protegidos da isonomia, normalidade e legitimidade das eleições) e o nexo de causalidade, razões de proporcionalidade (em sentido estrito, ou seja, quantidade da pena) e individualização da pena haveriam de ser levadas a efeito no momento da aplicação da sanção. Ou seja, fatos de pequenas proporções haverão de demandar a aplicação apenas de multa. Somente os casos de gravíssima repercussão, devidamente previstos em lei complementar (ex vi do §9, do art. 14, da Carta Magna), haverão de sujeitar o infrator à cassação do registro ou da candidatura.

            Destarte, sob tais condições, seria admissível o salvamento da constitucionalidade material do preceito sob estudo. Todavia, isto demandaria o rompimento com a norma (interpretação) que foi construída e consolidada pela Justiça Eleitoral brasileira.

            Por fim, não se olvide, para que se implemente uma interpretação conforme a Constituição, como proposto neste capítulo, encontrando hermenêutica harmonizadora do disposto no art. 73, VI, "b", da Lei n.º 9.504/97, com o conjunto de bens e valores constitucionalmente protegidos em jogo, o Poder Judiciário haverá de superar, primeiramente e por óbvio, a argüição de inconstitucionalidade formal do enunciado, antes demonstrada, e que não é passível de sujeitar-se a ajustes interpretativos conformadores.


VIII. Conclusões

            Destarte, em face de tudo o que se expôs, percebe-se que a Lei Federal n.º 9.504/97, no capítulo em que define as condutas vedadas aos agentes públicos em período eleitoral, proíbe a veiculação de publicidade institucional oficial nos três meses que antecedem a realização de pleito eleitoral.

            A Justiça Eleitoral, diante do dispositivo, firmou entendimento no sentido de que (i) referido preceito não padece de inconstitucionalidade formal, conquanto veiculado por lei ordinária, na medida em que não dispõe sobre inelegibilidade mas, sim, sobre cassação de registro ou diplomação; (ii) o tipo proibido engloba a vedação não apenas da autorização como, também, da veiculação de qualquer publicidade institucional nos 3 (três) meses que antecedem o pleito eleitoral, salvo as exceções enunciadas no próprio dispositivo; (iii) para a configuração da infração não se exige a prova de que a conduta tenha afetado (ainda que potencialmente) o resultado do pleito, ou efetivamente beneficiado determinado candidato ou, mesmo, prejudicado (hipótese não desconsiderada por alguns votos, como se demonstrou); (iv) também para a configuração da infração independe a prova de prévio conhecimento do candidato eventualmente beneficiado e, por fim; (v) a aplicação da punição não precisa considerar dados concretos para fins de individualização da pena e dosimetria, incidindo, portanto, além da cessação da veiculação da propaganda, a sanção de multa e cassação do diploma ou registro independentemente da análise de questões vinculadas à proporcionalidade da pena ou ao efetivo resultado da conduta.

            Nada obstante, o quadro dogmático exposto no presente estudo permite concluir, resumidamente, que a publicidade institucional oficial é meio necessário para a realização dos princípios constitucionais da publicidade, impessoalidade e cidadania (participação através do controle do poder). Assim, para a concretização dos princípios constitucionais da cidadania, republicano e democrático, dentre outros, além dos direitos fundamentais vinculados à participação política, há de se considerar que a elegibilidade é regra e as hipóteses de inelegibilidades, exceção.

            No que tange com a delineação infraconstitucional dos princípios da cidadania, republicano e democrático, bem como para eventual compressão do dever de publicidade e impessoalidade, exige-se justificativa razoável e proporcional fundada na necessidade de proteção de outros princípios, bens ou valores constitucionalmente protegidos. Ademais, neste caso, ainda se exige, em primeira linha, a harmonização dos princípios; em segunda linha, compressões recíprocas e, apenas em terceira linha, em situações limites de colisão, a emergência (preponderância condicionada) de um princípio sobre outro em vista do contexto do caso concreto.

            Por outro lado, no que pertine com a restrição dos direitos vinculados à participação política (verdadeiros direitos fundamentais, submetidos a regime constitucional especial), tem-se, aí, a demanda de observância dos princípios da reserva de lei, da reserva absoluta de lei e reserva qualificada de lei. Ou seja, como a declaração de inelegibilidade ou a vedação de participação de cidadãos em pleitos eleitorais (através de cassação de registro) substanciam hipóteses de restrição de direitos fundamentais, elas devem ser compreendidas como exceção. Ou seja, reprisando, a regra é a elegibilidade. Neste caso, o § 9º, do art. 14, da Constituição, que autoriza que Lei Complementar crie outras hipóteses de inelegibilidade, há de ser lido com cautela. Isto significa dizer: (i) admitem-se as inelegibilidades definidas diretamente na própria Constituição por opção do constituinte originário ou derivado; (ii) admitem-se outras inelegibilidades definidas em âmbito infraconstitucional. Neste caso, o próprio texto constitucional exige observância (a) da legalidade – vedação de ato administrativo ou político nesta sede, (b) da reserva de lei do parlamento (restrição, logo, vedada às medidas provisórias e leis delegadas) e (c) da reserva de lei complementar (a Lei Fundamental é inequívoca ao afirmar que outras hipóteses de inelegibilidade poderão ser definidas por lei complementar).

            Neste campo, em vista das conseqüências e dos bens tutelados, tem-se que o art. 73, VI, "b", da Lei n.º 9.504/97, criou verdadeira hipótese de inelegibilidade, o que substanciaria sua inconstitucionalidade formal eis que foi veiculada mediante lei ordinária.

            Ainda que superada esta inconstitucionalidade formal, a legitimidade substancial da norma, tal como levada a efeito de forma predominante pela Justiça Eleitoral, não pode ser confirmada. Afinal, a proibição pura e simples da publicidade institucional oficial nos 3 (três) meses que antecedem as eleições, sem o exigido balanceamento e ponderações, fere os princípios da publicidade, da impessoalidade, republicano, cidadania, respeito à soberania popular, direito à participação política, contraditório, ampla defesa e devido processo legal em sentido formal e material, princípio da proporcionalidade (em todas as suas dimensões), princípio da culpabilidade, princípio da individualização das penas, dentre outros que foram explorados no decorrer do estudo.

            Em vista da exigência de máxima eficácia da Constituição, da unidade hierárquico-normativa e da presunção de legitimidade dos atos estatais, sempre que se verificar a existência de várias normas (enquanto produto de interpretações) conflitantes, o intérprete haverá de optar por aquela que confira maior conformidade e efetividade à Lei Fundamental.

            No caso em tela a interpretação conforme, salvadora da constitucionalidade material do dispositivo sob comento, demandaria certos pressupostos: (i) que a infração não seja considerada como "de mera conduta" mas, sim, demandante de resultado (dano à igualdade, afetação da legitimidade e normalidade do pleito, comprovação de benefício do candidato, potencialidade do fato), (ii) que seja exigida a demonstração de culpa (demanda, portanto, de observação do chamado princípio da culpabilidade) e (iii) que o princípio da proporcionalidade seja observado para efeito de dosimetria no momento da aplicação da sanção.

            Contudo, o salvamento do dispositivo mediante a interpretação conforme proposta somente pode ser admitido uma vez superada a questão da inconstitucionalidade formal.


Notas

            01. Redação originária: "§ 5º. No caso de descumprimento do inciso VI do caput, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior, o agente público responsável, caso seja candidato, ficará sujeito à cassação do registro".

            02. "E diz-se isso porque, tanto a compra de votos como as condutas perseguidas pelos incisos I (...), II (...), III (...) e VI (transferência de recursos, propaganda pública e pronunciamentos oficiais), todos do art. 73 da Lei 9504/97, que também são motivo para cassação de registro conforme anotação da nova lei, são especificidades de uma regra genérica, já existente. O art. 22 da LC 64/90, em seu caput, já prevê a investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, bem como a utilização indevida dos meios de comunicação social em favor do candidato. E, as condutas vedadas aos agentes públicos, exemplificadas na nova lei, nada mais são do que espécies do gênero abuso de poder de autoridade. (...) Pelo que se vê acima, a lei em comento sequer reinventou a roda, limitando-se a detalhar, para fixarmo-nos no exemplo, o tamanho e a quantidade dos aros" (ROLLO, Alberto Lopes Mendes. O art. 41-A da Lei 9504/97. In Direito Eleitoral Contemporâneo. Coordenador Sálvio de Figueiredo Teixeira. Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 174).

            03. Oriunda de projeto de lei de iniciativa popular, cujo escopo precípuo era combater a compra de votos.

            04. Consulte-se, como paradigma, o Acórdão n. 24.739, do TSE, importante leading case tomado como referência para o presente estudo..

            05 A propósito, Ruy Cirne Lima assevera que "estão os negócios públicos vinculados, por essa forma, - não ao arbítrio do Executivo, - mas, à finalidade impessoal, no caso pública, que este deve procurar realizar" (Princípios de Direito Administrativo. 5ª ed. São Paulo, RT, 1982. p.21)

            06. Lúcia Valle Figueiredo (Curso de direito administrativo. 2ª ed. São Paulo, Malheiros, 1995. p. 52), neste sentido, afirma que a república exige transparência, o que somente se obtém através da publicidade.

            07. DALLARI, Adilson Abreu. Divulgação das atividades da administração pública – publicidade administrativa e propaganda pessoal. In: RDP, n.º 98, p. 247.

            08. Idem, ibidem.

            09. MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Publicidade oficial: moralidade e impessoalidade. In: RT, Vol. 705, p. 83.

            10. SANTOS, Adriana Aparecida Storoz Mathias dos. Publicidade institucional e eleições. In: Paraná Eleitoral n. 45, 2002, p. 44.

            11. Esta argumentação será retomada em momento posterior mais oportuno e em contexto diverso.

            12. O que será melhor explorado em momento posterior.

            13. Não calha, ainda, neste tópico, tratar dos requisitos materiais para referida restrição.

            14. Como se demonstrou anteriormente, esse entendimento não tem sido acolhido pela Justiça Eleitoral, eis que afirma que a sanção de cassação de registro ou diploma não se confunde com a declaração de inelegibilidade.

            15. CONEGLIAN, Olivar. Propaganda eleitora, de acordo com o código eleitoral e com a lei 9.504/97. Curitiba, Juruá, 2002, p. 70.

            16. LANGOWSKI, Luís Sérgio. PUPPI, Letícia Küster. Reflexões acerca da lei n. 9840/99. Paraná Eleitoral n. 34, 1999, p. 43.

            17. COSTA Adriano Soares da. Teoria da inelegibilidade e direito processual eleitoral. Belo Horizonte, Del Rey, 1998, p. 154.

            18. DECOMAIN, Pedro Roberto. Eleições: comentários à lei n. 9504/97. São Paulo, Dialética, 2004, p. 362.

            19. COSTA, Adriano Soares da. Captação ilícita de sufrágio – novas reflexões em decalque, Paraná Eleitoral n. 50, 2003, p. 32.

            20. Não se olvide que essa orientação predominou por maioria apertada no recente julgado ACÓRDÃO 24739.

            21. "A citada lei complementar está autorizada a estabelecer outros casos de inelegibilidades e os prazos de sua cessação, a fim de proteger aqueles valores, que são fundamentos do regime democrático. Não se pense que apenas essas outras inelegibilidades é que têm por objeto protegê-los. As estatuídas diretamente pela Constituição também o têm. A explicitação do objeto, quanto às inelegibilidades a serem criadas pela lei complementar, era necessária, porque, configurando elas restrições a direitos políticos, importa sejam delimitadas aos objetos e fundamentos clara e expressamente indicados. Por serem restritivas de direitos fundamentais (direitos à elegibilidade), é que a técnica sempre recomendou que fossem disciplinadas inteiramente em dispositivos constitucionais" (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª ed. São Paulo, Malheiros, 1999, p. 389).

            22. Cf. Jorge Reis Novais. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizados pela Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2003.

            23. Já tivemos oportunidade de enfrentar a temática em outra ocasião, na qual anotamos: "No Brasil, não há nenhuma matéria reservada ao regulamento. Todos os campos normativos são, em princípio, disciplináveis pela lei. Vigora, pois, entre nós, em relação ao campo de ação do ato legislativo, o princípio da universalidade da lei. Ademais, apenas a lei pode, originariamente, inovar a ordem jurídica para criar direitos e obrigações e para restringir a liberdade e a propriedade. O art. 5º, II, da Constituição, deixa claro que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’." (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade Legislativa do Poder Executivo. 2ª. ed., São Paulo, RT, 2000, p. 280).

            24. A propósito, cf. Louis Favoreu (dir.). Le domaine de la loi et du règlement, 10ª ed., Paris, Economica, 1981; Jérôme Tremeau. La réserve de loi: compétence législative et constitution. Paris, Economica, 1997.

            25. Neste sentido, cf. CLÈVE, op. cit., e CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O Congresso e as delegações legislativas. Rio de Janeiro: Forense, 1986.

            26. "Tal como foi desenvolvido pelo Tribunal constitucional alemão – com um sucesso doutrinário e jurisprudencial crescente, apesar das diferentes críticas que lhe são dirigidas -, a teoria da essencialidade, que na origem podia ser interpretada como ampliação da reserva de lei, já que deixava de a limitar só às intervenções restritivas na liberdade e propriedade, constitui, também, uma expressão de retracção da anterior tendência expansionista e parlamentar da reserva de lei, uma vez que, de algum modo, pretende redistribuir as imposições, que até então se dirigiam quase exclusivamente à Administração, também na direcção do legislador sobre quem recaem, agora, aliviado que fica da regulação exaustiva das questões não essenciais, exigências cada vez mais dogmativamente elaboradas de densificação normativa e de obrigatoriedade de regulação nos domínios essenciais em que se considera a sua intervenção materialmente justificada." NOVAIS, op. cit., p. 829-830.

            27. NOVAIS, op. cit., p. 833.

            28. Cf. Gilmar Ferreira Mendes. Direitos Fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo, Celso Bastos editor, 1998, p. 34; Wilson Antônio Steinmetz. Colisão de Direitos Fundamentais e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre, Livraria do advogado, 2001, p. 35.

            29 GAVARA DE CARA, Juan Carlos. Derechos fundamentales y desarrollo legislativo: la garantía del contenido esencial de los derechos fundamentales en la Ley Fundamental de Bonn. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1994, p. 146.

            30 A propósito, conferir lição de Jane Reis Gonçalves Pereira, com apoio na doutrina de Pasquale Lillo: "Na doutrina italiana fala-se em reserva absoluta e reserva reforçada. No primeiro caso ‘o legislador ordinário tem (obrigatoriamente) competência plena e exclusiva na matéria’, e a Constituição não restringe sua ‘relativa discricionariedade substancial’. No caso da reserva reforçada, ‘a intervenção do legislador deve ser especificamente e unicamente direcionada à busca dos escopos e objetivos exatamente indicados na Constituição’." Reis, op. cit., p. 185.

            31. "No âmbito das normas constitucionais, estruturalmente aproximadas de ‘cláusulas gerais’, o legislador dispõe de um amplo domínio político para ponderar, valorar e comparar os fins dos preceitos constitucionais, proceder a escolhas e tomar decisões. Esta actividade de ‘ponderação’, de ‘valoração’ e de ‘escolha’ implica que o legislador, embora jurídico-constitucionalmente vinculado, desenvolve uma actividade política criadora, não subsumível a esquemas de ‘execução’ ou ‘aplicação’ de leis constitucionais. A política, nesta perspectiva deveria ser uma ‘política constitucional’, mas não se reconduziria à realização de normas constitucionais. Seria, sim, uma conformação livre dos fins político-sociais enunciados na constituição" (José Joaquim Gomes Canotilho. Constituição dirigente e vinculação do legislador. Coimbra, Coimbra, 198, p. 218).

            32. BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro, Renovar, 2003, p. 1-48.

            33. Cf. Klaus Gunther. Teoria da argumentação no direito e na moral: justificação e aplicação (trad. Cláudio Molz). São Paulo, Landy Editora, 2004.

            34. Cf. Ronald Dworkin. Los derechos en serio. Barcelona, Ariel, 1999; Robert Alexy. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997; Gustavo Zagrebelsky. El derecho ductil: Ley, derechos, justicia. Madrid, Trotta, 1999.

            35. Cf. HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha (trad. Luís Afonso Heck). Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.

            36. Cf. mais uma vez ALEXY, op. cit. No Brasil, entre outros, conferir Humberto Ávila, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 4a ed.. São Paulo, Malheiros, 2004; Luís Roberto Barroso, Fundamentos...; Daniel Sarmento. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2003.

            37. Cf., entre outros, Luigi Ferrajoli in CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). Madrid, Trotta, 2003.

            38. É verdade, porém, que a distinção acaba assumindo pálida significação diante do stare decisis, princípio do direito americano vinculante dos precedentes judiciais.

            39. Laurence Tribe. American Constitutional Law, 2º ed., New York: Foundation Press, 1988, p. 789 e ss.

            40. T. A. Aleinikoff. Constitutional Law in the age of balancing. In Yale L. J., 96, 1987, p. 1002.

            41. NOVAIS, op. cit., 677.

            42. Ibidem, p. 920.

            43. Não é o caso aqui de entrar na discussão sobre a natureza do princípio da proporcionalidade, se é um princípio, uma regra, uma máxima ou um postulado. Sobre o tema, conferir a obra citada de Humberto Ávila.

            44. "A expressão limite dos limites, que se difundiu na dogmática germânica sob a égide da Lei Fundamental de Bonn, visa a designar os diversos obstáculos normativos que restringem a possibilidade de o poder público limitar os direitos fundamentais. Tal locução originou-se de uma conhecida conferencia sobre os limites dos direitos fundamentais proferida por Karl Betterman, na sociedade jurídica de Berlim, em 1964. Segundo Betterman, as limitações aos direitos fundamentais, para serem legítimas, devem atender a um conjunto de condições materiais e formais estabelecidas na Constituição, que são os limites dos limites dos direitos fundamentais. Consoante seu pensamento, as condições mais importantes estabelecidas na Lei Fundamental são a garantia do conteúdo essencial (art. 19,2) e a dignidade humana (art. 1,1), sendo também relevante o imperativo de que todas as limitações aos direitos fundamentais devem objetivar a promoção do bem comum. Embora não haja consenso sobre quais são os limites dos limites dos direitos fundamentais, esta expressão é largamente empregada na doutrina européia para designar as várias restrições que as ordens constitucionais prescrevem como condições de legitimidade da atividade legislativa na seara dos direitos fundamentais. No constitucionalismo germânico, por exemplo, costumam ser apontados como limites dos limites o princípio da proporcionalidade e do respeito ao conteúdo essencial, o princípio da reserva legal, a proibição de que as leis restritivas versem sobre um só caso, e o comando no sentido de que a lei mencione o direito fundamental restringido. Uma discussão importante sobre esse tópico diz respeito a saber se os limites dos limites são institutos autônomos e dissociáveis dos direitos fundamentais, vale dizer, se estes são barreiras adicionais à atividade legislativa que, paralelamente aos direitos fundamentais demarcam o campo de liberdade política do legislador, ou se, diversamente, são pautas acessórias e dependentes das disposições de cunho material que consagram os direitos. Desde a perspectiva adotada neste estudo, os limites dos limites dos direitos fundamentais não podem ser entendidos de forma desligada destes, porquanto não podem operar, isoladamente, como obstáculos à atuação legislativa. Com efeito, as regras que limitam a atividade restritiva dos direitos fundamentais – como, v. g., os princípios da proporcionalidade e do respeito ao conteúdo essencial – carecem de sentido normativo autônomo, devendo ser entendidas como pautas complementares e acessórias, destinadas a assegurar a supremacia dos direitos fundamentais. Em outras palavras, trata-se de instrumentos normativo-metódicos de aplicação dos direitos fundamentais, cuja finalidade é garantir o seu caráter vinculante" (Jane Reis Gonçalves. Direitos Fundamentais e interpretação constitucional: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios, v. II, Tese, UFRJ, 2004, p. 266-267).

            45. Cf. Gilmar Ferreira Mendes. Direitos Fundamentais e controle da constitucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo, Celso Bastos editor, 1998. p. 67-83; Raquel Denise Stumm. Princípio da porporcionalidade no direito constitucional brasileiro. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1995; p. 89-93; Gustavo Ferreira Santos. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: limites e possibilidades. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 157-200; SARMENTO, op. cit., p. 171-193; CLÉVE, Clèmerson Merlin. Contribuições Previdenciárias. Não-recolhimento. Art. 95, d, da Lei 8.212/91. Inconstitucionalidade. RT, v. 736, 1997, p. 521-526.

            46. "Los bienes jurídicos constitucionalmente protegidos deben ser coordinados de tal modo en la solución del problema que todos ellos conserven su entidad. Allí donde se produzcan colisiones no se debe, a través de una precipitada ‘ponderación de bienes’ o incluso abstracta ‘ponderación de valores’, realizar el uno a costa del outro." HESSE, Konrad. La interpretación constitucional. In Escritos de derecho constitucional (trad. Pedro Cruz Villalon), 2ª ed., Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1992, p. 45.

            47. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 18ª ed., São Paulo, Saraiva, 1997, p. 62.

            48. Ávila entende a proporcionalidade como "postulado estruturador da aplicação de princípios que concretamente se imbricam em torno de uma relação de causalidade entre um meio e um fim". ÁVILA, Humberto, Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4a ed.. São Paulo, Malheiros, 2004, p. 113.

            49. ALEXY, op. cit., p. 112.

            50. "O princípio da proporcionalidade trata das possibilidades fáticas e jurídicas, ao passo que o princípio da concordância prática apenas cuida de possibilidades jurídicas, ou seja, das relações entre regras jurídicas igualmente válidas e da solução de seus conflitos." SANTOS, Gustavo Ferreira. O princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: limites e possibilidade. Rio de janeiro, Lumen Juris, 2004, p. 133.

            51. MENDES, Gilmar Ferreira. op. cit., p. 39.

            52. "... la ponderación es todo menos un procedimiento abstracto o general. Su resultado es un enunciado de preferencia condicionado que, de acuerdo com la ley de colisión, surge de una regla diferenciada de decisión. Ya del concepto de principio resulta que en la ponderación no se trata de una cuestión de todo-o-nada, sino de una tarea de optimización." ALEXY, op. cit., p. 166.

            53. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed., Coimbra: Almedina, 2003, p. 269-270. Ainda sobre a estrutura de aplicação do princípio da proprocionalidade conferir: CLÈVE, Clèmerson Merlin; FREIRE, Alexandre Reis Siqueira. Algumas notas sobre colisão de direitos fundamentais. In GRAU, Eros Roberto; CUNHA, Sérgio Sérvulo da (org.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 238-240; STEINMETZ, op. cit., p. 149-155; ALEXY, op. cit., p. 111-115; PULIDO, Carlos Bernal. El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales. Madrid, Centro de Estudios Politicos y Constitucionales, 2003, p. 687-798

            54. GAVARA DE CARA, Juan Carlos. Derechos fundamentales y garantias institucionales: análisis doctrinal y jurisprudencial. Madrid, Civitas, 1994, p. 305.

            55. Neste sentido conferir STEINMETZ (op. cit., p. 151), com apoio em GONZALES-CUELLAR SERRANO, Nicolas. Proporcionalidad y derechos fundamentales en el processo penal. Madrid, Colex, 1990, p. 189 e ss.

            56. CANOTILHO, op. cit., p. 270.

            57. ALEXY, op. cit., p. 161.

            58. País, como se sabe, que, embora não fosse dotado de uma Carta Constitucional escrita proclamando os direitos e as liberdades das pessoas, possuía regras responsáveis pela descrição de procedimentos por meio dos quais se asseguram tais direitos e liberdades. Conferir, nesse sentido, DAVID, René. O Direito inglês. Trad. de Eduardo Brandão, São Paulo, Martins Fontes, 1997. p.76 e ss.

            59. Na V Emenda (1791) – "nor [shall any person] be deprived of life, liberty or property without due processo of law" -, dirige-se a cláusula ao governo federal, ao passo que na XIV Emenda (1868) - nor shall any State deprive any person of life, liberty or property without due process of law"-, aos Estados.

            60. Nesse sentido, conferir LINARES, Juan Francisco. Razonabilidad de las leyes. 2ª ed. Buenos Aires, Astrea, 1989. p. 17. René David, por sua vez, esclarece que "o Supremo Tribunal dos Estados Unidos utilizou-a para exercer um controle sobre a legislação e a jurisprudência federais e estaduais: as restrições feitas à liberdade ou à propriedade dos cidadãos apenas seriam reconhecidas como legítimas por ele se fossem, segundo a sua apreciação, razoáveis" (DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. 3a ed.. trad. de Hermínio A. Carvalho, São Paulo, Martins Fontes, 1996, p.399)

            61. Segundo Kenneth Warren, "it is absurd try to pretend that procedural due process can be separeted from substantive due process" (WARREN, Kenneth. Administrative Law in the Political System. Nova Jersey, Prentice-Hall, 1996, p.12). Na mesma esteira Edward Keynes. Liberty, Property and Privacy: Toward a Jurisprudence of Substantive Due Process. Pennsylvania, The Pennsylvania State University Press, 1996.

            62. A faceta substantiva esteve estreitamente relacionada aos primórdios da efetiva prática do judicial review.

            63. KEYNES, op.cit., p.201.

            64. SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto. O devido processo legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro, Forense, 1989. p.173

            65. Ibid, p.174

            66. "Somente será due process of law aquela lei (...) que não agredir (...) a Constituição, com os valores fundamentais consagrados na Lei das Leis" (Estado de Direito e devido processo legal, RTDP 15/35-44, p.37)

            67. Id.

            68. Id.

            69. Esse princípio, embora não tenha sido consagrado expressamente no texto constitucional, pode ser inferido do próprio sistema constitucional, mormente em decorrência da tutela constitucional ao devido processo legal.

            70. Mais do que a mera relação lógica entre meios e fins, e obrigar os Poderes Públicos a uma eleição da "alternativa menos gravosa", o princípio da proporcionalidade tem sido o parâmetro para avaliar o cabimento de uma medida restritiva de direito. Nesse sentido, destaca Enrique Alonso Garcia: "No se trata de examinar si caben alternativas a esa medida que sean menos gravosas para el derecho, sino de si esa medida concretamente adoptada es o no excesivamente gravosa" (Enrique Alonso Garcia. La interpretación de la Constitución. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, p. 230).

            71. "As condutas vedadas ingressaram no Direito Eleitoral através da Lei n. 9504/97. Segundo o caput do art.73, seriam as condutas ‘tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais’.Não se confundindo com os crimes eleitorais pela falta dos elementos que os definem analiticamente, as condutas vedadas consistem em infrações administrativas que se caracterizam por um regulamento de sanções peculiar." (SANTANA, Jair Eduardo Santana. GUIMARÃES, Fábio Luís. Direito Eleitoral – Para Compreender a Dinâmica do Poder Político. Belo Horizonte, Fórum, 2004, p.141)

            72. Art. 5.° da CF/88: "XLV -nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido".

            73. Confira-se, por oportuno, nesse sentido, a posição de Alejandro Nieto, Derecho administrativo sancionador, 2. ed. ampliada, Madrid, Tecnos, 1994, p. 344, ao analisar acórdão do Tribunal Constitucional espanhol.

            74. NIETO, op. cit., p. 345 e ss.

            75. Ibid, p. 344

            76. Franck Modeme, Sanctions administratives et justice constitutionnelle, contribution à l´´étude du jus puniendi de l´´etat dans les démocraties contemporaines, Paris, Economica, 1993, p. 276 e ss

            77. Segundo Alejandro Nieto, Derecho administrativo sancionador, 2ª. ed. ampliada, Madrid, Tecnos, 1994, p. 345, o primeiro corolário da exigência de culpabilidade, no Direito Administrativo Sancionador.

            78. Luigi Ferrajoli. Derecho y razón. 3ª ed. Madrid, Trotta, 1998. p.487.

            79. O e. Ministro Gilmar Mendes, no Acórdão 24739, após asseverar, a título de premissa para balizar a intervenção do Tribunal, não ser possível a relativização da deliberação majoritária ser tida como algo ordinário, acentua "não vejo como atribuir a responsabilidade objetiva ao candidato por eventuais infrações das regras aqui estabelecidas."

            80. "Sobre a Noção de Povo em Direito Constitucional", in Estudos de Direito Publico em honra do Professor Marcello Caetano, Edições Ática, Lisboa, 1973. Também acerca do conceito de Povo, Celso Ribeiro Bastos, Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 123-131.

            81. Nesse sentido, pondera Gustavo Binenbojm: "O equilíbrio e a harmonização dos ideais do Estado democrático de direito se buscam através da complexa estrutura de funcionamento do sistema de divisão de poderes entre órgãos políticos e jurisdicionais, adredemente delineada na Constituição. Nos países que adotam o sistema de controle judicial da constitucionalidade das leis, os eventuais conflitos políticos de índole constitucional não se resolvem, em caráter definitivo, pela decisão da maioria, mas, ao contrário, por uma decisão do Tribunal Constitucional. Realmente, como intérprete último da Constituição, compete-lhe ditar aos demais poderes os limites de sua autoridade, velando por que atuem pautados pelos procedimentos e dentro dos limites substanciais constitucionalmente previstos. Evita-se, com isso, que o poder da maioria se tiranize, suprimindo os direitos das minorias e pondo em risco o próprio funcionamento do regime democrático." (BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.48-49)

            82. GARGARELLA, Roberto. La justicia frente al gobierno – Sobre el carácter contramayoritario del poder judicial. Barcelona, Ariel, 1996.

            83. BINENBOJM, Gustavo. op.cit., p.74.

            84. MORO, Sérgio Fernando. MORO, Sérgio. Jurisdição Constitucional como Democracia. Curitiba, 2002. Tese - Programa de Pós-Graduação da UFPR. p.108

            85. "A proposta que se pretende realizar é bem mais modesta, sugerindo-se alguns contextos nos quais seria recomendável a autocontenção e outros nos quais seria apropriada atuação mais incisiva, com a indicação das respectivas estratégias ou técnicas de decisão. A realidade dos casos pode, porém, sugerir atenuação dessas posturas, conforme a necessidade" (ibid., p.157-158).

            86. "Entre democracia e jurisdição constitucional há uma complexa relação de complementação e de tensão. O objetivo deste trabalho é defender a jurisdição constitucional como instituição compatível com o regime democrático. Não se defende que ela é absolutamente compatível com a democracia. Nem se defende o contrário, ou seja, que é absolutamente incompatível. A jurisdição constitucional pode ou não mostrar-se compatível com a democracia, o que depende da forma de atuação do juiz constitucional. Pode ele agir como um obstáculo à democracia, mas pode também contribuir para o seu aprofundamento. Sem prescindir da experiência histórica e do exame das várias teorias acerca da legitimidade da jurisdição constitucional, conclui-se que o juiz constitucional deverá, a fim de adequar sua atividade às exigências democráticas, alternar, não arbitrariamente, a autocontenção judicial com o ativismo judicial, o que implica a adoção de padrões de controle de constitucionalidade de intensidade diversa."(MORO, op.cit., p. 1)

            87. ibid, p. 112-3

            88. MORO, op.cit., p. 113.

            89. ibid, p. 208

            90. DALLARI, Adilson de Abreu. Abuso de poder político. In: Direito Eleitoral. Coordenadores Cármen Lúcia Antunes Rocha e Carlos Mário da Silva Velloso. Belo Horizonte, Del Rey, 1996. p. 257.

            91. "Para a democracia crítica, nada é tão insensato como a divinização do povo que se expressa pela máxima vox populi, vox dei, autentica forma de idolatria política. Esta grosseira teologia política democrática corresponde aos conceitos triunfalistas e acríticos do poder do povo que, como já vimos, não passa de adulações interesseiras. Na democracia crítica, a autoridade do povo não depende de suas supostas qualidades sobre-humanas, como a onipotência e a infalibilidade. Depende, ao contrario, de fator exatamente oposto, a saber, do fato contrario, de fator exatamente oposto, a saber, do fato de se assumir que todos os homens e o povo, em seu conjunto, são necessariamente limitados e falíveis. Este ponto de vista parece conter uma contradição que é necessário aclarar. Como é possível confiar na decisão de alguém, como atribuir-lhe autoridade quando não se lhe reconhecem méritos e virtudes, e sim vícios e defeitos? A resposta esta precisamente no caráter geral dos vícios e defeitos. A democracia, em geral, e particularmente a democracia critica, baseia-se em um fator essencial: em que os méritos e defeitos de um são também de todos. Se no valor político essa igualdade é negada, já não teríamos democracia, quer dizer, um governo de todos para todos; teríamos, ao contrario, alguma forma de autocracia, ou seja, o governo de uma parte (os melhores) sobre a outra (os piores). Portanto, se todos são iguais nos vícios e nas virtudes políticas, ou, o que é a mesma coisa, se não existe nenhum critério geralmente aceito, através do qual possam ser estabelecidas hierarquias de mérito e demérito, não teremos outra possibilidade senão atribuir a autoridade a todos, em seu conjunto. Portanto, para a democracia critica, a autoridade do povo não depende de suas virtudes, ao contrario, desprende-se – é necessário estar de acordo com isso – de uma insuperável falta de algo melhor". (ZAGREBELSKY, Gustavo. La crucifixión y la democracia, trad. Española, Ariel, 1996, pg. 105 – titulo original: II "crucifige!" e la democracia, Giulio Einaudi, Torino, 1995).

            92. Cf. Friedrich Muller. Métodos de trabalho do direito constitucional. São Paulo: Max Limonad, 1998.

            93. A presente parte toma, como referência geral: Paulo Ricardo Schier. Filtragem Constitucional, Porto Alegre: Sergio Fabris, 1999, p. 131 e seguintes.

            94. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional Tomo II. 3ª ed. Coimbra, Coimbra Editora, 1991, p. 264.

            95. HESSE, op.cit., p. 50.

            96 BARROSO, Luis Roberto. Interpretação..., p. 176.

            97 MIRANDA, Jorge. op. cit., p. 264.

            98. BARROSO. op. cit., p. 178.

            99. CANOTILHO. Direito constitucional..., 5ª ed. Coimbra, Almedina, p. 235-6.

            100. RTJ 125/997 e RTJ 126/514.

            101. SCHIER, op. cit., p. 135.

            102. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 274.

            103. Aliás, interpretação conforme do art. 73, VI, b, da Lei n. 9.504/97, é sugerida por: Torquato Lorena Jardim. Crime na propagando eleitoral, in Direito Eleitoral Contemporâneo. Coord. Sálvio Figueiredo Teixeira. Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 162 e seguintes.


Autores

  • Clèmerson Merlin Clève

    Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná. Professor Titular de Direito Constitucional do Centro Universitário Autônomo do Brasil - UniBrasil. Professor Visitante dos Programas Máster Universitario en Derechos Humanos, Interculturalidad y Desarrollo e Doctorado en Ciencias Jurídicas y Políticas da Universidad Pablo de Olavide, em Sevilha, Espanha. Pós-graduado em Direito Público pela Université Catholique de Louvain – Bélgica. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Líder do NINC – Núcleo de Investigações Constitucionais em Teorias da Justiça, Democracia e Intervenção da UFPR. Autor de diversas obras, entre as quais se destacam: Doutrinas Essenciais - Direito Constitucional, Vols. VII - XI, RT (2015); Doutrina, Processos e Procedimentos: Direito Constitucional, RT (Coord., 2015); Direitos Fundamentais e Jurisdição Constitucional, RT (Co-coord., 2014) - Finalista do Prêmio Jabuti 2015; Direito Constitucional Brasileiro, RT (Coord., 3 volumes, 2014); Temas de Direito Constitucional, Fórum (2.ed., 2014); Fidelidade partidária, Juruá (2012); Para uma dogmática constitucional emancipatória, Fórum (2012); Atividade legislativa do poder executivo, RT (3. ed. 2011); Doutrinas essenciais – Direito Constitucional, RT (2011, com Luís Roberto Barroso, Coords.); O direito e os direitos, Fórum (3. ed. 2011); Medidas provisórias, RT (3. ed. 2010); A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, RT (2. ed. 2000). Foi Procurador do Estado do Paraná e Procurador da República. Advogado e Consultor na área de Direito Público.

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  • Paulo Ricardo Schier

    Paulo Ricardo Schier

    advogado militante, doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Paraná, professor de Fundamentos de Direito Público e Direito Constitucional na Escola de Direito e Relações Internacionais das Faculdades do Brasil (UniBrasil) e do Instituto de Pós-Graduação em Direito Romeu Felipe Bacellar, membro honorário da Academia Brasileira de Direito Constitucional

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  • Melina Breckenfeld Reck

    Melina Breckenfeld Reck

    advogada integrante do escritório Clèmerson Merlin Clève Advogados Associados, mestre em Direito Constitucional pela UFPR, professora de Direito Econômico nas Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLÈVE, Clèmerson Merlin; SCHIER, Paulo Ricardo et al. Vedação de propaganda institucional em período eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 783, 25 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7193. Acesso em: 29 mar. 2024.