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Os precatórios judiciais e a crise financeira e orçamentária dos Municípios

uma opção para atenuar o problema

Os precatórios judiciais e a crise financeira e orçamentária dos Municípios: uma opção para atenuar o problema

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"É tempo de adotar-se posição rigorosa visando a afastar o ciclo vicioso da projeção indefinida do cumprimento pelas pessoas jurídicas de direito público das obrigações, especialmente as retratadas em título judicial trânsito em julgado" [01].


I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS:

O presente trabalho abordará de forma crítica a situação vivenciada por inúmeros municípios brasileiros com relação ao pagamento dos débitos oriundos de sentenças judiciais transitadas em julgado, constantes de precatórios.

Inicialmente serão abordadas a postura e as atitudes da administração pública e do Poder Judiciário frente a essa situação. Serão enfocadas, em seguida, as medidas judiciais possíveis de serem adotadas na hipótese de ser determinado o seqüestro de recursos públicos em virtude do não pagamento de precatório no exercício previsto.

Ao final serão apresentadas as conclusões e sugestões para viabilizar o adimplemento dos precatórios judiciais dentro do exercício financeiro respectivo, ou, pelo menos, de parcela significativa deles.

Vale registrar, desde já, que o tema analisado diz respeito ao pagamento de precatórios judiciais, entendendo-se como tal os referentes às obrigações não definidas em lei como de pequeno valor. Essas últimas possuem sistemática própria de pagamento, através das Requisições de Pequeno Valor – RPV.


II. AS PREVISÕES ORÇAMENTÁRIAS E A RECEITA EFETIVAMENTE REALIZADA:

Os municípios brasileiros, em especial aqueles mais carentes, vêm enfrentando nos últimos anos uma grave crise orçamentária e financeira decorrente do significativo aumento do número de precatórios judiciais e requisições de pequeno valor aliado à redução da parcela do Fundo de Participação dos Municípios – FPM. Verifica-se, ainda, com uma certa freqüência, a não realização da receita prevista na Lei Orçamentária, o que acarreta o acúmulo de precatórios não quitados de um exercício para o seguinte, comprometendo, desse modo, o pagamento dos precatórios orçados nesse último.

Atendendo ao disposto no §1º do art. 100 da Constituição Federal [02], os municípios, quando da elaboração das Leis Orçamentárias, incluem verba necessária para o pagamento dos precatórios judiciais apresentados até 1º de julho; entretanto, as receitas efetivamente realizadas têm ficado aquém do previsto no orçamento, pelo que os valores consignados ao Poder Judiciário não estão sendo suficientes para quitar todos os precatórios de determinado exercício. Cria-se, com isso, o famigerado "efeito cascata", ou seja, a acumulação de precatórios judiciais referentes a exercícios financeiros já encerrados sem o devido pagamento.

A realidade local (leia-se Nordeste), comparada a dos municípios do Sul e Sudeste, é ainda mais grave e preocupante, já que a receita dos municípios nordestinos é composta basicamente do repasse efetuado pelo FPM.

A vertiginosa redução no repasse do FPM, além de repercutir no pagamento dos precatórios, compromete os serviços públicos essenciais, como educação e saúde pública, além do pagamento dos vencimentos dos servidores públicos e outras obrigações dos municípios. Tudo isso termina por penalizar bastante a população local.

Os gestores públicos ficam numa situação delicada: ou atendem as necessidades básicas da população local ou efetuam o pagamento dos precatórios judiciais. Por motivos "administrativos", cuja análise não será objeto do presente estudo, elegem, em regra, a primeira opção, deixando de consignar ao Poder Judiciário os valores destinados na Lei Orçamentária para pagamento dos precatórios.


III. O PODER JUDICIÁRIO E A INADIMPLÊNCIA DOS PRECATÓRIOS:

O ordenamento jurídico brasileiro ainda é falho com relação à forma de pagamento dos débitos da Fazenda Pública oriundos de sentenças judiciais transitadas em julgado. Há, de fato, a previsão (constitucional, registre-se) de "inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento" dos citados débitos. Existe, também, determinação no sentido de que o pagamento deve ser efetuado "até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente". Entretanto, a maneira como "as dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário" ainda não foi devidamente disciplinada, ficando a critério do gestor público o repasse de tais verbas.

Em função da crise enfrentada, muitos não destinam qualquer valor para o pagamento dos precatórios, a despeito da "previsão" orçamentária. Optam, como dito, pelo atendimento das necessidades básicas imediatas da sociedade local.

Os credores do poder público, frente à consolidada inadimplência dos precatórios, ficam de mãos atadas. Conforme restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI n.º 1662-SP, cuja decisão tem efeito vinculante e eficácia erga omnes, "somente no caso de inobservância da ordem cronológica de apresentação do ofício requisitório é possível a decretação do seqüestro" [03] de recursos públicos. A intervenção, por sua vez, só tem sido admitida pela Excelsa Corte quando configurada a atuação dolosa e deliberada da administração no sentido de retardar ou não realizar o pagamento. Alega-se, para tanto, a "necessidade de garantir eficácia a outras normas constitucionais, como, por exemplo, a continuidade de prestação de serviços públicos" [04]. Complicando ainda mais a situação dos credores do poder público, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que:

"Não-inclusão do débito judicial no orçamento do ente devedor. Hipótese que não se equipara à preterição de ordem, sendo ilegítima a determinação de seqüestro em tais casos. A presunção de existência de recursos financeiros não elide a ausência de previsão orçamentária, não consistindo motivo suficiente para a decretação de bloqueio de verbas públicas" [05].

Contudo, alguns Tribunais, a despeito da orientação jurisprudencial firmada pela Corte Suprema, têm promovido diligências visando a intervenção no ente inadimplente ou determinado o seqüestro de verbas públicas para o pagamento de precatórios vencidos.

A intervenção, como exposto, só tem sido admitida em situações excepcionais. Raramente é decretada, uma vez que a inadimplência decorre da inexistência de recursos públicos suficientes para o pagamento integral das despesas atuais e dos precatórios, optando-se por honrar aquelas. Nessa situação, a intervenção mostra-se, a princípio, inadequada, tendo em vista que não implicará em aumento de recursos financeiros disponíveis. Sendo assim, essa medida não possibilitará o pagamento dos precatórios vencidos.

Segundo o entendimento firmado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal,

"A ausência de voluntariedade em não pagar precatórios, consubstanciada na insuficiência de recursos para satisfazer os créditos contra a fazenda estadual no prazo previsto no § 1º do artigo 100 da Constituição da República, não legitima a medida drástica de subtrair temporariamente a autonomia estatal, mormente quando o ente público, apesar da exaustão do erário, vem sendo zeloso, na medida do possível, com suas obrigações derivadas de provimentos judiciais". [06]

O seqüestro de recursos públicos, por sua vez, apesar de contrariar a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI n.º 1662-SP, possibilita, de fato, o pagamento dos precatórios vencidos, razão pela qual vem sendo utilizada de forma mais freqüente.


IV. O SEQUESTRO DE RECURSOS PÚBLICOS PARA PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS JUDICIAIS: POSSIBILIDADE E MEIOS DE DEFESA DA ADMINISTRAÇÃO

Como dito, o seqüestro de recursos do ente público inadimplente apresenta-se ao Poder Judiciário e aos credores como a forma mais viável de efetuar o pagamento de precatórios judiciais não adimplidos no exercício previsto.

Entretanto, a Excelsa Corte, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n.º 1.662-SP, proposta pelo Governador do Estado de São Paulo em face da Instrução Normativa n.º 11/97 do Tribunal Superior do Trabalho, decidiu que:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INSTRUÇÃO NORMATIVA 11/97, APROVADA PELA RESOLUÇÃO 67, DE 10.04.97, DO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO, QUE UNIFORMIZA PROCEDIMENTOS PARA A EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIOS E OFÍCIOS REQUISITÓRIOS REFERENTES ÀS CONDENAÇÕES DECORRENTES DE DECISÕES TRANSITADAS EM JULGADO.

1. Prejudicialidade da ação em face da superveniência da Emenda Constitucional 30, de 13 de setembro de 2000. Alegação improcedente. A referida Emenda não introduziu nova modalidade de seqüestro de verbas públicas para a satisfação de precatórios concernentes a débitos alimentares, permanecendo inalterada a regra imposta pelo artigo 100, § 2º, da Carta Federal, que o autoriza somente para o caso de preterição do direito de precedência do credor. Preliminar rejeitada.

2. Inconstitucionalidade dos itens III e XII do ato impugnado, que equiparam a não-inclusão no orçamento da verba necessária à satisfação de precatórios judiciais e o pagamento a menor, sem a devida atualização ou fora do prazo legal, à preterição do direito de precedência, dado que somente no caso de inobservância da ordem cronológica de apresentação do ofício requisitório é possível a decretação do seqüestro, após a oitiva do Ministério Público.

3. A autorização contida na alínea b do item VIII da IN 11/97 diz respeito a erros materiais ou inexatidões nos cálculos dos valores dos precatórios, não alcançando, porém, o critério adotado para a sua elaboração nem os índices de correção monetária utilizados na sentença exeqüenda. Declaração de inconstitucionalidade parcial do dispositivo, apenas para lhe dar interpretação conforme precedente julgado pelo Pleno do Tribunal.

4. Créditos de natureza alimentícia, cujo pagamento far-se-á de uma só vez, devidamente atualizados até a data da sua efetivação, na forma do artigo 57, § 3º, da Constituição paulista. Preceito discriminatório de que cuida o item XI da Instrução. Alegação improcedente, visto que esta Corte, ao julgar a ADIMC 446, manteve a eficácia da norma.

5. Declaração de inconstitucionalidade dos itens III, IV e, por arrastamento, da expressão "bem assim a informação da pessoa jurídica de direito público referida no inciso IV desta Resolução", contida na parte final da alínea c do item VIII, e, ainda, do item XII, da IN/TST 11/97, por afronta ao artigo 100, §§ 1º e 2º, da Carta da República.

6. Inconstitucionalidade parcial do item IV, cujo alcance não encerra obrigação para a pessoa jurídica de direito público.

Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente em parte." (destaques acrescidos).

Resta patente, então, que a única causa autorizadora do seqüestro de recursos públicos é aquela prevista no art. 100, §2º, da Constituição Federal de 1988 [07]: preterição na ordem cronológica de precedência. Fora dessa hipótese, o seqüestro não é possível juridicamente, tendo em vista o efeito vinculante e a eficácia erga omnes da citada decisão.

A Constituição Federal de 1988, ao tratar da Ação Declaratória de Constitucionalidade, estabelece que:

"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;

(...)

§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal."

O §2º transcrito acima foi modificado pela Emenda Constitucional n.° 45. Antes se referia apenas às decisões proferidas nas ações declaratórias de constitucionalidade, mas também era aplicável às ações diretas de inconstitucionalidade por força do art. 28, parágrafo único, da Lei n.º 9.868, de 10 de novembro de 1999, que "dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal". Determina o parágrafo único do art. 28 que:

"A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal." (negrito acrescido).

Portanto, as decisões de mérito proferidas pelo Colendo Supremo Tribunal Federal através do controle concentrado de constitucionalidade têm eficácia contra todos (erga omnes) e vinculam todos os órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo, seja ele federal, estadual ou municipal. E Emenda Constitucional n.° 45, portanto, apenas constitucionalizou algo que já era pacífico no âmbito da legislação ordinária e da jurisprudência.

No caso de descumprimento ou desrespeito ao que foi decidido pela Corte Suprema, cabe a parte interessada ou ao Ministério Público propor Reclamação Constitucional [08], com base no art. 102, I, "l", da Constituição Federal, que estabelece:

"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;"

Busca-se, com a reclamação, a garantia da autoridade da decisão proferida na ADI n.º 1.662-SP. Esse é o entendimento da Excelsa Corte [09]. O Eminente Ministro Maurício Corrêa, Relator na Reclamação n.º 1.859-SP, expôs em seu voto que:

"8.Assinalo que esta Corte, no julgamento da ADI 1.662-SP, declarou inconstitucionais os itens III e XII da Instrução Normativa 11/97, sob o entendimento de que a equiparação da não-inclusão no orçamento de verbas públicas destinadas à satisfação de precatórios ou preterimento do direito de precedência cria, na verdade, nova modalidade de seqüestro, além da única prevista na Constituição Federal (parte final do §2º do art. 100), ocorrendo o mesmo com o denominado pagamento inidôneo (a menor, sem a devida atualização ou fora do prazo legal).

9.(...) Nesse julgamento, o Tribunal assentou a impossibilidade de serem criadas, à revelia da dicção constitucional, novas modalidades de saque forçado de recursos públicos." (negrito acrescido).

Desse modo, o seqüestro de recursos financeiros dos entes públicos só se mostra pertinente e legítimo nos casos de preterição da ordem de precedência, sendo ilegais, ilegítimas e arbitrárias todas as demais deliberações que visem o seqüestro ou bloqueio de recursos públicos para fins de pagamento de precatórios judiciais.

Para impugnar a decisão que determinar o seqüestro é possível, também, a impetração de mandado de segurança, haja vista que, por ser de aplicação obrigatória por todo o Poder Judiciário, a inobservância da decisão proferida na ADI n.º 1.662-SP viola direito líquido e certo da administração consistente em só ter seus recursos seqüestrados na hipótese de preterição da ordem cronológica de apresentação dos precatórios.

Ocorre que, como as decisões referentes a precatórios têm natureza administrativa, a competência para processar e julgar o mandado de segurança será do próprio Tribunal que determinou o seqüestro, através de seu pleno, o que pode gerar alguns inconvenientes.

Portanto, ante a inexistência de incompatibilidade entre a reclamação constitucional e o mandado de segurança, pode o ente público fazer uso de ambos os instrumentos processuais. Por ser a primeira apreciada por órgão distinto do que prolatou o ato impugnado, mostra-se mais aconselhável.

1. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE NA RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL:

Dispõe o art. 13 da Lei n.º 8.038, de 28 de maio de 1990, que "Institui normas procedimentais para os processos que específica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal":

"Art. 13. Para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões, caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público." (destaques acrescidos).

No mesmo sentido é a redação do art. 156 do Regimento Interno do Colendo Supremo Tribunal Federal, in verbis:

"Art. 156. Caberá reclamação do Procurador-Geral da República, ou do interessado na causa para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade das suas decisões." (destaques acrescidos).

Contudo, por muito tempo os dispositivos foram interpretados de forma restritiva, não se entendendo como "parte interessada" ou "interessado na causa" os "terceiros pretensamente interessados, cuja alegação seja eventual prejuízo pelo descumprimento da decisão" [10]. Assim, apenas os co-legitimados para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade ou ação declaratória de constitucionalidade, e desde que essas tivessem o mesmo objeto daquela que se quer garantir a autoridade da decisão, estariam legitimados para propor reclamação perante o Colendo Supremo Tribunal Federal.

Recentemente, ao apreciar questão de ordem em agravo regimental interposto contra decisão do Min. Maurício Corrêa, que não conheceu de reclamação ajuizada pelo Município de Turmalina-SP [11] por falta de legitimidade ativa ad causam, a Excelsa Corte firmou o entendimento no sentido de que todos aqueles que forem atingidos por decisões contrárias ao entendimento firmado pelo STF no julgamento de mérito proferido em ação direta de inconstitucionalidade são considerados parte legítima para a propositura de reclamação.

Esse entendimento passou a ser adotado em reiteradas oportunidades [12], sendo, atualmente, pacífico. Portanto, os municípios têm legitimidade para propor reclamação constitucional sob o fundamento de inobservância de decisão declaratória de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, proferidas pelo Colendo Supremo Tribunal Federal através do controle concentrado de constitucionalidade.


V. CONSIDERAÇÕES FINAIS: UMA OPÇÃO PARA ATENUAR O PROBLEMA

Como dito alhures, os municípios de fato incluem em seus orçamentos valores suficientes para quitar os precatórios judiciais; contudo, e em face da crise econômica vivenciada, as previsões orçamentárias não vêm sendo realizadas, ou seja, não há a arrecadação prevista. Isso impossibilita a consignação ao Poder Judiciário de valores suficientes para quitar todos os precatórios do exercício.

Entre as causas da não realização do orçamento encontra-se a constante queda da parcela do Fundo de Participação dos Municípios - FPM e o alto índice de inadimplência dos tributos municipais, o qual decorre da carência de recursos econômicos e financeiros das populações locais e da pacata atividade econômica desenvolvida nas pequenas cidades. Importante ressaltar, novamente, que o FPM representa a principal fonte de renda da maioria dos municípios do Nordeste.

Ciente da situação financeira e orçamentária dos entes públicos, o Eminente Ministro Maurício Corrêa observou com precisão na Reclamação n.º 1.779-6 - Alagoas [13] que:

"8.Ora, o fato de ter sido consignado determinado valor no orçamento não implica que, em caso de não-disponibilização do montante previsto, possa o Poder Judiciário determinar o seqüestro da diferença, como fez a autoridade reclamada.

9.Por outro lado, a previsão do §5º do artigo 100 da Carta Federal deve ser interpretada em combinação com o que dispõe o parágrafo segundo da norma. O Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda será responsável pelo pagamento dos precatórios, de acordo com o montante colocado à disposição do juízo e não a partir dos valores consignados no orçamento do ente público devedor. Como se sabe, a lei de meios autoriza o órgão estatal a efetuar despesas segundo a arrecadação estimada, razão pela qual sua efetiva realização depende fundamentalmente da confirmação, in concreto, das previsões econômicas de receita." (destaques acrescidos).

Ocorre que essa inadimplência, já consolidada, não pode se perpetuar. Há de se encontrar uma forma de, pelo menos, minimizá-la. Uma opção seria estabelecer a obrigatoriedade de a administração consignar ao Poder Judiciário, mensalmente, valores para pagamento de precatórios, tal como ocorre com o repasse do duodécimo ao Poder Legislativo, Judiciário e ao Ministério Público. Assim, mesmo na hipótese de não ser realizada toda a receita estimada, parcela dos precatórios seria quitada.

Pelo sistema vigente, em função da inexistência de obrigatoriedade de consignação de valores para pagamento de precatórios, os municípios muitas vezes não efetuam qualquer repasse, deixando-os sem quitação.

A consignação obrigatória, que seria feita nos moldes do art. 29-A da Constituição Federal [14], obedeceria à proporcionalidade prevista na lei orçamentária e teria por base a receita efetivamente realizada.

Exemplificando: para o pagamento de débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, a Lei Orçamentária do Município "A" destinou o montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). A receita estimada (em regra coincidente com o total das despesas autorizadas), foi da ordem de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais). O valor dos precatórios judiciais, portanto, corresponde a 5% (cinco por cento) da receita estimada. Adotando-se a sistemática ora visualizada, o Município "A" teria a obrigação de consignar ao Poder Judiciário, mensalmente ou anualmente, 5% (cinco por cento) da receita efetivamente realizada para fins de pagamento de precatórios. Da mesma forma que ocorre com o duodécimo, seria importante tipificar como crime de responsabilidade do gestor público as seguintes condutas: a) efetuar repasse a menor em relação à proporção fixada na Lei Orçamentária; e b) não efetuar o repasse no prazo estipulado (mensalmente ou anualmente).

Sem maiores pretensões, essa é, apenas, uma sugestão para a viabilizar o pagamento dos precatórios pela Fazenda Pública.


REFERÊNCIAS

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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2. ed. atual.. São Paulo: Saraiva, 1997. V. 1.

GOMES, Carlos Roberto de Miranda. Direito financeiro e finanças. Natal: Instituto Brasileiro de Tecnologia Jurídica, 1996.

HORTA, Raul Machado. Estudos de direito constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 1995.

______. Direito constitucional. 4. ed. rev. e atual.. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

Juris síntese millennium: legislação, jurisprudência, doutrina e prática processual. Porto Alegre: Editora Síntese, v.. 8, n. 47, maio/ jun. 2004. 1 cd-rom.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2001;

NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003;

OLIVEIRA, Regis Fernandes de, e HORWATH, Estevão. Manual de direito financeiro. 6. ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003;

SARAIVA, Paulo Lopo. Manual de direito constitucional: a Constituição deles não é a nossa. São Paulo: Editora Acadêmica, 1995;

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 12. ed.. Rio de Janeiro: Forense, 1993;

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed. rev. e ampl.. São Paulo: Malheiros Editores, 1992;

TEMER, Michel. Elementos de Direito constitucional. 2. ed. rev. e ampl.. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais.

SITES DA INTERNET:

- Superior Tribunal de Justiça: www.stj.gov.br

- Supremo Tribunal Federal: www.stf.gov.br


NOTAS

01 STF – AGRPET 1266 – SP – 2ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio – DJU 06.03.1998.

02 § 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

03 STF - ADI 1662/SP – São Paulo, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Reqte. Governador do Estado de São Paulo, Reqdo.: Tribunal Superior do Trabalho – TST.

04 STF – IF 298 – SP – TP – Rel. p/o Ac. Min. Gilmar Mendes – DJU 27.02.2004 – p. 00022.

05 Rcl 1091/PA – PARÁ – RECLAMAÇÃO - Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA - Julgamento: 22/05/2002 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno - Publicação: DJ DATA-16-08-2002 PP-00088 EMENT VOL-02078-01 PP-00031.

06 IF 3977 AgR / SP - SÃO PAULO - AG.REG.NA INTERVENÇÃO FEDERAL - Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA - Julgamento: 05/11/2003 - Órgão Julgador: Tribunal Pleno - Publicação: DJ DATA-30-04-2004 PP-00029 EMENT VOL-02149-05 PP-00032.

07 § 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito. (destaques acrescidos).

08 EFICÁCIA VINCULANTE E FISCALIZAÇÃO NORMATIVA ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO ART. 28 DA LEI Nº 9.868/99. - As decisões consubstanciadoras de declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive aquelas que importem em interpretação conforme à Constituição e em declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, quando proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de fiscalização normativa abstrata, revestem-se de eficácia contra todos ("erga omnes") e possuem efeito vinculante em relação a todos os magistrados e Tribunais, bem assim em face da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, impondo-se, em conseqüência, à necessária observância por tais órgãos estatais, que deverão adequar-se, por isso mesmo, em seus pronunciamentos, ao que a Suprema Corte, em manifestação subordinante, houver decidido, seja no âmbito da ação direta de inconstitucionalidade, seja no da ação declaratória de constitucionalidade, a propósito da validade ou da invalidade jurídico-constitucional de determinada lei ou ato normativo. Precedente. O DESRESPEITO À EFICÁCIA VINCULANTE, DERIVADA DE DECISÃO EMANADA DO PLENÁRIO DA SUPREMA CORTE, AUTORIZA O USO DA RECLAMAÇÃO. - O descumprimento, por quaisquer juízes ou Tribunais, de decisões proferidas com efeito vinculante, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sede de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade, autoriza a utilização da via reclamatória, também vocacionada, em sua específica função processual, a resguardar e a fazer prevalecer, no que concerne à Suprema Corte, a integridade, a autoridade e a eficácia subordinante dos comandos que emergem de seus atos decisórios. Precedente: Rcl 1.722/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno)." (STF - Rcl 2143 AgR / SP - São Paulo, Relator(a): Min. Celso de Melo, Agte.(s): Município de Sumaré, Agdo.(a/s): Nélia Regina Aranha Giordano, Julgamento: 12/03/2003, Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

09 EMENTA: RECLAMAÇÃO. PEDIDO CONTRA ATO FUTURO: INADMISSIBILIDADE. PRECATÓRIO. VENCIMENTO DO PRAZO PARA PAGAMENTO: SEQÜESTRO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Reclamação. Incabível contra possível atuação da autoridade reclamada, supostamente contrária à decisão desta Corte. Exigência de prática de ato concreto. Não-conhecimento do pedido nesta parte. 2. Vencimento do prazo para pagamento de precatório. Hipótese que não se equipara à preterição da ordem de precedência, sendo ilegítima a determinação de seqüestro em tal situação. 3. O Tribunal decidiu, de forma expressa, no julgamento de mérito da ADI 1662-SP, que a previsão de que trata o § 4º do artigo 78 do ADCT-CF/88, na redação dada pela Emenda Constitucional 30/00, refere-se exclusivamente aos casos de parcelamento de que cuida o caput desse dispositivo. Inaplicável, portanto, aos débitos trabalhistas de natureza alimentícia. 4. Ratificação da exegese de que a única situação suficiente para motivar o seqüestro de verbas públicas destinadas à satisfação de dívidas judiciais alimentares é a ocorrência de preterição da ordem de precedência, que se afigura ausente no caso concreto. Reclamação parcialmente conhecida e, nesta parte, julgada procedente." (Rcl 1859/SP – São Paulo, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Julgamento: 20/05/2002, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Reclte.: Governador do Estado de São Paulo, Recldo.: Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região).

10 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 618.

11 Informativo STF n.º 289 - Brasília, 4 a 8 de novembro de 2002. Reclamação n.º 1880-SP – Reclamante: Município de Turmalina – Reclamado: Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região

12 "Cumpre acentuar, preliminarmente, nos termos do recentíssimo julgamento plenário de questão de ordem suscitada nos autos da Rcl 1.880-AgR/SP, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, que se revela plenamente viável a utilização, no caso, pela Fundação do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, do instrumento reclamatório. Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao analisar, no referido julgamento, o sentido e o alcance da norma inscrita no art. 28 da Lei nº 9.868/98, firmou orientação no sentido de que "todos aqueles que forem atingidos por decisões contrárias ao entendimento firmado pelo STF, no julgamento do mérito proferido em ação direta de inconstitucionalidade, sejam considerados como parte legítima para a propositura de reclamação" ("Informativo/STF" n. 289/2002, 4 a 8/11/2002 - grifei), razão pela qual assiste, à Fundação ora reclamante, legitimidade ativa ad causam para fazer instaurar a presente medida processual." (STF – Reclamação n.º 2.223-4, Proced.: Rio de Janeiro, Relator: Min. Celso de Mello, Reclte.(s): Fundação do Teatro Municipal do Rio de janeiro, Recldo.(a/s): Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região).

"LEGITIMIDADE ATIVA PARA A RECLAMAÇÃO NA HIPÓTESE DE INOBSERVÂNCIA DO EFEITO VINCULANTE. - Assiste plena legitimidade ativa, em sede de reclamação, àquele - particular ou não - que venha a ser afetado, em sua esfera jurídica, por decisões de outros magistrados ou Tribunais que se revelem contrárias ao entendimento fixado, em caráter vinculante, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos processos objetivos de controle normativo abstrato instaurados mediante ajuizamento, quer de ação direta de inconstitucionalidade, quer de ação declaratória de constitucionalidade. Precedente." (STF - Rcl 2143 AgR / SP - São Paulo, Relator(a): Min. Celso de Melo, Agte.(s): Município de Sumaré, Agdo.(a/s): Nélia Regina Aranha Giordano, Julgamento: 12/03/2003, Órgão Julgador: Tribunal Pleno).

13 STF - Reclte: Governador do Estado de Alagoas – Recdo: Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região

14 Artigo acrescentado pela Emenda Constitucional nº 25 de 2000, DOU 15.02.2000, com vigência a partir de 01.01.2001: Art. 29-A. O total da despesa do Poder Legislativo Municipal, incluídos os subsídios dos Vereadores e excluídos os gastos com inativos, não poderá ultrapassar os seguintes percentuais, relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no § 5º do artigo 153 e nos artigos 158 e 159, efetivamente realizado no exercício anterior: I - oito por cento para Municípios com população de até cem mil habitantes; II - sete por cento para Municípios com população entre cem mil e um e trezentos mil habitantes; III - seis por cento para Municípios com população entre trezentos mil e um e quinhentos mil habitantes; IV - cinco por cento para Municípios com população acima de quinhentos mil habitantes. § 1º A Câmara Municipal não gastará mais de setenta por cento de sua receita com folha de pagamento, incluído o gasto com o subsídio de seus Vereadores. § 2º Constitui crime de responsabilidade do Prefeito Municipal: I - efetuar repasse que supere os limites definidos neste artigo; II - não enviar o repasse até o dia vinte de cada mês; ou III - enviá-lo a menor em relação à proporção fixada na Lei Orçamentária. § 3º Constitui crime de responsabilidade do Presidente da Câmara Municipal o desrespeito ao § 1º deste artigo.


Autor

  • Adriano Mesquita Dantas

    Adriano Mesquita Dantas

    Juiz Federal do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região/PB, Professor Universitário e Presidente da Amatra13 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pós-Graduado em Direito do Trabalho e em Direito Processual Civil pela Universidade Potiguar (UnP). Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA). Foi Agente Administrativo do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região/RN, Advogado, Advogado da União e Diretor de Prerrogativas e Assuntos Legislativos da Amatra13 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Adriano Mesquita. Os precatórios judiciais e a crise financeira e orçamentária dos Municípios: uma opção para atenuar o problema. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 791, 2 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7232. Acesso em: 24 abr. 2024.