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Jornada de trabalho

análise das convenções coletivas e proposta de normatização

Jornada de trabalho: análise das convenções coletivas e proposta de normatização

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            Este artigo pretende explorar sinteticamente dois aspectos do tema da jornada de trabalho. Primeiramente, faz-se um breve levantamento de como as convenções e acordos coletivos estabelecem os contornos concretos da regulamentação da jornada, avançando ou mantendo o conteúdo previsto na legislação ordinária.

            Em um segundo momento, busca-se sugerir caminhos para a normatização da jornada no Brasil, com forte ênfase no incentivo à negociação coletiva.


1. A JORNADA DE TRABALHO NAS CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO

            O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE) mantém um banco de dados com cláusulas normativas de convenções coletivas de trabalho de diversas categorias profissionais. Deste banco selecionamos algumas cláusulas relacionadas à jornada de trabalho que estarão em vigor até o ano de 2005.

            As normas coletivas possibilitam uma adequação da lei às especificidades de cada ramo de produção. Naturalmente, as normas decorrentes destes acordos não podem impor obrigações que importem numa redução de direitos previstos na lei ordinária. Assim, temos que as normas coletivas sempre estipulam condições mais benéficas aos trabalhadores.

            Na atual legislação, as normas coletivas têm validade por dois anos, podendo ser prorrogadas por mais dois. São restritas às partes signatárias do acordo e de aplicação imediata.

            Cláusulas sobre jornada de trabalho

            Algumas categorias profissionais conseguem conquistar acordos importantíssimos para os empregados abrangidos por elas e de acordo com as suas necessidades.

            Outras categorias repetem em suas convenções exatamente aquilo que a lei ordinária prevê, como a jornada de 44 horas semanais, intervalo de uma hora para refeição, intervalo de 11 horas entre as jornadas, possibilidade de compensação de horas semanais, banco de horas, entre outras.

            Jornada aos domingos

            O Sindicato dos Empregados do Comércio de Brasília estabeleceu na sua convenção coletiva de trabalho com vigência para os anos de 2004 e 2005 a seguinte cláusula normativa:

            REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO DOS COMERCIÁRIOS NOS DIAS DE DOMINGO(...)

            I - O trabalho realizado pelo comerciário nos dias de domingo não poderá ultrapassar a 06 (seis) horas, sendo tolerado o trabalho de mais uma hora de serviços realizados de forma interna, antes ou depois da abertura da loja, sem que essa seja considerada como "extra".

            II - O comerciário que laborar em um domingo, necessariamente terá folga no domingo subseqüente, sendo vedado o trabalho em dois domingos consecutivos;

            III - A empresa que desejar funcionar nos dias de domingo, deverá obter do SINDIVAREJISTA o competente certificado a ser expedido se o mesmo estiver em dia com suas obrigações patronais, bem como certificado do SINDICATO DOS EMPREGADOS NO COMÉRCIO VAREJISTA DO DISTRITO FEDERAL, se estiver em dia com suas obrigações para com o sindicato laboral.

            VI - nos dias 24 e 31 de dezembro de 2003, as lojas fecharão suas portas para atendimento ao público às 17:00, sendo que os empregados continuarão a atender aos consumidores que estiverem dentro do estabelecimento.

            VII - Excepcionalmente nesta Convenção, no dia 02 de janeiro de 2005, domingo, os empregados não poderão trabalhar.

            VIII - Excepcionalmente nesta Convenção, no dia 26 de dezembro de 2004, domingo, a Jornada de Trabalho dos empregados não poderá iniciar-se antes das 14:00 h.

            IX - ficam garantidas as condições mais vantajosas que já sejam praticadas.

            A cláusula acima foi fixada por força da Lei nº 10.101/2000 que autorizou o trabalho aos domingos. O sindicato profissional, a fim de evitar o desgaste social destes trabalhadores, impôs a limitação de trabalho aos domingos. Os empregados passariam a trabalhar em domingos alternados, com o limite de seis horas diárias.

            É bastante comum encontrar esta cláusula que limita o trabalho aos domingos nas convenções dos comerciários, como também o trabalho nos feriados e nos dias que antecedem o ano novo e o natal.

            Horário de refeição

            O Sindicato dos trabalhadores de minérios e derivados estabeleceu cláusula que suprime o horário formal de refeição, com validade para os anos de 2003/2005 nos seguintes termos:

            §1º- Face a possibilidade de interrupção periódica da jornada de trabalho diária do Frentista/vigia, aquele que labora no horário compreendido entre 22hs e 06h e, diante da peculiaridade desses serviços, donde fica a maior parte do tempo parado à espera de cliente, resta ajustado entre as partes convenentes que o intervalo diário intra-jornada fica diluído integralmente durante a jornada de trabalho, hipótese que não haverá incidência do acréscimo previsto no §4º do artigo 71 da CLT, nem aplicação do §1º do artigo 73 da CLT.

            §4º- As horas excedentes à 8ª diária, laboradas em um dia, serão compensadas com a redução equivalente da jornada em outro dia, respeitando o limite máximo de 12 horas de labor diário, o que implica dizer que o excesso ou a diminuição de horas em um dia de trabalho poderá ser compensado pela correspondente diminuição ou acréscimo em outro dia, de maneira que não exceda o horário normal do mês.

            Conforme se verifica, a cláusula parte do pressuposto de que os frentistas / vigias, que laboram na jornada noturna, ficam "ociosos" a maior parte do tempo. Assim, não faria sentido a existência de um intervalo de uma hora para refeição, se os mesmos dispõem de muito mais que isto para repousar. Assim, estabeleceram que o horário ficaria diluído durante toda a jornada, desobrigando as empresas do pagamento de horas extras.

            Jornada vigia (12 x 36)

            A Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação do Paraná [01] entabulou norma coletiva para os vigias, com a jornada em que o empregado trabalha 12 horas diárias e descansa 36 horas. Ou seja, o empregado trabalhará em um dia e descansará no próximo, perfazendo, em duas semanas, a média de 42 horas semanais. Assim dispõe a cláusula:

            JORNADA DE TRABALHO DE VIGIAS E GUARDIÕES

            Fica reservado às empresas e empregados nessas condições, deliberarem, através de acordo escrito, que será homologado pela Entidade Profissional, acerca da jornada de trabalho e de período de descanso, tornado possível a implementação do sistema 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, respeitando-se o limite de 4-4 horas semanais.

            § Único - em se adotando tal sistema, fica o empregador desobrigado de qualquer ônus que não o pagamento do adicional noturno. Não se entendendo, pois, como hora extraordinária, aquelas cumpridas após a 8ª (oitava) diária, tendo em vista a compensação que se opera.

            A jornada 12 x 36 também foi encontrada em várias outras convenções coletivas de vigilantes.

            Esta modalidade de jornada é bastante praticada entre os trabalhadores enfermeiros, e tranqüilamente aceita pela jurisprudência. Ela leva em consideração que algumas atividades necessitam manter o seu funcionamento durante as 24 horas do dia. Assim, ou se estabelece o turno ininterrupto de revezamento, com 3 turnos funcionando durante o dia, ou se mantém o empregado durante este período de 12 horas e outro que o substitua em seguida.

            Ocorre que, no caso da categoria profissional dos vigilantes, na prática, eles normalmente são contratados para trabalhar 8 horas diárias e acabam realizando 12 horas, que são remuneradas como horas extras.

            Do ponto de vista da saúde do trabalhador, o turno 12 x 36 é menos prejudicial, pois os seus descansos semanais são maiores.

            Redução para 40 horas semanais

            Alguns sindicatos conquistaram na Convenção Coletiva de Trabalho a redução de jornada para 40 horas, são eles: Empregados da Kablin, representados pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Industrias de Papel e Papelão de Lages; empregados da COSANP, filiados ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas do Pará; empregados da CADAE filiados ao Sindicato dos Trabalhadores de Empresas de Saneamento Básico do Rio de Janeiro; empregados da CAERN filiados às Empresas de Saneamento Básico do Rio Grande do Norte; Sindicato das Empresas de Telecomunicação de São Paulo.

            Outros Conquistaram as 40 horas semanais para o pessoal administrativo das empresas, são eles: Empregados da empresa Petroflex, filiados ao Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Artefatos de Borracha de Pernambuco; Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas da Bahia.

            E ainda, os empregados da Celpa – Centrais Elétrica do Pará, filiados ao Sindicato dos Engenheiros e Sindicato das Ind. Urbanas do Pará, conquistaram 35 horas semanais e 7 horas diárias.

            Horas in itinere trabalhadores rurais

            O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santa Fé e outras cidades do Paraná estabeleceu a seguinte cláusula:

            Seja considerado como período de trabalho o tempo gasto no transporte do trabalhador rural, de uma para outra propriedade do mesmo empregador, contando o tempo perdido como serviço

            Certamente, a distância dos locais de trabalho justificam a conquista que, diga-se, é corrente em outras convenções coletivas de trabalhadores rurais. Ademais, a CLT prevê que o tempo despendido pelo empregado entre o momento em que sai do seu domicílio até o local de trabalho será computado na jornada de trabalho. Nos casos do mesmo residir em local onde não é servido o serviço público de transporte.

            Também é comum encontrar nas convenções dos trabalhadores rurais, bem como nas convenções dos empregados em empresas de transporte e construção civil, cláusula normativa prevendo que o período em que o empregado estiver à disposição do empregador ou aguardando ordens, é computado na jornada de trabalho.

            Redução da jornada dos trabalhadores em telecomunicações e empresas de processamento de dados

            Várias empresas de call center estipulam carga horária de 36 horas semanais para aqueles empregados que trabalham no atendimento. Os empregados da empresa ASK (Call Center) filiados ao Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicação do Paraná, acordaram a seguinte norma:

            A jornada dos empregados que utilizam fone de ouvido (head set) será de no máximo 36 horas semanais e 180 horas mensais, sujeitos à escala de revezamento. A Ask! poderá contratar empregados para a mesma atividade com jornada inferior, respeitando a proporcionalidade de salário e de benefícios em relação aos trabalhadores que atuam no mesmo projeto, com o mesmo nível de responsabilidade, com jornada máxima.

            Também se observa esta redução da carga horária em algumas convenções dos empregados em empresas de processamento de dados. Alguns casos prevêem inclusive a jornada de 30 horas para os digitadores.

            Compensação semanal e banco de horas

            A possibilidade de compensação semanal já era prevista na CF, artigo 7º, inciso XIII. O próprio TST editou a súmula nº 85 esclarecendo sobre o assunto:

            Nº 85COMPENSAÇÃO DE JORNADA. (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 182, 220 e 223 da SBDI-1) - Res. 129/2005 - DJ 20.04.2005

            I. A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva. (ex-Súmula nº 85 - primeira parte - Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

            II. O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. (ex-OJ nº 182 - Inserida em 08.11.2000)

            III. O mero não-atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex-Súmula nº 85 - segunda parte- Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

            IV. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário. (ex-OJ nº 220 - Inserida em 20.06.2001)

            Histórico:

            Redação dada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003

            Ainda assim, praticamente todas as convenções coletivas trazem uma cláusula sobre compensação de horas semanais. Na maior parte dos casos, as convenções regulam a compensação de sábado e, em outros casos, a "semana espanhola" [02].

            Com a regulamentação do banco de horas, trazida pela Lei nº 9.601/98, muitas convenções coletivas de trabalho passaram a disciplinar sobre o banco de horas, como, por exemplo, a firmada pelo Sindicato dos Empregados da Saúde de Rio Grande do Sul, que dispõe minuciosamente sobre a compensação semanal e o banco:

            O empregador poderá adotar um regime de compensação horária mediante concordância do empregado por escrito. Neste caso o acréscimo na jornada diária visará compensar a inatividade ou redução horária nos sábados ou em outros dias da semana, e o total de horas trabalhadas na semana não poderá exceder a 44 (quarenta e quatro) horas semanais.

            Parágrafo Segundo – As horas trabalhadas que excederem ao limite da jornada semanal contratada poderão ser compensadas dentro do prazo 06 (seis) meses, a contar da data correspondente ao encerramento do ponto do mês em que ocorreu a referida jornada extraordinária.

            Parágrafo Terceiro – Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada, conforme parágrafo anterior, o trabalhador fará jus ao pagamento das horas pendentes, que serão consideradas como extraordinárias e remuneradas com o adicional previsto na presente Convenção.

            Parágrafo Quarto – O empregado deverá ser comunicado, com antecedência mínima de 72h (setenta e duas horas), quando da efetiva compensação.

            Parágrafo Quinto – O empregador deverá fornecer mensalmente aos empregados informações sobre as horas prestadas no mês, possibilitando ao empregado controlar o número de horas a serem compensadas dentro da sistemática ora estabelecida.

            Parágrafo Sexto – O empregado deverá, obrigatoriamente, compensar as horas existentes no Banco de Horas sempre que estas atingirem o limite da jornada mensal contratada.

            Parágrafo Sétimo – Ficam o empregado e o empregador autorizados, a qualquer tempo, a suspender a adoção do regime de compensação horária.

            Parágrafo Oitavo – Possibilita-se ao empregado utilizar as horas excedentes acumuladas dentro da sistemática de compensação horária ora ajustada para tratar de assuntos de seu interesse, sem prejuízo de qualquer natureza, devendo para tanto comunicar previamente à sua chefia imediata, no prazo estabelecido no parágrafo quarto

            É interessante notar que das convenções pesquisadas, nenhuma propõe a compensação anual das horas trabalhadas. Algumas trazem a compensação no período de 60, 100, 120 e 180 dias. Isso se deve à resistência do movimento sindical a esta modalidade de compensação. A compensação em um período menor permite um melhor controle pelos trabalhadores. E para que este controle se torne mais transparente, muitas convenções impõem a anotação das horas no demonstrativo de pagamento mensal.

            Em uma das convenções pesquisadas, a dos trabalhadores em telecomunicações do Paraná [03], consta um limite de 44 horas a serem compensadas no banco de horas. Lembrando que o limite previsto na lei é da jornada diária de até 10 horas, e isso pode representar uma quantidade a ser compensada bem maior que 44 horas.

            Horas suplementares (horas extras)

            Como na jurisprudência, as horas extras nos acordos e convenções são amplamente debatidas e por fim regulamentadas.

            A hora extra é alvo de grande preocupação para o movimento sindical, e por isso tenta-se cercear a sua realização. Para isto, os acordos e convenções coletivas buscam mecanismos de controle e de desestímulo à sua realização.

            Um dos mecanismos mais utilizado é a majoração da hora extra em patamares maiores que o imposto pela CLT (50% sobre a hora normal). Diversas categorias [04] impõem o pagamento de 70%, 75%, 80% e até 100% de pagamento sobre a hora em dias normais de trabalho. Não é raro encontrar a majoração acima de 100% para as horas realizadas em domingos, feriados e dias já compensados. Também ocorre, em menor escala, a majoração das horas extraordinárias de acordo com a quantidade realizada no dia ou mês. Ou seja, até uma determinada quantidade de horas deveria ser pago um determinado adicional, acima disto um outro ainda maior.

            Assim, espera-se que com isto as empresas sejam desestimuladas a solicitarem horas extras do empregado, pois terá que pagar mais caro pela hora.

            No entanto, foi encontrado um acordo [05] e uma convenção [06] que estabelecem exatamente o contrário. Acima de 30 horas trabalhadas extraordinariamente no mês, o percentual do adicional das horas extraordinárias diminuía. A idéia que se pode extrair disto é a tentativa do sindicato de desestimular a realização de horas extraordinárias por parte do empregado, que não teria interesse em realizar muitas horas extras, pois apenas as primeiras seriam bem remuneradas.

            O mesmo acordo mencionado acima traz uma previsão de compensação de horas bastante interessante. O empregado decide se compensará as horas diurnas com as noturnas, sendo que para cada 45 minutos diurno equivale a 50 noturnos. Essa medida visa evitar o trabalho noturno.

            Também foram encontradas convenções coletivas que previam o pagamento de ajuda de custo, lanche ou até mesmo uma refeição completa, para os empregados que realizassem horas extraordinárias.

            Apenas três acordos coletivos de trabalho [07] traziam cláusula pela qual as partes se comprometeriam em reduzir as horas extras. Duas destas cláusulas determinavam o seguinte:

            "A PETROFLEX compromete-se a manter esforços no sentido de (sic) reduzir horas extras, restringindo a realização de trabalho extraordinário aos casos de comprovada necessidade."

            "Sendo prejudicial à saúde e à segurança do trabalhador, se evitará, dentro do possível, a realização de tarefas em horas extras.

            As partes reafirmam os efeitos positivos que podem derivar-se de uma política social solidária, conducente a supressão de horas extraordinárias habituais, por isso recomendam analisar a possibilidade de se realizar as tarefas determinadas, dentro do horário normal vigente."

            Foram encontradas algumas cláusulas que previam o pagamento de horas extraordinárias quando o empregado fosse solicitado para comparecer repentinamente na empresa, ainda que o mesmo não permanecesse por muito tempo laborando. Assim, ficou estabelecido, por exemplo, o pagamento de 3 horas quando ocorressem estas chamadas, mesmo que o empregado não tivesse laborado todo este tempo.

            Por fim, mas não menos importante, diversas convenções e acordos coletivos prevêem uma tolerância para o empregado marcar o ponto sem que isto acarrete desconto em seu salário ou então horas extraordinárias, variando de 7 a 15 minutos esta tolerância.

            Cabe dizer, ao final, que embora tenhamos um modelo de regulamentação trabalhista excessivamente intervencionista pelo Estado, são as convenções e os acordos coletivos que de fato possibilitam uma melhor adequação da lei às especificidades de cada setor produtivo.

            Por isto, o incentivo à negociação coletiva – que põe frente à frente os interessados sobre determinado tema – deve ser um dos focos de um novo modelo de regulamentação e normatização das relações de trabalho no Brasil, como se verá no item a seguir.


2. JORNADA DE TRABALHO E NEGOCIAÇÃO COLETIVA

            A jornada de trabalho no Brasil é prevista na Constituição Federal (CF) de 1988. Ela prevê: limite de 44 horas semanais; oito horas diárias; pagamento das horas extras em no mínimo 50% superior a hora normal.

            A legislação infraconstitucional regulamenta a jornada. Nesta arquitetura do ordenamento jurídico, encontram-se: a CLT; outras leis ordinárias; leis especiais para determinadas categorias profissionais; portarias; normas do Ministério do Trabalho e; acordos e convenções coletivas de trabalho.

            Não são todos os países que adotam este sistema para normatizar as relações trabalhistas. Temos um sistema profundamente interventor do Estado nas relações laborais. Paradoxalmente, isso não nos leva a termos empregados plenamente protegidos.

            Além disso, cerca de 50% dos trabalhadores estão hoje fora do mercado formal. Para estes, as leis trabalhistas não são sequer aplicadas, exceto quando procuram a Justiça.

            O modelo intervencionista inibe a ação sindical e a negociação coletiva, na medida em que desloca para a legislação todo o potencial de regulamentação do trabalho e relega à Justiça do Trabalho a solução dos conflitos.

            O atual projeto de reforma sindical (PEC nº 369/05 e Projeto de Lei 369/2005) dá um salto em busca de um modelo mais democrático de relações trabalhistas. Ele fortalece as Centrais Sindicais, a negociação coletiva e a organização no local de trabalho. Possibilita um avanço também nas alterações legislativas do direito material do trabalho, trazendo esta regulação mais para o campo da negociação coletiva que da normatização estatal, adequando-se mais à realidade do mundo do trabalho.

            A legislação atual é muito detalhada, pois falta autonomia para aqueles que estão diretamente envolvidos na relação de trabalho estabelecer suas próprias normas.

            Para não colocar em risco a situação dos trabalhadores não organizados, é fundamental uma legislação de sustento que garanta alguns direitos básicos. A partir deste patamar, a negociação ocorreria em níveis nacionais, por ramos e sindicatos, atendendo às especificidades de cada ramo/ setor.

            Cabe dizer que o tema da jornada pode ser explorado em nível também das negociações tripartites, que envolvem representações dos empregadores, representações sindicais e Estado (Governo).

            Em realidade, o modelo de regulamentação de jornada parte de um pressuposto que é a alteração da estrutura sindical atual. É preciso fortalecer os sindicatos, dando-lhes mais autonomia e liberdade, na medida em que o modelo que se pretende ampara-se na negociação coletiva.

            Neste quadro de mudanças, algumas possibilidades de normatização das relações de trabalho – incluindo aí a jornada de trabalho - poderiam ser estudadas.

            A primeira alternativa é a Contratação Coletiva Nacional articulada. Nesta, durante o período de transição do modelo de relações de trabalho, qualquer contrato coletivo estabelecido entre sindicatos e empresas, ou entre federações e representações empresariais, deverá, obrigatoriamente, estar subordinado e coerente às normas previstas em contratos coletivos de nível nacional em vigor. Somente a partir do estabelecido nesses acordos nacionais é que os sindicatos poderão negociar novos parâmetros que ampliem as conquistas dos seus representados. Os sindicatos que não estiverem filiados às centrais sindicais deverão, compulsoriamente, antes da contratação, estabelecer qual o contrato nacional ao qual estaria subordinada a sua negociação.

            A segunda alternativa é a do direito de negociação proporcional à capacidade de representação sindical. Nesta, durante a transição do modelo de relações de trabalho, o poder de negociação sindical do previsto em lei seria proporcional à representação sindical perante os trabalhadores. Assim, aqueles sindicatos mais representativos – estabelecidos por algum critério legal - teriam um potencial maior para negociar eventuais flexibilizações da lei. O suposto aqui é que estas negociações seriam, em geral, positivas, benéficas aos trabalhadores, na medida em que estariam associadas a novas conquistas. Por outro lado, aqueles sindicatos pouco representativos teriam uma margem menor de negociação. Para estes últimos, haveria uma maior intervenção da legislação de sustento na vida dos trabalhadores por ele representados.

            Exemplo: a legislação de sustento preveria a jornada de 40 horas semanais, mas a possibilidade de compensação semanal poderia ser dada àqueles sindicatos com X% de representação, enquanto que a compensação semestral seria negociada apenas com aqueles sindicatos com Y% de representação.

            De qualquer modo, deverá existir uma regulamentação mínima da relação de trabalho. No caso específico da jornada, esta legislação de sustento (que popularmente poderia ser denominada de "legislação guarda-chuva") deverá prever, sinteticamente, as seguintes proteções: a) limite de horas semanais; b) limite de horas diárias; c) intervalo para refeição; d) intervalo entre as jornadas; e) limites de horas suplementares; f) descanso semanal;

            A cargo da negociação coletiva ficariam, por exemplo: a marcação do ponto; a possibilidade de redução da jornada semanal; a compensação das horas e o banco de horas; a remuneração da hora suplementar; a possibilidade ou não de trabalhar aos domingos; se os intervalos seriam ou não remunerados; a quantidade e a extensão de intervalos intrajornadas; a possibilidade ou não do trabalho noturno e a sua remuneração; as horas in itinere; a supressão de horas extras; os turnos ininterruptos de revezamento; entre outras infinidades de questões que poderiam surgir sobre o tema.

            As normas, conseqüentemente, respeitariam uma hierarquia que partiria da regulamentação legal ampla para as aquelas decorrentes de negociações coletivas em âmbito nacional por ramos e setores, estaduais por ramos e setores e por fim de negociações entre empresas e sindicatos.

            As duas propostas acima poderiam ser complementares também. Assim, além do critério adotado na primeira alternativa – contrato coletivo articulado – os sindicatos somente poderiam negociar, conforme o seu grau de representatividade.

            Essas alternativas são apenas sugestões a serem estudadas. O primordial é que se estabeleça um processo de transição de modelos de regulamentação trabalhista de modo a garantir a proteção ao trabalhador.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 21 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. – (Coleção Saraiva de legislação).

            CARRION, Valentim. Comentários à consolidação das leis do trabalho". 27. ed. Atual. Por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2002.

            DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATÍSTICA E ESTUDOS SÓCIO-ECONÔMICOS (DIEESE). SACC – Sistema de Acompanhamento de Acordos e Convenções Coletivas. Disponível em: http/dieese.org.br.

            NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2003.

            OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Comentários aos enunciados do TST. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993.

            PLÁ RODRIGUES, Américo. Princípios de Direito do Trabalho; tradução Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 2000.

            Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. São Paulo, Ano 6, nº 8, 2002.

            REDUZIR A JORNADA É GERAR EMPREGOS. Centrais Sindicais/DIEESE. São Paulo, dez.2004.

            SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO ABC. Redução de jornada, limite de hora extra e reorganização do tempo de trabalho. São Bernardo do Campo, 1993.

            ______. Subseção DIEESE. Flexibilização da produção e das relações de trabalho no setor automotivo. Out.1999.

            Revista Síntese Trabalhista. Porto Alegre, v. 15, n. 175, Jan. 2004

            TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Pesquisa de jurisprudências. Brasília, 2005. Disponível em: http//www.tst.gov.br


NOTAS

            01 Esta cláusula também consta da convenção coletiva do Sindicato dos Trabalhadores em Gráfica de Distrito Federal (apenas para os vigilantes).

            02 Semana espanhola é aquela em que o empregado trabalha 40 horas em uma semana e na próxima 48 horas, perfazendo uma média semanal de 44 horas.

            03 Os radialistas do Rio de Janeiro, a cada 30 horas suplementares realizadas, devem compensá-las imediatamente por 30 dias posteriores. O excedente deve ser remunerado como extraordinárias.

            04 Comerciários, alimentação, construção civil, fiação e tecelagem, urbanitários, metalúrgicos, químicos, transportes, petroquímicos, professores, saúde, radialistas, vestuário, rurais, distribuidores de água, gráficos, entre outros.

            5 Acordo estabelecido pela Federação Nacional dos Processadores de Dados e a empresa SERPRO.

            06 Convenção Coletiva do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Radiodifusão do Rio de Janeiro para todo os trabalhadores do Estado.

            07 Acordo entre o Sindicato dos Borracheiros de Pernambuco e a empresa Petroflex; Sindicato dos Químicos da Bahia e DataPrev; Sindicato dos Urbanitários do Paraná e a empresa Itaipu.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, Maria da Consolação Vegi da; CONCEIÇÃO, Jefferson José da. Jornada de trabalho: análise das convenções coletivas e proposta de normatização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 805, 16 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7278. Acesso em: 20 abr. 2024.