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A não-idéia de Justiça em Hans Kelsen

A não-idéia de Justiça em Hans Kelsen

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Sumário:1. Introdução; 2. O Relativismo de valores em Kelsen: a inexistência de um valor absoluto do justo; 3. Direito e Moral na Teoria Pura do Direito; 4. Noções de justiça: as fórmulas vazias de conteúdo; 5. O embate com o direito natural e falta de resposta para o problema da justiça; 6. O que é a justiça para Kelsen?; 7. A crítica de Mário G. Losano; 8. Conclusões; 9. Referências bibliográficas.


1.Introdução

            Este esforço monográfico tem o objetivo de trazer, em linhas decididamente sumárias, algumas observações sobre a teoria de justiça de Hans Kelsen, o formidável jurista e filósofo de Praga, reconhecidamente a máxima expressão do positivismo jurídico.

            Na verdade, a monografia registrará a "não-idéia" de justiça em Hans Kelsen, entendendo a palavra idéia em um contexto de uma teoria completa e absoluta de justiça, é dizer, um ideal de justiça. Kelsen se bate longamente em seus escritos sobre a justiça, em especial no "Problema da Justiça", por desconstruir qualquer fórmula mágica que pudesse responder a tal pergunta, a ponto de afirmar que todas as propostas teóricas de justiça, pelo menos as mais antigas, são completamente vazias de conteúdo.

            É óbvio que Hans Kelsen tem um senso de justiça ou uma quase-idéia de justo, sentimento que é retratado em seu livro "O que é a justiça?". Há valores ou padrões morais, sedimentados pela ciência ética, que Kelsen preza como caminhos de justiça ou um sentimento do justo. Contudo, segundo Kelsen, impossível é se afirmar um valor absoluto, uma idéia de justiça harmônica, uniforme e universal. Impossível generalizar-se uma idéia de justo, tanto na lide do conhecimento racional como no campo do sensível. Não existe para Kelsen o consenso absoluto do justo e, ainda que se admitisse um ideal universal, não nós é dado conhecê-lo. O que há é o entendimento/sentimento do justo para cada qual, talvez com uma maior ou menor possibilidade de ampliação e harmonização.

            Partindo desta concepção inicial, tão arraigada no texto positivo e na lógica formal-irritante de Hans Kelsen, o segundo tópico centrará em discutir, com mais vagar, a tese da inexistência de um valor absoluto do justo. O que se pode entender deste relativismo de valores em Kelsen. Mais: qual é o papel da sua lógica de argumentação, em um rigoroso formalismo, para a concepção relativista. Kelsen não consegue se convencer, fechado em sua concretude, em sua fortaleza formal, na possibilidade de valores absolutos. Qual é o impacto dessa não-idéia para seu problema da justiça?

            O terceiro tópico levará o debate acima para os limites formais que Kelsen nos apresenta na "Teoria Pura do Direito", naquilo que diz respeito à sempre polêmica relação entre Direito e Moral. O relativismo de valores encontra eco na severa distinção que Kelsen faz entre Direito e Moral, mundos quase incomunicáveis para o cientista do positivismo jurídico. Se estamos diante de mundos distintos, em uma concepção científica de pesquisa, os valores e padrões morais, além de relativos, estariam distantes da "norma", pelo menos no que respeita ao conhecimento da regra jurídica, do direito positivo. Quanto à aplicação, segundo Kelsen, a história poderia ser diferente.

            No tópico que se segue, como encadeamento lógico, desenvolve-se a crítica de Kelsen sobre inúmeros modelos de justiça, cada qual com a sua fórmula de solução. Merece destaque suas contestações em face da fórmula do suum cuique, da regra de ouro, do imperativo categórico kantiano, do meio-termo aristotélico, do princípio retributivo, além dos princípios da justiça comunista de Karl Marx. Vale realçar, ainda, o paralelo que Kelsen faz entre as idéias de justiça de Platão e Jesus Cristo, a ponto de tratar o tema como um "mistério da fé", como "Ilusão de Justiça", [01] numa linha muito bem revelada pela Encíclica Fides et Ratio, do papa João Paulo II. [02]

            No tópico cinco o problema continua quando Kelsen se depara com os ideais de justiça conformados pelo jusnaturalismo. Kelsen enfrenta arduamente o debate, ferrenho defensor de sua lógica positiva, para afirmar que o direito natural não resolve o problema, não convence como justiça absoluta, inalcançável pela nossa razão, traduzindo quase um território místico.

            O sexto tópico revela aquilo se pode chamar do sentido de justiça para Kelsen, como se dizia acima, tão-só para ele, um senso do justo sem qualquer intuito de universalização. Ora, na compreensão deste esboço monográfico transparece indispensável refletir sobre o que o Kelsen pensa e diz a respeito do seu próprio sentimento de justiça.

            As críticas de Mário Losano, capturadas exclusivamente da introdução ao "Problema da Justiça" de Kelsen, servem de indicação para um caminho contestador do caminho formal kelseniano. As críticas de Losano, incorporadas no tópico sete, não partem de um contraponto entre as diferentes teorias de justiça e a não-idéia de Kelsen, mas são feitas a partir da teoria pura do direito. Nesse âmbito, cabe-nos fazer a seguinte pergunta: há alguma lacuna na não-idéia de Kelsen em face da sua teoria pura do direito ou tal formulação é justamente o complemento indispensável do seu formalismo científico? Mário Losano sugere relevantes dúvidas.

            Há que se terminar a monografia apresentando algumas conclusões e sugerindo alguns caminhos de pesquisa e estudo. Não será uma conclusão remissiva, partindo do que já se escreveu. Não. Será uma conclusão novidadeira, que é o lugar próprio para se apresentar as idéias do autor da monografia. É o que se fará no último tópico.


2.O Relativismo de valores em Kelsen: a inexistência de um valor absoluto do justo

            A inexistência de um valor absoluto do justo para Kelsen pode ser deslindada por duas frentes. A primeira diz respeito à independência da validade da norma positiva em face da norma de justiça, enquanto esta traduz um valor pleno de validade e fundação de uma ordem jurídica. A segunda diz respeito ao problema da justiça em funções das suas normas, quais sejam, as normas do tipo metafísico e as normas do tipo racional. Em ambas o valor absoluto será colocado em cheque.

            Partindo da primeira perspectiva, Kelsen realça:

            É sobretudo do ponto de vista da doutrina do direito natural, por força da qual o direito positivo apenas é válido quando corresponde ao direito natural constitutivo de um valor de justiça absoluto, que se opera um juízo de apreciação do direito positivo como justo ou injusto. [03]

            Ora, nesse sentido, tal como coloca Kelsen, sob o ponto de vista do direito natural, torna-se indispensável encontrar um ideal de justiça, que se quer absoluto, como a única forma de fundar uma ordem jurídica e dotá-la de validade, significando que, "de acordo com esta teoria, só o direito natural pode, na verdade, ser considerado válido, e não o direito positivo como tal". [04]

            Kelsen, no entanto, diz que a validade das normas de direito positivo não depende da relação em que se encontram com a norma de justiça. Assim: o direito positivo vale enquanto tal, é dizer, da sua objetividade, da norma posta, retira a sua validade subjetiva; a sua validade tem-se como regra posta, pertencente ao próprio sistema. A norma entrou com regularidade no sistema jurídico, como tal ela retira sua validade subjetiva. Seria desnecessário pedir a sua adequação a um ideal de justiça.

            Para Kelsen não se pode deduzir de um ideal, que se quer absoluto - mas para ele não é –, uma norma do dever-ser. São instâncias de comunicação diversas. O mundo do ser, de onde se pode pensar e imaginar um valor "universal" não se comunica com o mundo do dever-ser. Não haveria interação entre a norma e o conceito. Não sob o ponto de vista de um valor absoluto, fundante. Como afirma o filósofo:

            não se pode deduzir de um conceito uma norma, como pretende erroneamente a chamada jurisprudência dos conceitos. Uma norma pode ser deduzida apenas de outra norma, um dever-ser pode ser derivado apenas de um dever-ser. [05]

            Vê-se que, então, diante da perspectiva da ciência positiva surge o sentido do relativo, uma vez que, para Kelsen, a ciência "não tem de decidir o que é justo, isto é, prescrever como devemos tratar os seres humanos, mas descrever aquilo que de fato é valorado como justo, sem se identificar a si própria com um destes juízos de valor". [06] Juízos de valor. A validade do direito positivo não consubstanciada em um ideal externo, do mundo do ser, traz a idéia da relatividade do valor, do sentido de justo. Nada é capaz de ser absoluto, com a suficiência de sair do sensível mundo do ser e penetrar no mundo normativo. É esta a ética do entendimento de Kelsen, talvez o seu único valor absoluto, a lógica do que é possível conhecer e prescrever.

            Nesse momento, contudo, há que se salientar uma pequena brecha no rigoroso edifício lógico-formal construído por Kelsen, em crítica a ser desenrolada mais à frente no tópico sete, mas que suscita agora um pequeno registro. Em certo ponto, neste debate do confronto das normas de justiça em face da ciência do direito positivo, Kelsen revela a seguinte distração:

            O processo da fundamentação normativa da validade conduz, porém, necessariamente, a um ponto final: a uma norma suprema, generalíssima, que já não é fundamentável, à chamada norma fundamental, cuja validade objetiva é pressuposta sempre que o deve-ser que constitui o sentido subjetivo de quaisquer atos é legitimado como sentido objetivo de tais atos. Se fosse de outra maneira, se o processo da fundamentação normativa da validade, tal como o processo da explicação causal – que, de acordo com o conceito de causalidade, não pode levar a nenhum termo, a nenhuma causa última -, fosse sem fim, a pergunta de como devemos atuar permaneceria sem resposta, seria irrespondível. Consideramos um determinado tratamento de um indivíduo por parte de outro indivíduo como justo quando este tratamento corresponde a uma norma tida por nós como justa. A questão de saber por que é que consideramos esta norma como justa conduz, em última análise, a uma norma fundamental por nós pressuposta que constitui o valor justiça. [07]

            Talvez não seja exatamente distração, mas o reconhecimento de um necessário valor fundatório. Não abala o relativismo de valores e o entendimento da existência de inúmeros ideais de justiça, mas permite ver que, em algum momento, no ápice do edifício formal, é de se ter uma norma pressuposta e não posta, ou melhor, aquilo que constitui o valor justiça, o momento de contato do "juízo de valor" com a constituição formal do sistema jurídico.

            Na segunda perspectiva, as normas de justiça do tipo metafísico e as normas de justiça do tipo racional também se relacionam com o sentido de relatividade dos valores.

            A norma de justiça do tipo metafísico se apresenta como uma instância transcendente, para além de todo o conhecimento humano experimental. Sob a perspectiva subjetiva da crença estamos diante de um ideal absoluto, como diria Kelsen:

            o homem deve acreditar na justiça que elas constituem – tal como acredita na existência da instância de que elas procedem -, mas não pode compreender racionalmente essa justiça. O ideal desta justiça é, como a instância da qual ela provém, absoluto: de conformidade com o seu próprio sentido imanente, exclui a possibilidade de qualquer outro ideal de justiça. [08]

            No entanto, como efeito de crença, do acreditar, não se pode nunca universalizar qualquer ideal transcendente. O "absoluto" é só o inquestionável para cada um. Se para determinado sujeito um ideal de transcendência é justo, aquele ideal é absoluto e não pode ser questionado. Contudo, é impossível uma crença única, um valor resultante único. É instável e mutável o ato da crença. A metafísica, por não racional, por não ser compreendida pela razão humana, impede um juízo uniforme.

            Sob a perspectiva das normas de justiça do tipo racional, supostamente apreendidas pela razão humana, Kelsen é ainda mais afirmativo:

            Se, no problema da justiça, partimos de um ponto de vista racional-científico, não-metafísico, e reconhecermos que há muitos ideais de justiça diferentes uns dos outros e contraditórios entre si, nenhum dos quais exclui a possibilidade de um outro, então nos será lícito conferir uma validade relativa aos valores de justiça constituídos através destes ideais. [09]

            É o momento de voltar ao campo da interseção da Moral com o Direito, tratado por Kelsen no capítulo II da "Teoria Pura do Direito". É necessário aprofundar o entendimento de Kelsen, sob o ponto de vista científico, do campo da Moral e do Direito. Entender a distinção e seus âmbitos de atuação, no sentido de dissecar o processo da impossibilidade da coordenação jurídica por um valor supremo, por um comportamento moral. É o propósito do tópico seguinte.


3. Direito e Moral na Teoria Pura do Direito

            O primeiro ponto que deve ser registrado é absoluta necessidade, para Kelsen, da separação, da distinção rigorosa que deve ser feita entre Direito e Moral. Justificando a pureza do seu método científico, Kelsen também realça a confusão que se faz entre Ética e Moral, sendo a primeira tão-só a ciência descritiva da conduta moral:

            A tal propósito deve notar-se que, no uso corrente da linguagem, assim como o Direito é confundido com a ciência jurídica, a Moral é muito freqüentemente confundida com a Ética, e afirma-se desta o que só quanto àquela está certo: que regula a conduta humana, que estatui deveres e direitos, isto é, que estabelece autoritariamente normas, quando ela apenas pode conhecer e descrever a norma moral posta por uma autoridade moral ou consuetudinariamente produzida. A pureza do método da ciência jurídica é então posta em perigo, não só pelo fato de se não tomarem em conta os limites que separam esta ciência da ciência natural, mas – muito mais ainda – pelo fato de ela não ser, ou de não ser com suficiente clareza, separada da Ética: de não se distinguir claramente entre Direito e Moral. [10]

            Nesse intuito de distinção, Kelsen sustenta dois caracteres essenciais: 1. que tanto a Moral como o Direito prescrevem condutas externas e internas, não sendo certo afirmar que a Moral determina as condutas internas e o Direito as condutas externas; 2. que a Moral também dever ser entendida como ordem positiva sem caráter coercitivo, é dizer, que também a Moral é criada pelo costume, sendo positiva, sem sanção, e daí revelando seu interesse de estudo e descrição para a Ética científica.

            No que respeita ao primeiro ponto, Kelsen afirma que uma conduta apenas pode ter valor moral quando não só o seu motivo determinante como também a própria conduta correspondam a uma norma moral. Assim, a Moral coordenaria tanto a conduta interna como externa, tal como faz o Direito, muito embora em âmbitos de prescrição completamente distintos. Nesse sentido, retomando o tópico anterior, a ordem moral, interna ou externa, não serve de parâmetro de fundação e validade para o Direito, e o ideal de justiça que a encarna é um não-ideal para Kelsen, sob o ponto de vista da lógica positivista do direito.

            No que se refere ao segundo aspecto acima mencionado, o caráter coercitivo é amplamente referenciada como critério de distinção. Assim Kelsen sustenta:

            Uma distinção entre o Direito e a Moral não pode encontrar-se naquilo que as duas ordens sociais prescrevem ou proíbem, mas no como elas prescrevem ou proíbem uma determinada conduta humana. O Direito só pode ser distinguido essencialmente da Moral quando – como já mostramos – se concebe como uma ordem de coação, isto é, como uma ordem normativa que procura um ato de coerção socialmente organizado, enquanto a Moral é uma ordem social que não estatui quaisquer sanções desse tipo, visto que as suas sanções apenas consistem na aprovação da conduta conforme às normas e na desaprovação da conduta contrária às normas, nela não entrando sequer em linha de conta, portanto, o emprego da força física. [11]

            Afirmado definitivamente a existência de dois sistemas de normas, Kelsen procura demonstrar que o Direito não pode encontrar sua justificação ou sua validação nas normas da Moral, como se o Direito e Moral devessem necessariamente coincidir em um conceito de justo, ou que o Direto fora da Moral é injusto. A única solução possível é entender o Direito como forma e não como conteúdo, na lição de Kelsen. Aqui o trecho significativo:

            Quando se entende a questão das relações entre o Direito e a Moral como uma questão acerca do conteúdo do Direito e não como uma questão acerca de sua forma, quando se afirma que o Direito por sua própria essência tem um conteúdo moral ou constitui um valor moral, com isso afirma-se que o Direito vale no domínio da Moral, que o Direito é uma parte constitutiva da ordem moral, que o Direito é moral e, portanto, é por essência justo. Na medida em que uma tal tese vise uma justificação do Direito – e é este o seu sentido próprio -, tem de pressupor que apenas uma Moral que é a única válida, ou seja, uma Moral absoluta, fornece um valor moral absoluto e que só as normas que correspondam a esta Moral absoluta e, portanto, constituam o valor absoluto, podem ser consideradas "Direito". Quer dizer: parte-se de uma definição do Direito que o determina como parte da Moral, que identifica Direito e Justiça. [12]

            A citação acima nos permite retomar mais uma vez a problema da relatividade dos valores e da relatividade do justo. É que, para Kelsen, impossível pressupor uma única moral válida, uma moral absoluta, um sistema de valor único. Há inúmeros valores, concepções morais que permeiam a sociedade, e estes valores são mutáveis no espaço e no tempo, modificando-se em razão do momento histórico e de suas circunstâncias específicas.

            Kelsen, buscando sedimentar a relatividade dos valores morais, e a inexistência do justo absoluto como moral absoluta, na sua relação com o Direito, nos traz um registro definitivo:

            não se aceita de modo algum a teoria de que o Direito, por essência, representa um mínimo moral, que uma ordem coercitiva, para poder ser considerada como Direito, tem de satisfazer uma exigência moral mínima. Com esta exigência, na verdade, pressupõe-se uma Moral absoluta, determinada quanto ao conteúdo, ou, então, um conteúdo comum a todos os sistemas de Moral positiva. Do exposto resulta que o que aqui se designa como valor jurídico não é um mínimo moral nesse sentido, e especialmente que o valor de paz não representa um elemento essencial ao conteúdo de Direito. [13]

            A conclusão de Kelsen sobre a teoria dos valores relativista é sintomática:

            Uma teoria dos valores relativista não significa – como muitas vezes erroneamente se entende – que não haja qualquer valor e, especialmente, que não haja qualquer Justiça. Significa, sim, que não há valores absolutos mas apenas valores relativos, que não existe uma Justiça absoluta mas apenas uma Justiça relativa, que os valores que nós constituímos através dos nossos atos produtores de normas e pomos na base dos nossos juízos de valor não podem apresentar-se com a pretensão de excluir a possibilidade de valores opostos. [14]

            Quanto a este tópico, portanto, Kelsen reafirmou a teoria dos valores relativista, o que nos proporciona adentrar agora no tópico seguinte, para discutir as fórmulas de justiça. Ou seja, além de relativos os valores, os ideais de justo, alguns ainda são desprovidos de conteúdo.


4. Noções de justiça: as fórmulas vazias de conteúdo

            Hans Kelsen revela uma crítica mordaz aos critérios de justiça, demonstrando quão vazios são de conteúdo fórmulas mágicas para a solução do problema, evidenciando a dificuldade de se estabelecer um conceito, além uniforme e absoluto, concreto.

            Assim, começa Kelsen criticando a fórmula do suum cuique, segundo a qual deve-se dar a cada um o que é seu, ou seja, o que lhe é devido. Kelsen demonstra que o modelo de justiça do suum cuique é completamente desprovido de concretude, suscitando a pergunta: o que há de ser dado a cada um? O que é que é devido a cada qual? A fórmula não responde a tal pergunta, levando a regra a uma tautologia.

            O complemento da fórmula exige uma ordem normativa que determine o que é devido a cada um, que confira o direito a cada qual. Ora, segundo Kelsen, "qualquer que seja essa ordem normativa, quaisquer que sejam os deveres e direitos que ela estatua, particularmente, qualquer quer seja a ordem jurídica positiva, ela corresponde à norma de justiça do suum cuique e, conseqüentemente, pode ser estimada como justa". [15]Não temos um elemento concreto, definidor da ordem justa, do que é o justo, temos tão-só uma fórmula, não preenchida, esperando seu complemento, podendo dar validade, portanto, a qualquer ordem normativa e a seu respectivo ideal de justo.

            Outra fórmula muito utilizada é a chamada regra de ouro, segundo a qual "não faças aos outros o que não queres que te façam a ti". Tal regra pode traduzir o seguinte princípio da justiça: devemos tratar os outros tal como gostaríamos de ser tratados.

            Para Kelsen a regra de outro apresenta o mesmo problema da regra anterior. Ora, segundo o filósofo, e parece óbvio, a regra pode levar a resultados não pretendidos. Assim, tomada ao pé da letra, ninguém gostaria de ser punido quando cometesse um delito, e a regra poderia ser utilizada permitindo que todos não fossem punidos.

            Quando a regra de ouro postula que qualquer um de nós trate os outros como subjetivamente deseja ser tratado por eles, pressupõe-se evidentemente que outros também desejam ser tratados assim. O problema é que não há um conceito absoluto do bom, e os homens divergem naquilo que desejam, sendo impossível alcançar a harmonia social com a aplicação da regra de ouro. É evidente que daí nasce o conflito, tornando-se indispensável completar a fórmula com aquilo que é desejável. Estamos diante de mais uma fórmula vazia de conteúdo.

            Assim, para Kelsen: "Se a regra de ouro é tomada literalmente, se cada pessoa deve tratar as outras da forma, e apenas da forma, como deseja ser tratada, quer dizer, se para a justificação de uma ordem social é decisivo um critério subjetivo, então não é possível moral nem ordem jurídica". [16] E mais adiante, conclui: "Tal como acontece com a fórmula do suum cuique, também com a regra de ouro se harmoniza toda e qualquer ordem social, especialmente, toda e qualquer ordem jurídica positiva". [17]

            Muito próxima da regra de ouro é o imperativo categórico kantiano, com a seguinte fórmula: "Age sempre de tal modo que a máxima do teu agir possa por ti ser querida como lei universal". A regra é tida mais como uma máxima moral, uma lei universal da moral, mas pode ser pensado, e é pensado também, como um princípio de justiça.

            Ocorre aqui a questão já divisada nas outras fórmulas, ou seja, a máxima do agir pode naturalmente ser uma ação negativa, ou subjetivamente entendida, com grande amplitude, com um teor de negatividade como, por exemplo, por fim à própria vida, cometendo suicídio. Segundo Kant, tal máxima não poderia ser tida como lei universal, porque contraditória em si, a máxima do não-viver. Ora, a regra não coloca obstáculo para a eleição do agir máximo, não há qualquer freio ou contrapeso, portanto, não se pode negar que o suicídio poderia ser uma máxima universal. Temos aqui uma regra de justiça?

            Equivale a dizer que Kant, como em inúmeros outros exemplos apresentados por Kelsen, pressupõe um querer máximo ideal, subjetivamente entendido como bom para preencher a sua fórmula. Qualquer querer tido por prejudicial deveria ser afastado do imperativo categórico por contradição. No entanto, como já se disse, tal contradição é o filósofo Kant quem estabelece. É indispensável uma pressuposição. Nesse sentido, a fórmula, conquanto interessante como regra do jogo, não traz o elemento diferenciador do justo.

            Como diz Kelsen: "atua segundo uma máxima da qual devas querer que ela se transforme numa lei universal. Mas, de que máxima eu devo querer e de que máxima eu não devo querer que ela se torne uma lei universal? A esta questão o imperativo categórico não dá nenhuma resposta". [18]Para mais à frente, concluir quanto ao imperativo categórico: "Tal como o princípio do suum cuique ou a regra de outro, também o imperativo categórico pressupõe a resposta à questão de como devemos agir para proceder bem e justamente como previamente dada por um ordenamento preexistente". [19]

            Outro interessante sentido de justiça é o meio-termo aristotélico, a idéia de que a conduta reta consiste em não exagerar para um de mais nem para um de menos, encontrar, assim, o áureo meio-termo. Mas, como pergunta Kelsen, o que é de mais e o que é de menos do "bom" para cada qual? Novamente, o sentido do meio-termo não nós dá a resposta, o mais e o menos devem ser pressupostos.

            Apropriando-se de Kelsen, diz o filósofo: "Com efeito, a virtude é o meio entre dois extremos, isto é, entre dois vícios, um por excesso e outro por falta. Assim, por exemplo, a virtude da coragem é o meio-termo entre o defeito da covardia (falta de ânimo) e o defeito da temeridade (excesso de ânimo)". [20] É a célebre teoria do mesotes, uma essência da justiça matemática, geométrica. Mas como saber o que é o vício e o que é a virtude? "Aristóteles, porém, pressupõe o conhecimento dos vícios como conhecimento de algo de per si evidente e pressupõe como vício ou defeito aquilo que a moral tradicional do seu tempo cataloga como tal". [21]

            Parece que, o que vem a ser comum com as fórmulas já apresentadas, que o ingrediente a preencher as regras de justiça há de ser descoberto pelo senso comum, pelo sensível, é dizer, o que é a virtude, o que é o certo, o que é o bom, todos podem saber ou sentir a priori, não necessitando de qualquer fórmula para alcançar tais ideais. O mesmo se diga das modernas teorias de justiça, como a de John Rawls, um idealizador e reformador do contrato social, numa feliz equação de liberdade e igualdade, com a abstração da posição original que, não obstante, angustiado pela influência de Kant, ainda recai em um intuicionismo, que nada mais é a pressuposição do justo e do bem. [22]

            Não por outra, Kelsen termina sua análise do meio-termo aristotélico com uma crítica mordaz:

            A questão decisiva: "o que é a injustiça" não obtém resposta da fórmula do mesotes. A resposta é pressuposta; e Aristóteles pressupõe evidentemente como injusto aquilo que é injusto segundo a moral e o direito positivos. A autêntica função da teoria do mesotes não é determinar a essência da justiça, mas reforçar a vigência do ordenamento social existente, estabelecido pela moral e pelo direito positivo. Aqui, nesta função conservadora, reside a sua função política. [23]

            Mais um princípio comentado por Kelsen, talvez historicamente o mais importante: o princípio retributivo. O princípio tem inspiração no instituto vindicativo do homem, ou seja, de retribuir ao seu semelhante exatamente a sua conduta, o seu agir. Assim, a fórmula poderia ser, segundo Kelsen: "a cada um segundo o seu mérito ou demérito".

            Kelsen, aproximando tal princípio da idéia de igualdade e proporcionalidade, faz inúmeras críticas à fórmula da retribuição. Não há, para Kelsen, igualdade no princípio, de forma a recompensar dois sujeitos que tiveram a mesma ação valorada como boa ou punir dois sujeitos pelo cometimento de dois crimes iguais. A igualdade é intrínseca ao caráter geral da norma de retribuição. Ou seja, o princípio não cria e não tem a igualdade como norte de aplicação.

            O que mais se aproximaria da idéia de retribuição é a concepção de proporcionalidade. Assim: "quanto maior for a falta, tanto maior deve ser o castigo; quanto maior o merecimento, tanto maior deve ser a recompensa". Mas também para Kelsen aqui é impossível afirmar a existência de uma proporcionalidade em um sentido estrito, objetivo, mas tão-só em uma proporcionalidade aproximativa. Quando se contraria uma norma, é impossível estabelecer uma gradação de rompimento com o dever. Ou a conduta é conforme ao direito ou não é. A gradação só nos é dada pela sensação de desconforto com tal rompimento, mas nunca pela contrariedade em si.

            Ainda debatendo o princípio da retribuição sob o prisma da igualdade e da proporcionalidade, e mesmo tendo em conta a engenhosidade da formulação, Kelsen afirma inexistir, com a regra, o critério do mérito ou do demérito. Com efeito, o mérito e o demérito já estão graduados, numa evolução da Lei de Talião, de acordo com uma ação positiva ou negativamente avaliada. Mas o que é o mérito ou o demérito? A regra não nós dá esta resposta, é também oca, vazia, um vácuo de conteúdo.

            Por fim, alguma passagem sobre o princípio da justiça comunista formulado por Marx, tendo em conta que Kelsen submeteu à sua rigorosa lógica outras fórmulas e adágios de justiça, as quais remeto o leitor para o livro "O Problema da Justiça", não sendo próprio aqui trazer à discussão cada uma dessas críticas.

            A fórmula da justiça comunista do futuro poderia ser assim definida: "cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades". Para Kelsen o problema aqui reside em justamente saber quais são as necessidades de cada um, coisa que a regra não diz.

            Se estivermos falando em necessidades sob o prisma subjetivo, ou seja, o que cada um espera receber por suas necessidades, estamos diante de uma promessa de felicidade inalcançável. Impossível dar a cada um o que ele espera. Ora, as necessidades que os homens subjetivamente sentem estão de tal forma em conflito umas com as outras que nenhuma ordem social pode satisfazê-las todas, isto é, satisfazê-las de outra forma que não seja contentando uma à custa da outra.

            Tendo em conta a necessidade sob o enfoque objetivo, ou seja, as necessidades reconhecidas pela ordem social como dignas de satisfação, aí estamos diante de uma ordem positiva, que vai completar e dizer o que é a necessidade. Para Kelsen, o princípio comunista da justiça deveria ser o seguinte: "cada um deve, segundo as suas capacidades, fixadas pelo ordenamento social, realizar o trabalho que é posto a seu cargo pelo mesmo ordenamento social; e a cada um devem ser satisfeitas as necessidades pelo ordenamento social reconhecidas, pela ordem no mesmo ordenamento estabelecida e com os meios determinados também por esse ordenamento". [24]

            Para finalizar, Kelsen ironicamente desencoraja a fórmula:

            Também o ideal de justiça comunista pressupõe, como a norma de justiça que manda dar "a cada um o seu", uma ordem social sem a qual não pode ser aplicada. Todavia, sobre o conteúdo das suas determinações, sem as quais nem o postulado "a cada um segundo suas capacidades" nem o postulado "a cada um segundo suas necessidades" podem obter satisfação, este princípio de justiça nos diz tanto como a fórmula "a cada um o seu" sobre o que deve ser considerado como o "seu": não nos diz nada. [25]

            Extenuado em face das fórmulas vazias, cabe-nos abrir um novo tópico e ousar discutir o problema da justiça com a ampla doutrina do direito natural. Kelsen propõe este instigante embate.


5.O embate com o direito natural e falta de resposta para o problema da justiça

            No âmbito do presente tópico a primeira questão que Kelsen afirma é que a teoria idealista do direito, que aqui poder-se-ia confundir com um jusnaturalismo metafísico, [26] é um teoria dualista. Equivale a dizer que somente um direito posto tido por justo em função de um ideal externo é direito válido. Como diria Kelsen: "Direito válido é direto justo: uma regulamentação injusta da conduta humana não tem validade e não é, portanto, direito, na medida em que se deva entender por direito apenas uma ordem válida". [27]

            Diversamente da teoria idealista, a concepção do positivismo jurídico descreve a validade da norma jurídica indepentemente da norma de justiça, do ideal de justiça. A norma positiva vale enquanto integrante do sistema jurídico, tirando sua validade da estrutura e escalonamento das normas, em uma lógica estritamente formal, sem qualquer necessidade de adequação a uma autoridade transcendente.

            Como já ressaltado em item anterior, ao associar a teoria positivista do direito a uma teoria realista, Kelsen justifica-se naturalmente no relativismo axiológico, é dizer, na inexistência de valor absoluto e na possibilidade e na alternância de inúmeras normas de justiça tidas como válidas. A essência do relativismo de valores para o positivismo jurídico fica densamente registrado neste trecho: "Uma teoria do direito positivista, isto é, realista, não afirma – e isto é importante acentuar sempre – que não haja nenhuma justiça, mas que de fato se pressupõem muitas normas de justiça, diferentes umas das outras e possivelmente contraditórias entre si." [28]

            Nesse sentido de argumentação, Kelsen traduz o direito natural, em uma primeira noção, como um direito pressuposto, como normas que já nos são dadas na natureza anteriormente à sua possível fixação por atos de vontade humana, normas por sua própria essência invariáveis e imutáveis.

            Nessa noção Kelsen já postula sua primeira objeção: é impossível retirar da natureza, da realidade, do ser um dever-ser, ou seja, nenhum valor pode ser imanente da realidade empírica. O caminho para Kelsen é inverso, só podemos valorar o ser em decorrência de um deve-ser. Só depois de estipulado um deve-ser é que um dado da realidade, um fato pode ser tido como justo ou injusto, bom ou mau. Para Kelsen, "quem julga encontrar, descobrir ou reconhecer normas nos fatos, valores na realidade, engana-se a si próprio". [29]

            Segundo Kelsen, a impossibilidade de retirar um valor da realidade, do mundo do ser, faz com que tal concepção do justo, para o direito natural, tenha uma origem metafísico-religiosa, em que radica a idéia de que a natureza foi criada por uma autoridade transcendente que incorpora em si o valor moral absoluto. É a idéia que está na base da teologia cristã, com a doutrinação de um Deus justo que rege a natureza, razão pela qual pode-se extrair um direito justo. Foi esta a doutrina dominante do direito natural nos séculos XVII e XVIII e que, de acordo com Kelsen, retomou sua força no século XX.

            Para o filósofo de Praga, inúmeros expoentes do pensamento filosófico e jurídico sustentaram a existência de um direito eterno e imutável, de origem divina transcendente e divina, como fez Cícero com a filosofia estóica, como fez Santo Agostinho ao descrever a "lei eterna que, enquanto razão ou vontade de Deus, prescreve a conservação da ordem natural e proíbe a sua perturbação". No mesmo ímpeto de associação do direito natural com a base teológica, Kelsen cita Tomás de Aquino, para quem "o direito dedutível das tendências naturais por Deus implantadas nos homens é o direito natural".

            Kelsen também debate a possibilidade de se fundar um direito natural na natureza humana. É a tentativa de ser fundar um ideal de justo nas inúmeras tendências do comportamento humano, numa espécie de amálgama das suas inclinações, instintos, pulsões e razões. No entanto, é impossível capturar e registrar uma índole humana imutável, a ponto de servir com ideal de justo. A diversidade dos impulsos é tamanha, as pulsões são as mais diversas, entre a natureza egoísta e a altruísta divaga uma distância tão grande, que daí não surgirá uma doutrina coerente do direito natural, a ponto de nos dar uma referência do justo.

            No sentido da teoria do direito natural baseada na natureza do homem "normal", na conduta média do homem, Kelsen também diz que tal doutrina tem uma fundamentação teológica e, portanto, inacessível ao conhecimento humano e não apreensível racionalmente como uma idéia de justiça a guiar o direito posto.

            Quanto a este ponto, há um registro longo, mas instigante da formidável lógica kelseniana:

            A norma segundo a qual o homem deve se conduzir da forma como regularmente se conduz a maioria dos homens apenas poderia ser apresentada como de direito natural se pudesse tratar-se de uma maioria de toda a humanidade e se pudesse conferir a esta norma validade absoluta. O primeiro requisito dificilmente será possível e o segundo só é possível sob o pressuposto de se acreditar que é da vontade de Deus que o homem assim se conduza e que, portanto, na conduta regular da maioria dos homens, e apenas nesta, mas não na conduta da minoria, se exprime a natureza do homem, a natureza que nele foi implantada por Deus – que, por conseguinte, a natureza dos homens é em regra boa e só excepcionalmente é má.

            Efetivamente uma escola teológica defende esta tese. Mas não há nada de mais significativo do que o fato de uma outra escola, seguindo a orientação de Agostinho, defender a tese oposta: a tese pessimista de que a natureza do homem está corrompida, de que, depois da queda original, todos nós somos pecadores. Uma teoria científica do direito não tem razão nenhuma para se pronunciar a favor de uma ou outra das doutrinas teológicas. Ela pode se limitar à verificação de que também a tentativa de fundar o direito natural sobre uma natureza "normal", sobre uma natureza média do homem, precisa lançar mão de uma fundamentação teológica da doutrina jusnaturalista. [30]

            Kelsen combate ainda a especulação de um direito natural como direito racional. É que aqui o direito natural apropria-se de uma razão prática que, segundo Kelsen, também tem origem teológico-religiosa. Kelsen debate com Tomás de Aquino e com Kant, em função da noção de razão prática adotada por estes filósofos, e também refuta a posição racionalista de Grocio. Assim, diz Kelsen como seu argumento definitivo:

            Se analisarmos as coisas mais de perto veremos que a razão, da qual o direito natural é deduzido, não é a razão empírica do homem tal como ela efetivamente funciona, mas uma razão especial, a razão "reta", a razão não como ela de fato é, mas como deve ser. (...) E, de fato, só à razão divina podem ser imanentes as normas absolutamente válidas de justiça, só como referência à razão divina se pode fazer a afirmação contraditória de que ela é simultaneamente função cognoscitiva e função voluntária, pois o princípio lógico que exclui a contradição não é aplicável às afirmações relativas aos atributos de Deus. Somente a razão divina pode ser razão "prática", isto é, conhecimento legislador, só de Deus se pode afirmar que conhecer e querer são uma e a mesma coisa. [31]

            Outro caminho contestado por Kelsen foi a tentativa de se fundar o direito natural no sentimento jurídico do justo. Contudo, no âmbito desta iniciativa, mais uma vez, estamos diante do subjetivo, ainda que "louvável seja" o sentimento do justo. Não é possível adotar qualquer critério objetivo, de igual conteúdo para todos os indivíduos que possa ser generalizado como elemento do justo. Além disso, tal como o homem médio ou normal, os sentimentos são os mais variados, diversos. A sensação do justo é amplamente mutável, no espaço e no tempo. Kelsen ainda salienta: "o sentimento, incluindo o sentimento jurídico, é um fato da ordem do ser; e de um fato da ordem do ser não pode seguir-se nenhuma norma de dever-ser. Nesta nova fundamentação do direito natural trata-se de obter normas, normas de justiça, ‘princípios supremos do direito’". [32]

            Em um dos últimos aspectos, Kelsen dispara sua ironia e sua crítica na direção da rasteira tentativa de se justificar a doutrina do direito natural pela sua função. Alega-se, segundo Kelsen, que a doutrina do direito natural, ou que as várias subdoutrinas, tem conduzido a um melhoramento ou aperfeiçoamento do direito positivo.

            Ora, para Kelsen, sob a perspectiva do positivismo jurídico, a única coisa que se pode afirmar, em um dado momento, é que um direito positivo foi moldado de conformidade com uma determinada norma de justiça advinda do direito natural. Não se poderia fazer daí um juízo de valor sobre a vantagem ou desvantagem de determinada ordem jurídica positiva. Claro está que, ao se fazer um juízo de vantagem ou desvantagem, está se adotando uma idéia de justiça entre outras as mais diversas. Pergunta: onde o justo absoluto?

            Para Kelsen, portanto, o problema da justiça então permanece sob a índole do direito natural, que não consegue resolvê-lo. Pouco importa o método de solução. A necessidade de resolver o problema, de qualificar uma ação como absolutamente boa, absolutamente justa subsiste. Kelsen nos apresenta então um trecho muito significativo da sua não-idéia, registro síntese da "justiça" sob o enfoque positivista, do seu método de conhecimento cientifico:

            A tarefa do conhecimento científico não consiste apenas em responder às perguntas que lhe dirigimos mas também em ensinar-nos quais as perguntas que lhe podemos dirigir com sentido.

            O afastamento do positivismo jurídico e o regresso à doutrina do direito natural também não podem ser justificados pelo fato de aquele, ao contrário deste, não nos fornecer nenhum critério para a apreciação ou valoração do direito positivo e, portanto, nos deixar sem recurso quando se apresenta a questão decisiva de saber se uma ordem jurídica positiva deve ser mantida, reformada ou afastada pela força. Enquanto teoria relativista dos valores, também o positivismo fornece critérios para a apreciação ou valoração do direito positivo na configuração que ele, em cada caso, apresenta. Apenas sucede que estes critérios têm um caráter relativo.

            A circunstância de que este relativismo nos "deixa em apuros" significa que ele nos obriga a tomar consciência de que a decisão da questão nos pertence, porque a decisão da questão de saber o que é justo e o que é injusto depende da escolha da norma de justiça que nós tomamos para base do nosso juízo de valor e, por isso, pode receber respostas muito diversas; significa que esta opção apenas pode ser feita por nós próprios, por cada um de nós, que nenhum outro – nem Deus, nem a natureza, nem ainda a razão como autoridade objetiva – pode fazê-la por nós. É este o verdadeiro sentido da autonomia da moral. [33]


6. O que é a justiça para Kelsen?

            Este tópico será deslindado em poucos parágrafos. Já plenamente consciente da moral relativista kelseniana e da inexistência de valores absolutos, cabe-nos perguntar, na multidão de inúmeros juízos de valor, qual é o sentido da justiça para Hans Kelsen, ou seja, o que para ele, em particular, exprime a justiça.

            Segundo Kelsen, "do ponto de vista do conhecimento racional existem somente interesses humanos e, portanto, conflito de interesses. Para solucioná-los, existem apenas dois caminhos: ou satisfazer um dos interesses à custa do outro, ou promover um compromisso entre ambos". Mais à frente, Kelsen completa: "Não é possível comprovar que somente uma, e não a outra solução, seja justa. Se se pressupõe a paz social como valor maior, a solução de compromisso pode ser vista como justa. Mas também a justiça da paz é uma justiça relativa, não absoluta". [34] Ora, ainda que relativo – Kelsen não abre mão da sua lógica rigorosa e do seu metido cientifico -, é de se imaginar algum valor que, para o filósofo, pode ser tido como uma expressão de justiça.

            Tal valor para Kelsen, que fundamenta a doutrina relativista de valores, é o princípio da tolerância. Assim Kelsen define tal princípio: "é a exigência de compreender com benevolência a visão religiosa ou política dos outros, mesmo que não a compartilhemos, e, exatamente porque não a compartilhamos, não impedir sua manifestação pacífica". [35]

            No entanto, Kelsen não admite o princípio da tolerância absoluta, mas uma tolerância no limite do ordenamento jurídico positivo. Afirma o filósofo: "obviamente, de uma visão de mundo relativista não resulta o direito à tolerância absoluta, somente a tolerância no âmbito de um ordenamento jurídico positivo, que garanta a paz entre os submetidos a essa justiça, proibindo-lhes qualquer uso da violência, porém não lhes restringindo a manifestação pacífica de opiniões". [36]

            Mas aqui reside um outro problema, não resolvido por Kelsen. O limite da tolerância encontra-se no seio de um ordenamento jurídico positivo, que não se tem a priori. Kelsen não nos dá nenhuma resposta. O intolerável, diante da razão humana, talvez seja a violência, no sentido de que os mais altos ideais morais foram comprometidos pela intolerância daqueles que os defenderam.

            O senso de tolerância de Kelsen parece coadunar com um sentido de democracia, ou seja, ampla possibilidade de debate, sem repressão a qualquer doutrina, mesmo aquelas antidemocráticas, não admitindo, tão-só, o uso da violência. Nesse sentido, diz Kelsen: "Mas a democracia pode continuar tolerante, se precisar se defender de intrigas antidemocráticas? Pode! – na medida em que não reprimir demonstrações pacíficas de opiniões antidemocráticas". Mas Kelsen completa: "A democracia não poderá se defender se isso implicar desistir de si própria. Mas é direito de todo governo, mesmo democrático, reprimir com violência e evitar, pelos meios adequados, tentativas de derrubá-lo com o uso de violência". [37]

            Kelsen, então, admite o uso da violência para a manutenção da democracia. Há um limite tênue e tenso entre aquilo que é tolerável e intolerável para o dito regime democrático ou, como relata Kelsen, entre a propagação de certas idéias e a preparação de uma insurreição revolucionária. É da própria natureza da democracia arcar com tal risco e descobrir tal limite.

            A definição particular de Kelsen permanece assim também muito fluida, flertando com a idéia de tolerância. O próprio filósofo diz não saber nenhuma resposta nesta magistral passagem final:

            Iniciei este ensaio com a questão: o que é justiça? Agora, ao final, estou absolutamente ciente de não tê-la respondido. A meu favor, como desculpa, está o fato de que me encontro nesse sentido em ótima companhia. Seria mais do que presunção fazer meus leitores acreditarem que eu conseguiria aquilo em que fracassaram os maiores pensadores. De fato, não sei e não posso dizer o que seja justiça, a justiça absoluta, esse belo sonho da humanidade. Devo satisfazer-me com uma justiça relativa, e só posso declarar o que significa justiça para mim: uma vez que a ciência é minha profissão e, portanto, a coisa mais importante em minha vida, trata-se daquela justiça sob cuja proteção a ciência pode prosperar e, ao lado dela, a verdade e a sinceridade. É a justiça da liberdade, da paz, da democracia, da tolerância. [38]


7.A crítica de Mário G. Losano

            Mário G. Losano, introdutor de Kelsen na edição italiana de "O problema da Justiça", pode ter sua crítica resumida na seguinte expressão, de notável força: "a pureza realmente é uma virtude recomendável e o asceta que a pratica é digno de todo nosso respeito; mas uma sociedade de ascetas estaria condenada à extinção". [39]

            Mário Losano aponta supostas fragilidades na construção lógica kelseniana, partindo exclusivamente da teoria pura do direito para, de um lado, com uma crítica transcendente, de cunho jusnaturalista, salientar que a validade formal de Kelsen pode justificar qualquer regime jurídico, mesmo o mais abjeto; de outro lado, com uma crítica de cunho sociológico, segundo a qual, com a sua pureza metodológica a teoria kelseniana é inconciliável com a realidade jurídica que ela quer descrever.

            Segundo Mário Losano, a primeira crítica vincula-se ao ideal formador da estrutura normativa kelseniana. Ora, para Losano, a norma fundamental não é uma norma em sentido kelseniano, já que, em determinado momento, na pirâmide normativa, a norma base não pode retirar sua validade do próprio sistema, ela deve ser pressuposta, tal como uma norma de justiça que expressa um juízo de valor. Aqui deve o jurista, não o político (para Kelsen é este o termo), fazer uma escolha entre juízos possíveis de valores para justificar a norma fundamental como válida e garantir o funcionamento do sistema normativo. Estamos diante de um elemento teórico (pertencente ao mundo da natureza, do "ser") que condiciona a existência de uma norma (pertencente ao mundo do direito, do "deve-ser"); passagem que Hans Kelsen considera inconciliável com o pressuposto da pureza metodológica.

            Na segunda crítica, Losano afirma, na outra ponta do edifício normativo kelseniano, a exigência da eficácia para a validade da norma jurídica. Kelsen diria que a validade da norma e sua existência em sentido jurídico são a mesma coisa. A existência dentro do esquadro normativo significaria a validade da norma. No entanto, Losano salienta que há a necessidade de se comprovar a eficácia da norma para garantir a sua validade. Não bastaria o cumprimento de exigências formais, é preciso demonstrar que a norma também é eficaz. Aqui neste ponto faz-se a junção com a realidade, com o mundo do ser, negado por Kelsen em sua pureza científica. Kelsen, segundo Mário Losano, em algum momento, tem que admitir esta ligação com a realidade, quando o filósofo diz que uma norma jurídica perde sua validade quando deixa de ser eficaz.

            Vê-se que, nos extremos da teoria pura do direito, segundo Losano, Kelsen encontra obstáculos para justificar a pureza do seu método científico. E no que se refere à justiça, ao ideal de justiça, a primeira crítica mencionada acima coloca Kelsen na inevitabilidade da escolha de um valor de justiça. Para Losano, a teoria pura do direito, associada com o ascetismo kelseniano em face da justiça, oriunda do relativismo axiológico, em algum momento, perde inclusive sua força descritiva.

            Quanto à citação feita no final do tópico sexto, naquilo que seria o ponto máximo do método científico kelseniano, ou seja, não só responder as perguntas feitas, mas dizer quais as perguntas que podem ser feitas com sentido, entre as quais, com certeza, não estaria "o que é a justiça?", Mário Losano assevera que nós então devemos nos "virar contra quem a formula: o fato de uma necessidade não poder ser satisfeita por meio do conhecimento racional não implica que se deva renunciar a satisfazê-la. Se determinado tipo de ciência recusa-se a satisfazê-la, o que se deve pôr em discussão – a meu ver – não é a necessidade, mas esse tipo de ciência". [40]

            Mário Losano afirma que a teoria pura do direito, na associação com um ideal de justiça, deve ultrapassar, em determinado momento, talvez no extremo da norma fundamental hipotética, o método puro descritivo, para prescrever também, para servir à ação e para evoluir. Para Losano, "quem descreve e enumera simplesmente está delegando a outrem o ato de prescrever e escolher; uma vez que, diante da inércia do outro, prescreve e escolhe quem tem o poder, a teoria pura do direito apresenta-se como doutrina do status quo jurídico". [41]


8. Conclusões

            A formidável construção kelseniana continua forte, exercendo sua influência sobre os pensadores do direito, na criação e justificação da norma. A não-idéia de Hans Kelsen quanto à justiça tem íntimo relacionamento com a teoria pura do direito. Há, na verdade, uma radicalização quanto à inexistência de um valor absoluto, pelo menos inalcançável pelo entendimento racional. Daí é que se pode falar é em uma justiça platônica, idealizada sem razão empírica, ou teológica.

            De fato, o relativismo de valores kelseniano assusta. A validade formal de qualquer status quo jurídico poderia levar a teoria à sua ruína. Em algum momento, ela deve ser propositiva. No que respeita ao purismo metodológico, Kelsen me parece ainda ter a resposta:

            Os fascistas qualificam-na de liberalismo democrático; os liberais ou os social-democratas consideram-na precursora do fascismo. Do lado comunista, é desprezada como ideologia de um estatismo capitalista; do lado do capitalismo nacionalista, é desprezada como bolchevismo crasso ou anarquismo mascarado. Seu espírito, afirmam muitos, tem parentesco com a escolástica católica; outros, ao contrário, acreditam reconhecer nela os traços característicos de uma teoria protestante do Estado e do direito. E tampouco faltaram aqueles que quiseram estigmatizá-la como atéia. Em suma, ainda não existe nenhuma tendência política à qual a teoria pura do direito não esteve sob suspeita de pertencer. Mas é exatamente isso que demonstra a sua pureza, melhor do que ela mesma seria capaz. [42]

            Quanto à especulação de um ideal de justiça, Hans Kelsen, ainda que motivado essencialmente por seu espírito científico, nos deixa um rastro a seguir, tal como posto no tópico sete, qual seja: a justiça da liberdade, da paz, da democracia e, em especial, da tolerância. [43] Talvez não haja, de fato, uma resposta absoluta para a justiça, mas há verdadeiramente um caminho a seguir. Vamos segui-lo.


9. Referências bibliográficas

            JOÃO PAULO II. Fides et Ratio. São Paulo: Paulinas, 2002. 141p.

            KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1994. 427p.

            KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 149p.

            KELSEN, Hans. O que é Justiça? São Paulo: Martins Fontes, 2001.

            KELSEN, Hans. A ilusão de justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

            KOLM, Serge-Christophe. Teorias Modernas da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000. 625p.

            NOVAES, Adauto (Org.). Civilização e Barbárie. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. 342p.

            PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. 511p.

            PLATÃO. Diálogos (Protágoras – Górgias – Fedão). Belém: EDUFPA, 2002. 339p.

            RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça – Introdução (Vamireh Chacon). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1981.

            RIBEIRO, Fernando Armando. Conflitos no Estado Constitucional Democrático – Por uma Compreensão Jurídica da Desobediência Civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. 405p.

            RUSSEL, Bertrand. História do Pensamento Ocidental. São Paulo: Ediouro, 2003. 463p.


Notas

            01 Como magistralmente diz Kelsen na Introdução ao seu "A Ilusão da Justiça": "De todo o grande contingente daqueles que – desde que o ser humano adquiriu a capacidade de pensar – se ocuparam da questão da justiça, duas cabeças alçam-se muito acima de todas as demais. A primeira, cingida do glorioso esplendor da especulação filosófica; a outra, da coroa de espinhos da crença religiosa. Tanto quanto o divino Salvador, Jesus de Nazaré, apenas o filósofo de Atenas, o divino ‘Platão’ lutou pela justiça. Aquele, mais ainda com sua vida do que com sua doutrina; este, mais com sua doutrina do que com sua vida. Somente os diálogos de Platão revelam-se tão completamente impregnados do pensamento na justiça quanto o está a pregação de Jesus. Se a questão da justiça constitui o problema central de toda teoria e prática social, então o pensamento europeu atual, em uma de suas esferas mais importantes, apresenta-se fundamentalmente marcado pela maneira como o filósofo grego e o profeta judeu colocaram a questão e responderam a ela. Se é que nos cabe esperar encontrar uma resposta para ela, para a questão da justiça absoluta, havemos de encontrá-la em um ou em outro – ou, do contrário, tal questão será inteiramente irrespondível" (KELSEN, Hans. A ilusão de justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 1)

            02 Veja este interessante trecho da Encíclica Fides et Ratio: "Naquele tempo, a designação mesma de teologia e a sua concepção como discurso racional sobre Deus ainda estavam ligadas à sua origem grega. Na filosofia aristotélica, por exemplo, o termo designava a parte mais nobre e o verdadeiro apogeu do discurso filosófico. Mas, à luz da revelação cristã, o que anteriormente indicava uma doutrina genérica sobre a divindade, passou assumir um significado totalmente novo, ou seja, a reflexão que o fiel realiza para exprimir a verdadeira doutrina acerca de Deus. Esse pensamento cristão novo, que estava a desenvolver-se, servia da filosofia, mas ao mesmo tempo tendia a distinguir-se nitidamente dela. A história revela que o próprio pensamento platônico, quando foi assumido pela teologia, sofreu profundas transformações, especialmente em conceitos como a imortalidade da alma, a divinização do homem e a origem do mal" (JOÃO PAULO II. Fides et Ratio. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 55-6).

            03 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 6.

            04 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 7.

            05 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 13.

            06 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 16.

            07 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 15.

            08 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 17.

            09 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 17-8.

            10 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 67.

            11 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 71.

            12 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 72.

            13 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 74.

            14 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 76.

            15 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 18.

            16 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 20.

            17 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 21.

            18 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 26.

            19 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 27.

            20 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 30.

            21 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 30.

            22 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça – Introdução (Vamireh Chacon). Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1981.

            23 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 31.

            24 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 45.

            25 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 45.

            26 A aproximação feita por Kelsen pode ser sentida neste trecho: "É o dualismo típico de toda a metafísica: o dualismo que distingue entre uma esfera empírica e uma esfera transcendente, cujo esquema clássico é a Teoria das Idéias de Platão e que, como dualismo do Aquém e do Além, do homem e de Deus, está na base da teologia cristã" (KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 68).

            27 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 67.

            28 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 70.

            29 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 72.

            30 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 84-5.

            31 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 86.

            32 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 99.

            33 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 114.

            34 KELSEN, Hans. O que é Justiça? São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 23.

            35 KELSEN, Hans. O que é Justiça? São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 24.

            36 KELSEN, Hans. O que é Justiça? São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 24.

            37 KELSEN, Hans. O que é Justiça? São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 24.

            38 KELSEN, Hans. O que é Justiça? São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 25.

            39 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. XXXI.

            40 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. XXVII.

            41 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. XXIX.

            42 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. XXIX - XXX.

            43 Veja esta magistral passagem de Francis Wolf, professor de filosofia na Universidade de Paris X, sobre a tolerância, em seu artigo "Quem é o bárbaro?" (recomendo a leitura completa do artigo), incorporado ao livro organizado por Adauto Novaes, "Civilização e Barbárie": "Aceitar a igualdade formal das opiniões e seu igual direito à existência e à coexistência não significa considerar que todas elas são igualmente falsas ou verdadeiras, justas ou injustas, nem que não se deva lutar para fazer triunfar a sua própria opinião, no terreno formal da democracia. Do mesmo modo, a tolerância não é uma crença qualquer, é a possibilidade puramente formal da existência da diversidade das crenças, que, estas sim, têm um conteúdo específico, que poderá até se pretender absoluto. Eu não renuncio ao valor da minha opinião política específica por ser democrata ou por aceitar que existam outras; tampouco renuncio à minha fé, ou no valor absoluto da minha fé no meu Deus, por aceitar que possa haver outras crenças ou fés diferentes. Acho apenas que elas são falsas, ou ilusórias, o que é totalmente diferente. É o fanático que considera a "tolerância" uma espécie de crença particular, quando ela é apenas a condição formal de sua existência" (NOVAES, Adauto (Org.). Civilização e Barbárie. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 40-1).


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  • Leandro Novais e Silva

    Leandro Novais e Silva

    procurador do Banco Central do Brasil em Belo Horizonte (MG), mestre e doutorando em Direito Econômico pela UFMG, professor da PUC/MG, professor de pós-graduação em direito econômico da regulação financeira na Universidade do Banco Central (UniBacen) em convênio com a Universidade de Brasília (UnB)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Leandro Novais e. A não-idéia de Justiça em Hans Kelsen. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 837, 18 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7438. Acesso em: 18 abr. 2024.