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A ação declaratória de direito e as rádios comunitárias

A ação declaratória de direito e as rádios comunitárias

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SUMÁRIO: I- Introdução; II – Das ações de conhecimento; III – Das ações declaratórias – A- O interesse de agir; B- A sentença na ação declaratória; IV- Casuística: Da ação declaratória de Direito - A- Medida Cautelar x Tutela Antecipada; V- Conclusão.


I – INTRODUÇÃO

Os operadores do direito sabem que a conceituação do direito de ação é extremamente controversa. Há inúmeras teorias que tentam explicá-lo. Por outro lado, o assunto continua a desafiar a inteligência dos processualistas.

Contudo, as teorias de maior expressão, sem dúvida, como a civilista, a da ação como direito concreto, a da ação como direito potestativo, a da ação como direito abstrato e as ecléticas, são as mais consultadas e conceituadas por quem necessita estudar a matéria, apesar de que algumas possuem mais interesse histórico que prático.

Não cabe aqui tal discussão. Há inúmeras literaturas especializadas que cotejam o assunto e são interessantíssimas. Este artigo é modesto.

Por nossa vez, seguimos os discípulos de Liebman ( Alfredo Buzaid, Moacyr Amaral Santos, José Frederico Marques, para ficarmos com alguns). Receberam eles influxos incisivos de Liebman. Tanto que há marcas em nosso CPC, cujo anteprojeto se deve ao Professor Alfredo Buzaid. Para citar, de relance, os artigos 267, VI, e o 301, X, que são exemplos ratificadores da afirmativa.

Como é a posição de Liebman a mais bem aceita pela grande maioria dos processualistas pátrios, embora haja vozes discordantes, abraçamo-la.

Na verdade, um estudo profundo sobre as teorias existentes, com as teses apresentadas pelos que defendem, e as críticas apresentadas pelos contrários, mostram-nos que todas têm lá seus pontos vulneráveis. É matéria aberta, portanto.

Liebman, contrário às teorias concretas, defende que o autor não tem direito a uma sentença favorável, em razão de o êxito da demanda depender da existência do direito material e das condições de caráter processual. A ação, assim, é o direito de provocar a jurisdição para se obter provimento de mérito, que pode ser favorável ou desfavorável. Isso implica que não há lei alguma que possa garantir, de forma antecipada, o sucesso do autor na demanda. O caráter é instrumental, pois. Assim, o escopo é obter uma sentença de mérito, que julgue o pedido, e não tão-somente o de movimentar a máquina judiciária.

Para se obter sucesso no direito de uma ação, há requisitos indispensáveis para que o juiz decida o mérito da causa. São as condições da ação: possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade das partes. À falta de uma ou mais de uma dessas condições, surge a "carência da ação".

As ações possuem classificação. Para o que pretendemos, lembremo-nos das ações de conhecimento, de execução e cautelares, que se caracterizam segundo o provimento jurisdicional pretendido pelo autor.

Dessa classificação, enfocaremos a que interessa para este artigo – a de conhecimento, pois dela advém o nosso assunto – a ação declaratória.


II – DAS AÇÕES DE CONHECIMENTO

Quando se visa à obtenção de uma sentença de composição ( rectius, resolução ou decisão) numa lide posta em juízo, cujas características são o pedido do autor e a resposta do réu, estamos diante de ação de conhecimento.

Seu caráter é cognitivo. Objetivam saber, apurar, verificar a procedência ou a improcedência do pedido do autor e de seus fundamentos. Aí surge o princípio do contraditório. Dá-se ao réu a oportunidade para que resista ao pedido (ou pedidos) do autor, constante(s) da petição inicial.

Dessarte, oportunizam-se confrontações entre as alegações e provas apresentadas pelo autor com as oferecidas pelo réu, para que o juiz possa conhecer da lide. Nas ações de conhecimento, as partes litigam em igualdade de condições.

Dividem-se as ações de conhecimento, de acordo com a doutrina dominante, em constitutivas, condenatórias e declaratórias.

Nas primeiras, apesar de serem declaratórias, preponderam a constituição ou a desconstituição de uma relação jurídica, como quem pretende, por exemplo, anular casamento; já nas segundas, conquanto também visem a uma declaração, revestem-se de eficácia preponderantemente condenatória, porque visam à formação de um título executivo judicial contra um devedor, como, por exemplo, ação de indenização. As declaratórias... bem, vamos a elas.


III- AS AÇÕES DECLARATÓRIAS

As declaratórias, objetivo deste artigo, são as que têm por objetivo, preponderantemente, a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica, como, por exemplo, uma ação declaratória negativa de débito fiscal.

Muito embora discuta-se muito a respeito das ações declaratórias, para limitá-la ao escopo deste artigo, designaremos ações que, segundo a doutrina predominante, são meramente declaratórias, ou seja, possuem tão-somente o elemento declaração ( conquanto Pontes de Miranda preleciona que não há nenhuma sentença que seja pura!).

São condições imprescindíveis para elas o que determina o artigo 267, VI, do CPC: possibilidade jurídica do pedido, a legitimatio ad causam e o interesse de agir. Permitam que nos fixemos no interesse de agir e comentemos, ao de leve, a respeito dele.

          A. O interesse de agir

Estatui o artigo 4º do Código de Processo Civil:

          Art. - O interesse do autor pode limitar-se à declaração:

          I - da existência ou da inexistência de relação jurídica;

          Il - da autenticidade ou falsidade de documento.

          Parágrafo único - É admissível a ação declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito.

Pois bem, ao interesse de agir, uma das condições da ação, devemos ligar duas características básicas: a necessidade e a utilidade do provimento jurisdicional, demonstradas por pedido idôneo, calcado em fatos e fundamentos jurídicos hábeis, capazes de provocar a tutela do Estado. Metalingüisticamente falando, o interesse de agir centra-se na narração de fatos idôneos e concretos, dos quais, ao menos em tese, exsurjam a necessidade e a utilidade da tutela jurisdicional.

A necessidade e a utilidade do provimento jurisdicional serão aferidas pelo juiz . E este deve aferir de forma objetiva, com base nos fatos articulados pelo autor na petição inicial. Assim, cabe ao autor a descrição de fatos concretos e precisos, que demonstrem claramente a atualidade do direito pretendido. Descabem, obviamente, alegações genéricas, vagas, até mesmo longas dissertações jurídicas sem objetivo.

Importante aqui ressaltar o outro lado: os fatos alegados têm de ser adequados ao provimento pedido, isto é, deve haver relação de adequação entre eles, conforme o direito vigente ao tempo da propositura da ação.

Volvamos ao artigo 4º acima citado. Dita o artigo que o interesse do autor pode limitar-se à declaração, no inciso I, da existência ou inexistência de uma relação jurídica.

Ora, notamos que a doutrina, de modo geral, procura situar tal interesse, ou a sua essência, na incerteza ou na dúvida sobre a existência ou inexistência de relação jurídica. Se, na prática, isso ocorre, também há inúmeros casos em que não ocorre. Se se busca tutela jurisdicional para que um juiz, por sentença, declare algo que esclareça uma incerteza ou uma dúvida, no que concerne a uma relação jurídica qualquer, por outro lado, muitos casos existem em que se não há dúvida ou incerteza quanto à inexistência de qualquer relação jurídica. Entretanto, assim mesmo, necessita-se da tutela jurisdicional , por exemplo, para resguardar o direito. Se Pedro nada deve a João — e tem certeza absoluta — mas, fica sabendo que este pretende chamá-lo a juízo, pode Pedro pedir que, por sentença, seja declarada a inexistência de qualquer dívida entre ambos.

E observe-se que se alguém ajuíza ação declaratória, fá-lo para obter declaração com força de coisa julgada e não para desfazer incertezas ou dúvidas.

Inferimos, pois, que a ação declaratória objetiva o valor segurança, que emerge da coisa julgada, e é traço marcante e distintivo nela.

          B- A sentença na ação declaratória

A sentença numa ação declaratória tem validade de preceito, conforme prelecionam vários doutrinadores. Portanto, não comporta execução, salvo quanto a custas e honorários. Exarada a sentença, se o vencido não se dispuser a cumprir, para obrigá-lo, deve o autor promover a execução forçada, por meio da propositura de nova ação, obviamente, condenatória. Contudo, em razão da coisa julgada na ação declaratória, o desfecho de uma ação de caráter condenatório ficará, sem dúvida, bem mais simplificado.

À guisa de simples observação, reiteramos, não se pretende discutir neste artigo a matéria ampla e profundamente. Mesmo porque a abordagem ao tema, aqui, é superficial e despretensiosa. Por isso, há casos que poderiam ser discutidos mais profundamente, como a natureza da sentença da ação de usucapião, por exemplo. Ou se a sentença é de ação declaratória positiva ou negativa. Percebe-se que passamos ao largo dessas discussões, pois o objetivo real deste artigo é outro.


IV- CASUÍSTICA: DA AÇÃO DECLARATÓRIA DE DIREITO

Chegamos praticamente ao cerne da questão. Cientes do que seja a ação declaratória, aventemos hipóteses em que o ordenamento jurídico pátrio não faça menção a respeito de algum fato concreto, que, assim, não foi objeto de uma regra ou de um referência.

É notado, pois, com evidência, o silêncio da lei que, nem de leve, refere-se ao caso. É o que conhecemos como "lacuna na lei". Ou, então, haja a lei, porém, desde a sua promulgação, quem deveria cumpri-la se omite, protela, torna-se até, abusivamente, indiferente a ela.

Ora, há princípio firmado de que não cabe ao juiz deixar de julgar qualquer caso que seja submetido à sua jurisdição, quando competente, sob alegação de que a lei é omissa, ou há lacuna. Da mesma forma, quando o autor tem interesse de agir e busca a tutela jurisdicional para assegurar direito que vem sendo protelado.

Nessas hipóteses, se a lei é omissa ou silencia, ao juiz cabe revelá-la. Para tanto recorre aos costumes, aos princípios gerais do Direito e à analogia. Por isso, rigorosamente, não existe lacuna na lei, pois sempre há um meio de removê-la. Assim como, judicialmente, existem meios de que se pode valer o cidadão ( ou pessoa jurídica qualquer) para, em se sentindo prejudicado pela protelação no cumprimento de uma lei, vir a Juízo pleitear o direito pela omissão de quem deveria cumpri-la.

É aqui que aparece como instrumento eficaz a ação declaratória de direito. Contudo, antes de prosseguirmos na linha de pensamento a ser desenvolvida, abramos parênteses para levantar duas questões fundamentais:

1. Não existe interesse de agir quando se pede a declaração de relação jurídica futura ou pretérita. Portanto, ineficaz a ação declaratória porque, certamente, será extinta pelo juiz competente. Contudo, haverá o interesse de agir se já existir a relação jurídica e a ação tratar de seu desenvolvimento futuro, ou, ainda, quando, relativamente à relação jurídica pretérita, houver questionamento sobre seus efeitos no presente;

2. Devem lembrar-se os operadores do direito de que nosso Código não prevê e nem admite ação declaratória de mero fato, como o admite, por exemplo, o direito português. E muitas vezes, por inexperiência ou por distração, colegas requerem a declaração e elaboram o enunciado da pretensão inadequadamente.

Note-se o trecho deste acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo:

          "Basta o enunciado da pretensão para verificar-se que a autora não objetiva a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica. Demanda, ao revés, obter a prova de fato que vem sendo impugnado, vale dizer, de que as alienações que fez não abraçam toda a área contida na transcrição n. 9 095, restando-lhe a sobra que indica. Por mais que se esforce o nobre procurador da autora, em trabalho merecedor de encômios, não há fugir daí: o que almeja a suplicante é a prova de um fato, não a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica."

Portanto, da narração de fatos idôneos e concretos, dos quais, como dissemos, ao menos em tese, exsurjam a necessidade e a utilidade da tutela jurisdicional, emana o direito.

Reiteramos, ainda: os fatos alegados têm de ser adequados ao provimento pedido, isto é, deve haver relação de adequação entre eles, conforme o direito vigente ao tempo da propositura da ação.

Não se pode, pois, confundir o fato com as suas conseqüências jurídicas. Apenas estas últimas podem ser objeto da declaratória. O sucesso na demanda fundamenta-se, primordialmente, nos termos em que o autor deduz a pretensão. Se pedir tão-só a declaração da existência ou inexistência de um fato, estará fadado à sucumbência! Se requerer, no entanto, a declaração da existência ou inexistência da relação jurídica que emerge do fato, há grandes possibilidades de lograr êxito no que pretende.

Feitas as observações, prossigamos. Com a ação declaratória de direito, busca o autor a tutela jurisdicional a um direito que emana de fatos concretos, idôneos, hábeis, que, por algum motivo, devam ser declarados judicialmente. E, geralmente, essa ação costuma vir precedida de medida cautelar, ou no bojo de pedido de tutela antecipada. Em outras palavras, a ação declaratória de direito é a ação principal.

Assim, a opção do operador de direito, que seja, por exemplo, procurador de seu cliente, centra-se numa ou noutra ação ancilar prevista no nosso Código.

          A- MEDIDA CAUTELAR X TUTELA ANTECIPADA

A escolha entre a medida cautelar e a tutela antecipada, como ação ancilar, depende do caso. Há que se ingressar em Juízo com a que melhor satisfizer a pretensão ou as pretensões do autor.

O Código de Processo Civil brasileiro, no que tange às ações cautelares, traz todo um capítulo a respeito. A partir do artigo 796 — e seguintes do capítulo — regulamenta-se o instituto. Os procedimentos e requisitos constam do artigo 801 e respectivo parágrafo:

          Art. 801 - O requerente pleiteará a medida cautelar em petição escrita, que indicará:

          I - a autoridade judiciária, a que for dirigida;

          II - o nome, o estado civil, a profissão e a residência do requerente e do requerido;

          III - a lide e seu fundamento;

          IV - a exposição sumária do direito ameaçado e o receio da lesão;

          V - as provas que serão produzidas.

          Parágrafo único - Não se exigirá o requisito do nº III senão quando a medida cautelar for requerida em procedimento preparatório.

Já a tutela antecipada consta do artigo 273 e respectivos parágrafos:

          Art. 273 - O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:

          I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou

          II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

          § - Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento.

          § - Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado.

          § - A execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588.

          § - A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

          § - Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento.

Obviamente, a instituição da tutela antecipada, conforme acima, não traz o condão de eliminar o poder de cautela do juiz, e, muito menos, de esvaziar o processo cautelar.

Diz, com bastante propriedade, o ilustre Prof. Kazuo Watanabe, a respeito da matéria:

´A tutela antecipatória é satisfativa, parcial ou totalmente, da própria tutela postulada na ação de conhecimento. A satisfação se dá através do adiantamento dos efeitos do provimento postulado. Já na tutela cautelar, segundo a doutrina dominante, há apenas a concessão de medidas cautelares que, diante da situação objetiva de perigo, procuram preservar as provas ou assegurar a frutuosidade do provimento da ação principal. Não é dotado, assim, de caráter satisfativo.´

Dessarte, os institutos da tutela cautelar e da tutela antecipada, à disposição dos operadores do direito, mostram-se como duas funções distintas que devem ser escolhidas, como dissemos, de acordo com o caso. A assertiva de Zavascky encaixa-se perfeitamente aqui:

´De ora em diante, a ação cautelar se destinará exclusivamente às medidas cautelares típicas; as pretensões de antecipação satisfativa do direito material somente poderão ser deduzidas na própria ação de conhecimento.´

Há que se cuidar, com esmero, na elaboração de uma ou outra ação ancilar, dos requisitos que elas exigem. Induvidosamente, os requisitos da tutela antecipada a serem atendidos pela parte são bem mais rígidos e bem mais rigorosos que os das ações cautelares.

As ações cautelares exigem o fumus boni iuris e o periculum in mora, como condições essenciais para a ação. Sem esses requisitos, não há ação.

Já a tutela antecipada exige a prova inequívoca. Não se contenta apenas com a "fumaça" do bom direito. À existência de prova inequívoca, soma-se o convencimento do juiz da verossimilhança da alegação e a prova de que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Também, no inciso II, no caso de abuso de direito de defesa ou no caso de manifesto propósito protelatório do réu, devem tais casos ficar bem caracterizados.

Acresça-se, ainda, o que prediz o parágrafo segundo: não será concedida a antecipação da tutela se houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. Sim, pois, na hipótese de o juiz conceder a tutela e, ao final do processo, o autor for vencido na lide, se a tutela já foi antecipada, como fazer o provimento antecipado voltar ao estado em que se encontrava antes? Havendo, pois, tal perigo, dificilmente um juiz a concederá.

Dessarte, não há que se confundir os dois institutos. Julgados existem que esclarecem o tema:

"Não é admissível, no âmbito do poder geral de cautela - CPC, art. 798 -, deferir medida cancelando, antecipadamente, o protesto já tirado, pois o processo cautelar visa a prevenir o dano. A hipótese é de antecipação da tutela - CPC, art. 273 -, a ser requerida na ação de cancelamento - art. 4º da Lei 6.690/79." (Ac. un. da 5ª Câm. do TJRS de 26.09.1996, na Ap. 596.172.692, rel. Des. Araken de Assis)

"Não se confundem medida cautelar e tutela antecipada. Na primeira bastam fumaça de bom direito e perigo de dano. Na segunda, exige-se que a tutela corresponda ao dispositivo da sentença; haja prova inequívoca, capaz de convencer o juiz da verossimilhança das alegações; fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. Tudo isso mediante cognição provisória, com audiência do demandado, que só pode ser dispensada em casos excepcionais." ( Ac. un. da 3ª Câm. do TJSC de 17.09.1996, no Ag 96.001.452-7, rel. Des. Amaral e Silva)

"Tutela antecipada não se confunde com medida liminar, eis que nesta a providência se destina a assegurar a eficácia prática da decisão judicial posterior, enquanto que (sic) naquela existe o adiantamento do próprio pedido da ação." ( Ac. un. da 5ª Câm. do TJRJ de 10.12.1996, no Ag. 4.266/96, rel. Des. Miguel Pachá)


V- CONCLUSÃO

A abordagem da matéria, em que pese o enfoque superficial dado à ação declaratória, tem o objetivo de auxiliar colegas que pretendam utilizar essa ação, na prática, no cotidiano trabalho jurídico. Mormente aqueles que defendem seus clientes em ações referentes às rádios comunitárias, porque a declaratória é o instrumento, em nosso modesto entendimento, para que se consiga sucesso na demanda. Vamos a um breve comentário a respeito, à guisa de conclusão.

Antes de 1998, mais precisamente, do mês de fevereiro de 1998, quem se predispunha a montar uma rádio comunitária ("radcom") esbarrava na falta de concessão do Poder competente, motivo pelo qual as autoridades responsáveis, por meio do Poder Judiciário, conseguiam a expedição de mandados de busca e apreensão e fechavam as rádios que estavam operando, sob a alegação de crime (artigo 70 da Lei nº 4.117/62).

Telecomunicações – Instalação de radiotransmissor clandestino – Artigo 70, da Lei 4.117/62 – Insignificância - Radiotransmissor de pequeno alcance, rudimentalmente instalado, sem a devida autorização, embora reprovável, apresenta-se de baixíssimo potencial ofensivo. Teoria da insignificância que autoriza a absolvição. Recurso improvido ( TRF- 1º Região – 4º T.; Ap. Crim. Nº 96.01.09003-7- MA; Rela. Juíza Eliana Calmon; j. 13.05.1996; v.u.; ementa.)

E não o é!

Alguns, também por meio do Poder Judiciário, conseguiram, naquela época, sentença judicial favorável. Ingressaram no Juízo competente com ação cautelar inominada e, dentro do prazo legal (30 dias), com a ação principal — uma declaratória de direito.

Além das peculiaridades locais (como ser a única rádio na cidade; atender a comunidade, veiculando campanhas de conscientização sobre saúde, educação, consumo, contra as drogas e outras; ser espaço aberto para o cidadão ter vez e voz e exercer sua cidadania...etc., etc., etc...) argumentos consistentes provaram que havia lacuna na lei. Também fundamentaram a ação em artigos da Constituição Federal e da Convenção Americana, pacto de São José da Costa Rica, de 22/12/69. Algumas dessas ações foram julgadas procedentes.

Ressalte-se, portanto, que não havia lei que regulamentava a instituição do serviço de radiodifusão comunitária. E na ação declaratória, provavelmente, diante dos fatos narrados pelos autores, fatos concretos, hábeis, idôneos, emergiu o direito, ou seja, a Justiça reconheceu a existência de vínculo jurídico que unia um titular desse direito ao objeto desse mesmo direito (o de operar uma rádio de 25 a 50 watts, que atinge raio de pequeno alcance e com baixíssimo potencial ofensivo).

Permitam-nos, antes de continuarmos a nossa linha de pensamento, tergiversar sobre o seguinte: o artigo 223, caput, da CF 88 disciplina a conduta do Estado para com o segmento empresarial das comunicações sociais. Mas, não são destinatárias da mencionada regra constitucional as atividades de radiodifusão extra-empresariais ou não-oficiais, como as radcom de baixa freqüência e curto espectro. Acresça-se — e é importante frisar — que as radcom não podem ser tratadas sob o influxo das regras do artigo 223, caput, sob pena do desprestígio gritante do princípio constitucional da isonomia! Assim se pronunciou num Mandado de Segurança (nº 1996-7), o Juiz Ivan Lira de Carvalho, da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte.

Nessa esteira também o relator Juiz Célio Benevides, do TRF 3º Região, no acórdão que se segue:

SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO - Rádio comunitária - Necessidade de autorização e concessão da União Federal para instalação e operação - Inteligência dos artigos 2º, parágrafo único, e 6º da Lei nº 9.612/98 - Voto vencido.

Nos termos dos artigos 2º, parágrafo único, e 6º da Lei nº 9.612/98, a instalação e operação de emissoras de radiodifusão, até mesmo as denominadas rádios comunitárias, dependem de autorização e concessão da União Federal.

Tratando-se de rádio comunitária que opere com equipamentos de radiodifusão de baixa potência, sem fins lucrativos, destinados apenas a difundir a atividade cultural e informativa no seio de determinada comunidade, sem causar prejuízos a terceiros, é desnecessária a autorização governamental para sua instalação e operação, principalmente se a instalação da emissora se deu antes da edição da Lei nº 9.612/98.

          (TRF 3ª R - MS nº 97.03.068199-9-SP - 1ª Seção - Rel. para acórdão Juiz Célio Benevides - J. 15.04.98 - DJU 26.05.98). RT 755/430

Após a tergiversação, voltemos ao busílis. Não houve nas ações a que nos referimos, certamente, o pedido para que o Poder Judiciário autorizasse o funcionamento das radcom, ou seja, juridicamente, não houve o pedido de ação declaratória de mero fato. Mesmo porque não tem o Poder Judiciário competência para outorgar concessão de rádio. Se o fizesse, haveria ingerência de um Poder sobre o outro. Contudo, esgotou-se uma primeira etapa em 1998. Qual seja, período em que não havia lei que regulamentava as radcom.

Depois, chegamos a fevereiro de 1998. A partir dessa data, passou a vigorar a lei nº 9.612, que instituiu o Serviço de Radiodifusão Comunitária e deu outras providências. E, desde a sua promulgação, lá se vão dois anos!

Milhares de interessados, em todo o Brasil, fizeram as inscrições para obter a concessão governamental. Seguiram os procedimentos determinados. Contudo, até hoje, mesmo em locais em que há apenas uma inscrição para o serviço, não houve sequer uma resposta do órgão responsável a respeito do pedido de outorga. A Administração responsável omitiu-se!

Induvidosamente, o tempo – dois anos já se passaram – é inexorável para demonstrar a omissão do governo no cumprimento da lei. Receberam as inscrições e nada mais foi realizado, embora a própria lei preveja etapas a serem cumpridas. Houve a regulamentação dela, lei, mas, igualmente, nenhuma medida foi tomada até o momento, principalmente, reiteramos, em relação àqueles cuja inscrição é o único pedido no local. Não houve, que se saiba, até agora, habilitação alguma! Há remédio contra essa omissão?

          Sim, a Justiça. Por meio de uma ação declaratória de direito com tutela antecipada, com fulcro, por exemplo, dentre outros, no artigo 461 do CPC.

Essa tutela, respeitados os requisitos exigidos, se concedida, antecipa a própria solução definitiva esperada no processo principal, qual seja, a de que, reconhecida a existência da relação jurídica ( em razão de ter sido feita a inscrição, em razão da omissão dos responsáveis, da protelação injustificada do pedido, e, mormente, da provável concessão do pedido, pois é o único da cidade — e todas são provas inequívocas), pois bem, reconhecida a existência do vínculo jurídico, o Poder Judiciário, último bastião dos injustiçados, deve determinar que o Minicom autorize o funcionamento da rádio até que seja concedida definitivamente a concessão que, sem dúvida, acabaria por ser outorgada.

Quanto ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, prova-se que a rádio em operação é extremamente benéfica à comunidade, que a calar significa calar o próprio povo, ainda mais se for a única na cidade, implicando descrédito e constrangimento aos que a administram e prejuízo à comunidade; prova-se, também, que não possui fins lucrativos, tem caráter sócio-cultural, que funciona com baixa potência, que seus transmissores são homologados pelo Minicom, de acordo com a viabilidade técnica assinada por engenheiro responsável, não causa prejuízos a terceiros, inofensiva, pois.

O manifesto propósito de protelação está no tempo – dois anos já se passaram desde a promulgação da lei. Quanto à antecipação satisfativa, em nada prejudicará, pois, se, ao final, a causa restar perdida, fecha-se a rádio definitivamente. Não acarretará prejuízos, apenas tristezas.

E para a conclusão, de fato, final ( com perdão pelo pleonasmo), eis para onde caminha o nosso Poder Judiciário, e acertadamente:

"EMENTA: Administrativo – Rádios Comunitárias – Antecipação de Tutela –
Omissão da Administração.1. Em casos como o de que se cuida, tendo-se em conta a baixa potência dos transmissores, e o fato de o empreendimento não objetivar finalidade lucrativa, melhor conviria ao interesse coletivo, garantir-lhe a continuidade dos serviços de radioemissão, de responsabilidade da agravada, ainda mais quando a Administração não apreciou o pedido de outorga, formulado em 27 de agosto de 1998. 2. Presença de verossimilhança das alegações e do fundado receio de dano irreparável. Por outro lado, não se visualiza a impossibilidade de reverter o provimento antecipado, pois se agravante for vencedora na lide, a rádio deixará de funcionar sem problemas.3. Pedido de atribuição de efeito suspensivo ao Agravo - indeferido."
(TRF da 5ª Região, 3ª T, no AI nº 22004 – Rel. Juiz Geraldo Apoliano – DJ de 31.12.99, p. 373, REVISTA CONSULEX (Leis e Decisões, Ano IV – V. II – nº38 de 29 de fevereiro de 2000, p.20)

Se, neste artigo, nosso entendimento contiver equívocos, que nos perdoem. Servindo, pelo menos, de contraponto para novas discussões, já nos deixará satisfeito.

E aproveitamos o ensejo para agradecer pelas valiosas trocas de experiências, por e-mail, caso leiam este artigo, aos colegas que, pelas mais diversas cidades e Estados brasileiros, lutam em favor das radcom: Jorge Alberto Coelho Macedo, José Adolfo Vacemberg Paulino, Augusto Vinicius Fonseca e Silva, Luís Carlos Dias, Rosana Martins Costa, Carlos Seabra, Priscila Arraes Reino, Peter e Adriano, dentre outros.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAGANELLI, Wilson. A ação declaratória de direito e as rádios comunitárias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/782. Acesso em: 20 abr. 2024.