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Estado de calamidade pública: efeitos jurídicos

Estado de calamidade pública: efeitos jurídicos

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Em tempos de pandemia, entenda o estado de calamidade pública e seus principais efeitos jurídicos.

Conforme é de conhecimento público,  o mundo todo esta sendo afetado por uma pandemia causada pelo vírus Sars-Cov-2, que é o agente causador da doença denominada COVID-19, consoante declarado pela Organização Mundial da Saúde – OMS.

Diante de tais circunstâncias, a união e diversos estados e municípios brasileiros reconheceram o estado de calamidade pública, com o objetivo de viabilizar meios para que o Poder Público possa combater essa pandemia que tanto preocupa o país e o mundo, com fulcro no art. 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000). In verbis:

 Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembléias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação:

 I - serão suspensas a contagem dos prazos e as disposições estabelecidas nos arts. 23 , 31 e 70;

 II - serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho prevista no art. 9o.

 Percebe-se que o estado de calamidade publica pode ser reconhecido tanto a nível federal como também a nível estadual e municipal, cuja incumbência é do Poder Legislativo de cada esfera de governo.

A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece normas de finanças públicas voltadas à promoção da responsabilidade na gestão fiscal, com a previsão de diversas restrições/punições ao ente federado que estiver em desacordo com as suas normas, inclusive para os gestores públicos responsáveis.

Todavia, uma vez reconhecido o estado de calamidade pública, opera-se a mitigação de alguns dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, em caráter temporário. Com isso, se necessário, o ente federado em situação de calamidade (e em razão dela) poderá:

  •  Exceder o limite de gastos com o funcionalismo público;
  • Ultrapassar o limite da dívida pública;
  •  Desonerar-se da obrigação de atingir a meta fiscal prevista;
  • Não sujeitar-se ao regime legal da limitação de empenho.

Convém destacar que tal medida é de competência exclusiva do Poder Legislativo de cada esfera de governo, que o faz por meio de Decreto Legislativo, promulgado pelo Presidente da respectiva Casa de Leis.

Ademais, o reconhecimento do estado de calamidade pública configura uma das hipóteses de dispensa de licitação, nos termos da Lei n. 8.666/93, senão vejamos:

Art. 24.  É dispensável a licitação: 

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

Nota-se que, nesse caso, a licitação somente poderá ser dispensada para fins de aquisição de bens e/ou serviços que sejam necessários ao atendimento da situação calamitosa, impedindo, desta forma, a dispensa indevida para outros fins que não se relacionem com o contexto que motivou o reconhecimento da calamidade.

Observa-se, ainda, que o legislador limitou o instituto da dispensa de licitação para obras e serviços que possam ser concluídos em no máximo 180 dias, levando-se em consideração, por óbvio, o caráter transitório do instrumento jurídico em estudo.

Do mesmo modo, a Lei n. 8.666/93 também possibilita ao ente federado em situação de calamidade a suspensão da execução de contratos ou o atraso superior a 90 dias nos pagamentos devidos, sem que isso constitua motivo hábil à rescisão contratual por parte do contratado. Vejamos:

Art. 78.  Constituem motivo para rescisão do contrato:

XIV - a suspensão de sua execução, por ordem escrita da Administração, por prazo superior a 120 (cento e vinte) dias, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, ou ainda por repetidas suspensões que totalizem o mesmo prazo, independentemente do pagamento obrigatório de indenizações pelas sucessivas e contratualmente imprevistas desmobilizações e mobilizações e outras previstas, assegurado ao contratado, nesses casos, o direito de optar pela suspensão do cumprimento das obrigações assumidas até que seja normalizada a situação;

XV - o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação;

Também há implicações no bojo da legislação eleitoral, vez que esta permite, excepcionalmente, a transferência de recursos da união aos estados e municípios, bem como a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios, mesmo em período eleitoral, o que via de regra é proibido. Vejamos:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. 

Portanto, percebe-se que tais mitigações são essenciais para o enfrentamento da situação calamitosa, tendo como finalidade evitar eventuais prejuízos ao Poder Público, e principalmente à própria população, que muitas vezes se encontra em situação de vulnerabilidade.



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