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O bolsonarismo e o direito à consciência

a tutela do cesarismo trágico

O bolsonarismo e o direito à consciência: a tutela do cesarismo trágico

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Teremos força política, moral e operacional para desalojar a tragédia instalada pelo triunvirato no poder palaciano?

• Sob o bolsonarismo, pode-se dizer que vivemos um total Cesarismo Trágico, tamanho é o grau de involução no Processo Civilizatório, seguindo-se à óbvia ação evolutiva do fascismo tupiniquim: da tragédia prometida (2018 -) à realização do pior possível (2020 -).

• Este breve relato tem por objetivo, mais do que nunca, ressaltar a necessidade, a urgência-urgentíssima, de repostarmos o Direito à Consciência.

• A natureza político-jurídica ressalta a formulação de um Direito Constitucional Fundamental que desagregue todo o poder retrógrado investido no Cesarismo Trágico.

Em paráfrase a Antonio Gramsci, em seus Cadernos do Cárcere, nossa premissa destaca que vivemos a gestão de um “cesarismo retrógrado”, aqui denominado de Cesarismo Trágico – ao combinar tragédia real com “realismo mágico”. Isto quer dizer que estamos sub judice do oposto ao “cesarismo progressista”, capaz de gerar pela ação de um Condottiere (Bonaparte, Bismarck) uma espécie de adesão global a partir de grandes lemas de integração ou de expansão nacional: fortalecimento do Estado-Nação, ampliação territorial, fortificação de sonhos imperialistas.

Hitler, Mussolini e outros estariam no limbo entre os dois tipos, pois é evidente que o fascismo e a “solução final” foram altamente desagregadoras para seus mandatários e, sobretudo, para os povos envolvidos. No caso específico do Brasil – remontando-se a 2013, pelo menos, com as micro e imberbes revoluções coloridas –, é evidente que mergulhamos no poço (vale a comparação com o filme O Poço-Netflix). 

Este poço, ainda longe do 303º andar, rumando para baixo, foi tomado por todo tipo de adesão ao bolsonarismo: desde os que querem, voluntariamente, infectar-se com o novo coronavírus para serem salvos pela cura milagrosa, até membros atuantes em todas as instituições de poder. Desde a Procuradoria Geral da República e do seu máximo gestor escolhido fora da lista tríplice – sequer participou do processo eletivo  –, passando por todos os ministérios empossados em 2018, até as ações regressivas de muitos parlamentares e/ou as ações evasivas no Judiciário.

Exatamente o Poder Judiciário que teria um peso decisional “moderador”, em equilíbrio institucional, é o que se apresenta em piores condições, agora movido e manietado por um tipo de “Legalismo Mágico”, soberbo, desplugado das realidade e de suas Responsabilidades Constitucionais. Este conjunto probatório – e não meras incursões ideológicas ou “fortes convicções – constitui o que denominamos de Cesarismo de Estado. Este feito notável do poder tupiniquim foi memorável em 2016, com o triunvirato dos poderes agindo para legitimar o impeachment. Hoje, no esplendor da anemia moral, melhor se constitui como Cesarismo Trágico, pois só haverá de se reportar à tragédia nacional programada.

De lá pra cá, 2016-2020, muita água transcorreu na pinguela do poder institucional: o gerente do impedimento de 2016, o vice-presidente Michel Temer, foi algemado duas vezes pela Polícia Federal. A Lava Jato, que criou presos políticos, virou Vaza a Jato. Mas, isto quer dizer que o triunvirato se desfez? De jeito nenhum, afinal de contas o bolsonarismo foi diplomado em 2018 – com amplo respaldo nos três poderes. O que mudou, então? Mudou o fato de que o cesarismo se revelou em total desastre operacional do poder. O bolsonarismo é reconhecido, mundialmente, pela baixa qualificação intelectual – e isto ficou evidente na economia que desmoronou e na incapacidade de conter a pandemia da COVID-19.

O cesarismo regressivo, instalado nos três poderes, mostrou-se tão incapacitado que se alinhou ao bolsonarismo no pior sentido, ou seja, na crueza da recusa da razão, da ciência, no mais amplo combate anti-intelectual possível. Temos um esforço nacional pela “magnificação”, no pior pesadelo de Max Weber, impondo-se o recalque de quem se anulou existencialmente na “perda dos sentidos” e, assim, tragicamente, se revolta contra a realidade dos fatos (a obviedade) e se nega ao compromisso da dominação/regulação sistêmica de acordo com a racionalidade, o Estado de Direito, a Vigência Constitucional.

Todavia, o pior disso é que se trata de um projeto de poder: desconstituir as bases racionais, fazer descreditar a “dominação racional-legal”. Porque, afinal de contas, o povo acredita que “Deus é brasileiro”. Um nivelamento por baixo, abaixo da média, foi o que vimos nesses dois anos: quando Jesus que se apresentou na goiabeira. O Cesarismo Trágico, em analogia mais a Gabriel Garcia Márquez (e a vaca que come o tapete dos governantes) do que a Borges, amplia-se em poder tanto mais for capaz de apelar ao terraplanismo, à geração espontânea ou ao criacionismo. Não é só o povo que crê nisso, o Palácio também.

Veja-se que o presidente da principal agência de fomento à pesquisa (CAPES) é crente do criacionismo. E um dos principais interlocutores palacianos é um parlamentar tipificado por ser o maior investidor em Fake News sobre a COVID-19 . De qualquer modo, com a pandemia e a crise econômico-social à beira do caos ou da total guerra civil, por álcool gel e brioches (no modelo classe média nacional), o triunvirato metamorfoseou-se, novamente, sob a guarda pretoriana dirigida por um generalato.

Na fase atual, 15 de abril de 2020, o Cesarismo de Estado, fascista e retrógrado no limite do Processo Civilizatório, por isso Cesarismo Trágico, ressuscitou um “golpe dentro do golpe” (2016-2018) e, pela Via Prussiana (Bismarck), impôs regras mínimas de racionalidade operacional ao próprio Planalto .Quem responde, hoje, pelo poder é uma junta militar, chefiada pelo general Braga Neto. Esta operação tem o codinome de “presidência operacional”, alegando-se que o caos provocado (vide bolsonarismo) necessita de mínima contenção sob o custo da desordem social absoluta. Tratar-se-ia de impor regras de racionalidade operacional, a partir de comitê gestor de crise pandêmica, social, governamental.

Em sentido reverso, há ou haverá resistências ao bolsonarismo?

Congresso e STF, de um lado, OAB e sociedade civil de outro (panelaços), são exemplos de que teria eclodido uma certa dose de Desobediência Civil  - em tempos de “realismo mágico” ou “Cesarismo Trágico”.

Por exemplo: STF  e Congresso  atuam para desabonar as canetadas como se fossem a mais completa encarnação da “lei do mais forte” ou “a lei sou”, do Führer; Partidos Políticos e movimentos sociais populares, organizados tradicionalmente ou com base nas redes sociais virtuais, lançam manifestos, conclamam adesão a abaixo assinados de variados tipos: do impeachment popular virtual às necessárias medidas administrativas que encaminhem a desobrigação do cargo público e a posterior interdição civil.

Some-se a isto os intelectuais, professores, artistas, trabalhadores e trabalhadoras que perseguem a militância política de confronto ao fascismo. Bem como há respostas institucionais em instâncias diversas de poder: ministros, governadores e prefeitos instituem toque de recolher, isolamento, para conter o avanço da COVID-19.

Isolados ou em família, cidadãos comuns, alguns que até empossaram o presidente em exercício, promovem “panelaços” por dias seguidos e promovem o reencontro entre o público e o privado. Por seu turno, todo este conjunto reativo seria desferido, sobretudo, contra a normalização da anormalidade? Teremos força política, moral, “operacional” para desalojar a tragédia instalada pelo triunvirato no poder palaciano?

Este é o grande problema e paradoxo, pois, a pior anormalidade do bolsonarismo e rente ao fascismo é a aposta cega na irracionalidade, no anti-intelectualismo, na descrença na ciência – especialmente se e quando se age contra os interesses de mercado, a exemplo do isolamento como combate ao contágio do novo corona.

Se isto fará refluir o significado do que viemos salientando – ou outro conjunto de fatores e fluxos políticos e sociais – isto é o que nos dirá a história vindoura, porque todos nós temos os olhos marejados ou fechados, quando imersos no olho do furacão trazido e manipulado pelo Cesarismo Trágico.

Esses adoradores do Fauno vivem em universos paralelos, dentro e fora do poder, ao mesmo tempo em que se implanta o terror, dentro e fora das redes sociais, e se encanta a população analfabeta – especialmente no sentido político – com promessas de cura milagrosa, crendices e superstições salvacionistas. Sob o Cesarismo Trágico, muito em breve, o Fauno trazido pelo fascismo tupiniquim revelará toda a tragédia prometida. E, então, sob os desmandos da realidade, a tragédia se fará carne.

Por fim, é preciso lembrar – aliás, nunca esquecer – que há milhões de serpentes (a maioria é peçonhenta) que seguem alegremente o tocador de flautas, rumo ao abismo do poço sem fim.


Autor

  • Vinício Carrilho Martinez

    Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. O bolsonarismo e o direito à consciência: a tutela do cesarismo trágico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6165, 18 maio 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81261. Acesso em: 16 abr. 2024.